ISBN nº 978-85-66399-12-7
“A MEMÓRIA ANIQUILA O TEMPO”: ORIENTALISMO E AFETOS NOS EXPANSIONISMOS RUSSOS SOBRE A UCRÂNIA EM 2014 E 2022
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Danielle Makio (Unesp)
Resumo:
A recente empreitada iniciada pela Rússia sobre a Ucrânia em 2022 vem causando consequências diversas, entre as quais podemos destacar uma maior atenção à análise dos processos de construção de agenda política do Kremlin. Nesse contexto, alusões à anexação da Crimeia de 2014, evento que, em certa medida, antecipa a formação do cenário atual, parecem naturais ao passo em que tratam de um episódio que em muito dialoga com a presente guerra. Para além dos atores e territórios envolvidos, ambos os casos compartilham demais características, tais quais: (i) tratam de empreitadas russas que objetivam a tomada de território ucraniano; (ii) são narrados pelo Kremlin como uma reação a provocações ocidentais (Toal, 2017); (iii) do lado russo, são ideologicamente legitimados, em boa medida, por uma narrativa que se vale de discursos históricos para justificar o direito à intervenção (McGlynn, 2023); (iv) são apresentados como resultado do dever russo de proteger seu povo dos perigos representados pelo avanço do Ocidente e de seus valores sobre regiões russófonas (Arel, 2018; Danilova, 2015).
Diante deste cenário, destaca-se o processo de construção ideacionária que leva às vias de fato do expansionismo russo: a fina construção do Outro enquanto objeto de posse e do Self enquanto detentor legítimo de tal. Em se tratando da díade Moscou/Kiev, destacam-se ainda fatores como a mobilização afetiva dos processos de rememorização do primeiro (Haskins, 2022; Wijermars, 2019), que clama a si um direito quase messiânico sobre o segundo, haja vista declarações acerca da imperativa necessidade de salvação de um povo oprimido (Agadjanian, 2017) – a comunidade russo/eslava que habita território ucraniano. O Kremlin, nesse sentido, demonstra plena capacidade de mobilizar recursos discursivos e estruturais para buscar a legitimação e a concretização de suas aspirações sobre a Ucrânia tanto em 2014 quanto em 2022. Dessa maneira, considerando o semelhante modus operandi do expansionismo russo em cada evento, pretendemos, com o presente trabalho, responder à pergunta: de que maneira podemos compreender as ações russas sobre a Ucrânia em 2014 e 2022 sob a ótica do Orientalismo de Edward Said?
A escolha do trabalho de Said (1990) se dá, sobretudo, em razão da estrutura analítica proposta pelo autor, que permite explorar de forma robusta o processo de objetificação do dominado dentro de um projeto político que se vale da dominação alheia como forma de projetar, e construir, poder. Partimos, pois, da hipótese de que, dado o controle russo sobre a máquina cientítifo-literária e midiática (Sanina, 2022), o Kremlin goza de ampla capacidade de construção e disseminação de uma historiografia que usa de processos de rememorização afetiva para impor uma narrativa histórica que consolida um comportamento orientalista por parte da Rússia. Sugerimos, ainda, que este se vale de uma noção de excepcionalismo do Estado russo do qual advém o direito à posse sobre outros territórios e de um messianismo moscovita que reitera o papel de salvador do povo como argumento legitimador do expansionismo (Lassila, 2022). Há, assim, uma objetificação tal do Outro ucraniano que, combinada à superioridade russa, formula um orientalismo tipicamento russo que se direciona a territórios e povos que se enquadram no discurso histórico-afetivo construído a partir de processos de historização.
A partir da análise de discursos proferidos por lideranças russas no contexto de cada episódio, esperamos (i) demonstrar de que maneira é formado o discurso que dá corpo ao dito orientalismo que sugerimos existir e (ii) caracterizá-lo, buscando, assim, detectar semelhanças temáticas entre eles. Para além disso, analisaremos também de que maneira o Kremlin foi capaz de materializar tais narrativas em meio à sua agenda política de forma a cristalizar uma representação rasa e monolítica da Ucrânia e dos povos russófonos que a habitam. Nesse sentido, destacamos a análise da evolução da construção de estruturas instituicionais e legislativas que corroboram o projeto político por trás dos expansionismos, como a aprovação de leis que impedem a publicação de versões alternativas acerca da Grande Guerra Patriótica (McGlynn, 2023). Esperamos que, dessa forma, possamos, de maneira geral, demonstrar como operam as bases desse orientalismo russo contemporâneo e como o mesmo se caracteriza à luz das contribuições de Edward Said.
“Deus, Pátria e Família”: as agendas de gênero e sexualidade na política externa do governo Bolsonaro.
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Carolina Stavale de Miranda Pinto Bilhim (Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)
Resumo:
O presente trabalho estuda a Política Externa Brasileira (PEB) no governo de Jair Messias Bolsonaro no que se refere às agendas de gênero e sexualidade. O objetivo é analisar as principais atitudes da atual PEB em relação à temática de gênero e sexualidade. A pergunta central da pesquisa é: Quais foram as principais ações e posicionamentos da política externa brasileira do governo Bolsonaro em relação às questões de gênero e sexualidade entre 01/01/2019 e 08/03/2021?
O marco temporal para a coleta de dados vai desde a data da posse do governo bolsonarista, em 01/01/2019, até 08/03/2021, sua recusa a assinar uma declaração conjunta com mais de 50 países pelo Dia Internacional da Mulher do Conselho de Direitos Humanos na ONU. O presente trabalho se justifica a partir de indícios preliminares de uma importante alteração na compreensão das políticas de gênero, as quais, desde o período eleitoral, foram alavancadas como plataforma de governo para os eleitores de Jair Bolsonaro (KYRILLOS, 2021).
No âmbito da compreensão da política externa, será empregado seu entendimento como uma política pública (MILANI, 2015), que se altera com o grupo político no governo e cuja formulação e implementação estão inseridas na dinâmica das escolhas, ideias e interesses de diversos agentes políticos, além do Estado e de seus funcionários.
Em termos metodológicos, o presente trabalho é resultado de uma pesquisa básica e de caráter descritivo e explicativo (GIL, 2008), que objetiva identificar os fatores que determinam fenômenos, isto é, explicar o porquê das coisas. Neste caso, busca-se entender as razões por trás das mudanças na política externa do governo Bolsonaro a respeito de temas como gênero e sexualidade.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de material já publicado, como livros, artigos, periódicos, arquivos disponíveis na Internet, etc. Em particular, o material analisado é resultado de buscas efetuadas em motores de pesquisa como Scielo e Google Acadêmico.
Os principais resultados obtidos neste trabalho revelam que as teorias feministas de Relações Internacionais desafiam os pressupostos tradicionais da disciplina, questionando a centralidade do Estado como principal ator e a ideia de uma ciência neutra. Essas teorias exploram como o gênero é construído por meio de discursos e práticas, revelando conexões e hierarquias ocultas.
Como aponta Milani (2015), a política externa de um país influencia suas políticas públicas domésticas, e essa relação é evidente na história recente do Brasil. Desde a democratização e a Constituição de 1988, o Brasil ratificou importantes tratados internacionais de direitos humanos, influenciando políticas locais e ganhando destaque na defesa dos direitos LGBTQIA+ e das mulheres.
Entretanto, o governo de Jair Bolsonaro, eleito em 2018, marcou uma guinada conservadora na política externa, caracterizada por discursos contra direitos humanos e práticas de desmonte de agendas de gênero e sexualidade. Houve a extinção do Ministério de Direitos Humanos, a exclusão de minorias sexuais das diretrizes de direitos humanos, e uma redução significativa no orçamento para o combate à violência contra a mulher.
Apesar desse cenário adverso, alguns avanços foram registrados, como a reclassificação da transexualidade pela OMS e a inclusão de mulheres trans na Lei Maria da Penha. A presença feminina na carreira diplomática também aumentou, indicando um progresso na democratização das esferas decisórias.
No âmbito internacional, alguns países têm adotado políticas externas feministas, que promovem a proteção e os direitos das mulheres, compreendendo as diferentes formas como políticas universais afetam homens e mulheres. Para o Brasil, adotar uma política externa feminista significa não apenas aumentar a presença feminina em espaços de poder, mas também comprometer-se com agendas públicas que abordem desigualdades e opressões econômicas, raciais e de gênero.
Portanto, a institucionalização do feminismo como princípio normativo da política externa brasileira pode transformar a realidade de discriminação e violência enfrentada por mulheres e meninas, promovendo uma política externa verdadeiramente inclusiva e transformadora.
“Países Europeus como atores da globalização econômica contemporânea (2001-2019)”
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Diego Trindade d'Ávila Magalhães (Universidade Federal de Goiás (UFG))
Resumo:
O presente artigo analisa o papel de países europeus na globalização econômica, partindo do pressuposto de que a globalização é um fenômeno multidimensional nuclear na política mundial. A queda do Muro de Berlim (1989) inaugurou uma fase de acelerada globalização econômica, e os trinta anos conseguintes corroeram o papel proeminente dos países do G7 na economia global, enquanto países emergentes reformulavam a lista das maiores economias do mundo.
O problema de pesquisa deste artigo focaliza o fato de que, por um lado, alguns países europeus têm conseguido manter um papel central e exercer significativo poder sobre processo de globalização econômica. Por outro lado, houve um declínio relativo desses países no ranking das maiores economias do mundo. Daí decorrem algumas perguntas: características estruturais, como a demografia e a geografia, seriam decisivas para determinar a proeminência dos países europeus na globalização econômica? Até que ponto as limitações no PIB afetam o poder desses países sobre esse processo? Seriam as maiores economias do mundo necessariamente as mais cruciais para a globalização econômica? Quais países europeus continuam entre os maiores impulsionadores da globalização econômica? Quais são as suas fontes de poder?
Este estudo tem como referência a teoria dos países globalizadores, que partiu da abordagem, metodologia e indicadores da perspectiva “transformacionalista” (de Held et al.) da teoria da globalização. Uma das suas principais premissas é a de que a globalização não é dada nem autônoma, e sim dependente de atores que a definem e redefinem ao longo do tempo. A teoria dos países globalizadores recorre aos conceitos fundamentais de “globalizadores”, “política de globalização” e “indicadores de projeção global”. As inferências desta pesquisa baseiam-se em dados empíricos de acesso aberto e em rankings globais, comparações e gráficos de elaboração própria, com o foco nos aspectos de comercial, financeiro e produtivo da globalização econômica.
Aplicando os indicadores de projeção global, esta pesquisa identificou o declínio relativo de Itália e Suíça, enquanto mostrou a proeminência de Alemanha, França, Países Baixos e Reino Unido, por movimentarem exportações, importações, investimentos e crédito em escala global, além de se destacarem tecnologicamente em termos de exportações de alta tecnologia e criação de patentes. Dessa forma, este grupo de países tem mantido um papel central na projeção global de fluxos e de redes econômicas, envolvendo as economias de países a distâncias continentais.
Descobriu-se que fatores estruturais limitam a projeção de países populacional e territorialmente menores, mas um desempenho industrial e tecnológico excepcional amenizam esses constrangimentos estruturais. Outro fator que impulsiona as economias europeias é a intensa integração regional. Politicamente, vale ressaltar, o agrupamento dos indicadores de projeção econômica dos países membros do bloco europeu sublinha o potencial do papel da União Europeia como um ator global excepcionalmente capaz de exercer poder sobre a globalização econômica.
“SE FOR, VÁ NA PAZ” UMA ANÁLISE DE BACURAU SOB A ÓTICA DE TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DO DISCURSO DECOLONIAL
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Kemilly Pereira Lima (Universidade Federal de Uberlândia (UFU))
Resumo:
INTRODUÇÃO
O modelo econômico, social e político vivenciado na América Latina e no Sul Global como um todo é resultado de um passado conturbado de exploração e colonização dos povos que foram assolados pelas grandes navegações europeias. O subdesenvolvimento, a precarização do conhecimento e o desdém das grandes potências nos países não fazem parte da hegemonia mundial, esse termo é parte de um processo longo voltado ao modelo capitalista. Nos dias atuais, as lutas sociais e de oposição ao sistema do capitalismo financeiro têm desordenadamente crescido nas camadas sociais mais abastadas até as mais precarizadas pelo sistema. Contudo, essa luta e reflexão não são traduzidas apenas para os movimentos e protestos de rua; esse debate ocupa as salas de aula das universidades e também as telas do cinema. Bacurau é um filme que resume essa integração de visões de mundo voltadas para a reflexão e questionamento do sistema em que a sociedade atual vive, e o audiovisual convidativo e chocante para várias instâncias da sociedade.
O presente trabalho busca, então, analisar o filme por meio de teorias voltadas para as áreas de debate acadêmico e social, além de integrar esses debates ao contexto encontrado no filme, o qual abarca temas atuais e atemporais da luta da periferia por um “lugar ao sol”, seja nas representações acadêmicas ou elas sendo representações artísticas de qualquer instância. O poder da representação e da transmissão de um ideal por meio das telas é usado aqui de maneira inteligente e perspicaz, analisando que o filme por várias camadas, debate, indaga e incomoda os espectadores, convidando-os a entender o contexto brutal da obra. Quando transportado para o campo das Relações Internacionais, o filme vira objeto de estudo pelos fatores políticos encontrados na produção e a possibilidade da análise teórica de vertentes decoloniais durante todo o filme.
Palavras-chave: Bacurau, Teorias, Relações Internacionais, Decolonial, Mídia.
ABORDAGENS TEÓRICAS
A respeito da teoria decolonial, há certa singularidade no termo decolonial, , esse termo vem se metamorfoseando e tomando proporções a partir dos debates e entraves criados originalmente de “sua palavra originária”, sendo ela a análise pós-colonial. O Pós-colonialismo possui uma grande gama de interpretações e desenvolvimentos nos quesitos acadêmicos, sendo este, termo pioneiro nas indagações sobre o terceiro mundismo e o Sul global, como futuramente os países de terceiro mundo serão chamados. Esse debate (pós-colonial) discute as áreas de raça, gênero e classe, que, apesar de se tratar de um tema que perpassa várias gerações de estudiosos e filósofos, ainda surgem questões sobre novas visões de mundo. Sendo assim, a partir dessa concepção, o tema surge para trazer questionamentos a respeito da a situação do terceiro mundo a partir das divisões supracitadas.
Primordialmente, esses questionamentos têm sua origem do Norte global, porém, com o passar do anos vem ganhando cada vez mais força no debate interno de vários países periféricos. Levando em consideração que os objetos de estudos são os países afetados pelo modelo colonial anterior e ao modelo capitalista, tendo em vista a situação capitalista atual do Sul global, as consequências das ações tomadas pelos colonizadores em suas colônias (TOLEDO, 2021).
Assim, o termo Decolonial se estabelece como uma terminologia voltada para o pós-colonialismo decolonial, o qual gira em torno, majoritariamente, das questões da América Latina. Sendo abordado futuramente por vários autores latino americanos. A ideia dos estudos coloniais, agora um campo em desenvolvimento com atenção voltada às causas voltada o foco nas causas, consequências e danos causados pelo modelo imperialista, capitalista e hegemônico exercido pelo norte global (as potências) (TOLEDO, 2021). Portanto, a historicidade e pluralidade do termo pós-colonial, para a presente pesquisa, o termo que será utilizado durante o desenvolvimento e conclusão se voltará para o decolonial, incorporando o termo à América Latina e ao contexto da pesquisa.
O debate decolonial é citado por vários autores,dentre eles, podendo citar Anibal Quijano (2005), que em seu trabalho Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina, busca descrever sua ideia de uma America Latina presa e submetida a questões da Europa e da colonização, tais como racismo, escravidão, subervsão de povos distintos sob o podério dos europeus. Isso, então, é desenvolvido pelo autor pela ótica do modelo capitalista, no qual de modo gradativo a sociedade “antiga” vai galgando novos horizontes voltados ao modelo de produção e ao objetivo de lucro. Assim, a ideia do eu latino americano sempre estará preso ao ideal do eu oriundo do colonizador, sendo essa visão de mundo uma invasão do corpo e do entendimento de mundo do indivíduo sob o modelo de produção, de vida e de entendimento da sociedade que a circunda. Conjuntamente com a teoria de Quijano, será analisada a Teoria do Sistema Mundo (TSM) de Immanuel Wallerstein (1930 – 2019) e a Teoria Marxista da dependência (TMD) ou apenas Teoria da dependência de Ruy Mauro Marini (1932 – 1997).
Primeiramente, a TSM de Wallerstein é usada neste trabalho para conseguir delimitar a origem dos termos periferia, semiperiferia e centro usados para se referir aos atores do filme e suas comparações. Originalmente, sua principal obra onde surge a teoria é dividida em 4 volumes, que o autor irá destrinchar os motivos do capitalismo e o modelo econômico se encontrarem da maneira que estão nos dias atuais, desenvolvendo a análise das divisões. Sendo assim, as bases para o desenvolvimento da economia mundial capitalista são voltados para o desenvolvimento e expansão geográficos, a diversidade e dinâmica dos modelos de controle do trabalho nas diferentes zonas e por último o desenvolvimento e criação de aparelhos estatais que viraram os países centrais das economias capitalistas (WALLERSTEIN, 1974). Consequentemente, esse tipo de desenvolvimento do modelo econômico capitalista culmina para a discussão do motivo de se dividir o mundo em áreas, e isso ocorre pelo modo como é dada a produção industrial capitalista. Basicamente, quando se tem uma produção em larga escala de bens, esses bens precisam ser consumidos por uma camada da sociedade para se gerar lucros a partir da produção. Esses lucros serão novamente investidos no meio e o ciclo continuará. Esse consumo é dado pela primeira camada da sociedade, ou a sociedade que teve o primeiro acesso ao modelo industrial de produção e de venda desses produtos, assim a sua própria sociedade é possibilitada de consumir os produtos, tendo o “luxo” de consumir produtos de primeira mão. Na outra instância, países colonizados – ou seja, países que tiveram acesso ao desenvolvimento e a industrialização tardiamente – não conseguem usufruir do mesmo tipo de consumo que nos centros, já que a demanda principal já foi suprida e o que é necessário agora, é uma mão de obra barata, sem especialidades e em larga escalada, se tornando assim uma camada marginalizada nesse modelo.
Com a divisão geográfica, social e econômica desse modelo, acabam sendo reforçados e, consequentemente, legitimando, reforçando e legitimando o posicionamento de grupos seletos dentro do próprio sistema, incentivando e aumentando a exploração econômica (WALLERSTEIN, 1974). O Centro é denominado por países de produção com alto valor agregado, principalmente tecnológico e industrial, voltado para exportação desses produtos bem desenvolvidos com mão de obra especializada. A Semi-periferia é um amortecedor entre o Centro e a Periferia, onde o processo de industrialização não é tão desenvolvido, mas consegue produzir produtos com maior valor tecnológico agregado e tem uma mão de obra semi-especializada além de grande parte não especializada também. E por fim, a Periferia se enquadra em países que vão sempre produzir matéria prima e exportar produtos brutos a baixo custo de produção, sem ter mão de obra especializada (MARTINS, 2015). Logo, com a contribuição de Wallerstein para a discussão da divisão mundial do trabalho e capital, pode-se agora ser referido em outras teorias como a TMD os termos usados para designados países, sendo válido citar que para entendimento geral, os termos principais serão periferia e centro.
Em segundo lugar, cita-se agora a Teoria da Dependência ou TMD desenvolvida por vários autores, que dentre eles se encontram Ruy Mauro Marini, um dos principais pensadores dessa vertente e cientista social brasileiro, além de Celso Furtado e Gunder Frank. A teoria se baseia na análise do subdesenvolvimento e desenvolvimento dos centros e periferias globais, sendo que no Brasil essa teoria veio de encontro com os tópicos debatidos pela CEPAL e Fernando Henrique Cardoso e sua escola teórica. Em seu artigo A teoria da Dependência na América Latina Luiz Machado (1999), desenvolve o que uma ampla rede de pensadores da vertente engloba a definição do que é teoria da dependência:
“O que se pretendeu chamar de teoria da dependência é uma obviedade histórica; uma tentativa de nova versão do modelo neocolonial. já descrito e conhecido desde o século XIX quando, então,o sistema política das nações hegemônicas impôs às ex-colônias um novo modelo sócio-econômico e político de exploração em nome do liberalismo triunfante” (MACHADO, 1999).
Sendo assim, o que se entende por teoria da dependência é o estudo das várias facetas das ações do centro e da periferia e a influência do centro é sempre algo levado em questão quando as pautas são desenvolvimento econômico, social e político, dado que essas áreas são comumente relacionadas pela dependência dos países periféricos com as potências mundiais.
E por fim, se adiciona um livro sobre a análise da Necropolítica de Achille Mbembe, para a presente pesquisa a interpretação para o termo é a do autor Camarão Achille Mbembe (1957), onde em seu ensaio Necropolítica ele analisa a partir dos ideais de Foucault (1926 – 1984) e Giorgio Agamben (1942) a ideia de biopoder, o embate entre escolher a vida e a morte, o necropoder. O tema envolve a questão do devir do sujeito e como isso é colocado em pratica em genocidios como foi a escravidão do povo negro nas Américas. A subversão forçada de um povo marginalizado e desumanizado para o uso em guerras e trabalhos exploratórios que ressoa até os dias atuais está embutida na análise que se faz do ensaio. Nessa obra, o autor cita a questão da utilização do poder estatal ou individual como uma arma e como forma de matar certo tipo de população. Aniquilando ou debilitando certas camadas para a utilização de recursos para o benefício próprio do Estado ou grupo que busca a erradicação de certo costume, povo ou país.
TEORIAS E O LONGA-METRAGEM BACURAU
Analisando as teorias e seus autores supracitados, o propósito é apresentar uma obra midiática brasileira, onde há de se entender onde e como essa representação da vivência latino americana perpassa as expressões artísticas apresentadas por artistas e atores latinos. Sendo assim, neste presente trabalho se fala sobre o longa-metragem Bacurau (2019), um filme de direção e produção brasileira sendo dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que se direciona na mesma linha de estudos de Glauber Rocha (1939-1981), outro cineasta brasileiro que lança o manifesto Uma estética da fome. No manifesto, é criticado os modos de se fazer cinema, o horror exacerbado pelo ideal de um cinema brutal e verdadeiro, além de criticar a maneira como os países de peso em eventos internacionais de cinema analisam a obra, dando importância ou não a partir dos moldes de análise cinematográfica colonial e hierárquica. Sendo assim, com a ideia tratada no documento do manifesto, Glauber Rocha então destrincha sobre o desenvolvimento das obras brasileiras e as maneiras que estas retratam a verdade crua do Brasil, fora do elitismo e da pompa em filmes alegres e suaves. No manifesto Rocha fala sobre como a fome do Cinema Novo (movimento que enquadra seu protesto) está ligada à ideia de reação, da violência e da brutalidade.
“A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida” (ROCHA, 1965).
Assim, Glauber Rocha continua desenvolvendo sobre como a cultura da fome em si é um processo que a América Latica como um todo passa e como isso deve ser considerado uma maneira positiva e ganhar força para se mostrar ao mundo e impor os costumes e vivências latinos dentro de um espaço hegemônico colonizador. “Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência” (ROCHA, 1965). No desfecho do manifesto, o cineasta brasileiro discute sobre a necessidade da reação do povo colonizado para conseguir se revoltar e reclamar o que é de direito do povo “[…]somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora. Enquanto não ergue as armas, o colonizado é um escravo […]” (ROCHA, 1965).
Conclui-se, portanto, que o manifesto da estética e da fome é uma virada de chave para o cenário artístico midiático no Brasil, principalmente sob o contexto que ele foi proclamado, que perdura até os dias atuais nas obras como Bacurau, onde os produtores e diretores continuam tentando assimilar e projetar esse Brasil/América Latina brutal, crua e verdadeira, visibilizada por aqueles que defendem a causa da reação a subjugação das hegemonias os seus territórios de influência.
Os diretores Mendonça e Dornelles decidindo assim, seguir um modelo de apresentação de suas ideias e protestos a partir da mesma visão sob a ideia do que é ser latino americano e qual seria o poder exercido pelas grandes potências dentro das instâncias nacionais dos países marginalizados pelo capitalismo. O filme é uma obra que representa uma situação alegórica de um específico povo brasileiro. Se passando no sertão nordestino, em uma pequena cidade do interior, a população bucólica se encontra em situações de perigo quando forasteiros (norte-americanos) apagam a cidade do mapa para começar uma caçada (por esporte) da população local. Durante o longa-metragem, o que se entende desse brutalismo é: como uma população pode ser representada e pode resistir ao externo, principalmente a um externo hegemônico e imperialista? Anterior às eleições de 2018, o filme já estava sendo produzido e foi lançado em 2019, ano do mandato de Jair Messias Bolsonaro (2019 – 2022) sendo de certa forma irônica a maneira como o filme contemplou o momento de descaso com a cultura e com as populações minoritárias no país. O filme traz uma leitura próxima de vários autores, como citado anteriormente, vindo também do ideal transmitido por Glauber Rocha, onde se pode analisar na obra o espanto causado, o brutalismo e a violência como ferramentas de resistência contra um inimigo impositivo. Ivana Bentes (2019), em seu artigo na revista Cult traz a reflexão do cinema disruptivo como uma das facetas da obra:
Afinal o que é um cinema disruptivo? E aqui volto a Glauber e a toda a radicalidade da arte em tempos de barbárie, “deve ser uma mágica capaz de enfeitiçar o homem a tal ponto que ele não suporte mais viver nesta realidade absurda” (BENTES, 2019).
Na mesma revista, a autora fala sobre um Brasil Brutal, ideia que já foi usada algumas vezes para explorar o tema, contudo a maneira com que Dornelles e Mendonça abordam o tema de uma maneira crua e cruel sobre os acontecimentos, trazendo perspectivas sensíveis e reais para a narrativa. Faz com que a obra estende suas reflexões para além do óbvio, também pode-se entender essa narrativa, por teorias e abordagens do meio internacional e social. Dado que o filme une duas instâncias, a nacional e a supranacional. Onde os invasores são os estadunidenses (além dos mediadores brasileiros infiltrados) e a resistência é o próprio povo latino brasileiro.
Além da análise da desumanização em meio a guerra e a opressão de Mbembe, outra visão pertinente para essa pesquisa são das vertentes de importante contexto (já dados) dos pontos da teoria de Quijano, Marini e Wallerstein. Isso, aliás, é utilizado no filme e pode ser analisado ao longo de seu desenvolvimento, visto que o próprio contexto que os personagens são apresentados está ligado à questão terceiro mundista do Brasil e da América Latina e sua relação com países centrais (nesse caso os Estados Unidos). Pode-se entender desse contexto, que a cidade de Bacurau se passa no interior do sertão baiano, onde a maior parte da população convive com situações de sucateamento humanitário e econômico, descaso por parte de atores estatais e majoritariamente sofrem com problemas climáticos que não possuem suporte do governo. Durante todo o desenvolvimento latino americano e brasileiro na história mundial, o país como uma colônia, não conseguiu se desenvolver independentemente da sua matriz Portugal, assim como é mencionado em sua teoria em Chutando a escada (2004) de Ha-Joon Chang, renomado economista coreano, onde os países periféricos agora tem uma árdua e impossível tarefa de ascensão econômica e mundial pelo simples fato que as regras “do jogo” impostas pelos hegemons não habilitarem o poder da tentativa de ascensão, assim, chutando a escada para o Sul global, já que o Norte global ascendeu anteriormente ao poder e continua mantendo o status quo.
OBJETIVOS E PERGUNTA DE PESQUISA
Dada a introdução dos conceitos e das teorias que nortearam a pesquisa, o artigo busca responder o seguinte questionamento: É possível identificar as teorias (sendo elas TMD, TSM e Necropolítica e elementos originados das Relações Internacionais e Ciências Sociais no filme Bacurau? E, a partir do reconhecimento desses elementos, há no filme um debate de representação do Sul Global e da periferia? É importante levar em consideração a análise de linguagens artísticas para um debate mais rico em conhecimento no campo das Relações Internacionais?
A partir das indagações feitas, será desenvolvido agora um maior entendimento do longa-metragem e como as teorias dialogam com a obra e a importância que pode ser dada para análises de cinema em Relações Internacionais e Ciências Sociais.
ABORDAGEM DE PESQUISA
Há uma importância na análise de linguagens artísticas para traduzir acontecimentos e debates das áreas, seja ela qual for. Nas Relações Internacionais o uso da mídia é comumente subjugada e deixada de lado. Contudo, seu uso para fins políticos não é novo, como é citado em seu primeiro volume As Relações Internacionais e o Cinema, Zanella e Júnior (2015, p.9-12) esse método é usado desde a época da Revolução Russa, ou da propaganda nazista, sendo os veiculos midiaticos usados por vários atores nacionais e internacionais para a disseminaçao de seus ideais e politicas.
É importante entender também que: “todo filme traz uma visão traduzida e construída de determinada realidade” (ZANELLA, JUNIOR, 2015) onde a abordagem e o contexto que a obra foi lançada será de importância para a análise. Considerando a importância histórica de análise midiáticas nas Relações Internacionais, o presente trabalho busca analisar a obra Bacurau a partir de lentes teóricas voltadas ao decolonialismo. Buscando entender o contexto da obra, onde se passa e os motivos dos desfechos e a partir desse momento, analisar baseando se nas teorias escolhidas os motivos e a presença de um entendimento específico ou plural da vertente do filme.
RESULTADOS OBTIDOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em primeiro momento, se afirma que a relação do filme com as teorias existe e é efetiva para uma análise do contexto do filme e da sua própria criação. Se busca agora entender melhor onde essas ligações são mais nítidas e onde não são tão coesas. Espera-se compreender a partir dessa pesquisa qual o reconhecimento dos tópicos estudados na área, e a justificativa da importância do estudo desse filme no âmbito acadêmico e analisar as teorias supracitadas no longa-metragem.
(Des)construindo Democracias: o alargamento para a Sérvia e o impacto na política externa europeia
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Beatriz Fernandes Lira Cavalcante (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio))
Resumo:
Desde sua fundação, o objetivo de desenvolver a União Europeia (UE) como um ator de política externa (PE) se fez presente (Olsen, 2000), caminhando em conjunto com o seu alargamento. Além de ser considerado uma história de sucesso e a sua política mais influente (Gagliardo, 2023), algumas das mudanças impostas dentro do alargamento aos países candidatos perpassam por transformações de efeito democratizante, onde o alinhamento com as legislações e políticas do bloco são garantidos (Cavoski, 2015; Johansson-Nogus, 2015). Destacando a consolidação e o apoio à democracia como objetivo de política externa nas suas relações (Treaty on European Union, 2012; Balfour, 2006), o Tratado da União Europeia também permite identificar a democracia como ferramenta de política externa, tornando-a um dos fatores essenciais para um alargamento bem sucedido onde os países candidatos devem alcançar a estabilidade das instituições garantidoras da democracia (European Union, 2011; Treaty on European Union, 2012).
Diante deste panorama, entender as ferramentas de política externa da UE envolve analisar qual o lugar da democracia tanto na sua condução, quanto como uma condicionalidade parte do processo de alargamento. Dentro do atual contexto, a Sérvia, que teve o status de país candidato concedido em 2012 (Conselho Europeu, s.d), fornece uma possibilidade de análise a partir do governo de Aleksandar Vučić, que mostra sinais de um democratic backsliding e uma lenta deterioração de suas instituições democráticas (Gagliardo, 2023). No processo de alargamento, a existência do backsliding, isto é, uma mudança nas instituições políticas, realizada intencionalmente por atores políticos, na direção de uma autocracia (Ivković, 2023), levanta seguinte o questionamento: como a política externa da UE é impactada pelo alargamento para a Sérvia? Esta se faz importante uma vez que a PE da UE é considerada a partir da democracia e do processo de adesão, e a Sérvia, por outro lado, perpassa por um processo de democratic backsliding e erosão das instituições democráticas.
Segundo Bicchi e Lavenex (2015), a distância entre os discursos da União e a sua prática de implementar a democracia se tornou palpável ao longo dos anos. Na Sérvia, onde a presença e o interesse do bloco na região é forte, práticas ilegais e iliberais atingiram níveis altos, levantando questionamentos sobre o papel da UE como promotor da democracia (Gagliardo, 2023). Logo, entender como a sua política externa é impactada pelo alargamento, especialmente em países permeados pelo democratic backsliding e erosão das instituições democráticas, envolve também questionar o papel da própria União no processo de alargamento e democratização. Para isso, será feito o uso de uma análise documental e bibliográfica, partindo de documentos oficiais e artigos acadêmicos, com a união dos métodos quantitativos e qualitativos. Por meio de index de democracias, bases de dados e relatórios, é possível ter acesso a indicadores que visam avaliar o cenário sérvio a partir de vários níveis de democracia, utilizando-se fontes como o The Economist Democracy Index, Freedom House, o Bertelsmann Transformation Index e Relatórios Anuais do V-Dem Project.
A “Nova Política Externa” e o esvaziamento da autonomia brasileira: inserção internacional durante o governo Temer (2016-2018)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Yuri Bravo Coutinho (UFRGS)
Resumo:
O presente estudo se debruça sobre a política externa do governo de Michel Temer (2016–2018), autodenominada “Nova Política Externa” (NPE), e abrange o período de maio de 2016 a dezembro de 2018. Esse recorte temporal delimita a destituição da presidenta Dilma Rousseff e a emergência do bloco de poder que respaldou a posse definitiva de seu vice, Michel Temer, em 31 de agosto de 2016.
Após uma década de governos sob comando de políticos do Partido dos Trabalhadores (PT), a diluição da autonomia consolidada durante os dois primeiros governos de Lula da Silva (2003-2010) foi perceptível em torno das transformações ocorridas no seio da matriz política brasileira. Para isso, a crescente polarização política, a retração nos níveis de crescimento econômico e casos de corrupção envolvendo agentes públicos deterioram o prestígio alcançado pela política externa brasileira na região, nas coalizões e nos fóruns multilaterais (Silva, 2023).
A noção de matriz de política externa no Brasil diz respeito à articulação conjunta de vários elementos que definem padrões na inserção internacional (Sennes, 2003; Silva, 2008). Em decorrência disto, as interações entre Estado, sociedade doméstica e contexto internacional sustentam uma linha de política externa frente a determinada conjuntura, definindo continuidades e rupturas em relação ao acumulado histórico da diplomacia brasileira e mantendo a lógica da via diplomática como tradição do Estado entre as matrizes (Cheibub, 1985; Silva, 2004; Faria, 2012).
O primeiro sinal disruptivo em relação à matriz anterior foi a designação de José Serra para chefiar o Itamaraty. Em nove meses como ministro, Serra visou alterar os rumos da matriz política, de modo a resgatar valores e identidades que adequassem a diplomacia aos interesses da nova coalizão doméstica e o país frente às agendas do regime ocidental. No seu discurso de posse, as dez diretrizes anunciadas moldaram os contornos da NPE, alteradas sutilmente com intervenções da diplomacia presidencial e ganharam sequência com Aloysio Nunes nos dois últimos anos de gestão.
Assim, o objetivo geral desta pesquisa é investigar os efeitos à autonomia brasileira por meio das transformações matriciais com o advento da NPE. Não consideramos uma concepção da autonomia, mas postulamos que ela aparece como objetivo final na política dos Estados periféricos. Isso implica dizer que os países autônomos são aqueles com condição de inserir, nas estruturas hegemônicas de poder, as demandas de grupos sociais, políticos e econômicos em prol da superação do seu status quo, que no caso do Brasil é a condição dependente.
Com efeito, a pesquisa é elaborada para responder quais os impactos da NPE sobre a autonomia como vetor da política externa brasileira? A questão central é norteada pela hipótese de que a Nova Política Externa integrou uma intersecção das matrizes políticas contemporâneas em um processo de esvaziamento da autonomia brasileira, corroborada pelas transformações em torno das diretrizes para atuação externa e das políticas no âmbito doméstico.
A metodologia possui caráter exploratório e abordagem qualitativa, partindo do aporte teórico-conceitual da Autonomia como conceito norteador das estratégias de política externa. Como método, empregamos um estudo de caso com procedimentos descritivo e interpretativo. Os instrumentos para coleta de dados são dois. O primeiro é a revisão bibliográfica, sobretudo acerca da construção da PEB em torno do vetor da autonomia, identidades e valores da diplomacia brasileira. O segundo é a análise documental, agrupando acordos, dados institucionais e pronunciamentos oficiais disponíveis nas bases digitais do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e outros órgãos nacionais e internacionais.
As considerações parciais delineiam o esvaziamento da autonomia brasileira como um processo articulado pela reorientação da matriz política ainda no segundo governo Rousseff (2014-2016), ganhando contornos mais nítidos com o advento da NPE e o estabelecimento de novas prioridades nas agendas internacionais e domésticas. Na dimensão regional, o esvaziamento da práxis autônoma é observado pela flexibilização da integração regional, com a desestruturação da UNASUL e o foco do intercâmbio comercial na agenda do MERCOSUL, bem como a ausência de protagonismo brasileiro na crise venezuelana. Também, observamos o abandono da identidade emergente e periférica diante do processo de adesão à OCDE, priorizando o compromisso com a identidade ocidental brasileira, em favor das estruturas hegemônicas de poder.
Não obstante, o resguardo das agendas ambientais, democráticas e comerciais orbitou valores históricos da diplomacia brasileira, como o pragmatismo e o globalismo. Contudo, a atuação brasileira em torno das diretrizes da NPE diluiu o patrimônio diplomático da PEB, construído com a autonomia pela integração e pela diversificação durante os anos 2000 (Vigevani; Oliveira; Cintra, 2003; Vigevani; Cepaluni, 2007). Em última instância, as diretrizes da NPE representaram uma inflexão na matriz de política externa, reconfigurando a concepção de autonomia de acordo com as prioridades do novo bloco de poder.
A estrutura do trabalho está dividida em três principais seções. Na primeira, construímos o aporte teórico do estudo, a partir do diálogo entre a perspectiva da Autonomia e a PEB. Na segunda seção, avaliamos a importância histórica do Itamaraty nas transformações matriciais da diplomacia brasileira. Na terceira seção, analisamos os contornos da atuação brasileira que figuraram sob a NPE no entorno regional e na dimensão global sob ótica da autonomia.
A AGENDA DE MULHERES, PAZ E SEGURANÇA NA MISSÃO MULTIDIMENSIONAL INTEGRADA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO MALI (2013 – 2023)
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Raquel Zaffari Losekann (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Luis Haroldo Pereira dos Santos Junior (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
O presente trabalho busca compreender e avaliar a aplicação de iniciativas voltadas à questão de gênero na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali (MINUSMA). A partir da Resolução 1325, lançada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) no ano de 2000, o Departamento de Operações de Paz da ONU (DPKO) instituiu, no seu escopo de trabalho, um escritório específico para as questões de gênero que envolvem não apenas a inclusão de mulheres capacetes azuis, como a sua proteção nos mandatos e o incentivo às iniciativas voltadas à questão de gênero nas operações (UN, 2000).
Enquanto teoria de Relações Internacionais, o feminismo nasceu no quarto debate teórico da área, a partir das pesquisas de autoras feministas como Ann Tickner e Cynthia Enloe. Para esta corrente teórica, as Relações Internacionais são permeadas pelas construções sociais de gênero, que atribuem diferentes papeis e posições de poder a homens e mulheres (Tickner, 2001). Dessa forma, no âmbito da paz e a segurança, as feministas compreendem que há a “masculinização” da guerra e da defesa, o que explica a participação dos homens enquanto militares e “performadores” da guerra e as mulheres enquanto agentes secundários, ou simplesmente “inexistentes” nestas análises e práticas (Stiehm, 2010).
Uma das Operações de Paz em que a agenda “Mulheres, Paz e Segurança” tem sido implementada consiste na MINUSMA. Essa operação foi estabelecida em 2013, por meio da Resolução 2100 do CSNU (UN, 2013). Desde 2012, o Mali vem enfrentando uma série de ameaças à sua estabilidade, a exemplo da insurgência de grupos armados e de um golpe de Estado em 2013, que resultou na deposição do presidente malinês (Lotze, 2019; Gorur, 2020). Em tal cenário, o mandato da MINUSMA previa como uma das metas prioritárias o apoio à implementação de um acordo de paz, visando à transição política no país (UN, 2013). Nesse contexto de instabilidade, dois dos principais desafios enfrentados pela operação consistiam nas consequências dos conflitos locais para as mulheres, sobretudo por meio da violência sexual baseada no gênero, e na marginalização política e social desse grupo, o que seria um dos empecilhos para que se pudesse alcançar uma paz duradoura (Gorman; Chauzal, 2019).
Como forma de abordar essas questões, a MINUSMA introduziu perspectivas de gênero no seu escopo de atuação. Com efeito, a Resolução 2100 previu a necessidade de se adotar medidas específicas de proteção às vítimas desse tipo de violência, de garantir o envolvimento das mulheres nos esforços de estabilização nacional e de promover sua maior participação no âmbito da própria operação (UN, 2013). Em termos normativos, portanto, a MINUSMA manifestou conformidade com a agenda “Mulheres, Paz e Segurança”, fato este reforçado pelas subsequentes Resoluções adotadas no âmbito da operação, como a Resolução 2164 do CSNU (UN, 2014). Resta examinar, porém, se houve um efetivo avanço na implementação dessa agenda em nível operacional.
É neste contexto que o presente trabalho pretende responder à seguinte pergunta: de que forma a MINUSMA tem implementado os pilares de proteção e de participação da agenda “Mulheres, Paz e Segurança”? De forma específica, os objetivos do trabalho consistem em compreender as relações entre a agenda “Mulheres, Paz e Segurança” e o campo de Relações Internacionais; examinar o contexto histórico de estabelecimento da MINUSMA; e analisar a implementação da agenda “Mulheres, Paz e Segurança” no âmbito dessa operação.
Este trabalho se justifica a partir de três aspectos principais. O primeiro deles é a busca por compreender a aplicação prática da agenda de Mulheres, Paz e Segurança, a fim de verificar a evolução e as iniciativas realizadas no tocante a esta pauta. O segundo é com relação ao caso da MINUSMA, operação de extrema relevância para o trabalho das Operações de Paz da ONU no que diz respeito à participação feminina e para o continente africano, região que apresentou, nos últimos anos, níveis elevados de violência baseada no gênero em situações de paz e de conflitos armados. O terceiro motivo, nesse sentido, refere-se ao estudo e análise das concepções feministas de Relações Internacionais, dado que este estudo busca trazer as contribuições e limitações teóricas desta teoria, ainda pouco explorada pela academia de RI, sobretudo em casos de países do Sul Global.
Em termos metodológicos, a pesquisa adota uma abordagem qualitativa e de natureza interpretativa, baseando-se, sobretudo, em uma análise documental. Examina-se, em específico, resoluções do CSNU, a exemplo das Resoluções 1325 e 2122, que versam sobre a agenda “Mulheres, Paz e Segurança”, e as Resoluções 2100 e 2164, que tratam da MINUSMA. Nesse sentido, a análise em conjunto desses documentos permite avaliar como a temática de gênero tem sido introduzida e implementada no âmbito da operação de paz do Mali, com ênfase nos pilares de prevenção e de proteção às mulheres. Além disso, o trabalho também utiliza indicadores fornecidos pela ONU acerca da implementação da agenda 1325 (“Promoting Women, Peace and Security”, do DPKO), com o intuito de verificar se a MINUSMA tem apresentado avanços na dimensão operacional.
Com relação aos resultados preliminares desta pesquisa, entende-se que, de maneira geral, a implementação da Agenda “Mulheres, Paz e Segurança” (Resolução 1325) na MINUSMA inclinou-se, em maior intensidade, no sentido da participação e da liderança das mulheres na pacificação do país, e não no sentido da proteção. Para além da participação das mulheres capacetes azuis, o engajamento das mulheres em âmbito local, através de organizações de mulheres locais, também foi aspecto de grande atenção neste caso. Um exemplo disso foi a criação da organização Case de la Paix, que contou com a participação de 76 mulheres malinesas no trabalho de pacificação em cooperação com as mulheres funcionárias da MINUSMA (UN, 2024).
A América Latina e Caribe na governança global dos sistemas alimentares: um estudo da participação da Argentina, Brasil e México nas Conferências da FAO
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Mariane Di Domenico (PPGEEI/UFRGS)
Resumo:
O estudo da governança global dos sistemas alimentares se preocupa com a construção das normas, ideias e valores que orientam os atores, processos e atividades relacionados da produção ao descarte de alimentos, incluindo aspectos ambientais, econômicos e sociais que constituem os sistemas alimentares. As percepções do que constituem os sistemas alimentares são resultado de um processo de construção de significados, normas e regras — a partir da observação da realidade material — nos níveis nacional, regional e global (Candel, 2014; Canfield; Duncan; Claeys, 2021; Delaney et al., 2019). Neste contexto, destaca-se duas questões importantes para a análise da governança dos sistemas alimentares: as relações de poder entre os atores e a política de escalas (Gonçalves; Inoue, 2017).
Atualmente, são apontados uma série de problemas que afetam e/ou prejudicam o funcionamento dos sistemas alimentares e a situação de segurança alimentar e nutricional de uma população (Ericksen, 2008a; 2008b; Gómez et al., 2013; Ingram; Ericksen; Liverman, 2010; Van Bers et al., 2019). A complexidade dos sistemas alimentares reflete na quantidade de atores, interesses e agendas que existem em relação a esses (Van Bers et al., 2019). No nível internacional, essas questões são trabalhadas por Estados, organizações internacionais e intergovernamentais, organizações não-governamentais, mecanismos da sociedade civil e de corporações do setor privado. Compreender quais são as relações de poder presentes na governança dos sistemas alimentares é importante porque considera as estruturas e processos que moldam o funcionamento dos sistemas alimentares e as relações entre os atores (Gonçalves; Inoue, 2017).
Da mesma forma, as questões que impactam o funcionamento dos sistemas alimentares são frequentemente compartilhadas em diferentes regiões do globo; contudo, esses impactos afetam os sistemas alimentares de diferentes regiões de maneiras diversas. A ideia de problemas em comum em diferentes níveis — do familiar ao global — permite com que seja possível falar em diferentes escalas de governança alimentar. Por vezes, as ações tomadas internacionalmente não refletem as necessidades das pessoas em situação de insegurança alimentar e desnutrição, especialmente nos países do Sul Global (Hopkins; Puchala, 1978). Parte dos problemas dos sistemas alimentares identificados pelos atores internacionais — consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas, baixa participação feminina, falta de recursos logísticos, queda na média de produção, falta de investimentos no desenvolvimento agrícola e situações graves e insegurança alimentar e desnutrição — são apontados como problemas que atingem majoritariamente os países na África, Ásia e América Latina. Esta pesquisa se preocupa com a investigação de normas, interesses e relações de poder implicadas no funcionamento dos sistemas alimentares, considerando as assimetrias e desigualdades presentes nas estruturas de governança e focando no papel da América Latina e Caribe na governança dos sistemas alimentares.
Assim, o principal objetivo deste trabalho é responder qual é a atuação da América Latina e Caribe na governança global dos sistemas alimentares. Para isso, foi escolhido como espaço de análise um fórum de debate internacional da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) por essa permitir observar a atuação de diversos atores e da centralização de autoridade e legitimidade relacionada aos assuntos alimentares (Adler, 2002; Barnett; Duvall, 2005, 2018; Barnett; Finnemore, 2004; Finnemore, 1996; Finnemore; Sikkink, 2001). São propostos os seguintes objetivos específicos: 1) entender a governança dos sistemas alimentares considerando as relações de poder entre os atores internacionais e a política de escalas para os sistemas alimentares, estabelecendo como foco a região da América Latina e Caribe; 2) apresentar o contexto da América Latina e Caribe na constituição e na governança dos sistemas alimentares, focando no papel histórico da região para a governança dos sistemas alimentares e; 3) analisar a participação dos Estados latino-americanos nas Conferências da FAO.
Para tanto, a metodologia seguida nesta pesquisa é do tipo quali-quantitativo pela revisão bibliográfica e pela análise da participação dos Estados latino-americanos e do conteúdo dos discursos sobre os sistemas alimentares proferidos nas Conferências da FAO entre 1977 e 2021. Serão consideradas para análise as transcrições dos discursos dos Estados da América Latina e Caribe a partir dos quais será analisada a participação e o posicionamento regional acerca da governança dos sistemas alimentares. A partir da análise do conteúdo dos discursos, serão observados as formas pelas quais a região da América Latina e Caribe compreende os sistemas alimentares, quais normas propõem e as relações de poder e interesses em relação a outros atores. A pesquisa aponta que os atores da governança dos sistemas alimentares apresentam ideias, valores e normas diversas, que podem ser difundidas ou contestadas. Nesse contexto, Argentina, Brasil e México são os países latino-americanos com a maior participação no debate sobre os sistemas alimentares nas Conferências da FAO entre 1977 e 2021. Nota-se que esses Estados utilizam as as Conferências da FAO como plataforma para socializar seus interesses e percepções acerca dos sistemas alimentares (Schmitz; Rocha, 2017).
A apropriação de terra na Economia Política Internacional: uma visão da Teoria Crítica
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Fábia Muneron Busatto (UFSC)
Resumo:
A questão da terra nas relações internacionais é, inicialmente, uma questão de Estados. Desde a formação dos países na forma como conhecemos hoje, a delimitação da fronteira e os conflitos por expansão marcaram a relação entre Estados nascentes. Disso parte todo o contexto do imperialismo e guerras coloniais, e a tentativa de anexação de outros territórios para controle de recursos, poder, insumos e fluxos comerciais. Infere-se, portanto, que o fenômeno recente global de apropriação de terras, não é um acontecimento inovador em conteúdo, embora o seja pela forma como ocorre (Sassen, 2013). Isto porque a corrida global por aquisições de terra atualmente, apesar de reverberar no ponto de soberania e segurança estatal, não é apenas movida pelos mesmos objetivos de expansão para manutenção de território como eram feitas a partir das guerras de expansão de Estados nacionais, desde a formação de Estados westfalianos. Há uma questão fundamental sobre a posse da terra como ativo financeiro e também como ativo produtivo que delineia um movimento de busca por controle extraterritorial de insumos, recursos naturais e produção alimentar e de biocombustíveis (Clapp; Isakson, 2018).
Entende-se, portanto, que a questão da posse da terra atualmente é permeada por relações de capital, de poder e de cadeias de transação globais. Isto leva ao fenômeno conhecido como land grabbing, a apropriação da terra e seus recursos naturais por meio de transações financeiras que transferem direitos de propriedade ou controle sobre a terra e a produção (Borras et al., 2012). Desta forma, a noção da terra como ativo financeiro dentro de um mundo globalizado e financeirizado, regido dentro do espectro de normas do neoliberalismo e do capital transnacional, perpassa uma interdisciplinaridade que vai além de estudos de Segurança. Tendo isso como base, a pesquisa tem como objetivo geral compreender os fundamentos teóricos com os quais as questões da terra e da apropriação da terra podem ser estudadas dentro da perspectiva da Economia Política Internacional (EPI) nos estudos de Relações Internacionais, com foco na Teoria Crítica da EPI. Para atingir este objetivo, a pesquisa procura descrever o fenômeno do land grabbing no contexto das mudanças na economia política internacional, e com isso analisar como estes eventos podem ser enquadrados e analisados em quadros teóricos da disciplina. A pesquisa é, portanto, qualitativa, e usará como fonte teórica a Teoria Crítica das Relações Internacionais/ EPI, posta no quadro epistemológico do neo-gramscianismo. A metodologia utilizada caracteriza-se como analítica-descritiva, com pesquisa bibliográfica em fontes de estudos das áreas da Economia Política Internacional e Estudos Agrários Críticos, e também com pesquisa documental em relatórios de dados sobre a terra.
Como resultados parciais obtidos, compreende-se que, como Sol Mora (2022) coloca, a terra virou parte da dinâmica global de acumulação de capital. Esta dinâmica transforma a terra num pilar para a reconfiguração das estruturas de poder globais num contexto de múltiplas crises ambientais e de aumento da procura de alimentos. Isto coloca a terra no centro da discussão da governança global, por ser tanto espaço de disputa entre Estados quanto entre a sociedade civil. Margulis, Mc Keon and Borras (2013, p.7, tradução livre) explicitam, neste sentido, que “(…) a apropriação de terras também sinaliza uma mudança na ordem mundial”. Ao trazer esta noção dentro da Teoria Crítica da EPI, entende-se que o que Stephen Gill (2008, 2014) conceitua sobre a globalização neoliberal comportar-se como uma política de supremacia converge com a noção da apropriação e governança da terra no mundo transnacional como algo que obedece à lógica da ordem financeirização do capital.
Desta forma, pode-se enquadrar a temática das disputas pela governança global de terras como parte da expressão de uma crise orgânica do capital, que traduz-se como uma convergência de crises climáticas, ambientais, financeiras e alimentares. Afinal, os mecanismos pelos quais esta governança atua serviriam para criar as condições para a comodificação e financeirização da terra, e também para garantir meios de seu controle pelo capital financeiro ligado a grupos transnacionais interessados (Gill, 2016). Isto indica, portanto, que a Teoria Crítica das EPI fornece um ferramental teórico muito vasto para analisar a temática da apropriação de terras, e que o estudo do land grabbing precisa ser mais debatido e estudado dentro do campo das EPI e das Relações Internacionais com o foco multidisciplinar e político-econômico que o contexto carrega.
Esta pesquisa foi realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa (FAPESC). A autora está filiada ao Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A ARGENTINA EM MEIO À TRANSIÇÃO HEGEMÔNICA ANGLO-SAXÃ: RELAÇÃO OU APRISIONAMENTO TRIANGULAR?
Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa
Autor(es): Thiago Noschang Cabral (Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM))
Resumo:
O presente artigo tem como contexto a política externa argentina nos primeiros momentos da passagem hegemônica da Grã-Bretanha para os Estados Unidos no início do século XX. Assim, o objeto da pesquisa centra-se na análise crítica em torno de um termo amplamente utilizado pela historiografia: a Relação Triangular Argentina. Além de descrever a inserção internacional argentina no início do século XX, o presente artigo tem como objetivo questionar se o conceito contempla a natureza da relação que se estabeleceu de fato entre Argentina, Grã-Bretanha e Estados Unidos sob a luz da transição hegemônica de 1916 e 1946 (Gilpin, 1981). No que tange a metodologia, o trabalho utiliza-se do método indutivo. A forma de abordagem se dá por meio de mapas mentais heurísticos formulados a partir do software Obsidian, de modo a situar os conceitos utilizados em grupos a partir das definições exploradas. Além disso, se utilizará do conceito de transição hegemônica desenvolvido por Gilpin (1981) como marco teórico para fins de contextualização da política internacional da época. Por se tratar de um debate conceitual, o trabalho respalda o debate em torno da literatura especializada sobre o tema. O resultado parcial obtido ilustra uma relação de dominação hegemônica configurada pela passagem de dois países de peso nas relações exteriores argentinas. Em Rapoport (2003, p. 157); Escudé (2012, p. 156), Rock (1986), Adamovsky (2020), O’Connell (1984), Bethell (2017), a relação triangular é vista majoritariamente por uma perspectiva econômica, sendo ela necessária para entender a explicar a inserção internacional argentina entre a Primeira Guerra Mundial e a Crise dos anos 30. Além disso, o termo isolado “relação” não explicita corretamente a desigualdade titânica entre as capacidades entre a Argentina, um país periférico, e os Estados Unidos e Grã-Bretanha potências hegemônicas em momentos alternados. Essa ideia fica mais clara quando analisada sob o viés da transição hegemônica.
A ascensão chinesa na economia-mundo capitalista: uma análise dos Planos Quinquenais e dos Relatórios do Congresso do Partido Comunista
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Ester Gruppelli Kurz (Universidade Federal de Pelotas)
Resumo:
Até o século XVIII, a China evitava contato com a economia-mundo capitalista, mas nos dois séculos seguintes o país tornou-se parte de conquistas imperialistas. Mas a China do final do século XX demonstrou almejar “um engajamento externo diverso” (Barbosa, 2021, p. 34). Por isso, o trabalho a seguir tem como questão norteadora a seguinte pergunta: como se deu a evolução da política externa chinesa a partir das políticas de reforma e abertura de 1978? Assim, tem-se como objetivo principal verificar quais as principais diretrizes da política externa chinesa. Os objetivos específicos são analisar as mudanças na política externa chinesa e investigar as iniciativas diplomáticas e econômicas lançadas pela China para expandir sua influência global e promover seus interesses nacionais. Para alcançar tais objetivos, além da revisão bibliográfica, será feita uma análise de conteúdo dos Planos Quinquenais, que traçam as metas do governo chinês, e Relatórios do Congresso do Partido Comunista da China. Os documentos analisados serão aqueles lançados após o ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), um marco na ascensão e inserção chinesa na economia internacional.
Antes da década de 1970 a postura chinesa no cenário internacional era bastante agressiva. A China adotava um discurso bastante cético com relação às negociações entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética sobre o controle de armamentos, às instituições de Bretton Woods e à ONU, argumentando que estas seriam ferramentas imperialistas que serviam ao propósito de controlar o Sistema Internacional. Ao mesmo tempo em que adotava tal postura, também buscava reconhecimento como uma grande potência. Por isso em 1971 substituiu Taiwan como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, em 1980 participou do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e em 2001 tornou-se membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), integrando-se à governança financeira global (Foot, 2010).
A reforma e abertura de 1978 integrou o país na economia mundial capitalista, permitindo à China obter capital estrangeiro, tecnologia, acesso a mercados e outros recursos essenciais para a modernização (Hung, 2018). Após a abertura do país, a China passou por uma rápida industrialização e modernização, alcançando uma taxa de crescimento anual do PIB que chegou até 15% e esteve acima de 6%, entre 1991 e 2015 (World Bank, 2023).
O sistema capitalista global passa por ciclos de prosperidade e crise, com a ascensão, expansão e declínio de hegemonias no Sistema Internacional, cada uma caracterizada por seu próprio padrão de controle (Arrighi, 2008; Wallerstein, 2004). Nos últimos séculos, testemunhamos o colonialismo britânico e o imperialismo estadunidense (Arrighi, 1997). O surgimento da China na economia global é um fenômeno notável do século XXI, reconfigurando as dinâmicas de poder e influência no cenário mundial.
Visando um futuro próspero e o reconhecimento de sua posição no sistema internacional, a China tem participado e criado diversos projetos: BRICS, Belt and Road Initiative (BRI), Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB), New Development Bank (NDB) e Shanghai Cooperation Organisation (SCO) são apenas alguns deles. A China iniciou essas propostas como uma nova estratégia diplomática para buscar diversos objetivos de política externa, incluindo a defesa da reforma da governança econômica global vigente. Essas iniciativas são promovidas por Pequim fora do sistema econômico global estabelecido, buscando contornar a resistência das potências ocidentais que defendem o status quo (Cai, 2023).
A China reconhece que a distribuição internacional de capacidades materiais tem mudado no início do século XXI. Além desta mudança material, a China também percebe o enfraquecimento do papel de liderança tradicional dos EUA e o vácuo deixado na governança global. E, por isso, a China precisa aumentar a sua contribuição para a liderança internacional (Yuyan, Weijiang e Wei, 2020).
A análise dos Planos Quinquenais e dos Relatórios do Congresso do Partido Comunista revela dois pontos. Primeiramente, a China não busca substituir os Estados Unidos como Estado hegemon e rejeita a noção de que um país poderoso deve buscar a hegemonia. Em vez disso, a China adotou os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica e considera a promoção da multipolaridade como um dos objetivos estratégicos mais importantes para sua política externa. Também busca estabelecer relações baseadas em benefícios mútuos e cooperação ganha-ganha, com o objetivo de promover a paz e a estabilidade. Em segundo lugar, ao buscar assumir um papel central na política internacional e buscar a realização de uma Comunidade de Destino Comum para a Humanidade na era de Xi Jinping, a China não procura desafiar a ordem internacional, mas sim preservá-la e integrar-se à ela (China, 2006, 2011, 2016, 2021; Jiang, 2002, Hu, 2007, 2012; Xi, 2017, 2022).
Todos os Planos e Relatórios compartilham pontos comuns essenciais. Cada um aborda questões fundamentais relacionadas ao rejuvenescimento ou renovação da nação chinesa. Referem-se ao contexto global em constante mudança e às oportunidades e desafios emergentes para a China. Além disso, enfatizam o desenvolvimento sustentável e uma economia mais verde e inclusiva, o bem-estar tanto da população chinesa quanto da humanidade em geral, bem como a defesa da soberania chinesa, da política de One Country, Two Systems e do princípio de One China (China, 2006, 2011, 2016, 2021; Jiang, 2002, Hu, 2007, 2012; Xi, 2017, 2022).
Por fim, é interessante notar que a cada Plano e Relatório há mais direcionamentos relacionados com a diplomacia, relações internacionais e capacidade de influência chinesa na arena internacional. Isso pode ser uma indicação de que a China está dando cada vez mais prioridade para o seu lugar e participação no Sistema Internacional.
A ATUAÇÃO DA AGENDA ONUSIANA QUANTO AO ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO CRIME ORGANIZADO À LUZ DO CASO DO RIO DE JANEIRO (BRASIL).
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Júlia Lira (PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP))
Resumo:
O presente trabalho “A atuação da agenda onusiana quanto ao envolvimento de crianças e adolescentes no crime organizado à luz do caso do Rio de Janeiro” tem por objetivo explorar, compreender e expor a abordagem onusiana para com as crianças e adolescentes atuantes no crime organizado com o foco na experiência observada no Rio de Janeiro (Brasil). Para tal, busca analisar a ressonância do comportamento da agenda onusiana sobre a temática no caso carioca, ou seja, práticas, políticas, diretrizes e medidas empreendidas pela ONU e por suas agências. A agenda da ONU sobre a temática baseia-se em uma chave tríade: criminalização e responsabilização das crianças e adolescentes pelo sistema de justiça juvenil protagonizado pela ação do Escritório de Drogas e Crimes das Nações Unidas (UNODC); regulamentação da atividade como trabalho e exploração infantil proibitivo por meio das diretrizes da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do regime internacional da infância a partir de documentos como a Convenção de 1989 que atua sobre os direitos das crianças; por fim, o combate e a prevenção do uso de drogas entre crianças e adolescentes como uma ação impeditiva e minimizadora para a inserção dessas na violência criminosa e em contextos de vulnerabilidade, desempenhada, em especial, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). O trabalho guia-se pela seguinte pergunta de pesquisa: Qual é a postura atuante da ONU frente à complexa problemática de crianças e adolescentes atuantes no crime organizado no Rio de Janeiro? Argumenta-se como resultado parcial que a abordagem onusiana se trata de uma abordagem generalizada a qual apresenta práticas e ações que se mostram limitantes, incongruentes e com lacunas para tratar da problemática de maneira profunda no caso do Rio de Janeiro. Ademais, apresenta dificuldades em propagar mudanças significativas na realidade desse público infantil ligado à violência do crime organizado por meio de uma agenda internacional robusta, direcionada e harmônica. Tal trabalho refere-se a um dos capítulos pertencentes à pesquisa de dissertação em elaboração. A pesquisa configura-se no modelo de estudo de caso de caráter qualitativo e utiliza-se de revisão bibliográfica, revisão documental, em especial documentos normativos, relatórios técnicos, resoluções do sistema ONU etc., tendo como abordagem teórica os Estudos de Infâncias em Relações Internacionais e os Estudos Críticos de Segurança. Destarte, a pesquisa corrobora para um contínuo aprimoramento do debate interdisciplinar sobre o tema, trazendo contribuições dos estudos de Sociologia e Antropologia Criminal, que desempenham um papel relevante sobre infâncias e outras formas de violências, para a análise do caso. A questão das crianças atuantes no crime organizado no Rio de Janeiro foi escolhida como tema e como recorte, respectivamente, pois situa-se em uma dupla marginalização tanto no debate dos Estudos de Infâncias em Relações Internacionais quanto na agenda onusiana para a infância, uma vez que se observa uma lacuna na agenda global da “Infância” e de sua sub-agenda “Infância-Segurança” tanto nos debates acadêmicos quanto onusianos sobre crianças envolvidas diretamente como atores armados em outras formas de violências que não os conflitos armados e seu fenômeno conhecido como “crianças-soldado” pela literatura. Dessa forma, a pesquisa busca contribuir para o desilenciamento da temática e do caso, bem como sua desmarginalização nos debates acadêmicos e onusianos, tendo em vista que a participação de crianças em estruturas de violência armada organizada na América Latina tem aumentado nas últimas duas décadas. Ademais, o trabalho busca contribuir para com um maior para o avanço de produções a partir da perspectiva brasileira sobre a agenda de infância nas Relações Internacionais sob uma visão não-ocidental e não-tradicional da área, conforme trabalhado recentemente por Martuscelli, Paiva, Pereira e Silva (2024). De acordo com os últimos dois Estudos Globais de Homicídios do UNODC (2019; 2023), o continente americano é a região que concentra a maior taxa de homicídio regional no mundo, em grande maioria associada ao crime organizado. A faixa etária entre os 15-29 anos é a que corre mais risco de estar relacionada às taxas de homicídio pelo crime organizado, seja como vítimas ou infratores, estando em 5 vezes maior risco comparado à taxa global de homicídio masculino (UNODC, 2019; 2023). O Brasil, por sua vez, assume o posto de segundo lugar de país mais violento da América do Sul, onde observa-se o recente aumento significativo do número de crianças e adolescentes associados ao crime organizado, saltando de 6,5% em 2006 atuantes declarados para 13% em 2017 na cidade do Rio de Janeiro (Observatório de Favelas, 2018). Com isso em vista, a questão de crianças e adolescentes envolvidos com o crime organizado no Rio de Janeiro (Brasil) revela-se como um caso alarmante e central pertencente ao fenômeno de crianças envolvidas com estruturas de violência na América Latina, até então não tão discutidas e analisadas, apesar de tratar-se de um espaço com uma pulverização da violência por diferentes grupos armados e em especial atrelados às atividades do crime organizado que possuem um impacto direto na infância. Diante dessas exposições, muito ainda há de ser feito por essas crianças e discutido pelas comunidades internacional e epistêmica, pois essa problemática se apresenta como um premente obstáculo para o desenvolvimento das sociedades brasileira e internacional, não só pelos mecanismos de monitoramento e políticas ainda fracos, mas também pela contínua dificuldade dos atores de entenderem a realidade aproximada dessas crianças em seus diferentes ambientes de violência, assim como seus respectivos papéis e envolvimento com essa para proporem abordagens analíticas e práticas mais profundas e específicas.
A Busca da Rússia pelo Equilíbrio Estratégico Nuclear com os Estados Unidos da América
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Felipe Dalcin Silva (UFRGS/ISAPE)
Resumo:
O objetivo deste artigo é mapear a visão da Rússia sobre o seu arsenal estratégico, sobretudo como ferramenta de dissuasão nuclear contra os Estados Unidos da América (EUA) e os aliados estadunidenses da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Logo, a pergunta de pesquisa é: Qual o papel vislumbrado por Moscou das suas armas nucleares estratégicas? A hipótese deste trabalho é que os russos enxergam a paridade nuclear – através de programas de desenvolvimento de novos sistemas de armas nucleares – com os EUA/OTAN como um fator determinante para sua segurança e também como fiador da não intromissão de outros Estados na busca dos seus objetivos políticos no certamente internacional, com destaque o leste europeu.
Para que o objetivo abordado acima seja atingido, é necessário considerar três aspectos: 1º O que é o equilíbrio nuclear estratégico e como este conceito se diferencia da noção de dissuasão nuclear mínima; 2º Contextualização das forças nucleares russas nas duas primeiras décadas após o esfacelamento da União das Repúblicas Soviéticas (URSS) e as pressões externas sofridas pelo Kremlin neste contexto; e por fim, 3º Os desenvolvimentos já feitos/e que estão por fazer dos sistemas nucleares estratégicos da Rússia e qual o impacto disto na balança de poder com Washington e com os aliados estadunidenses da organização de defesa atlântica. Agora, traremos mais detalhes da importância de esmiuçar estes três fatores para melhor entendimento da temática desta pesquisa.
Sobre o primeiro ponto, no capítulo XIV, denominado A Estratégia da Dissuasão, do livro “Paz e Guerra Entre as Nações” (2018), Raymond Aron utiliza a expressão “equilíbrio do terror” para definir que a dissuasão nuclear, quando dois Estados tem poderio nuclear semelhante, é mais segura de ocorrer do que a dissuasão mínima, ou seja, na condição de grande disparidade de arsenais nucleares de dois possíveis rivais. Segundo este autor, quando existe grande discrepância de forças nucleares dos lados envolvidos em uma crise político/militar, o mais forte pode ficar tentado a realizar um primeiro ataque nuclear com objetivo de desarmar o seu inimigo. Contudo, o Estado com menor poder nuclear, sabendo desta possibilidade, pode atacar primeiro para garantir poder de destruição contra o seu antagonista.
Já o segundo aspecto, pode ser bifurcado em dois momentos: 1. O esfacelamento da força nuclear herdada pela Rússia ao passo que os Estados Unidos expandiram a capacidade das suas armas nucleares (Lieber; Press, 2006); 2. A expansão da organização atlântica para o leste (Powaski, 2019), a saída dos norte-americanos dos acordos de controle de forças nucleares, principalmente o Antibalistic Missile Treaty (ABM) e o Intermediate-Range Nulcear Forces Treaty (INF) (ODASDNM, 2020), respectivamente em 2002 e 2019, e, as intervenções do Kremlin na Geórgia, em 2008, e na Ucrânia, tanto em 2014 quanto em 2022.
A soma dos dois elementos acima, ou seja, a busca do “equilíbrio do terror” e os fatores de ordem político/militar, sobretudo no entorno estratégico russo, levaram ao último tópico, modernização das forças nucleares da Rússia. Isto vem sendo realizado, principalmente na última década, através do programa State Arms Programm 2020 (Tennis, 2018). Vemos, neste sentido, a criação de uma série de sistemas de armas estratégicos para serem operadas através da terra, do ar e do mar (Kristensen; Korda; Reynolds, 2023).
Para a realização desta pesquisa foi utilizada a metodologia hipotético-dedutiva elaborada por Popper. Nela se vislumbra uma hipótese, que no nosso caso é a visão russa da relevância primordial dada à paridade nuclear-estratégica com os EUA/OTAN, para a resposta de uma pergunta de pesquisa. Posteriormente, a hipótese deve passar por etapas de “falseamento”, que significa testar sua validade. No caso deste trabalho isto é feito através da análise de livros, artigos, documentos oficiais dos Estados citados (EUA, 2022; Rússia 2020) e notícias de materiais que abordam temáticas já citadas aqui (Lakatos; Marconi, 2003).
Esta pesquisa demostra ser relevante pois nos encontramos em um momento de forte atrito político entre a Rússia e os Estados Unidos e seus respectivos aliados. Assim, estudar o desenvolvimento nuclear russo é importante para entender as perspectivas deste país no Sistema Internacional.
A caminho da desglobalização?: Promessas e limites da ordem liberal internacional
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): André Luiz Souza (Universidade Federal de Goiás)
Resumo:
O artigo surgiu como um trabalho final para a disciplina de “Tópicos de Economia Política
Internacional”. O tema do mesmo era explorar uma possível crise na globalização e uma
possibilidade de desglobalização dada essa conjuntura. A bibliografia do bloco, escolhida pela
professora da disciplina, trazia quatro entrevistas de especialistas convidados e funcionários
do Fundo Monetário Internacional (FMI). Todas abordavam as crises que o mundo enfrentava
no momento e a solução de todas elas se encontrava em “mais” e não “menos” globalização.
Essas entrevistas motivaram uma série de perguntas a respeito da neutralidade dos
entrevistados enquanto teóricos, especialmente dado a localidade na qual eles cresceram e
se formaram. Estariam eles deixando de lado a totalidade do fenômeno e analisando um
processo global apenas a partir de sua realidade?
Motivada por essa inquietação, a busca por uma literatura preocupada com as consequências
desse fenômeno para o Sul Global e do processo como um todo se sucedeu. O papel do dólar,
mencionado por um dos entrevistados, motivou a busca por uma literatura que demonstrasse
qual poderosa poderia ser essa moeda internacional e como isso afetava o país dono dessa
moeda. Desse modo, a primeira inquietação foi sanada com Ha-Joon Chang e Zygmunt
Bauman, além de Sanahuja e Burian que fornecem na extrema direita um exemplo do que a
crise na globalização pode causar.
Dado o contexto de produção, o trabalho aqui apresentado busca demonstrar como o
processo da globalização não é um processo neutro, que não difere entre os participantes
quanto a partilha dos ganhos que ele provoca, muito pelo contrário. A lógica da globalização
é possibilitada pelo local que o dólar ocupa na economia mundial, servindo de moeda
internacional e reserva para países diversos. Os Estados Unidos, por serem os donos e
fiduciários dessa moeda, dispõem de uma posição de privilégio inalcançável para os outros
países dentro desse sistema e podem até mesmo usar esse controle cambial como arma, na
forma de sanções e bloqueios através do sistema SWIFT. A pergunta de pesquisa que norteou
esse processo é a seguinte: O mundo está passando por um processo de desglobalização?
A hipótese do trabalho é a de que o mundo não passa por uma desglobalização. Apesar da
grande crise de 2008, a pandemia de 2020 e a invasão russa em 2022, e do surgimento e
fortalecimentos de blocos econômicos regionais, notadamente o BRICS, um dos mais fortes
sustentáculos da globalização é o dólar e, por conseguinte, os Estados Unidos. Não só os
norte-americanos e seus aliados se beneficiam desse arranjo, mas até mesmo proponentes
de uma possível nova ordem, como é o caso da China que, em função de sua enorme reserva
cambial de dólares, não parece interessada em solapar o sistema atual em um futuro próximo.
Além de uma breve introdução que traz exemplos da globalização no dia a dia e uma
conclusão que responde a pergunta de pesquisa e retoma os argumentos apresentados, o
trabalho se divide em três seções. Na primeira é apresentado o conceito de globalização
segundo o FMI, uma instituição parte do status quo e simpática ao processo, seguido de uma
alusão ao processo globalizante como “americanização” feito pela a banda alemã Rammstein
em 2004, um ano onde os críticos do processo ainda eram silenciosos. A segunda seção traz
a análise de Zygmunt Bauman sobre a globalização, com foco particular a respeito da perda
de poder dos Estados frente a ela, o que é um dos pontos dos discursos das direitas radicais,
nascidas da crise de 2008, e que se apresentam como inimigo número um da ordem liberal
atual e da globalização. Essa seção também conta com um resgate do argumento central de
Ha-Joon Chang em “Chutando a Escada” a fim de demonstrar o lado econômico da
globalização e como essas políticas se apresentam no Sul Global. Por fim, o papel do dólar
na ordem global é discutido, segundo o economista-chefe do FMI, e o trabalho de Ernani Filho
sobre a bomba-dólar é resgatado para demonstrar o poder único detido pelos Estados Unidos
no sistema internacional vigente.
A construção do Programa Espacial Brasileiro e os impactos da cooperação internacional para o seu desenvolvimento
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Yasmin Lenz Piccoli Castelli (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo:
O espaço é um importante tópico de disputa entre os países. O assunto aparece quando uma potência tecnológica, como China, Índia, ou Estados Unidos, avança no envio de satélites e em suas missões tripuladas, os foguetes. Não se pode negar o papel estratégico que o uso e o controle do espaço sideral representam para a manutenção da segurança dos países. Funcionando como forma de coletar dados através do uso de satélites e avançar pesquisas em alta tecnologia por meio da exploração através de sondas e missões espaciais tripuladas (Matos, 2016; Cepik e Machado, 2011)
Outro ponto a ser destacado é o papel da cooperação internacional para o avanço das tecnologias espaciais. Por ser uma pesquisa de alto custo de matéria-prima, que exige mão-de-obra especializada, a corrida espacial que iniciou por volta dos anos 1950, entre as grandes potências da Guerra Fria, só se tornou acessível para além de EUA e URSS através da cooperação destas potências com os países aliados ao seu entorno. Como foi o caso do Brasil, que devido a aproximação geográfica, cultural e aos direcionamentos políticos de 1940 e 1950, teve seu primeiro contato com tecnologias aeroespaciais cooperando com os EUA (Cepik; Souza; Dal-Berto, 2023).
Porém, fazer uma cooperação internacional e ter contato com tecnologias espaciais, não significa ter acesso livre a essas tecnologias ao ponto de absorvê-las. Como foi o caso do Brasil com os EUA: foi o nosso primeiro contato com tecnologias espaciais, mas sofremos embargos duas vezes que impossibilitaram a continuação de projetos 100% brasileiros. Neste sentido, faz-se importante questionar em que medida a cooperação internacional pode contribuir de fato para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, no sentido de produzir tecnologias nacionais?
O presente artigo busca fazer uma análise sobre a construção do Programa Espacial Brasileiro (PEB) tendo como objetivo compreender sobre os impactos da cooperação internacional para o desenvolvimento do PEB. Para tanto, temos quatro seções, para além da introdução e considerações finais. Sendo: 1. Fase inicial sobre o primeiro contato do Brasil com tecnologias espaciais (1940-1978); 2. A criação do Programa Espacial Brasileiro e seus desdobramentos no século XX (1979 a 1999); 3. A introdução de novas tecnologias e os desafios ao longo do século XXI; e por fim, 4. Os impactos positivos e negativos da cooperação internacional para o PEB. Seguimos uma abordagem com o método de pesquisa histórica, buscando por uma coleta de dados em documentos oficiais e em artigos sobre a temática (Quivy; Campenhoudt, 1998).
Como conclusões preliminares, identificamos os seguintes pontos: os primeiros contatos do Brasil com tecnologias aeroespaciais se deram com os EUA, através de instalações no nordeste do país para monitorar o lançamento da corrida espacial entre EUA e URSS. Os equipamentos foram retirados após o uso, portanto o Brasil não teve acesso as tecnologias. Em seguida, sofremos com embargos dos EUA em 1977 no projeto SONDA e no projeto VLS-1 nos anos 1990 (Costa Filho, 2002).
Brasil e Ucrânia cooperaram no início dos anos 2000 para a criação de uma empresa conjunta, “Alcântara Cyclone Space” (Monserrat, 2004). Que foi descontinuada pela presidenta Dilma Rouseff em 2015, alegando que o Brasil estava em “desequilíbrio na equação tecnológico-comercial” (Brasil, 2015). Com a China, mantemos um programa de criação conjunta de satélites, o CBERS. Assinado em 1988, que continua em vigência até os diais atuais e mesmo assim, o que nos chama atenção é a tamanha discrepância tecnológica entre Brasil e China.
A CONTRIBUIÇÃO DO PROGRAMA GLOBALIZANDO PARA A CONSTRUÇÃO DE CIDADANIA SOCIOAMBIENTAL NA AMAZÔNIA
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Eduardo Oliveira (Universidade da Amazônia), Mário Tito Barros Almeida (UNAMA)
Resumo:
1. A EVOLUÇÃO TEÓRICA DO CONCEITO DE CIDADANIA
O polissêmico conceito de cidadania, por ser uma idealização histórica, tende a metamorfosear-se. Sobre isso, apesar de uma das conceituações mais clássicas sobre cidadania estar ligada à simplista ideia de atribuição de direitos e deveres aos cidadãos, essa definição tornou-se insuficiente para compreender uma realidade global interdependente e complexa.
O reconhecimento desta limitação conceitual incitou o alargamento das discussões acerca do papel do cidadão na construção do futuro da humanidade. Surge, nesse contexto, uma variação da cidadania clássica: a cidadania ambiental, a qual, muito evidenciada pelo movimento ambientalista foi, paulatinamente, incorporada às agendas políticas nacionais.
Apesar de mais atual, o conceito de cidadania ambiental ainda não é suficiente. A proposição principal a ser posta aqui é a afirmação de que as questões ambientais não podem se dissociar das relações sociais. Essa noção reconhece que os problemas sociais e ambientais estão interligados e que as soluções devem ser abordadas de forma integrada. Isso significa que as questões de justiça social, equidade, acesso a recursos naturais, proteção do meio ambiente e sustentabilidade estão intrinsecamente ligadas.
Assim, cabe aqui salientar um dos pressupostos elencados por Leite (2007), o qual considera o acesso à educação e informação ambiental algo imprescindível a conscientização dos cidadãos dos seus direitos e deveres, especificamente, frente à crise ambiental. Esta noção enfatiza a importância da produção informação qualificada para a sensibilização da população.
Desse modo, trazendo para o contexto de produção de informação e conhecimento em meio universitário, notam-se os relevantes serviços dos projetos de extensão, os quais são cada vez mais comuns nas instituições de ensino superior.
Em suma, este projeto tem como objetivo entender: como a Programa Globalizando, enquanto projeto de extensão universitário e radiofônico contribui para a construção de cidadania socioambiental na Amazônia?
2. O CASO DO PROGRAMA GLOBALIZANDO DA RÁDIO UNAMA FM
Tornando-se referência como projeto de extensão universitário e radiofônico, o Programa Globalizando, projeto de extensão do curso de Relações Internacionais (RI) da Universidade da Amazônia, com onze anos de história, é um dos programas longevos dentro da grade de programação da Rádio UNAMA FM, através da qual foram veiculados mais de 550 programas ao longo de sua existência, até hoje.
A missão do Programa Globalizando, que é o objeto de pesquisa central neste projeto, é servir à sociedade através da democratização do conhecimento e disseminação de informações úteis ao cidadão, buscando facilitar a compreensão das temáticas para além da comunidade acadêmica, fora dos muros da universidade, assim como a garantia de direitos.
O projeto é de responsabilidade do Prof. Dr. Mário Tito Barros Almeida, professor do curso de RI da UNAMA e fundador do Globalizando. A produção multissetorial é feita por mais de 60 membros, discentes e egressos do curso de Relações Internacionais.
O Programa Globalizando torna-se necessário num mundo cada vez mais marcado pela disseminação de notícias falsas, numa década em que as tecnologias da informação tornaram-se armas para grupos mal-intencionados da sociedade. É dever moral e compromisso social com a garantia de direitos da comunidade. Dentre os principais temas abordados neste ano estão: a importância do curso de Relações Internacionais para a Amazônia; Políticas Sociais na Amazônia: conquistas e desafios; Turismo na Amazônia na perspectiva da COP 30.
As temáticas são sempre relevantes para o contexto amazônico, sempre com o objetivo de fazer com que as comunidades locais sejam cada vez mais protagonistas nos debates e ações para a proteção do bioma amazônico e das diversas comunidades da região.
3. OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
• Entender como o Programa Globalizando, enquanto projeto de extensão universitário e radiofônico, contribui para a formação de cidadania socioambiental na Amazônia.
3.2 Objetivos específicos
• Discorrer sobre a evolução do conceito de cidadania;
• Apresentar o Programa Globalizando enquanto projeto de extensão
• Verificar como o Programa Globalizando pode construir cidadania
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este projeto compreende Natureza Básica de Objetivo Explicativo, já que esta pesquisa possui potencial para aprofundar a compreensão acerca do Programa Globalizando como projeto de extensão universitária na Amazônia.
Logo, tal aspecto segue a classificação estabelecida por Gil (2002), que define esse tipo de pesquisa como aquela que se ocupa centralmente em observar como diferentes fatores podem contribuir para a ocorrência de um fenômeno, com por exemplo, a construção de cidadania através da missão do Programa Globalizando.
A pesquisa caracteriza-se, também, como um Estudo de Caso, através de informações detalhadas acerca do caso do Programa Globalizando. Por último, destaca-se que esta pesquisa aborda o tema com abordagem qualitativa, tendo em vista o seu elevado grau de análise de elementos subjetivos, como comunicação, cidadania, impactos na educação superior e sociedade.
5. O PROGRAMA GLOBALIZANDO ENQUANTO CONSTRUTOR DE CIDADANIA
Este projeto aprofunda a noção de como os projetos de extensão, como o Programa Globalizando, são capazes de gerar conhecimentos significativos para a comunidade; conhecimentos não academicistas, mas acessíveis para a comunidade não acadêmica. O Programa Globalizando é fruto de uma práxis, de objeto com grande impacto social que democratiza e facilita o acesso ao conhecimento e o usufruto de direitos básicos.
Enfim, esta pesquisa torna-se relevante para a atual conjuntura de discussão sobre desenvolvimento sustentável, num contexto emergencial das mudanças climáticas e do papel da Amazônia neste contexto. Assim, tendo em vista a complexidade da temática, pesquisas futuras poderão e deverão ser feitas a partir dos resultado desta.
A Cooperação Internacional em Ciência, Tecnologia e Inovação: O Papel das Instituições de Ensino Superior Brasileiras
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Guilherme Kiraly Robles (UFBA)
Resumo:
No cenário internacional contemporâneo, a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) emerge como um tema indispensável nas Relações Internacionais (RI), uma vez que as abordagens tradicionais não conferiram à CT&I um papel central, concentrando-se até meados dos anos 1970 em questões de segurança (Keohane, 1984; Skolnikoff, 1993; Weiss, 2005). A partir da descentralização da agenda das RI e da percepção da agência de novos atores, (HOCKING, 1993), observa-se que as interações na cooperação internacional em torno da CT&I trilharem este caminho, atuando também em níveis regionais, envolvendo os atores locais, mantendo relações que não estão descoladas da esfera nacional, mas ocorrendo de forma complementar a esta.
A apresentação deste aspecto é importante para se compreender a interconexão e o papel de atores subnacionais nas RI, sendo que no caso brasileiro são identificados na Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovações , que considera, entre os atores subnacionais, as instituições de ensino superior brasileiras (IES) como um dos atores centrais que operam CT&I. Nesse contexto, este trabalho se norteia a partir do questionamento: Qual o papel das instituições de ensino superior brasileiras na cooperação internacional em Ciência, Tecnologia e Inovação? Para atingir esse proposito, objetivo principal visa identificar a participação das IES na cooperação internacional em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e examinar o papel desempenhado por elas nesse contexto. Para atingir esse propósito, os objetivos específicos são os seguintes: (i) Entender os conceitos, as causas e as motivações que levam as IES a participarem da cooperação internacional; (ii) Levantar e sistematizar os atos internacionais, documentos e projetos relacionados à CT&I que evidenciem a participação das IES; (iii) Analisar a influência das dinâmicas estruturais domésticas e internacionais na participação das IES na cooperação internacional em CT&I, identificando os fatores que promovem ou dificultam essa colaboração. O enquadramento metodológico deste trabalho foi mediante uma pesquisa exploratória, para proporcionar maior afinidade com o problema e mais informações sobre o objeto a ser investigado (GIL, 1989).
A identificação dos atos e documentos foram utilizados aqueles disponíveis na íntegra nos repositórios instrucionais públicos dos ministérios brasileiros e das IES, considerando todos os que em seu título ou conteúdo contenham a participação, atribuição ou menção as IES. Utilizando-se da concepção de que a CT&I é um fenômeno político, resultado de negociações e disputas entre diferentes atores sociais, com o Estado desempenhando um papel fundamental como mediador dos interesses e da distribuição de poder entre os atores. Aqueles com maior poder de negociação têm mais chances de influenciar as políticas públicas , além de ter acesso a mais recursos para pesquisa e desenvolvimento (LEITE; GAYARD, 2019). Ao exigir dos tomadores de decisao maior especialização, busca-se cada vez mais o aconselhamento científico para enfrentar essas dinâmicas, visando obter informações que atendam aos seus interesses, fomentando a inserção internacional de cientistas e as instituições (HAAS, 1990), (KEATING, 1999).
Ademais, a partir da análise da sistematização realizada, observa-se que em sua maioria, os documentos estão voltadas para questões relacionadas à capacitação e fortalecimento da pesquisa no país, através da mobilidade, transferência e compartilhamento de conhecimentos e de experiências práticas, além de processos de internacionalização. No entanto, os documentos carecem de prazos, projeções e recursos para a sua realização, sendo frequentemente redigidos de forma generalista e pouco detalhada. Dito isso, como evidenciado pelo aumento no número de atos firmados, Há uma crescente participação das IES na cooperação internacional ao longo das últimas décadas.” Assim, a análise partiu do pressuposto de que o nível de informação é indicativo pelo grau de detalhamento e especificidade sobre a dimensão internacional nas políticas do Estado. A posse de informações detalhadas é crucial para instruir os tomadores de decisão, permitindo que os países definam seus interesses e objetivos em negociações internacionais (MIGDAL, 1972). Considerando também que o sucesso da implementação de depende dos atores da sociedade como as IES, a falha em envolver efetivamente esses atores pode comprometer os governos em futuras negociações (Putnam, 1988).
Portanto, a ausência de políticas nacionais claras, juntamente com o baixo detalhamento dos documentos ministeriais e a falta de informações disponíveis, são fatores que podem contribuir para a limitada inserção das IES na cooperação. Essa situação contrasta com as estratégias institucionais e as necessidades de informações dos tomadores de decisão, bem como com as abordagens que defendem uma maior participação das IES na cooperação internacional. No entanto, esses esforços muitas vezes esbarram em estruturas e interesses dominantes que dificultam essa inserção, mais especificamente, as universidades em países do Sul global desempenham um papel importante nos objetivos de desenvolvimento de seus próprios países, além de serem as principais produtoras de pesquisas cientificas, inclusive o Brasil (UNESCO,2022). Por fim, a inserção dessas instituições na cooperação internacional exige a implementação de mecanismos estratégicos e apropriados, visando à aquisição, identificação, disseminação e exploração de recursos complementares para a execução de projetos. Isso pode ser alcançado através da adaptação das atividades existentes nas IES para acessar recursos ou criando incentivos e obrigações para que estas se tornem mais presentes na cooperação (BEERKENS; DERWENDE, 2007).
A Cooperação Regional Contemporânea: A OCX e a ‘Nova Ordem’
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Paulo Victor Fernandes Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal da Bahia (PPGRI – UFBA))
Resumo:
Com a derrocada da União Soviética e a independência das repúblicas da Ásia Central – Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Tadjiquistão –, a importância dos mesmos amplificou-se significativamente na geopolítica regional, levando em consideração também, a crise em que Moscou ultrapassava durante a década de 1990, bem como os conflitos atrelados à localidade no pós-independência e a abertura gradual dos países (GUSEV, 2019).
O avanço da globalização neoliberal nesse espaço possibilitou o incremento e a expansão de laços comerciais desses países com outras regiões devido ao crescente aumento internacional por demanda energética. Outras potências avistaram uma oportunidade maior de solvência da influência russa, sobretudo no âmbito energético. Tal dinâmica fez com que antigos líderes locais, que outrora estavam dentro do arcabouço político da União Soviética e de suas Repúblicas, emergissem como donos de empresas estatais soviéticas que passaram para o domínio estatal ou privado dos novos países então independentes, com alguns autores colocando essas figuras como “oligarcas da energia” na Ásia Central (COOLEY; HEATHERSHAW, 2017).
Concentrando grandes poderes individuais entre essas lideranças e pouca efetividade econômica, no início do século XXI, as relações entre os países centro-asiáticos voltam a ser grandes prioridades, evidenciado com a instauração e o desenvolvimento da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) em 2001 (RUMER, 2002), unindo os vizinhos da região: Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão – tendo o Turcomenistão como membro convidado –, com a adesão também da China e Rússia, naquele momento.
Antes, a OCX fora semeada no contexto da década de 1990 com o nome de “Shanghai Five”, uma espécie de fórum regional, sendo posteriormente oficializada em 2001 com a adesão do Uzbequistão, reunindo todos os países citados acima – com exceção do Turcomenistão –. Além disso, a OCX conta como membros, as duas potências nucleares regionais do subcontinente indiano, Índia e Paquistão, que aderiram em 2017, e mais recentemente com a adesão do Irã em 2023. Dentro desse espaço, é evidente o eixo de cooperação sino-russo, sendo os dois países mais atuantes na resolução de conflitos e de acordos militares e econômicos (BOLAND, 2010).
Além da criação da OCX, o marco temporal do ano de 2001 é especialmente relevante para entendermos esse contexto de relações que outrora, em tempos soviéticos, foram de diferenças conflitantes fundamentais. Tanto a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), quanto os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, trouxeram uma verdadeira agitação para a segurança regional. Desde então, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) expandiu ainda mais o seu escopo, projetando não somente a Rússia – que também vinha recuperando seu prestígio lentamente, após uma conturbada década de 90 nos âmbitos econômicos, militares, sociais e políticos, sobretudo –, mas também a China e a questão de Xinjiang, objeto de segurança nacional de Pequim e também de preocupação securitária regional (DALL’AGNOL, 2021).
Tais fatores vieram por ocasionar uma aproximação maior entre China e Rússia, que, com o passar do tempo, foram alinhando objetivos de política externa semelhantes, principalmente nos âmbitos militares e econômicos já citados, através de acordos de aquisição de armamentos e novos gasodutos que ligam os países e/ou passam pelo Cazaquistão, como exemplo.
Com o constante prestígio e valorização do petróleo e do gás natural nos diferentes mercados pelo mundo, em consonância com a ampliação da presença militar e econômica estadunidense na região do Oriente Médio e até em pontos específicos da Ásia Central, essas relações bilaterais entre chineses e russos vão se acentuar sobretudo da última década em diante, com a retomada de prestígio geopolítico e militar russo em algumas regiões, bem como a ascensão chinesa, onde ambos vislumbram um rival geopolítico em comum, os Estados Unidos (YU, 2002).
Tanto para Moscou, como para Pequim, a aliança mútua nessas temáticas acabam sendo coniventes com os objetivos de contrariar e diminuir a penetração e influência dos Estados Unidos na região, promovendo e reforçando novos laços econômicos, militares e diplomáticos entre os entes envolvidos, por exemplo, através de novos métodos de resoluções de conflitos (THOMPSON, 2022), trazendo um novo modelo de complexo regional de segurança por meio da OCX (BUZAN; WAEVER, 2003).
O cenário caótico do Afeganistão, tende a se tornar um exemplo tácito e de valor considerável para ambas as potências e um exemplo “teste” grandioso dessas novas políticas externas alinhadas para a OCX, já que para além de ser uma ponte geográfica que liga o Oriente Médio a região da Ásia Central, o país também é um berço de células de grupos insurgentes que visam ameaçar a segurança regional e a enfatizar possíveis movimentos separatistas nos países da região e da própria organização, além de ser também um importante fornecedor de diversas matérias primas que possuem em abundância no solo afegão, reforçando o seu potencial de investimento (PANNIER, 2021). Para tal, veremos como a ‘Nova Ordem’ do eixo euroasiático sino-russo, através do exemplo da OCX e a sua cooperação regional, poderá pôr nas relações internacionais uma nova lógica de um complexo regional de segurança (GUNGWU; YONGNIAN, 2009).
A curricularização da extensão em Relações Internacionais: a experiência da Universidade de Ribeirão Preto
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Camilla Silva Geraldello (Unaerp), Kamilly Miranda da Silva (Universidade de Ribeirão Preto)
Resumo:
No final de 2018, a curricularização da extensão foi estabelecida no Brasil, reforçando a ideia de que o ensino superior deve contribuir à sociedade por meio da transformação da realidade do país (MIGUEL, 2023). Isto porque, em cada instituição e em cada curso de ensino superior brasileira a extensão universitária encontrava-se em momentos distintos.
Na Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), uma instituição centenária do interior do estado, não foi diferente: alguns cursos, principalmente da área da saúde, já dispunham de atividades extensionistas consolidadas e desenvolvidas, enquanto outros realizavam atividades de maneira esporádica, como o curso de Relações Internacionais. Deste modo, para o curso de Relações Internacionais foi necessário estabelecer um rol de atividades vinculadas ao ensino e as possibilidades da região – que fossem além do mero assistencialismo (UNAERP, 2023).
Ribeirão Preto é uma cidade do interior do estado de São Paulo, próxima ao Triângulo Mineiro, que se desenvolveu fruto da economia cafeeira entre meados do século XIX e meados do século XX. Ao longo do século XX industrializou-se e a partir do século XIX a economia canavieira têm obtido destaque, culminando no título de “Capital Brasileira do Agronegócio”. (UNAERP, 2023) O município é o centro de uma Região Metropolitana composta por 34 cidades, muitas das quais participam intensamente do comércio internacional (AGRELI et al, 2023), além de contar com um escritório da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham-Brasil).
Logo, existe uma demanda na região por profissionais aptos a compreender e analisar a realidade nacional e internacional e as interações entre os níveis local, regional, nacional e internacional que o curso de Relações Internacionais visa suprir (UNAERP, 2023). Contudo, como estabelecer a curricularização da extensão no curso de Relações Internacionais no interior do Brasil? Nesta perspectiva, este trabalho tem como objetivo demonstrar as ações desenvolvidas ao longo de 2023 e 2024 no âmbito da curricularização da extensão no curso de Relações Internacionais da UNAERP.
Conforme Mendonça e Prado (2015) discutem, existe um desafio maior para os cursos de Relações Internacionais no interior do Brasil, pois muitos alumni enxergam apenas as oportunidades de grandes capitais. Todavia, como os autores mostram, existem diversas oportunidades fora das capitais. Na mesma direção, este trabalho busca demonstrar que além das oportunidades profissionais também existem oportunidades no campo das atividades extensionistas que podem ser desenvolvidas.
Para tanto, este trabalho fez um levantamento em artigos, teses e dissertações sobre a importância e os aspectos da curricularização da extensão universitária no Brasil, para, na sequência abordar a estratégia e as atividades desenvolvidas ao longo de 2022 e 2023 no curso de Relações Internacionais da UNAERP. Desta maneira, considerando as áreas do curso e as potencialidades da região, foram estabelecidos dois eixos temáticos: “Direitos Humanos e Democracia”; e “Comércio Exterior e Negociações Internacionais”.
Dentro do segundo eixo nos anos de 2023 e 2024, os estudantes desenvolveram um Guia de Importação e Exportação da Região Metropolitana de Ribeirão Preto (RMRP) para auxiliar empresas e indivíduos envolvidos com comércio exterior na região. Este Guia envolveu uma pesquisa profunda dos discentes e seu lançamento ocorreu em um evento com empresários e poder público local.
A DINÂMICA DE (IN)SEGURANÇA REGIONAL AFRICANA: O PAPEL DA RÚSSIA NA MATERIALIZAÇÃO DO GOLPE DE ESTADO NO NÍGER.
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): VLADIMIR SA (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
O continente africano é, historicamente, marcado pelos inúmeros conflitos armados que desafiam a existência de soberanias africanas enquanto Estado-nação, especialmente quando relacionadas a questões de instabilidade política e de segurança, que surgem como as principais demandas dos países africanos no século XXI (FIRST, 1970; RODRIGUES, 2013). A região se tornou palco de sucessivos golpes de Estado desde sua independência até nos tempos presentes, como é o caso do Níger.
Desde a sua independência, o Níger tem mergulhado numa luta ininterrupta pela segurança e estabilidade política, passando por vários golpes de Estado (VISENTINI, 2018). Neste contexto, o golpe de Estado de 2023 mostrou que os problemas de insegurança continuam a perseguir o Estado nigerino. Conforme o jornal BdF (2023), a sucessiva intervenção militar na política nigerina exibe a raiz dos problemas que afetam o Níger. Por um lado, há a uma problemática social e econômica interna que aprofunda as divisões internas do país: a pobreza, fome, entre outros fatores, condicionam de forma negativa o processo de segurança e estabilidade (RODRIGUES, 2013). Por outro lado, o Estado nigerino carrega o desafio da insegurança que as nações do Sahel têm enfrentado ao longo do tempo: grupos de insurgentes armados, terrorismo, etc. são dilemas não superado (SITOE, 2020). Outrossim, o golpe trouxe para o debate a efervescência de disputas geopolíticas do século XXI, e em especial a rivalidade entre os países do Ocidente e a Rússia na busca pela expansão de espaços de influência no continente africano.
A disputa geopolítica na África entre o Ocidente e a Rússia apresenta características semelhantes à da Guerra Fria. Os interesses de dois blocos não se limitam apenas ao interesse de expandir seus objetivos políticos e econômicos, mas, também o de assegurar objetivos securitários. A presença russa é avaliada como uma ameaça para os ex-colonizadores ocidentais, como a França (BdF, 2023). A competição pela primazia do século XXI acontece em meio a mudanças na política externa russa: o papel da África na agenda de Moscou passa por uma reaproximação da Rússia com vários países do continente, o que capturou o interesse de líderes políticos africanos num contexto histórico mais contemporânea em que a Europa começou a perder o espaço de barganha (LAZZARI, 2011).
A questão da segurança, e em especial em seu componente militar, torna-se um tema central para manter e fortalecer o elo entre o Kremlin com o continente. Nesse contexto, destaca-se justamente o Níger, que tem a presença do Grupo Wagner como um fator que mostra o fortalecimento da aproximação com a Rússia.
Na conjuntura geopolítica atual, o golpe militar nigerino imprime a imagem da queda do poder ocidental, que está a ser desafiado por vários países africanos com o apoio de Moscou, o que gera a percepção de que há um fortalecimento da Rússia. A expansão do discurso antiocidental, sobretudo contra a França, em boa parte das ex-colônias desse país na África, cresce dia após dia. Sob outra perspectiva, a permanência de antigos problemas socioeconômicos do país, a pobreza extrema, instabilidade política, entre outros, promovem as recorrentes desordens internas que legitimam as interferências estrangeiras, nomeadamente, de potências como os Estados Unidos e a própria França.
O trabalho terá como objetivo analisar as dinâmicas da (in)segurança em África Ocidental, e de maneira particular, o golpe de Estado do Níger com enfoque em observar o papel da Rússia nesse evento. Serão objeto de análise o desdobramento do atual cenário político do Níger bem como a situação de insegurança no Sahel, as disputas geopolíticas entre Rússia e países ocidentais e a expansão do ressentimento anticolonial nas antigas colônias francesas em África.
Pela pertinência da temática será utilizada uma abordagem interdisciplinar e multidimensional que procura identificar diversos fatores internos e externos para diagnosticar a relação do golpe de Estado nigerino com a disputa geopolítica internacional contemporânea. Descrever os elementos políticos e econômicos internos que condicionam a explosão de tensões político-militares no país. Sendo assim, será usada uma metodologia qualitativa, com a análise de documentos oficiais do Níger, bem como a incorporação de uma bibliografia pertinente que analisou o país e, especialmente, o golpe de Estado (MAY, 2004). Também serão utilizados dados quantitativos para descrever questões estruturais do Níger, como produção econômica, mercados, exploração de recursos naturais, etc.
Essa pesquisa está na fase de work in progress, então, para abordar problemas de (in)segurança nigeriano no século XXI é fundamental considerar aspectos que não dependem apenas do interesse da política nacional nem tampouco regional, mas também de fenômenos externos. Posto isto, esperamos que essa proposta possa esclarecer o papel que a competição entre as grandes potências, no caso a Rússia e países ocidentais como França e EUA, tem na atual situação de instabilidade política e golpes de Estado envolvendo o Níger. As fontes de pesquisas: Centro África de Estudos Estratégicos, Departamento de segurança da CEDEAO, Ministério de defesa do Níger, Relatórios da ONU para assuntos de segurança em África, entre outros.
A Entrada do Brasil nos Acordos Artemis: Uma Estratégia Rumo à Liderança Espacial na América Latina?
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Guilherme Figini (Universidade Católica de Santos), Maria Fernanda Valiante Lopes Ferraz (Universidade Católica de Santos)
Resumo:
A exploração do espaço cósmico é crucial para a projeção internacional dos países dadas suas significativas implicações econômicas, políticas, sociais e tecnológicas. Nesse contexto, considerando o vasto território do Brasil, é imperativo que o país participe ativamente das negociações, bem como que promova iniciativas voltadas para o domínio espacial e a obtenção de destaque neste setor.
Nos últimos anos, o Brasil tem buscado fomentar o desenvolvimento nacional no setor aeroespacial. Alguns dos movimentos para tal foram: a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) com os Estados Unidos; e a conclusão do Centro de Lançamento Alcântara (CLA), considerado a “janela brasileira para o espaço” (Bertolaccini, 2020).
Além dos atos supracitados, o governo brasileiro procedeu à assinatura dos Acordos Artemis em junho de 2021 (Departamento de Estado dos EUA, 2021). Visando ser uma iniciativa multilateral, os Acordos Artemis foram criados com o objetivo de “estabelecer uma visão comum mediante a adoção de princípios, diretrizes e melhores práticas a fim de aprimorar a governança da exploração civil e o uso do espaço cósmico.” (NASA, 2020).
Uma das ideias centrais dos Artemis diz respeito à utilização e exploração de recursos espaciais, atividade considerada de extrema importância tanto para o presente como para o futuro da humanidade. Desse modo, a Seção 10 dos Artemis dispõe que “a utilização de recursos espaciais pode beneficiar a humanidade prestando auxílio fundamental para operações seguras e sustentáveis.” (NASA, 2020).
Após a assinatura do AST, a entrada do governo brasileiro nos Acordos Artemis, além de ser um marco por conta de ser o primeiro país sul-americano a assinar tal documento, marcou o retorno do Brasil à política externa caracterizada como “americanismo ideológico” (Medeiros, Vilas-Boas e Andrade, 2019).
Essas iniciativas corroboram com a proposta do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) para o período de 2022-2031. A dimensão estratégica de tal documento foi intitulada como “Ser o país sul-americano líder no mercado espacial”. O projeto do PNAE, publicado em dezembro de 2021, objetiva atender as necessidades da sociedade com mais efetividade, considerando a grande relevância da tecnologia espacial na viabilidade das atividades econômicas (AEB, 2022).
Assim, haja vista a magnitude do movimento brasileiro no cenário internacional, a problemática deste artigo busca analisar se a assinatura dos Acordos Artemis pode ser classificada como parte de uma estratégia do governo brasileiro para assumir a liderança latino-americana no setor aeroespacial.
A relevância deste estudo se insere na complexidade das relações geopolíticas e tecnológicas que permeiam o setor aeroespacial. À medida que o Brasil se posiciona como ator central nesse cenário, é imperativo compreender a motivação político-diplomática para a assinatura dos Acordos Artemis.
Nesse contexto, a hipótese formulada sugere que o governo brasileiro adotou uma estratégia a fim de alcançar a posição de liderança entre os países latino-americanos no setor espacial, e a assinatura dos Acordos Artemis é interpretada como um passo estratégico significativo na direção da consolidação desse plano ambicioso.
A fim de confirmar a hipótese delineada, o futuro artigo terá como objetivo principal analisar o desenvolvimento do programa espacial brasileiro e sua relação com a assinatura dos Acordos Artemis, considerando as motivações políticas e a estratégia do governo brasileiro para atingir a proeminência aeroespacial na região da América Latina.
Em primeiro lugar, será empreendida uma análise do programa espacial brasileiro e do contexto geopolítico e tecnológico que motivou o governo brasileiro a adotar os Acordos Artemis como parte de sua estratégia de liderança regional. Isso incluirá uma investigação dos objetivos internos e externos que influenciaram essa decisão, bem como uma análise das oportunidades e desafios que se apresentaram ao Brasil no cenário internacional.
Após, serão examinados os impactos econômicos e tecnológicos da participação brasileira nos Acordos Artemis. Serão avaliados os benefícios potenciais para o desenvolvimento de capacidades espaciais e a indústria nacional relacionada ao setor aeroespacial, assim como os desafios e limitações que podem surgir nesse processo.
Por fim, será realizada uma avaliação das repercussões políticas e diplomáticas da assinatura dos Acordos Artemis e sua implicância para a busca brasileira pela liderança latino-americana no campo espacial. Além disso, observar-se-á como essa iniciativa afeta as relações regionais e globais, a fim de concluir se tal objetivo foi ou não alcançado.
A pesquisa em questão será conduzida utilizando o método hipotético-dedutivo, de viés qualitativo. Para sustentar a hipótese levantada, será empregada uma metodologia que combina análise bibliográfica e levantamento de dados oficiais disponíveis em sites governamentais relacionados às negociações e diretrizes do projeto.
Dessa forma, conclui-se, ainda que preliminarmente, que o governo Bolsonaro de fato almejava que o Brasil assumisse um lugar de protagonismo no setor aeroespacial, principalmente entre os países da América Latina. Ocorre que as medidas adotadas não lograram êxito em acarretar benefícios concretos ao país. O AST de 2019 teve como consequência uma relativização da soberania nacional, eis que seus artigos concedem ao governo dos Estados Unidos poder de restringir acesso a setores específicos do CLA. Por sua vez, não fica claro como o Brasil se adequaria aos dispositivos dos Acordos Artemis, haja vista não estar entre as chamadas “potências espaciais”.
As análises preliminares apresentadas fornecem uma visão inicial do progresso do estudo e apontam para as tendências e questões-chave que serão exploradas com mais detalhe posteriormente. Esses resultados parciais servirão como base para uma análise mais abrangente e aprofundada ao longo do desenvolvimento deste trabalho de pesquisa.
A Hegemonia Estadunidense e o Combate à Corrupção no Brasil: O caso da Operação Lava Jato
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto (Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD))
Resumo:
Este trabalho busca compreender a Operação Lava Jato a partir das Relações Internacionais, analisando como a hegemonia estadunidense influenciou e interferiu nas ações de combate à corrupção no Brasil, a partir da agenda global anticorrupção pautada e instrumentalizada pelos EUA. A análise é orientada pela seguinte pergunta de pesquisa: em que medida a Operação Lava Jato pode ser compreendida enquanto instrumento de manutenção hegemônica estadunidense no Brasil, levando-se em conta a agenda global anticorrupção pautada pelos Estados Unidos da América e o papel de determinada elite jurídica brasileira (procuradores e juízes federais) na manutenção desse projeto hegemônico? O referencial teórico utilizado se fundamenta nos conceitos de hegemonia (GRAMSCI, 2007; VIDAL; BRUM, 2020;), imperialismo (BORÓN, 2021; LENIN, 2011; LÓPEZ, 2021; HARVEY, 2005; PATNAIK; PATNAIK, 2021;) e bloco no poder (BOITO JR., 2018; 2016; PINTO et al, 2019; POULANTZAS, 2019), vinculados à teoria marxista do Estado e das Relações Internacionais, que destaca as dimensões de classe na análise dos processos políticos. Tais conceitos ajudam a compreender os elementos históricos e contemporâneos das intervenções estadunidenses em outras soberanias.
Deste modo, o objetivo geral da pesquisa é analisar como a hegemonia estadunidense influenciou e interferiu na condução da Operação Lava Jato a partir de sua agenda global anticorrupção, instrumentalizada para a garantia de interesses políticos e econômicos no exterior. O método adotado é o estudo de caso, definido como uma estratégia de pesquisa empírica que busca analisar um fenômeno da realidade contemporânea – a Operação Lava Jato – de forma extensiva e em profundidade (YIN, 1994). Esse estudo de caso é realizado a partir de uma perspectiva teórica marxista do Estado e das Relações Internacionais e está inserido dentro de um contexto de hegemonia estadunidense, conforme apresentado anteriormente. Apesar de suas particularidades, este estudo de caso pode contribuir para a formulação de proposições gerais e, consequentemente, para a construção ou o aprimoramento de teorias que versam sobre o tema em questão, sobretudo no âmbito da literatura que busca identificar as novas formas de intervenção estadunidense na política doméstica de outros países. De modo a realizar a análise proposta, a coleta de dados compreende uma pesquisa bibliográfica e documental, sendo que as principais fontes utilizadas para a observação empírica do fenômeno foram as seguintes: documentos oficiais publicados por instituições estatais estadunidenses (Departamento de Defesa, Departamento de Estado e Departamento de Justiça) e brasileiras (Ministério Público Federal e Poder Judiciário); normas jurídicas de direito interno e internacional; processos judiciais julgados nos EUA e no Brasil envolvendo a Operação Lava Jato; documentos divulgados pelo portal Wikileaks; reportagens publicadas pela imprensa nacional e internacional; biografias e outras publicações revelando as trajetórias acadêmicas e pessoais de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. A hipótese central é que a hegemonia estadunidense, no âmbito da agenda global anticorrupção, é exercida por meio de aparelhos estatais e privados que pautam e instrumentalizam esta agenda a partir dos interesses dos EUA e de sua classe dominante. No caso brasileiro, esses interesses envolveram principalmente a exploração do pré-sal pelos conglomerados petrolíferos estadunidenses, embora não tenha se limitado a essa questão. Através de um conjunto de iniciativas diplomáticas, econômicas, jurídicas e ideológicas, os EUA buscaram influenciar os interesses e as condutas das elites jurídicas envolvidas na Operação Lava Jato, interferindo nos processos jurídicos e políticos do Estado brasileiro. Nesse aspecto, o combate à corrupção emerge como uma narrativa política, associada à defesa dos direitos humanos, à promoção da democracia liberal e à guerra às drogas e ao terrorismo, que justifica intervenções em outras soberanias. Além dessa influência externa, busca-se analisar o papel desempenhado pelas elites jurídicas brasileiras. Devido a sua posição privilegiada de classe, tais elites apresentam interesses convergentes com as classes dominantes estadunidenses, o que contribui para a garantia dos interesses dos EUA no Brasil. Tais interesses envolveram a exploração do pré-sal brasileiro e a aplicação, por parte de autoridades estadunidenses, de multas bilionárias contra empresas estratégicas brasileiras, como a Petrobras, a Odebrecht e a Embraer, por atos de corrupção. Ademais, as investigações, processos e multas contra estas empresas geraram desdobramentos que afetaram negativamente a economia brasileira e a inserção internacional do país. Por fim, a Operação Lava Jato também gerou efeitos políticos, como o impeachment de Dilma Rousseff e o retorno de uma agenda política doméstica e externa neoliberal no Brasil, mais alinhada aos interesses estadunidenses.
A IMPLEMENTAÇÃO DA MISSÃO DE ASSISTÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS NO AFEGANISTÃO E AS CONTRADIÇÕES DECORRENTES DE SUA EXPANSÃO BUROCRÁTICA
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Matheus Chiot Teixeira (Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais – UFRGS)
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo analisar a implementação da Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA) e as contradições decorrentes da expansão burocrática da missão. Como abordagem teórico-metodológica para o desenvolvimento deste trabalho, utilizam-se as contribuições teóricas advindas da análise construtivista de organizações internacionais, desenvolvida por Michael Barnett e Martha Finnemore (1999). Os autores compreendem as organizações internacionais como atores providos de interesses próprios, de capacidade de implementação de normas e de uma burocracia racional-legal. Por meio da pesquisa qualitativa, baseada na análise de documentos oficiais da UNAMA de 2002 a 2021, identificam-se os principais objetivos da organização, bem como o modo de funcionamento de sua estrutura e os fatores determinantes para a sua expansão burocrática. Nesse sentido, cabe destacar que a UNAMA foi implementada em 2002, a partir da Resolução n. 1401 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), para complementar o Acordo de Bonn (2001). O objetivo inicial da missão era apoiar o processo de estruturação política do Afeganistão, auxiliando na construção de instituições políticas e fomentando a implementação de programas voltados à proteção dos direitos humanos no país. Nos anos seguintes, a missão expandiu o seu escopo burocrático, agregando novos objetivos e pautando novos temas. A ampliação da UNAMA teve como principal resultado o desenvolvimento de contradições próprias de sua burocracia, podendo-se destacar o afastamento da missão da sociedade civil. Nesse sentido, o trabalho propõe a seguinte pergunta de pesquisa: quais são os principais efeitos decorrentes da expansão burocrática da UNAMA? Para responder essa pergunta, são estabelecidos quatro objetivos principais: i) compreender o processo de formação da UNAMA; ii) identificar os principais fatores que contribuíram para a expansão burocrática da missão; iii) compreender quais foram os principais resultados dessa expansão burocrática, tanto internamente (na estrutura da missão) quanto externamente (na relação da missão com outros atores); e iv) evidenciar as contradições decorrentes da expansão da UNAMA. A hipótese principal deste trabalho é que a expansão burocrática da UNAMA teve como efeito o afastamento dos objetivos principais da missão, fortalecendo as agendas de segurança em detrimento daquelas relacionadas ao fortalecimento das instituições políticas e à proteção dos direitos humanos.
A importância da indústria de defesa para a inserção internacional do Brasil: o caso da neoindustrialziação e dos desafios impostos à economia brasileira
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Igor Estima Sardo (UFRGS), Danilo Augusto da Silva Horta (Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (PPGCP/UNICAMP)), Alvaro Manchon Ferreira (PPGEEI/UFRGS)
Resumo:
Nas últimas décadas, as transformações ocorridas na economia mundial e no Sistema Internacional têm causado grandes reverberações sobre as bases do poder material e poder potencial do Brasil, nos termos descritos por Mearsheimer. As mudanças ocasionadas pela ascensão da China no Sistema Internacional; as crescentes tensões e conflitos oriundos de um sistema crescentemente multipolar e os desafios impostos por uma economia internacional em crise e recessão levam a uma necessidade de se refletir acerca da posição brasileira nesses dois sistemas (no Internacional e na economia mundial, embora este dois estejam intrinsecamente conectados). Para isso, é fundamental explicitar que a inserção e a posição do Brasil na economia mundial e no Sistema Internacional são marcadas por uma série de contradições que devem ser explicitadas e analisadas. Uma destas contradições, pouco explorada pela academia brasileira, que possui centralidade para o debate acerca da posição do Brasil no Sistema Internacional, advém do fato de que no âmbito econômico o país perde, em termos relativos, capacidades e espaço para outros atores internacionais enquanto busca se inserir como potência e/ou liderança no Sistema Internacional (dependendo, de modo crescente, de um volátil soft power). Para compreendermos essa contradição, é fundamental discorrermos o porquê do Brasil perder poder potencial e espaço para outros atores na economia mundial, mesmo com o crescimento do Produto Interno Bruto. De modo geral, a perda de poder potencial e os desafios econômicos enfrentados pelo Brasil na economia mundial advém da existência de dois processos prejudiciais à economia nacional: a desindustrialização e a reprimarização da pauta exportadora. Esses processos têm efeitos negativos sobre a indústria em geral, e sobre a produção militar em particular do Brasil, ao passado que torna a economia nacional crescentemente dependente de tecnologia e poder bélico importado de outros países. Devido a isso, tem-se uma perda crescente no poder potência e no Hard Power nacional, e por consequência, uma posição no Sistema Internacional crescentemente ancorada no Soft Power brasileiro. Apesar da contradição, no atual governo Lula III (2023-atualidade), observamos a busca por introduzir políticas de industrialização, ou mais especificamente de “neoindustrialziação” na qual o setor de defesa possui papel central, a fim de combater os processos negativos em curso da economia brasileira (sobretudo a desindustrialização). Apesar da centralidade dada ao setor de defesa, a política deste governo vem sendo marcada por contradições, como ocorre com a venda da Avibras para uma rival australiana. Feitas tais considerações, o presente artigo tem por objetivo analisar a importância atribuída ao desenvolvimento do setor de defesa por parte do governo Lula III e discorrer sobre sua centralidade e potencialidade para a inserção do Brasil na economia mundial e para a liderança brasileira no Sistema Internacional. A hipótese deste trabalho é a de que o desenvolvimento das indústrias de defesa, buscadas pelo governo Lula III com o programa da neoindustrialização, constituem-se como uma forma de retomar e elevar o Hard Power e o poder potencial Brasileiro, fortalecendo sua posição e capabilities no Sistema Internacional, ao mesmo tempo em que assegura ao país uma melhor inserção na economia global. Entretanto, as políticas adotadas pelo atual governo tem grandes limitações e são contraditórias, como ocorre com a venda da Avibras, impondo limites ao desenvolvimento deste setor e ao papel que este pode exercer. A fim de atingir os objetivos traçados neste trabalho partimos do método de abordagem hipotético-dedutivo e dos seguintes métodos procedimentais: 1º) levantamento bibliográfico, especialmente acerca dos processos sofridos pela economia brasileira e dos seus efeitos para o Hard Power/poder potencial do Brasil, e de dados que comprovem a questão (especialmente indicadores econômicos obtidos nas bases de dados nacionais, como do IPEA e do IBGE); 2º) revisão integrativa da bibliografia e sistematização dos dados levantados e 3º) análise explicativa. Os dados levantados apontam para os seguintes resultados parciais: 1º) grandes dificuldades para o sucesso do programa de neoindustrialização do governo Lula III e para a revitalização/desenvolvimento do setor industrial de defesa nacional; 2º) importantes relações entre o desenvolvimento do setor de defesa, o Hard Power e o poder potencial brasileiro; 3º) aprofundamento da fragilidade da defesa nacional em relação a outros atores com a venda a Avibras e 4º) contradições entre o proposto pelo programa de neoindustrialização e o realizado até o momento, com uma aparente tendência a vulnerabilidade do Brasil frente a economia internacional.
Palavras-Chave: Neoindustrialização; Defesa; Brasil; Indústria de Defesa
A importância da perspectiva de gênero nas missões de paz da ONU: um estudo da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Ana Paula Lutz do Canto (UFRGS)
Resumo:
Sabe-se que as mulheres e as crianças são os principais grupos de vítimas civis em tempos de guerra (Carey, 2007). Todavia, para além de sofrerem com casos de abusos durante os conflitos, elas também são vulneráveis à exploração e à violência sexual mesmo daqueles que deveriam ajudá-las: os integrantes das missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Ao longo dos últimos anos, já houve diversas acusações de pacificadores estarem envolvidos com tráfico sexual, prostituição, obrigação de crianças à prostituição e relações sexuais com menores de idade (Ndulo, 2009).
Por sofrerem abusos ligados ao gênero, como estupros, nos conflitos armados e por agentes das missões de paz, as mulheres formam uma categoria de vítimas que carecem de políticas e cuidados voltados a elas. Dessa forma, faz-se necessária a inclusão de mais mulheres em missões de paz da ONU. A Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), adotada em outubro de 2000, reconhece os impactos desproporcionais e únicos que os conflitos armados têm nas mulheres e meninas.
Posto isto, observa-se que a maior participação de mulheres pacificadoras tende a diminuir a incidência de abusos e exploração sexuais. Além disso, a presença de mais mulheres trabalhando nas missões traz outros diversos benefícios. Por exemplo, baseado no estudo das missões realizadas na Namíbia (UNTAG), África do Sul (UNOMSA) e Ruanda (UNAMIR), observou-se que houve uma percepção da população local das agentes femininas como menos ameaçadoras, mais dispostas a ouvi-los e mais capazes de difundir situações potencialmente violentas (Dharmapuri, 2013).
O caso da Mission de l’Organisation des Nations Unies au Congo (MONUC) torna clara a necessidade de uma perspectiva de gênero na promoção de missões de paz, uma vez que foi a missão com mais relatos de abuso e exploração sexual (Kovatch, 2016). A Missão foi inicialmente estabelecida depois do Acordo de Cessar Fogo de Lusaka, assinado em julho de 1999, por República Democrática do Congo, Angola, Namíbia, Ruanda, Uganda e Zimbábue. Assim, a sua função era, inicialmente, observar o cumprimento do cessar-fogo e da retirada das forças e manter uma ligação com todas as partes do Acordo de Lusaka. Todavia, com o passar do tempo, uma série de resoluções do CSNU foi expandindo o mandato da MONUC, o que lhe conferiu outras tarefas adicionais relacionadas (UN, 2023).
Em julho de 2010, a Resolução 1925 do CSNU renomeou a MONUC para MONUSCO (Mission de l’Organisation des Nations Unies pour la stabilisation en République démocratique du Congo), para, segundo a Organização, refletir a nova fase em que o país se encontrava. A nova Missão estaria, desta forma, autorizada a usar todos os meios necessários para cumprir o seu mandato. Entre seus principais objetivos estavam a proteção de civis e de demais defensores de direitos humanos que estivessem sob ameaça iminente de violência física, e para apoiar o governo da República Democrática do Congo no seu processo de estabilização e nos seus esforços de consolidação da paz (UN, 2023).
Kovatch (2016) elenca os possíveis motivos por trás do alto índice de casos de abuso e exploração sexual na MONUC/MONUSCO. O primeiro deles seria o contexto local da República Democrática do Congo onde a violência sexual é recorrente e não enfrenta punições. O segundo fator levantado por Kovatch é a falha na cultura doméstica dos principais países contribuintes de tropas (que, nesse caso, são: Marrocos, Uruguai, Tunísia, Paquistão, Nepal e África do Sul) em consideração ao respeito à dignidade das mulheres. Em terceiro lugar, é colocada a característica machista da missão (num sentido de “boys will be boys”) e a falta de supervisão nestas situações. Por último, o autor aponta a insuficiência de mecanismos de aplicação e de punição na estrutura institucional das operações de paz da ONU (Kovatch, 2016).
Sendo assim, a pergunta que norteia esta investigação é: quais as implicações de uma maior presença de mulheres nas missões de paz da ONU em termos da efetividade da missão e da ocorrência de casos de abuso e exploração sexuais? Para qual a hipótese é de que a presença de mais mulheres nas missões de paz da ONU beneficia as populações locais, ao passo em que contribui para uma menor ocorrência de abusos e exploração sexuais, e auxilia no cumprimento dos objetivos da missão, ao passo em que contribui para uma melhor coleta de informações e uma visão mais completa do contexto. Desta forma, o objetivo principal desta pesquisa é discutir a importância de se incluir uma perspectiva de gênero às missões de paz das Nações Unidas a partir da exposição dos casos de abuso e exploração sexual ocorridos durante a Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo. Ademais, este artigo buscará apresentar as demais esferas de atuação da ONU através da MONUC/MONUSCO e a implementação da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Como resultados da pesquisa, encontrou-se que é possível afirmar a hipótese inicial, de que a presença de mais mulheres nas missões de paz da ONU beneficia as populações locais e auxilia no cumprimento dos objetivos da missão, ao passo em que contribui para uma menor ocorrência de abuso e exploração sexual. Todavia, diferentemente do que se esperava, a coleta de dados que relacionam mais diretamente a presença feminina e a diminuição de casos de exploração sexual não foi tão frutífera. Ademais, pôde-se perceber que os objetivos da Resolução 1325 não têm sido cumpridos.
A importância geoestratégica do Nordeste brasileiro no pensamento geopolítico nacional: Everardo Backheuser e Mário Travassos
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Matheus de Oliveira Souza (Universidade Estadual do Pará)
Resumo:
O presente artigo, trabalho de conclusão de curso realizado no âmbito da Especialização em Relações Internacionais: Geopolítica e Defesa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresenta revisão de literatura sobre como o Nordeste do Brasil é considerado, em sua importância geoestratégica, no pensamento geopolítico de Everardo Backheuser e Mário Travassos. Estes geopolíticos estão situados, conforme categorização realizada por Miyamoto (1995), como pertencentes à primeira fase do desenvolvimento do pensamento geopolítico no Brasil – sistematização do pensamento, teorização e influência europeia. Para alcançar-se o objetivo de identificar a importância geoestratégica da supracitada região no pensamento destes autores, parametrizou-se o estudo a partir de amplos levantamento e revisão de bibliografia, a partir dos quais foram identificados os principais elementos conceituais (temas) que formam as visões daqueles sobre o Nordeste. Foram considerados 13 (treze) textos de Backheuser e 7 (sete) de Travassos. Os textos foram analisados com base em seus fichamentos, a partir dos quais se buscou detectar os construtos conceituais usados para referência à região. Como resultados, foram encontrados variados temas relativos à importância geoestratégica do Nordeste, alguns repetidos entre os autores. São eles: integração territorial; fator climático como estratégico; desenvolvimento nacional; importância do povo nordestino; importância das migrações nordestinas; infraestrutura do país; regiões geopolíticas do Brasil; defesa e permeabilidade do território brasileiro; densidade demográfica; Atlântico Sul; importância estratégica de rios; importância estratégica do interior do território; importância do espaço litorâneo; saliente nordestino; importância da navegação de cabotagem; importância estratégica de ilhas. Pode-se apontar que o espaço nordestino possui grave importância geoestratégica no pensamento geopolítico nacional desde sua primeira fase (primeiras décadas do século XX), permanecendo centrais alguns dos desses temas, ainda considerados como grandes tópicos da geopolítica nacional nas primeiras décadas do século XXI.
A influência de governos de extrema-direita sob a atuação internacional de entes subnacionais
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Larissa Aguiar Albuquerque (Universidade Federal da Paraíba)
Resumo:
A ascensão de líderes populistas de direita e de extrema-direita se tornou um fenômeno que vem marcando o cenário internacional nos últimos anos. Caracterizada por uma retórica populista, nacionalista e muitas vezes xenófoba, essa tendência tem impactado profundamente as dinâmicas sociais, econômicas e geopolíticas em diversos países ao redor do mundo. De acordo com Löwy (2020), aspectos como: conservadorismo, anticomunismo, antimultilateralismo, nacionalismo xenofóbico, fundamentalismo religioso, o ódio à esquerda, ao feminismo, a comunidade LGBTQIAP+, autoritarismo político e nacionalismo integral, caracterizaram os governos de líderes com esse espectro ideológico.
Segundo Norris e Inglehart (2018), tais lideranças, conservadoras, nacionalistas, anti-imigração e anti status quo, empregam uma retórica populista para justificar seus métodos de governo, promovendo valores autoritários que representam uma ameaça às instituições democráticas de seus países. Os autores argumentam, ainda, que a combinação da retórica populista com valores autoritários, característica dessas figuras, leva à uma política de exclusão, manifestada na polarização entre o “nós” e “eles”, o que legitimou uma série de discursos de ódio contra minorias nacionais e internacionais.
O uso desta imagem estereotipada – conceito utilizado por Wehner (2022), do “nós contra eles” – afetou a condução de uma série de políticas públicas nesses países, e a política externa não ficou de fora dessa realidade. O papel das ideias nesses casos são excepcionalmente importantes, porque elas possuem efeitos que influenciam e são normativas, ajudam o indivíduo a avaliar e categorizar a si mesmo e o outro, determinando o seu posicionamento acerca do outro e de suas ações (WEHNER, 2022). Nesse sentido, o autor alerta que, após a identificação da imagem de si próprio, as imagens criadas “do outro” por esses líderes são instrumentalizadas e servem como guia para avaliar e conduzir as intenções (próprias e de outros países) de política externa.
De acordo com Elgström (2000), em situações institucionais normais, as imagens podem ter efeitos estabilizadores, especialmente em burocracias encarregadas de conduzir a política externa. No entanto, Wehner (2022) vai argumentar que na medida em que esses líderes populistas marginalizam a burocracia tradicional e a institucionalidade estatal da política externa, predominam-se as suas próprias imagens, o que pode ter efeitos desestabilizadores sobre certos aspectos dos papéis da política externa do Estado.
Tal formato de atuação característica de líderes populistas, nesse caso, de extrema-direita, causou consequências para políticas externas consideradas tradicionais, como por exemplo a do Brasil e dos Estados Unidos sob os mandatos de Jair Bolsonaro e Donald Trump, respectivamente. Muitos temas específicos, que anteriormente possuíam uma certa continuidade na agenda internacional desses Estados, como meio ambiente, saúde e imigração, foram conduzidos de forma diferente. Esse tipo de abordagem trouxe repercussão tanto para o cenário internacional como também nacional. No âmbito externo, houve mudanças significativas relacionadas a posicionamentos em instituições internacionais e reconfiguração de parcerias, e no nacional transcorreu instabilidade e confrontos entre os níveis de governo (nacional e subnacionais).
Tais empasses entre níveis foram marcantes dentro de governos populistas de extrema-direita como os de Trump e Bolsonaro. Observamos que uma consequência disso foi uma maior atuação internacional de entes subnacionais. Isso, a fim de realizar negócios, parcerias, apoio, conseguir recursos, insumos e equipamentos de proteção – no caso da Pandemia de Covid-19 – por meio de acordos com outros países, entrando em embate direto com os discursos e as políticas públicas realizadas nacionalmente.
Nesse ínterim, este estudo, por meio de uma revisão da literatura, busca compreender se há alguma relação entre paradiplomacia e governos de extrema-direita. Assim, o objetivo central do artigo é compreender as principais conclusões alcançadas por pesquisadores sobre as dinâmicas da diplomacia subnacional em contextos políticos marcados por lideranças extremistas. Sendo os objetivos secundários: (1) fazer um levantamento bibliográfico teórico-conceitual sobre a ascensão de governos de extrema-direita; (2) depreender dessa literatura estudos que falem sobre a atuação internacional de entes subnacionais nesses governos; e (3) apresentar casos em que governos de extrema-direita acionaram uma maior atuação internacional dos entes subnacionais.
A hipótese deste trabalho é de que governos de extrema-direita e confrontacionistas – ao status quo internacional e a política externa tradicional do país – levam a uma maior atividade paradiplomática. Isso porque compreendemos que a política adotada por governos de extremistas pode resultar em atritos entre os níveis de poder (poder central e subnacionais) e, consequentemente, na autonomia dos governos subnacionais em questões internacionais. O artigo irá utilizar de fontes secundárias: artigos científicos, livros, notícias, teses e dissertações, a fim de examinar estudos acadêmicos para explorar as relações entre entidades subnacionais e a política externa em governos de extrema-direita.
Os resultados esperados deste artigo são diversos: (1) realizar uma revisão de literatura das pesquisas que falam sobre paradiplomacia e governos de extrema-direita; (2) depreender quais são as principais conclusões realizadas pelos pesquisadores desse tema; e (3) encontrar casos que apresentam conformidade com a hipótese a ser testada.
A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO NO CONTINENTE AFRICANO: Instrumento de legitimação da opressão colonial ou de emancipação dos povos africanos?
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Nathália Luize de Farias (PPGEEI/UFRGS)
Resumo:
Esta pesquisa se propõe a discutir a instrumentalização do Direito Internacional Público (DIP) no continente africano, questionando se seria um instrumento de legitimação da opressão colonial ou de emancipação dos povos africanos. A hipótese é de que o Direito Internacional é instrumentalizado conforme os interesses e a mobilização dos agentes. Na prática, o Direito Internacional, devido à colonialidade, ainda é instrumento de opressão, mas há a tentativa de emancipá-lo pelos povos africanos, como se nota na própria redação da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos.
A fim de responder tal problema de pesquisa, adota-se a doutrina de Direito Internacional Crítico e as leituras pós-colonialistas. Nessa perspectiva, compreende-se que o colonialismo foi central para a formação do Direito Internacional, cuja normatividade emergiu da experiência europeia e foi ampliada ao mundo não europeu em razão da colonização (ANGHIE, 2006; UGOCHUKWU, 2013). Neste primeiro momento, o Direito Internacional legitimou a colonização uma vez que retratava os europeus como povos civilizados, cuja missão civilizatória compreenderia colonizar os povos incivilizados, violentos e atrasados.
Assim, o Direito Internacional adquiriu a pretensa universalidade e o apelo moral, a partir dos quais deveria ser aplicado de forma universal a todos os povos para garantir que a justiça os alcançasse, o que justificaria e legitimaria a intervenção e a conquista dos povos não civilizados (ANGHIE, 2006). Dessa forma, ainda que existam meios de opressão e de colonização mais evidentes ou violentos, o Direito Internacional se tornou um instrumento importante ao justificá-las normativamente, inclusive racionalizando-as e tornando-as discursivamente favoráveis aos povos colonizados. A partir dele, o colonialismo foi uma busca por superlucros, em nome de uma missão civilizadora (AREWA, 2021).
Esta leitura crítica do Direito Internacional sustenta que o encerramento formal da opressão colonial não implicou o fim das relações coloniais, pois manteve-se a colonialidade, isto é, a matriz de poder colonial sob a qual os povos não europeus permanecem subjugados, pois o colonialismo, mais do que um sistema de exploração econômica e dominação política, constitui-se como um processo histórico totalizante, afetando o campo de representações, discursos e valores, nos quais se insere o Direito (ANGHIE, 2006; BORGES; DIALLO, 2020; CHIMNI, 2006; FILHO; DIAS, 2018). Chimni (2006), expoente desta crítica, inclusive argumenta que o Direito Internacional se tornou a principal forma pela qual a dominação se expressa na Era da globalização porque costuma ser associado a racionalidade, neutralidade e objetividade.
Com este referencial teórico, responde-se a primeira parte da pergunta, em que identifica-se, histórica e conjunturalmente, a instrumentalização do Direito Internacional pelo colonialismo. Ainda assim, este trabalho questiona se o DIP pode ser instrumentalizado pelos povos africanos de modo distinto e emancipatório. Com isso, o trabalho busca identificar contribuições teórico-doutrinárias africanas ao DIP. Distintamente da Declaração Universal de Direitos Humanos e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos se refere diversas vezes aos termos povos e deveres. Tal fato está associado ao pensamento afrocomunitário, como alternativa ao pensamento individualista da filosofia jurídica ocidental (KAMGA, 2018; KUWALI, 2013; ONAZI, 2013).
Isto posto, a fim de contemplar o objetivo geral deste trabalho, qual seja, discutir a instrumentalização do Direito Internacional, o artigo subdividir-se-á em três objetivos específicos, que nortearão três capítulos de desenvolvimento. O primeiro discutirá a constituição do Direito Internacional, sob a perspectiva do Direito Internacional Crítico. Por sua vez, o segundo apresentará a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e as particularidades do Direito Internacional Africano, em relação ao Direito Internacional de pretensão universalista, ainda que essencialmente europeu. Para que, no último capítulo, identifique-se se há elementos de emancipação na discussão do Direito Internacional Africano e discuta-se a perpetuação da colonialidade no Direito Internacional.
Para a realização de tais objetivos, o método empregado será o dedutivo e a técnica metodológica será a pesquisa qualitativa, mediante revisão bibliográfica de doutrinadores do Direito Internacional Crítico e do Direito Internacional Africano, bem como análise da Carta Africana e da estrutura do Sistema Africano de Direitos Humanos, em comparação à Declaração Universal de Direitos Humanos.
A Internacionalização da Educação Superior no Brasil: O PEC-G e a Cooperação Sul-Sul
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Dorland Pohang Angoboul (Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA))
Resumo:
A passagem do sistema bipolar ao multipolar coloca os Estados numa situação de busca por projeção internacional. A multipolaridade exige que os Estados façam uso de instrumentos e recursos que estão ao seu alcance para conseguir criar alianças duradouras. Na sociedade capitalista, estes recursos convém ser denominados de capital. No caso do nosso estudo, trata-se do capital intelectual. Sendo assim, buscamos evidenciar como o Brasil faz uso do seu capital intelectual para criar alianças, em uma ordem global multipolar. Isto é, em que medida o uso do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) pelo Brasil contribui para sua projeção internacional na África, e para a construção de um mundo multipolar baseado na cooperação Sul-Sul. Os objetivos deste trabalho são a realização de uma análise do capital intelectual brasileiro como um recurso estratégico para fortalecer suas relações internacionais e sua posição global em um mundo multipolar, além da investigação do papel do PEC-G no para a projeção internacional do Brasil, com foco específico em suas iniciativas na África. Tais objetivos são desenvolvidos por uma revisão crítica da literatura sobre internacionalização da educação superior, Cooperação Sul-Sul (CSS) e o PEC-G, além da análise de documentos oficiais e relatórios de avaliação do programa.
A CSS define a colaboração de países em desenvolvimento entre si, diferindo da tradicional Cooperação Norte-Sul em que vários políticos e acadêmicos têm enxergado como desigual. A CSS é baseada em princípios como a solidariedade e a horizontalidade nas relações político-diplomáticas, alicerçada nos objetivos de “desenvolvimento de capacidades individuais e/ou compartilhados através do intercâmbio de conhecimentos, habilidades, recursos e expertise técnica, e através de ações coletivas regionais e inter-regionais” (OIT, 2024).
Nesta perspectiva, Barros e Nogueira (2017) entendem que a cooperação educacional internacional se destaca como uma ferramenta de consecução desses objetivos de desenvolvimento do capital humano, principalmente através do PEC-G. O PEC-G é um acordo educacional assinado entre o Brasil e países da África, da América Latina e da Ásia, para que jovens de tais países passem a cursar a graduação em universidades brasileiras. Através dele, os ministérios da Educação e das Relações Exteriores entendem difundir as perspectivas brasileiras pelo mundo (Brasil, 2024), devido à obrigatoriedade de voltar ao seu país após se formar. Ele é o programa de internacionalização da educação superior mais antigo (criado em 1965) e o que mais recebeu participantes. Segundo os dados do MRE, foram mais de 9300 estudantes que vieram se formar no Brasil, apenas no período de 2000 a 2023 (Mourão, 2014), configurando o Brasil como destino de atração para estudantes.
Em função da multiplicidade dos polos de poder no sistema internacional, o Brasil tem se posicionado como um importante ator das relações internacionais e esta posição lhe concede a configuração de potência intermediária (ou emergente) (Lima, 2005). Lima (2005) afirma que nesta categoria estão os países com recursos e capacidades limitadas em comparação com as potências, mas que têm um perfil internacional assertivo. Eles valorizam as arenas multilaterais e a cooperação entre países similares para exercer certa influência e alcançar objetivos de poder em contextos internacionais. Na América do Sul, o Brasil se caracteriza como uma potência regional, influenciando as dinâmicas de poder da região. Essa visão do país se pauta em aspectos econômicos, políticos, ambientais, e mais recentemente educacional. Através do PEC-G, o Brasil visa ampliar suas relações e permitir sua projeção internacional ao facilitar a formação de cidadãos do sul global. Os resultados desta situação têm sido o estreitamento de laços entre o Brasil e inúmeros países africanos, cujo o Brasil não tinha contato direto. Essa política externa voltada ao sul global, e principalmente à África ganhou força com os governos Lula e Dilma, que se usaram de um discurso de proximidade histórico-geográfico-cultural, para estabelecer essa aproximação. Em seus dois primeiros mandatos, Lula abriu mais de 35 embaixadas, cuja maioria se encontra em solo africano. Indo mais além, os especialistas apontam que esta presença massiva na África notifica uma busca por maior visibilidade do país, para sua maior inserção no comércio e para conquistar votos nas representações em organismos internacionais (Folha de S. Paulo, 2009).
Além disso, a era da multipolaridade também tem despertado, nas sociedades africanas, um interesse crescente em se formar em outros países em desenvolvimento. Essa mudança de tendência pode ser atribuída a uma série de razões, incluindo uma maior identificação cultural com esses países e o desejo de evitar questões de discriminação racial e de classe, por exemplo (Mourão, 2014).
Assim, através do PEC-G, o Brasil tem se feito presente em inúmeros países africanos, com destaque em países de língua portuguesa. No âmbito das instâncias políticas, o contato frequente das autoridades brasileiras com as autoridades diplomáticas de países africanos nas questões educacionais forjam a CSS. Na visão mais empírica, o retorno dos egressos do PEC-G e sua inserção nas sociedades dos seus países permitem uma projeção do Brasil em tais países, ajudando na ampliação do seu soft-power.
A invisibilidade das crianças nascidas de violência sexual durante conflitos: Identificando as brechas do regime internacional de direitos da criança
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Heloíse Reis Ventura (Universidade Federal da Integração Latino-americana)
Resumo:
A infância, apesar de atualmente parecer um conceito de senso comum, é na realidade fruto de um processo de construção teórica intimamente relacionado a um determinado contexto histórico, com marcadores sociais específicos e um pensamento político dominante. É possível rastrear tal processo ao século XX e seus avanços em uma documentação legal que, nos âmbitos internacional e nacional, definiu e padronizou as relações entre Estado, famílias e crianças (Marchi; Sarmento, 2017).
Neste contexto, a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), instrumento de direitos humanos com maior número de ratificações no mundo, tornou-se expressão da universalização de um modelo de infância fruto do pensamento ocidental moderno e ordenador de ações nacionais e internacionais nos diversos temas que dizem respeito aos direitos de meninas e meninos ao redor do mundo. A emergência dessa cultura global de defesa de direitos contribuiu para sustentar uma confiança universal no caráter emancipador da retórica dos direitos como solução para toda questão social, política, econômica e cultural vinculada à população infantil (James; James, 2004).
Assim sendo, o entendimento que pauta o regime de direitos da criança é um que defende a existência de uma infância universal constituinte de um parâmetro comum a ser aspirado por todos (Pupavac, 2001), de maneira a naturalizar determinadas avaliações normativas sobre quem são as crianças e o que deveriam ser, seguindo ideais e valores universalizantes (Burman, 1996). Não obstante, o conceito de infância é uma construção social fluída, que sofre alterações quando compreendido em diferentes períodos e localidades (Beier, 2020) e, portanto, generalizações não são capazes de solucionar as distintas problemáticas enfrentadas pelas crianças no acesso aos seus direitos.
As Relações Internacionais têm como um de seus principais temas as questões de segurança e defesa, sendo estas as motivadoras do próprio surgimento da disciplina no início do século XX. Tais preocupações se mantêm atuais dado o significativo número de Estados envolvidos em algum tipo de conflito ou passando por processos de construção ou manutenção da paz. Este contexto tem reflexos na vida e no desenvolvimento das crianças nas mais distintas formas: seja pelo envolvimento direto no conflito ou pelas inúmeras consequências deste no cotidiano dos civis, são indiscutíveis as violações aos direitos de meninas e meninos nestes cenários e, por essa razão, os direitos da criança tratam do tema com frequência.
Entretanto, dentro da multiplicidade de contextos conflituosos e de meios pelos quais as crianças são afetadas por eles, um tópico significativamente invisibilizado nesta temática é o das crianças nascidas por violência sexual em meio ao conflito. Apesar de sua existência ser reconhecida, pouco foi produzido nacional e internacionalmente pensando na particularidade de suas condições de existência e na garantia de seus direitos tal qual preconizado pela CDC (Seto, 2016). Assim, dentro do grande grupo de crianças afetadas por conflitos, elas estão às margens da discussão.
Definidas como “pessoas de qualquer idade concebidas como resultado de relações sexuais violentas, coercitivas ou de exploração em zonas de conflito” (Carpenter, 2007, p. 3, tradução própria), as CBOW (sigla do inglês Children Born of War) são filhas de um membro da comunidade local (geralmente a mãe) e um membro das tropas militares estrangeiras ou de manutenção da paz (geralmente o pai) (Mochmann, 2017). Ao redor do mundo e no decorrer da história, diversos conflitos e Missões de Paz tiveram e ainda têm como resultado o nascimento de inúmeras crianças sob tais condições. Não obstante, tanto entre Estados quanto entre organismos internacionais, o assunto tende a ser silenciado, como demonstra a falta de iniciativas e documentação sobre elas.
Para executar sua proposta e atingir os objetivos definidos, o presente trabalho será desenvolvido utilizando a metodologia da revisão bibliográfica e da análise documental. Em primeiro momento, tomará a CDC e seus Protocolos como objeto de estudo, analisando seu conteúdo por uma perspectiva decolonial que visa denunciar o uso de um determinado ideal de infância que se baseia em ideias Norte cêntricas e é universalizado por meio desta documentação. Para tanto, estudará seus artigos buscando identificar seus ideais formuladores e sua relação com a política moderna, demonstrando as marcas da colonialidade neste instrumento de direitos humanos e como isso leva a falhas com determinadas experiências do ser criança.
Em vias de materializar esta realidade, o trabalho traz os casos das CBOW como exemplo de invisibilização dentro dos direitos da criança. A partir de documentos oficiais e relatórios de Universidades e organizações, buscar-se-á dados quantitativos e qualitativos sobre as crianças nascidas de violência sexual em contextos de conflitos contemporâneos, como número de nascidos, territórios que habitam, suas raças e/ou etnias, entre outros fatores que contribuem para mapear o cenário atual do tema. Além disso, o trabalho buscará identificar quais ações têm sido tomadas pelos atores internacionais, tanto em âmbito doméstico quanto mundial, para garantia do acesso aos seus direitos por esse grupo de crianças.
Entende-se que, apesar de existir uma gama de documentos que tratam do tema de segurança e infância, as CBOW são invisibilizadas no regime de direitos da criança já que são escassas as ações nacionais e internacionais voltadas ao seu cuidado. Esta realidade é demonstrativa de uma negligência por parte de Estados e organismos internacionais na defesa e garantia dos direitos da criança em sua plenitude, que se entende como pautada na falta de atenção à existência de infâncias que fogem à norma universalizada pela CDC.
A Marinha do Brasil na Guerra do Paraguai aos Olhos de seus Oficiais
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Gustavo Gordo de Freitas (Universidade Federal de Pelotas), Etiene Villela Marroni (Universidade Federal de Pelotas)
Resumo:
O presente trabalho tem como pergunta: qual a percepção dos oficiais superiores e generais da Marinha do Brasil sobre a Guerra do Paraguai, apresentada em seus artigos publicados na Revista Navigator nos ciclos 1970-1985 e 2005-2023? Nesse sentido, tem-se como objetivos observar a forma como os oficiais da Marinha do Brasil se referem, mais frequentemente, à Guerra do Paraguai em suas publicações sobre o conflito, divulgados na Revista Navigator; verificar se há diferenças entre a forma de perceber a Guerra do Paraguai nos períodos 1970-85 e 2005-2023, através de publicações da Revista Navigator; investigar se existe um enaltecimento da Marinha do Brasil em uma nova forma de retratar o conflito.
A hipótese deste trabalho é a de que a percepção dos oficiais superiores da Marinha do Brasil sobre Guerra do Paraguai, verificada por meio da análise de conteúdo dos artigos, publicados por eles na Revista, demonstrará que existe, na instituição, um sentimento de orgulho relativo à sua participação no conflito e que este poderá constituir-se em uma das bases de uma cultura naval e da autopercepção da Marinha frente à sociedade brasileira. Esta percepção diferenciada, específica, derivada da Guerra do Paraguai, poderá apontar para a tentativa de construção de uma memória política nacional. em que a Marinha do Brasil passe a ter um papel de maior relevo. Ao fazê-lo, a forma das relações entre esta instituição e a sociedade brasileira passaria a ser repensada de um ponto de vista em que sua legitimidade política seria parte recorrente e indiscutível do desenvolvimento das estruturas políticas brasileiras, em uma ótica de revisionismo político.
Utilisa-se a da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), para a avaliar como os oficiais da Marinha do Brasil descrevem e pensam a instituição na Guerra do Paraguai, recorrendo à análise dos artigos pulicados por esses indivíduos na Revista Navigator. Foi realizada uma triagem dos artigos publicados na Revista a fim de verificar o tema mais recorrente entre as publicações dos oficiais da Marinha, do que se concluiu pela Guerra do Paraguai. O material selecionado será avaliado em seu conteúdo e forma para verificar a maneira como seus autores apresentam a instituição que compõem.
A Guerra do Paraguai foi um conflito bélico entre a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) e o Paraguai, que durou de 1865 a 1870. O episódio foi de grande importância para a consolidação dos territórios dos países envolvidos, bem como para o estabelecimento de uma ordem no subsistema internacional do Rio da Prata. Em relação às Forças Armadas, foi a base sobre a qual os militares passaram a reivindicar sua atuação política na sociedade brasileira. Retornando ao Brasil, iniciou-se um movimento, principalmente dentro do Exército, para que os contingentes tivessem o reconhecimento do governo central relativo ao esforço empreendido pela instituição e por suas perdas. Como consequência principal, pensavam, haveria o aumento dos soldos e dos contingentes, bem como algum tipo de gratidão pelos serviços prestados à Nação. Os fatos, entretanto, caminharam no sentido inverso. Após o conflito, as Forças Armadas foram progressivamente precarizadas, sobretudo em relação ao soldo, pensão de viúvas de mortos em guerra e o tamanho dos contingentes. O episódio da Guerra passou a ser utilizado como uma bandeira nas manifestações políticas do grupo, de forma a justificar melhorias com base nos sacrifícios feitos pelas Armas durante o conflito. É por esse motivo que, frequentemente, é citado e retomado nos meios militares como um evento de grande heroísmo e grandeza da corporação.
Desde sua criação, sendo herdeira da Marinha Portuguesa e inicialmente conhecida como Marinha Imperial (ou Armada Imperial Brasileira), a Marinha do Brasil é detentora de uma história aristocrática, sempre recrutando seus membros nas camadas mais altas da sociedade. A Marinha foi a força de maior prestígio, sendo parte da vida política do país durante um longo período. A partir da metade do século XIX, após a Guerra do Paraguai, o Exército assumiu um papel político mais intenso e mostrou-se forte o suficiente para influenciar nos rumos da sociedade brasileira, pela primeira vez com a deposição de D. Pedro II e o golpe que instaurou a República. A Marinha perdeu seu status, uma vez que sempre esteve associada à aristocracia. Seus soldos não foram mais ajustados, os planos de carreira deixados de lado e sua estrutura operacional ficou à mingua. Sua importância não era mais a mesma. Sua participação nos eventos políticos foi reduzida, o que fica claro quando se observa a literatura sobre as relações civis-militares, em que é nítida a quantidade bem maior de estudos sobre o Exército, ao passo que a Marinha, quando é tratada, tem função mais comparativa do que de objeto de estudo em si mesma. Ao nosso ver, o interesse reduzido dos estudiosos pela instituição não revela, senão, sua relevância diminuída em relação à outra Força Armada e no contexto social e político brasileiro como um todo. Acrescente-se que, nos anos subsequentes à Proclamação da República, os eventos políticos foram não somente protagonizados pelo Exército, mas, como verifica-se atualmente, há estudos que indicam um posicionamento pendente para a esquerda revolucionária por parte de oficiais e praças da Marinha de Guerra, na primeira metade do século XX. Tal constatação indica uma oposição, e mesmo competição, entre os dois grupos.
Essa tentativa revela o interesse de maior inserção no jogo político nacional e na participação nas decisões acerca da distribuição dos recursos disponíveis e disponibilizáveis pelo Estado. A construção de uma memória de participação política poderia modificar a forma como a Marinha do Brasil é vista e inserida, politicamente, na sociedade brasileira. Poderia gerar a sensação de que não houve uma ruptura ou inovação em seu status político, mas a continuidade de uma atuação política efetiva, que sempre existiu.
A mobilização do muçulmano como inimigo pela Política Externa Indiana (2014-2023)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Renan Guimarães Canellas de Oliveira (IRI/PUC-Rio), Maria Gabriela Veloso Camelo (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
Resumo:
Nos últimos anos, observou-se o fortalecimento da Hindutva – filosofia política nacionalista hindu que tem por objetivo tornar a Índia uma Hindu Rashtra, uma nação hindu (RSS, 2012). Essa dinâmica é percebida principalmente através da eleição de Narendra Modi como primeiro-ministro em 2014 e sua reeleição em 2019, sendo a figura-chave do Bharatiya Janata Party (BJP), partido político de extrema-direita orientado pela Hindutva.
Uma das principais implicações práticas desse cenário é o aumento da violência contra os muçulmanos, percebidos, e vocalizados, pelos membros do BJP como inimigos da nação e de lealdade questionável (Reynolds, 2020) – ainda que representem aproximadamente 14% da população do país (Census India, 2011). De acordo com a Anistia Internacional (2022), os crimes de ódio contra muçulmanos aumentaram drasticamente sob o governo de Modi. Ainda nessa linha, a Human Rights Watch (2021) argumenta que esses preconceitos propagados por líderes governamentais, principalmente através de práticas discursivas, infiltraram-se em instituições independentes como a polícia e os tribunais, capacitando grupos nacionalistas a ameaçar, assediar e atacar minorias religiosas impunemente.
É importante pontuar que a imaginação política proposta pela Hindutva concebe a identidade indiana de forma estreita, diferente da tradição nehruviana, que era inclusiva (Nehru, 1989). Para a Hindutva, a identidade nacional da Índia está centrada em torno do hinduísmo e em torno na tradição e dos valores hindus. Golwakar (1939), um dos principais teóricos do nacionalismo hindu, construiu uma retórica que vê a comunidade muçulmana como invasora, como uma perturbação da nação hindu, e aqueles que precisam ser expulsos dela. O indiana “verdadeiro” é o hindu, não o muçulmano.
Além da questão interna, o muçulmano é cotidianamente retratado pela Hindutva como um inimigo externo. As históricas disputas territoriais com o Paquistão – uma nação Islâmica – e combate contra o terrorismo regional colocam os muçulmanos em um lugar de ameaça. A sistemática marginalização do muçulmano como um outro indesejável é materializada em termos legais pela CAA (Citizenship Amendment Act), uma emenda à Lei de Cidadania de 1955, implementada em 2019, que serve como diretriz principal para conceder cidadania indiana a estrangeiros. A revisão do texto original simplifica o processo de regularização para migrantes do Afeganistão, Bangladesh e Paquistão – uma vez que estes não sejam muçulmanos. O principal problema em torno dessa emenda é que, pela primeira vez na história da Índia, a religião se tornou um critério para a cidadania (Human Rights Watch, 2021). A regularização é garantida para estrangeiros pertencentes às comunidades hindu, sikh, budista, jainista, parsis ou cristã; no entanto, os muçulmanos não têm esse direito, indicando um forte caráter islamofóbico.
Nesse sentido, a partir de uma abordagem pós-estruturalista, proposta por Campbell (1992), pretendemos analisar a política externa indiana como uma prática voltada para a construção e reificação de alteridades. Assim, perguntamos: como a política externa indiana constrói o “inimigo muçulmano” (2014-2023)?
Entendemos que práticas discursivas que fomentam uma situação de ameaça em relação ao outro são extremamente producentes para os governantes, uma vez que o medo permite a sustentação de políticas públicas diversas que se justificam por causa da existência do inimigo. Dessa forma, nossa hipótese é que são os discursos e o medo que autorizam políticas discriminatórias e islamofóbicas como a CAA.
A pesquisa se baseia metodologicamente em análise de discurso e revisão bibliográfica. Partindo de documentos oficiais, discursos políticos, artigos acadêmicos e reportagens jornalísticas. A análise de discurso será aplicada para examinar como a Hindutva e a Política Externa Indiana constroem a imagem do muçulmano como um inimigo e uma ameaça.
A Monitoria como Agente de Mudança: Integrando Culturas na Promoção do Aprendizado
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): José Luiz Luna (Universidade Federal da Paraíba)
Resumo:
1. Introdução
O programa de monitoria no curso de Relações Internacionais (R.I) na UFPB visa a inclusão de aspectos étnico-raciais nas disciplinas, desafiando o eurocentrismo presente na grade curricular (MADRUGA, 2020). Este estudo busca investigar como a monitoria conseguiu criar um ambiente de aprendizado inclusivo e multicultural na disciplina de História das RI, no semestre de 2023.1, considerando o engajamento dos estudantes, métodos de ensino e apoio acadêmico. Nessa disciplina, especificamente, havia problemas de receptividade de alunos estrangeiros de origem africana por parte de alunos brasileiros e de interesse no conteúdo programático com ênfase na Europa. O objetivo é reduzir a retenção nas disciplinas de R.I, promover a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) e facilitar a integração dos estudantes intercambistas, com um ensino centrado no aluno, fundamentado nas teorias de Freire (1987) e Nogueira (2019).
2. Metodologia
O programa de monitoria, utilizou duas abordagens principais: atividades ao final das aulas encontros extraclasses. As atividades em aula, de aproximadamente 45 minutos, incluíam apresentações, leituras dirigidas e discussões que promoviam a participação ativa dos alunos, relacionando o conteúdo com o cotidiano do internacionalista, especialmente no contexto do Sul Global. Os encontros extraclasses semanais e de 1h30, com foco nos alunos estrangeiros, funcionam como rodas de conversa para debater textos da aula seguinte e conceitos básicos de RI, visando aperfeiçoar conhecimentos com a grade educacional brasileira e promover a participação ativa dos intercambistas. Esses encontros também incentivam os estudantes estrangeiros a compartilhar suas experiências políticas, aumentando a integração e a compreensão multicultural. Por fim, uma roda de conversa com Nogueira foi feita sobre hospitalidade e acolhimento. Para analisar a eficácia desse programa, foram submetidos formulários anônimos de avaliação ao final da disciplina, com questões distintas para alunos estrangeiros e brasileiros.
3. Resultados
Os formulários de avaliação revelaram benefícios significativos.. Entre os brasileiros, 90% avaliaram positivamente a contribuição da monitoria para o seu aprendizado e a redução da evasão nas atividades. Além disso, 75% relataram que a experiência de ter colegas do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) impactou positivamente o curso, desenvolvendo maior solidariedade e integração entre os estudantes. Em termos de integração social, 80% dos brasileiros sentiram que as atividades da monitoria ajudaram a melhorar a dinâmica da turma. Entre os estrangeiros, 85% sentiram que a atuação do monitor contribuiu para sua integração na turma. Essa integração foi fundamental para o desenvolvimento de um ambiente acolhedor e inclusivo, essencial para o sucesso acadêmico desses alunos. Além disso, 70% dos estrangeiros afirmaram que as atividades extraclasses coordenadas pelo monitor foram relevantes para superar as dificuldades iniciais relacionadas à língua e aos conceitos básicos do curso. Além disso, os encontros extraclasses foram altamente valorizados, com 90% dos estudantes estrangeiros destacando a importância dessas sessões para a compreensão dos conteúdos e a preparação para as aulas. Essa abordagem horizontal e colaborativa promovida pelo monitor foi essencial para a inclusão e integração dos estudantes intercambistas, conforme relatado por 80% dos participantes.
4. Conclusões
A implementação do programa de monitoria mostrou-se eficaz para enfrentar desafios significativos de integração e aprendizado. Ao focar em métodos participativos e colaborativos, com aspecto aluno-centrado, a monitoria não apenas proporcionou um ambiente mais inclusivo e acolhedor para estudantes estrangeiros, mas também fortaleceu a coesão e o engajamento dentro da turma, conforme evidenciado pela redução na evasão e pelo aumento da participação dos alunos brasileiros. Essa abordagem não apenas complementou a formação acadêmica dos estudantes, mas também contribuiu para a implementação bem-sucedida de ERER de maneira transversal nas disciplinas de RI, promovendo uma educação mais equitativa e multicultural. Desse modo, essa iniciativa demonstrou ser um agente de mudança positivo, contribuindo para a redução da evasão e o desenvolvimento de uma educação mais equitativa e multicultural no curso de RI da UFPB, e ao mesmo tempo, escalável para outras universidades.
A Nova Rota da Seda e os Investimentos em Energia da China no Triângulo do Lítio Sul-americano: entre o desenvolvimento sustentável e a projeção global
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Gabriela Ferreira Chagas Reis (UFRGS)
Resumo:
Entre 1978 e 2010, a China emergiu como a segunda maior economia global, impulsionada por uma transformação político-econômica que a consolidou como uma potência industrial exportadora de bens, tecnologia e capital (Lima, 2018). O setor energético, especialmente o petrolífero, desempenhou papel crucial no financiamento dessa modernização, integrando-se ao planejamento político-econômico como parte das estratégias de desenvolvimento e inserção internacional da China (Yergin, 2014). No entanto, esse modelo de desenvolvimento criou desafios ao país, como a capacidade produtiva ociosa, a dependência externa para exportação de excedentes e a posição como principal consumidora de energia primária e maior emissor de CO2 globalmente (Mendonça et al, 2021; Energy Institute, 2023).
Devido ao seu modelo fóssil, nas últimas duas décadas a China tem enfrentado um desafio duplo na área energética. Por um lado, precisa atender à crescente demanda por energia para sustentar o seu desenvolvimento, por outro necessita reduzir as emissões de CO2 para mitigar os impactos socioambientais (Wu & Nakano, 2016). Simultaneamente, a comunidade internacional buscou soluções para a crise climática, como a Agenda 2030 e o Acordo de Paris (ONU Brasil, 2023; Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, 2019). Além disso, o Ocidente, notadamente os EUA, passou a procurar formas de conter a expansão da influência chinesa através de iniciativas como o Build Back Better World (B3W), Quad e AUKUS (Reis, 2022).
Esses fatores impulsionaram mudanças nas políticas econômica e externa da China nos anos 2010, reorientando-as para uma economia verde e uma atuação mais assertiva no cenário internacional, visando como resultado o desenvolvimento sustentável e a projeção global (Haffner & Reis, 2023). A China também priorizou a transição energética, destacando-se a Nova Rota da Seda (BRI, em inglês) e os investimentos em regiões do Sul Global, como a América do Sul e a África, carentes de infraestrutura crítica (Cintra e Pinto, 2017).
É neste contexto que o Triângulo do Lítio sul-americano pode ser entendido como um exemplo do desenvolvimento dessa estratégia geoeconômica chinesa. A abundância do mineral essencial para compor tecnologias como baterias de veículos elétricos, turbinas eólicas e paineis solares – novas tecnologias de energia fundamentais para o processo de transição energética, defendido e fomentado pelos países desenvolvidos – tem levado a China a garantir cada vez mais aportes na Argentina, Bolívia e Chile. Tornando a atenção para a região em uma espécie de palco das disputas geopolíticas contemporâneas (Rodrigues e Padula, 2017; Coelho e Ungaretti, 2023; Attwood, 2023).
Neste sentido, o artigo busca analisar o papel da Nova Rota da Seda no desenvolvimento sustentável e projeção global chinesa, com foco nos investimentos em energia no Triângulo do Lítio sul-americano. Utiliza a metodologia de análise documental, revisão bibliográfica e sistematização de dados econômicos, além da abordagem teórica da geoeconomia. O texto está organizado em cinco seções, incluindo a introdução. A segunda seção sintetiza o processo de transição energética chinesa e sua relevância para a reorientação econômica e investimentos do país. A terceira seção analisa a Nova Rota da Seda sob o prisma da geoeconomia e como a América do Sul se encaixa neste quadro. A quarta seção revisa os investimentos energéticos chineses na América do Sul e analisa os investimentos no Triângulo do Lítio. As considerações finais encerram o artigo.
Diante do analisado até aqui, destacam-se como resultados preliminares que a transição energética chinesa tem papel central na reorientação da economia política da China atual. Sendo a Nova Rota da Seda a principal expressão prática dessa transformação, trabalhando como uma ferramenta geoeconômica que abarca as iniciativas do país asiático sob um único guarda-chuva. Seu objetivo é unir as trocas comerciais, os investimentos, os financiamentos e os projetos de infraestrutura chineses como parte de sua estratégia geoeconômica, para assim atingir seus interesses de desenvolvimento sustentável e projeção global (Luttwak, 1990; Blackwill e Harris, 2016; Grevi, 2011; Ahmed e Lambert, 2022).
Adicionalmente, compreende-se que o caso dos investimentos em energia no Triângulo do Lítio exemplificam essa dinâmica geoeconômica e revelam a região como um possível palco da disputa geopolítica por domínio dos recursos, fontes e cadeias de produção do mercado de novas tecnologias de energia, centrais para o domínio do novo paradigma técnico-produtivo do século XXI. Por fim, argumenta-se que a consolidação da BRI é a principal ferramenta para efetivação dos interesses da China na atualidade (Ungaretti et al, 2022; Coelho e Ungaretti, 2023; Beeson, 2018; Carvalho, 2023).
Palavras-chave: Nova Rota da Seda; Investimento em Energia; China; Triângulo do Lítio; América do Sul.
A Parceria Estratégica Brasil – União Europeia: agenda ambiental
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Demetrius Cesário Pereira (ESPM)
Resumo:
As relações entre o Brasil e a União Europeia remontam à própria criação do bloco, nos anos 1990. O relacionamento alcançou um novo patamar em 2007, com o estabelecimento de uma parceria estratégica entre os dois atores. O meio ambiente, por sua vez, tem sido um tema importante das relações internacionais, como ilustra o Acordo de Paris, de 2015. Apesar do entendimento comercial entre Mercosul e UE anunciado em 2019, durante o governo Bolsonaro, divergências aparentes passaram a reger as discussões ambientais da parceria. Notícias de queimadas na Amazônia provocaram reações europeias, que passaram a cobrar maiores obrigações de caráter ambiental nas negociações para implementação do que fora acordado com o Mercosul. O auge da discussão assistiu à troca de farpas pessoais entre os presidentes francês, Emanuel Macron, e brasileiro, Jair Bolsonaro. Com o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (“Lula III”) no Brasil, em 2023, veio a expectativa de que as relações com os europeus melhorassem, especialmente no tocando ao meio ambiente. A visita de Macron ao Brasil, em março de 2024, parece ter finalmente colocado para trás as rusgas do governo anterior. Desse modo, o trabalho pretende responder à pergunta: De que forma o governo Lula III modifica a Parceria Brasil-União Europeia em assuntos ambientais? A pesquisa parte da hipótese de que a política externa brasileira, com o governo Lula III, passou a convergir de forma mais substancial com a posição europeia em temas ambientais. O objetivo geral seria esclarecer as modificações na relação Brasil-Europa no que tange ao meio ambiente. Como objetivos específicos, primeiramente procura-se refletir sobre aspectos teórico-conceituais da área de análise de política externa. Em segundo lugar, o trabalho busca traçar um histórico da parceria desde 2007 até 2022, como foco no meio ambiente. Por fim, pretende-se comparar esse período com os primeiros 15 meses do mandato Lula III. Para a investigação do problema, utiliza-se de método histórico, em especial process tracing, caracterizando-se a política externa ambiental brasileira entre 2007, início da parceria estratégica, até o fim do mandato de Jair Bolsonaro, em 2022. Além disso, o método comparativo auxiliará na confrontação com a posição de Lula III, até o final da visita de Macron, em 2024. A pesquisa bibliográfica será de grande relevância, bem como documental, com base em acordos, discursos e outras fontes primárias e secundárias. Desse modo, a pesquisa levanta evidências que verifiquem a hipótese de que o governo Lula III levou a uma maior convergência ambiental no âmbito da Parceria Brasil-União Europeia.
A PAZ TEM ROSTO DE MULHER? AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS FEMINISTAS PARA SE PENSAR A PAZ.
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Alice Vazarin Perez (Universidade Federal da Integração Latino Americano)
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo discutir como as teorias feministas para a paz e a ideia de paz feminista desenvolve as críticas sobre os processos dicotomicos que ligam a mulher-paz e homem-guerra. Através do uso metodológico da revisão e pesquisa bibliográfica, de caráter qualitativo, utilizando ferramentas de pesquisa disponibilizadas na internet, e análise da literatura de não-ficção A Guerra não tem Rosto de Mulher, da autora Svetlana Aleksiévitch (2016) o objetivo da pesquisa é, mais especificamente, entender como as reflexões presentes no livro podem auxiliar ou não a superação dos preconceitos que ligam a mulher a guerra. Isso se dá pois, o livro expõe, ao longo de suas indagações, como o cenário e o ambiente da guerra é historicamente desvinculado da mulher e, consequentemente, os rostos femininos não são lembrados ao se pensar tais momentos. Mas, se a guerra não tem rosto de mulher: a paz tem?
O trabalho se sustenta em críticas apresentada pelas teorias feministas para a paz, que, de maneira interseccional, utiliza da fonte dos Estudos para a Paz, das teorias feministas das Relações Internacionais e da colonialidade para entender como se estabelece o entendimento da desigualdade de gênero nos processos de paz na qual, normalmente representam cenários de conflitos que, em sua maioria, decorrem de processos coloniais e denominações históricas. De modo a apresentar e desenvolver o seu argumento, o trabalho foi estruturado em duas seções principais. A primeira parte do trabalho abordou como se pode localizar e entender as teorias feministas na paz dentro das Relações Internacionais no geral, uma vez que são teorias que foram e ainda são marginalizadas. Isso se dá principalmente pois as análises desses grupos sobre paz e violência seguiram o caminho de não se pensar as abordagens como um corpo fechado de conceitos, possibilitando constante transformação e indagações sobre os conceitos então vigentes e discutidos (SANTOS, 2011). Ademais, as teorias feministas dentro dos Estudos para a paz possibilitaram o alargamento das noções de insegurança e justiça social, ideias protagonistas do conceito de paz positiva e dos Estudos para a Paz mais críticos, principalmente devido a ideia de se pensar a paz feminista através de um conceito micro, destacando práticas e violências cotidianas, focalizando, de certa forma em sistemas de dominação e resistências contra o mesmo (GALTUNG, 1969; TICKNER, 1997; SANTOS, 2011).
Já a segunda seção tem como objetivo, trazer conexões entre o livro A Guerra Não tem Rosto de Mulher e as proposições anteriormente citadas das teorias feministas para a paz, a fim relacionar a ideia da guerra não ter rosto de mulher para entender se a paz pode ter essa personificação, através de pensamentos como: Para quem é a paz? Como se desenvolve uma sociedade verdadeiramente pacífica? Em uma sociedade na qual a produção do conhecimento hegemônico sempre esteve ligado a um perfil branco, hetero, masculino e anglosaxão, o esforço dos feminismos são, acima de tudo, questionar até que ponto esse conhecimento não reforça processos de exclusão, epistemicídios e violências, diretas e/ou indiretas. Será possível por meio desta análise entender críticas para com as formas se pensar como se desenvolve a paz sem os questionamentos de como tais ideias refletem de maneira diferente em diferentes camadas da sociedade.
A política externa brasileira e a União Europeia: um escrutínio do panorama geral
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Filipe Philipps de Castilho (UFPR)
Resumo:
O objetivo do artigo é de analisar o papel da UE na política externa brasileira, focando nos aspectos que englobam a Parceria Estratégica Brasil-UE, visando responder a seguinte pergunta: qual o papel do bloco europeu na política externa brasileira? Tomamos como cerne basilar a ideia de que a UE é um parceiro importante para o Brasil, pesando o fato de que o país tem interesses específicos em questões envolvendo a transferência de tecnologia, ciência e desenvolvimento. O Brasil, vale frisar, foi o primeiro país latino-americano a estabelecer relações diplomáticas com a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Em termos de comércio, a parceria entre Brasil e o bloco europeu se sobressai entre as demais relações entre UE e América Latina, dado que o bloco, por exemplo, é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, respondendo por 18,3% de seu comércio total, sendo o maior importador de produtos agrícolas do país. O Brasil, por sua vez, é o décimo primeiro maior parceiro comercial da UE, representando 1,7% de seu comércio total. A partir disso, o artigo procurará escrutinar a trajetória da relação ao longo do tempo, os percalços envolvidos, as prospecções de futuro e a análise da Parceria Estratégica. Como metodologia, foram utilizadas três abordagens qualitativas: primeiramente uma revisão de literatura acerca da criação do bloco europeu, bem como das teorias sobre integração e sobre a construção da parceria entre o Brasil e a Europa integrada, seguida pela utilização da ferramenta metodológica process tracing, que foi utilizada para analisar a dependência da trajetória do processo e toda a cadeia causal da relação. Por fim, foi utilizada a Análise Qualitativa Comparativa, para fins de comparação e análise, principalmente da Parceria Estratégica. Como resultados parciais, observou-se alguma indefinição na relação, muito por conta das dificuldades presentes em uma relação que é em seu cerne assimétrica, dada a natureza dos atores envolvidos; no entanto, podemos afirmar que a UE foi e continua sendo um ator importante dentro da política externa brasileira, dada a evolução da relação como um todo e da Parceria Estratégica, além da relevância econômica da UE para o país, uma vez que o bloco é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. No entanto, encontramos certas celeumas relacionadas à multiplicidade dos níveis de interação e divergências em aspectos econômicos e em questões relativas ao meio-ambiente.
A Política Externa Civilizacional da Federação Russa
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Gabriel Pessin Adam (ESPM e Unisinos)
Resumo:
Desde o primeiro mandato de Vladimir Putin para sua presidência, a Federação Russa questiona a supremacia dos Estados Unidos e seus aliados no sistema internacional. A defesa da multipolaridade no sistema internacional consta em todos os Conceitos de Política Externa da Federação Russa publicados desde o início do século XXI (2000; 2008; 2013; 2016 e 2023). No Conceito de Política Externa da Federação Russa 2013 pela primeira vez o governo russo fez menção à identidade civilizacional, como sendo, por um lado, o reverso da globalização, e por outro, o parâmetro de competição na política mundial (PRESIDENT OF RUSSIAN FEDERATION, 2013). O último documento publicado relaciona a multipolaridade no sistema internacional com a emergência de novos centros de influência econômica e geopolítica, os quais possuiriam diferentes consciências nacionais, culturais e civilizacionais, em oposição ao modelo de desenvolvimento proveniente do Ocidente, o qual teria sido imposto ao mundo pelo processo de colonização (PRESIDENT OF RUSSIAN FEDERATION, 2023).
O isolamento russo em função do conflito com a Ucrânia fortaleceu a posição russa de que a política mundial caminha para ser em alguma medida delineada por características civilizatórias passou a ser divulgada pelas lideranças russas (PUTIN, 2023; LAVROV, 2023) e debatida entre acadêmicos do país (TSYGANKOV, 2023; TIMOFEEV, 2023; MEZHUEV, 2022; DUTKIEWICZ, 2023). Tendo em vista tal cenário, a pergunta de pesquisa que guia o presente artigo é a seguinte: por quais motivos o governo russo tem defendido a concepção de que o sistema internacional caminha para uma política mundial delineada em termos civilizacionais?
O objetivo geral é analisar as razões que levam a Federação Russa a sustentar que não somente a distribuição de poder no sistema internacional está se alterando, mas, mais profundamente, parte de suas estruturas também passa por profundas transformações. Os objetivos específicos são apresentar o conceito de civilização conforme concebido pela Federação Russa e cotejá-lo com outras concepções; contextualizar a conjuntura na qual Moscou desenvolveu o traço de sua política externa abordado; e delinear as ações russas empregadas no sentido de promover suas visões acerca do sistema internacional.
Em termos de lentes teóricas, o construtivismo de Alexander Wendt (2014) será utilizado uma vez que os conceitos de identidade e de Eu e outro significante do autor, além de sua percepção de possibilidade de alterações estruturais no sistema internacional, são ferramentas poderosas para compreender a política externa civilizacional russa. Quanto à metodologia, ela é qualitativa e explicativa. São utilizados com fontes autores e autoras russas, além de documentos oficiais publicados pela Federação Russa e discurso de autoridades como o Presidente Vladimir Putin e o Ministro de Relações Exteriores Sergei Lavrov. O método da análise crítica do discurso de Norman Fairclough (2016), é usado como base para a leitura dos documentos oficiais, dos discursos e demais manifestações das autoridades citadas.
Os resultados até aqui encontrados indicam que desde a década de 2010 a Rússia tem sofrido reveses nas suas relações com as potências ocidentais (Estados Unidos e União Europeia), o que se agravou em 2014, com a mudança do governo ucraniano, a qual foi seguida pela anexação russa da Crimeia e as sanções impostas a Moscou, e atingiu seu ponto mais baixo com o início da guerra entre Rússia e Ucrânia em 2022. A postura de Washington e Bruxelas na última década acelerou em Moscou a compreensão de que a estrutura de poder da ordem internacional erigida após a II Guerra Mundial está sendo utilizada para lhe alijar do posto de grande potência com capacidade decisória efetiva, espaço que almeja ocupar. Ao defender o fator civilizacional como um dos fundamentos da polaridade mundial, a Rússia tenciona atrair países como China, Índia, Brasil e Irã, entre outros, para uma posição de questionamento da hegemonia desfrutada pelo que ela denomina de Collective West. Isto porque tal questionamento também implica em defender que as diferenças culturais e civilizacionais de todos os povos devem ser respeitadas e não serem eclipsadas e/ou modificadas a fim de se adaptarem à civilização ocidental. A recente ampliação da OCX e os BRICS Plus seriam exemplos de colocação em prática de aproximações entre países que representam diferentes civilizações e que possuem o interesse em aumentar sua parcela de poder no sistema internacional sem buscar o beneplácito do Ocidente.
A Política Externa Soviética na Instrumentalização da identidade da mulher na década de 1960 à luz da política dos afetos
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Ana Lívia Ayres Cardoso (Universidade Federal de Uberlândia), Ríllari Ferreira Castro e Silva (Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-sp))
Resumo:
A Política dos Afetos, a partir de Sarah Ahmed (2014), e sua perspectiva apresentada e explorada na obra “The Cultural Politics of Emotion”, é o estudo de como emoções e afetos podem ser mobilizados tanto no âmbito individual quanto coletivo, além de corroborar para a obtenção de objetivos políticos. Nesse sentido, Ahmed (2014) compreende primeiramente que os Outros são a fonte de nossos sentimentos e essas emoções geradas moldam corpos individuais e coletivos. Assim, compreender quem é o Outro é muito importante, pois este irá variar a depender do contexto, este sempre será o corpo que está “fora do lugar”.
Um dos exemplos que podemos mencionar é o racial, assim, para brancos, os Outros serão os indivíduos não-brancos, ou seja, aqueles que estão deslocados, à margem da sociedade (Ahmed, 2014). Ademais, como nossas emoções são moldadas pelo Outro, logo, nossos sentimentos não acontecem porque o Outro é bom ou ruim, o que vai definir se o que é sentido é positivo ou negativo é como sou afetado pelo Outro, se ele é benéfico ou danoso para mim. No sentido político, é possível observar a cooptação de emoções demandantes, como ressentimento, ódio, medo e esperança. Essa situação pode ser muito bem notada em discursos políticos, na criação de sentimento patriota, na construção de nações soberanas e até mesmo na hipermasculinização da política internacional (Ahmed, 2014). Diante disso é possível afirmar que a emoção une o corpo social, logo, grupos são mobilizados por um sentimento em comum, como ódio, amor, medo, aversão, entre outras.
Um dos conceitos apresentados por Sarah Ahmed (2014) que está vinculado à teoria da política dos afetos é a Soft Nation. Para a autora, a Soft Nation é o Estado visto como “fraco” por ser facilmente comovido pelas narrativas do Outro (outras nações). Dessa forma, percebe-se o julgamento de que levar em consideração as emoções é ter o senso de juízo prejudicado. Assim, ser uma Soft Nation é o mesmo que ter o Soft Touch, que seria se distanciar dos padrões da hipermasculinização do Sistema Internacional. Isso demonstra haver uma percepção social acerca da existência de uma hierarquização das emoções, de forma que algumas demonstram mais força e outras seriam a demonstração de fraqueza.
A presente pesquisa concentra-se na década de 1960, período após a Segunda Guerra Mundial que levou à bipolarização do Sistema Internacional concentrando o poder na União Soviética e nos Estados Unidos (EUA). Para Donaldson; Nogee (1984) houveram continuidades e mudanças na política externa soviética desde a época da Segunda Guerra Mundial. A continuidade é vista pelo endossamento da visão negativa e “maligna” dos EUA e a mudança é vista no fato de que “o antagonismo entre as superpotências ter sido quebrado por períodos de coexistência pacífica e de distensão” (Donaldson; Nogee, 1984, p. 2). A política externa soviética tem duas principais vias de operação que se relacionam e se autoinfluenciam: o Sistema Internacional e o Subsistema soviético (Donaldson; Nogee, 1984) e ambas são sustentadas pela ideologia comunista. Tendo isso em consideração, é perceptível que as tomadas de decisão no âmbito da política externa são justificadas a partir de questões ideológicas e doutrinárias domésticas.
Parte dos estudos voltados à política externa soviética apenas levam em conta as percepções e respostas do bloco a acontecimentos externos, considerando que a política externa soviética é diretamente influenciada pelas “ameaças” e “fracassos” vindos do exterior e que levam a mudanças abruptas nas tomadas de decisão (Gati, 1971). Apesar disso, há que se deslocar a atenção para “o complexo de variáveis que molda a política soviética – aquelas internas à URSS” (Dallin, 1971, p. 36). Dentre as variáveis internas, destacamos aqui a homogeneidade através da doutrina, a qual pode ser observada por meio do destaque dado à imagem da mulher soviética e às relações de gênero, visto que “o gênero sempre foi um princípio organizador fundamental do sistema soviético” (Ashwin, 2000, p. 1).
Dentro do sistema soviético, assim como dentro do Sistema Internacional, as relações entre indivíduos foram definidas por meio dos papéis de gênero designados às mulheres e aos homens. As mulheres tinham “[…] o dever de trabalhar, de produzir futuras gerações de trabalhadores […].” (Ashwin, 2000, p. 1), ocupando o espaço primordial de reprodução e tendo um tipo de cuidado diferenciado, a partir do Estado, apenas devido ao simbolismo de gerar as próximas gerações. Enquanto isso, os homens tinham sua masculinidade definida por meio da posição, em termos de trabalho, que ocupavam frente ao Estado, trazendo consigo a imagem de um Estado soviético masculinizado e afastando a URSS da ideia de Soft Nation. Esses papéis foram definidos no início do regime, sendo resgatados novamente na década de 1960 (Ashwin, 2000).
A partir dessas três variáveis e por meio de levantamento bibliográfico, o artigo tem o objetivo de compreender como a identidade da mulher soviética foi instrumentalizada pela política soviética na década de 1960. Assim, buscamos entender como a identidade da mulher soviética estava atrelada aos valores da política externa soviética e como se deu a mobilização de emoções para a construção e exportação da identidade da mulher soviética para o internacional. Para isso utilizaremos da metodologia de revisão bibliográfica baseando na teoria de política dos afetos.
A Politização da Política Externa Brasileira na relação entre os poderes Executivo e Legislativo
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Italo Beltrão Sposito (Universidade Federal do Tocantins)
Resumo:
As transformações internacionais desde o final da Guerra Fria e brasileiras desde a redemocratização impactou a formulação e a implementação da política externa brasileira (PEB). Atentos aos câmbios, pesquisadores e pesquisadoras passaram defender a necessidade de analisá-la como uma política pública (Milani; Pinheiro, 2013, 2017; Sanchez et al., 2006).
O processo é multifacetado e foi conceituado de diferentes maneiras, tais como: horizontalização (Figueira, 2010); pluralização de atores e diversificação de interesses (Milani; Pinheiro, 2017; Pinheiro; Milani, 2012); presidencialização (Burges; Chagas Bastos, 2017; Cason; Power, 2009); ou politização (Lopes, 2011); dentre outros. Há significativa sobreposição entre os processos e conceitos e variação em suas definições, mas, grosso modo, tratam da diminuição do insulamento burocrático do Itamaraty frente ao avanço da participação de outros atores estatais e não-estatais na PEB.
Neste trabalho, meu objetivo é avançar no debate sobre a politização da PEB. Organizo o debate teórico direcionando-o a este conceito. Argumento que ela resulta dos processos acima discutidos, sendo mais uma variável dependente do que independente (impactos redistributivos da política externa e consequente pluralização de atores) ou interveniente (horizontalização e presidencialização). É, portanto, um resultado combinado destes processos discutidos.
Em termos conceituais mais gerais, politização “significa a demanda por, ou o ato de, transportar um tema ou instituição para a esfera da política – tornando um tema previamente apolítico em político”; quanto mais saliente o tema, maior o debate público e a politização (Zürn, 2019, p. 1–2). Ela resulta principalmente do aumento da participação de atores não usualmente envolvidos com política externa, principalmente quando têm preferências conflitantes e mobilizam recursos organizacionais para influenciar as políticas públicas (Flores; Jatobá, 2016).
Como resultado, a politização pode gerar a associação entre decisões em política externa com preocupações eleitorais, políticas e pessoais imediatas (Pérez-Liñán, 2007). Ademais, leva a agenda política a atrair maior interesse público e mais participantes no debate (Zürn, 2019). Portanto, leva presidentes a instrumentalizarem a política externa para garantir melhores resultados econômicos e com fins eleitorais, além de aumentar o interesse do congresso em temas de política externa.
O objeto de análise é processo de politização de temas de política externa pelas elites políticas, principalmente o presidente e congressistas. O foco nas relações entre Executivo e Legislativo é justificado porque serve de termômetro para indicar quando os assuntos de política externa são politizados; é nesta arena que os principais debates ocorrem e em que a clivagem entre oposição e governo pode ser observada, ainda que a mediação da mensagem ocorra em grande medida pela via midiática.
O principal obstáculo é que a politização não é um fenômeno facilmente identificável ou mensurável, o que implica um desafio metodológico. Quanto maior a polarização de opiniões, maior o grau de politização de uma decisão ou instituição (Zürn, 2019), de modo que a politização da política externa irá ocorrer sempre em que há clivagem política e polarização, com os atores políticos buscando engajamento público nesta agenda.
Em temas de política externa, pela busca de eficiência, o Congresso delega-a ao executivo. No entanto, quando alguma temática chama a atenção, pode ativar mecanismos de monitoramento congressuais (Martin, 2000). No caso brasileiro, são formas de controle parlamentar os pedidos de audiência pública, e os pedidos de informação e convocação de ministros de Estado para prestar esclarecimentos (Santiago, 2019). Ainda que o Congresso tenda a cooperar quando há convergência, em cenários com alto conflito de interesses, poderá resistir, potencializando a rejeição de propostas do executivo (Ferrari, 2011). Estes são os momentos em que tende a ocorrer a politização.
Para observar empiricamente este fenômeno, analiso o período iniciado a partir do segundo mandato de Dilma (2015-2016), já que foi especialmente conflituoso e polarizado, cenário de diversas crises políticas e econômicas, portanto, com maior grau de politização. As críticas à política externa do Partido dos Trabalhadores, a filiação de diplomatas ao partido, polêmicas em torno do BNDES e as relações com governos liderados pela esquerda foram amplamente explorados pela oposição. Durante o governo Michel Temer (2015-2018), o Itamarty foi dirigido por congressistas do Partido da Social Democracia Brasileira e utilizado para propagar tais críticas. Jair Bolsonaro (2019-2022) também usou a política externa para mobilizar sua base de apoio político.
A análise empírica é realizada de forma qualitativa e com base principalmente em fontes primárias. O período é enquadrado como um caso mais provável, ou seja, as melhores condições para se identificar a ocorrência do fenômeno de interesse (Odell, 2001), a politização da PEB, portanto, serve de evidência inicial para embasar o argumento deste trabalho.
Os resultados iniciais indicam que as elites políticas usam a politização da política externa para obter mais alcance público, visando retornos políticos. Esta estratégia foi usada tanto pelos presidentes para mobilizar ou atender aos interesses de suas bases eleitorais, quanto pela oposição, com objetivos similares. Grosso modo, a politização aproxima temas de política externa de outras temáticas da política doméstica, seguindo linhas semelhantes de mobilização e disputa política entre governo e oposição.
A promoção de investimentos chineses como instrumento da consolidação do Belt and Road Initiative: uma análise de caso sobre os impactos na Argentina e Brasil
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Djalma de Souza da Silva Filho (Universidade Estadual da Paraíba), Kelly da Silva Santos (Universidade Federal da Paraíba)
Resumo:
Após as reformas de abertura devido à crescente demanda por recursos para sustentar o ritmo de crescimento, o governo chinês já incentivava a internacionalização das empresas chinesas, para além de incrementar as exportações, era crucial explorar maneiras de expandir a cooperação no exterior. Esse direcionamento estratégico foi considerado fundamental tanto para a abertura, quanto para o desenvolvimento econômico da China, e oficialmente em 2001 foi lançada a estratégia “Go Global”. Planejada e coordenada pelo governo central chinês que forneceu vários estímulos para empresas chinesas privadas e estatais realizarem investimentos no exterior, tais como mecanismos de apoio, como instrumentos financeiros e cambiais, entre outros (Nogueira e Haffner, 2016).
A primeira aparição em documento oficial sobre a importância estratégica da América Latina e Caribe para a China foi feita em 2008. Apesar da distância geográfica, o interesse chinês se dá pela região da América Latina ser dotada de recursos naturais, dessa forma os países atuam como fornecedores significativos desses recursos tais como combustíveis, energia e alimento para a China, e por terem um mercado grande são destinos importantes para produtos industriais chineses, seus investimentos e empréstimos. De acordo com Dussel Peters (2020) os investimentos chineses em infraestrutura na América Latina totalizaram US$ 98,383 bilhões entre 2005 e 2021,entre os principais receptores estão Brasil e Argentina.
A Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), adotada em 2013 pelo governo chinês, se tornou o principal vetor de inserção internacional chinesa e instrumento dos investimentos externos, a partir de 2018 os países da América Latina passaram a aderir a essa iniciativa, sendo a Argentina o último país latino-americano a aderir à BRI, em 2022. A construção dessa nova rota comercial chinesa pode representar também, em certos casos, no endividamento de países subdesenvolvidos devido à inadimplência para pagar os empréstimos concedidos pelas instituições da potência asiática. Representando, dessa forma, a diplomacia da armadilha do débito e crédito chinês sob às zonas territoriais das quais o país considera fulcral para o projeto do BRI, no qual a América Latina representa um campo propício para este cenário (Brautigam, 2019).
Portanto, o presente trabalho busca responder à seguinte pergunta: o atual fluxo dos investimentos externos direto da China no Brasil e na Argentina representa a aplicação da diplomacia do débito e crédito ou um caso de cooperação positiva para os respectivos receptores deste crédito financeiro? Ademais, a pesquisa tem como objetivo geral investigar se estes investimentos chineses nos países latinoamericanos previamente mencionados representam um retorno econômico positivo para estas zonas territoriais ou consequências financeiras e econômicas.
Destarte, para análise deste cenário será utilizado o método de pesquisa comparada no intuito de verificar o resultado da aplicação desses investimentos financeiros nos dois países da América Latina, apontando o resultado dos efeitos econômicos em ambas as localidades. Outrossim, também será utilizada a metodologia explicativa como ferramenta analítica para compreender o fenômeno abordado.
O primeiro objetivo específico respalda-se em verificar de que forma a aplicação destes investimentos chineses representa uma diferenciação técnica e política com a os investimentos externos diretos padrões na economia internacional. Esse fluxo de concessão de créditos para desenvolvimento de setores de infraestrutura apresentaram um forte crescimento nos últimos anos, demonstrando o interesse geopolítico e estratégico chinês nestas zonas (Dussel, 2020). Por conseguinte, é necessário averiguar este cenário com o intuito de compreender o papel desses países na construção da nova rota da seda e a respectiva atração de investimentos chineses. O segundo objetivo visa mapear os investimentos externos em infraestrutura na Argentina e no Brasil realizados por empresas chinesas estatais e privadas, por fim se tem o intuito de analisar os casos encontrados para avaliar os resultados econômicos e sociais decorrentes desses investimentos.
A Reconfiguração da Ordem Global no Século XXI: O Papel do Brasil e da China na expansão dos BRICS
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Wander Catarina dos Santos (Universidade Federal de Pelotas)
Resumo:
Stuenkel (2016) destaca a crescente influência de potências emergentes na remodelação da ordem global, prenunciando uma era de maior diversidade e cooperação. Duggan et al. (2022) fornecem um análise fundamental para este estudo. O início do século XXI testemunhou mudanças significativas na ordem global, marcado pela ascensão de novos atores, notavelmente China e o bloco BRICS, desafiando a hegemonia ocidental e indicando o surgimento de um mundo multipolar. Esta investigação explora as nuances desta transição, focando nas estratégias de política externa chinesa iluminadas pelo 14º Plano Quinquenal e o centenário do Partido Comunista Chinês. A expansão do BRICS, com a significativa ascensão global do Brasil, também é examinada. Empregando uma metodologia multidisciplinar que engloba análise de política externa, revisão de literatura e percepções da série de webinars ‘Perspectivas para a Cooperação Sino-Brasileira’, examinamos as implicações destes desenvolvimentos para a reconfiguração da hierarquia global e o potencial para cooperação sino-brasileira.
A reconfiguração dos investimentos e financiamentos globais da China e o enfoque na transição energética: Repercussões para a América Latina
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Carlos Renato da Fonseca Ungaretti Lopes Filho (PPGEEI-UFRGS)
Resumo:
Nos últimos anos, os investimentos e financiamentos internacionais da China atravessaram transformações relevantes, com repercussões para a América Latina. Setorialmente, identifica-se a crescente importância dos setores associados a segmentos da “nova infraestrutura” (Myers, Melguizo e Wang, 2024), incluindo energias renováveis e transição energética. Este processo sinaliza tendências que sugerem a reorientação dos investimentos e financiamentos internacionais da China para projetos menores e mais sustentáveis (Amaral et al, 2023), em linha com a abordagem designada como “pequeno é bonito” (small is beautiful) (Ray, 2023; Yu, 2022).
Os fluxos de IED da China e o volume dos contratos de construção associados às energias alternativas na América Latina, excluindo hidrelétricas, mais do que triplicaram entre 2019 e 2022, crescendo de US$ 1,9 bilhão para US$ 7,4 bilhões (American Enterprise Institute – AEI, 2024). A estas tendências se soma os anúncios de investimentos de entidades chinesas em projetos de lítio e fábricas de baterias e veículos elétricos (Albright, Ray e Liu, 2023; Cepal, 2022; 2023),
Pretende-se, com este trabalho, identificar os determinantes e os fatores-chave que explicam os novos contornos do engajamento chinês na América Latina. Questiona-se quais os determinantes e condicionantes que têm ditado e influenciado este cenário cambiante e orientado à internacionalização de setores de “alta qualidade”, inerentemente alinhados aos propósitos de desenvolvimento doméstico centrados na inovação e no desenvolvimento tecnológico (Yang et al, 2019; Zhaoyuan e Ishwaran, 2020; Queiroz e Nogueira, 2021).
Argumenta-se que os condicionantes internos e externos, combinados com determinantes econômicos e estratégicos, subsidiam a compreensão dos novos padrões de investimento e financiamento da China na América Latina, incluindo o enfoque em energias renováveis e transição energética.
O cenário externo adverso, marcado, entre outros fatores, pelos níveis crescentes de endividamento externo no Sul Global e pelo acirramento dos conflitos geopolíticos, eleva os riscos associados ao desenvolvimento de grandes e complexos projetos de infraestrutura no exterior. Internamente, observa-se um maior enfoque na qualidade do crescimento doméstico e no domínio sobre indústrias emergentes e tecnologias de baixo carbono, incluindo de paineis fotovoltaicos, sistemas de transmissão de energia e veículos elétricos (White, 2023; Grinzstejn, Rodriguez e Estill, 2022).
Os condicionantes internos e externos têm contribuído para uma reorientação do engajamento de entidades chinesas no exterior, reservando repercussões relevantes para a América Latina, em especial no setor de energia. A mitigação de riscos e a redução da exposição externa reforça os incentivos para implementação de projetos menores e mais sustentáveis, favorecendo a internacionalização de empresas em segmentos produtivos e tecnológicos emergentes.
Nesse contexto, observam-se determinantes de natureza econômica e extraeconômica vinculados à diversificação setorial dos investimentos e financiamentos de entidades chinesas na América Latina. De um lado, esse movimento reflete a tradicional busca por oportunidades de mercado, acesso a recursos, melhorias de eficiência e obtenção de ativos estratégicos (Pei e Zheng, 2015). Por outro, essa reorientação envolve determinantes estratégicos, manifestando-se em pretensões associadas ao domínio e à proficiência sobre segmentos tecnológicos emergentes, ao controle sobre novas cadeias produtivas e à projeção de influência por meio de instrumentos econômicos.
As implicações para a região são heterogêneas e apresentam um cenário marcado pelo hibridismo, no qual se identifica na China uma fonte de oportunidades e desafios (Rodrigues, 2021; Ungaretti et al, 2023). Isto é, a reorientação das atividades e setores objeto de interesse chinês pode suscitar benefícios ao desenvolvimento econômico e social da região, por meio de investimentos e programas de cooperação para implementação de projetos e parcerias em transição energética. Da mesma forma, esse envolvimento pode servir a conformação de padrões de relacionamento assimétrico, com distribuição desigual dos ganhos econômicos e de passivos socioambientais de empreendimentos extrativos.
Nesse ínterim, percebe-se a inserção da América Latina em um cenário internacional marcado pelo acirramento da competição produtiva, tecnológica e sistêmica entre China e Estados Unidos (Pautasso et al, 2020). Em particular, a região situa-se em meio a rivalidades e competições associadas ao domínio sobre cadeias de abastecimento e padrões tecnológicos, componentes essenciais de disputa na geopolítica da transição energética (Altipamark, 2023; Paltsev, 2016; Scholten, 2018).
O trabalho caracteriza-se por sua abordagem qualitativa e pelo emprego de procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental. Além disso, envolve a coleta e apresentação de dados econômicos relativos ao comércio de bens e serviços, investimento e financiamento. As fontes para coleta de dados são diversas e incluem bases sobre comércio (International Trade Center, 2024; Ember, 2024) e investimentos (AEI, 2024; China Overseas Finance Inventory Database, 2023; China Global Power Database, 2023; Red ALC-China, 2023). O enquadramento teórico da pesquisa se situa no campo da Economia Política Internacional, em particular nas discussões associadas à geopolítica da transição energética.
O artigo estrutura-se da seguinte forma. Busca-se, inicialmente, conceituar transição energética e a geopolítica da transição energética. Relaciona-se, na sequência, as discussões teórico-conceituais aos condicionantes e determinantes que influenciam a reorientação dos financiamentos e investimentos internacionais da China, em especial a priorização de setores ligados à transição energética. Por fim, as repercussões embrionárias deste processo na América Latina são identificadas, bem como suas possíveis implicações.
A REGIÃO DO SAHEL E A SEGURANÇA INTERNACIONAL: IMPACTO DO BOKO HARAM NA AGENDA DE SEGURANÇA INTERNACIONAL
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Iqui Djú (Universidade de Brasília- UNB), Jacque Mário Almeida Ié (Universidade Federal do ABC), Luis Carlos Mida Nhaslambé (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo:
Este estudo visa analisar o impacto do Boko Haram na segurança internacional, focando especificamente na região do Sahel. A pesquisa baseia-se em uma revisão de literatura acadêmica, análise de relatórios de organizações internacionais e observações empíricas de eventos recentes relacionados ao Boko Haram. O problema do terrorismo não se limita a um conflito entre Oriente e Ocidente, mas envolve interesses complexos e variados. A falta de coordenação entre os países do Sahel agrava a situação, enquanto a CEDEAO precisa aprimorar suas reações e mecanismos de combate ao terrorismo. Para restabelecer a segurança e a paz na região, é essencial uma cooperação eficaz entre os países do Sahel e uma intervenção ativa da CEDEAO. Abordagens políticas inclusivas e o apoio da comunidade internacional são cruciais para enfrentar o terrorismo e promover a estabilidade na África Ocidental.
Palavras-Chave: Boko Haram, Sahel, Segurança Internacional, Jihadismo, ECOWAS, Nigéria.
A Regra do Produto Estrangeiro Direto (FDPR) e a instrumentalização da interdependência: a atuação do Escritório de Indústria e Segurança (BIS) sobre a indústria de semicondutores, 2019–2023
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Guilherme Schneider Rasador (Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEEI–UFRGS))
Resumo:
Nos Estados Unidos (EUA), o Escritório de Indústria e Segurança (𝘉𝘶𝘳𝘦𝘢𝘶 𝘰𝘧 𝘐𝘯𝘥𝘶𝘴𝘵𝘳𝘺 𝘢𝘯𝘥 𝘚𝘦𝘤𝘶𝘳𝘪𝘵𝘺, BIS) é o responsável pela administração dos controles de exportação (CDEs) sobre 𝘤𝘰𝘮𝘮𝘰𝘥𝘪𝘵𝘪𝘦𝘴 sensíveis, como produtos finais, 𝘴𝘰𝘧𝘵𝘸𝘢𝘳𝘦𝘴 e tecnologia. Historicamente, CDEs têm sido utilizados sob prerrogativas de segurança nacional e viés antiterrorismo. Contemporaneamente, observa-se o aumento da exploração de relações econômico-comerciais assimétricas a fim de obter vantagens ou prejudicar adversários, em particular via redes internacionais, como 𝘴𝘶𝘱𝘱𝘭𝘺 𝘤𝘩𝘢𝘪𝘯𝘴. Tal uso estratégico tem sido denominado de instrumentalização da interdependência. Nesse contexto, em 2019, um novo entendimento do BIS passou a utilizar de CDEs como uma política direcionada à manutenção da liderança tecnológica e competitiva dos EUA como prerrogativa de segurança nacional. Uma das áreas mais impactadas é o comércio de semicondutores, em particular no contexto de rivalidade estratégica sino-americana. Ademais, o BIS tem expandido a jurisdição de suas prerrogativas a fim de controlar não somente o comércio de 𝘤𝘰𝘮𝘮𝘰𝘥𝘪𝘵𝘪𝘦𝘴 domésticos, mas 𝘤𝘰𝘮𝘮𝘰𝘥𝘪𝘵𝘪𝘦𝘴 de produção estrangeira, a partir da Regra do Produto Estrangeiro Direto (𝘍𝘰𝘳𝘦𝘪𝘨𝘯 𝘋𝘪𝘳𝘦𝘤𝘵 𝘗𝘳𝘰𝘥𝘶𝘤𝘵 𝘙𝘶𝘭𝘦, FDPR), que reivindica controle sobre a movimentação de produtos diretos de tecnologias dos EUA, conferindo extraterritorialidade à jurisdição dos EUA sobre essas movimentações. Assim, este artigo tem por objetivo analisar a chamada instrumentalização da interdependência via o uso da FDPR pelo BIS sobre a indústria de semicondutores no período 2019–2023. Para tanto, pergunta-se: as modificações adotadas pelo BIS sobre o entendimento dos EUA acerca do controle de tecnologias estratégicas via o uso da FDPR representam uma forma de instrumentalização da interdependência sobre a indústria de semicondutores? Em termos teóricos, a partir de uma perspectiva de EPI, desenvolve-se uma abordagem analítica geoeconômica, centrada no uso político da divergência comercial a partir de considerações estratégicas, atendendo aos interesses nacionais frente à competição interestatal na esfera econômica. Para tanto, desenvolve-se uma pesquisa embasada em documentos primários, como regulações federais, e dados sobre CDEs do BIS. Em síntese, evidencia-se que a mudança observada no emprego dos CDEs é um exemplo da instrumentalização da interdependência. Nesse sentido, ao reformar a FDPR, os EUA aproveitaram-se de um gargalo na 𝘴𝘶𝘱𝘱𝘭𝘺 𝘤𝘩𝘢𝘪𝘯 de semicondutores: a centralidade de empresas dos EUA na produção de equipamentos e 𝘴𝘰𝘧𝘵𝘸𝘢𝘳𝘦𝘴 necessários à manufatura de semicondutores. Assim, a partir de uma posição privilegiada nas 𝘴𝘶𝘱𝘱𝘭𝘺 𝘤𝘩𝘢𝘪𝘯𝘴, os EUA buscam aplicar o maior impacto possível sobre as capacidades de manufatura de semicondutores da China. Coagindo, ainda, empresas de outros países, como Japão e Taiwan, a restringirem suas relações comerciais no setor com a China, sob o risco de serem sujeitas às mesmas restrições, já que também são dependentes da oferta de equipamentos americanos, empregando a FDPR como um instrumento de coerção. Portanto, os EUA, a partir da autoridade do BIS e da expansão do escopo da FDPR, têm explorado novas possibilidades de restringir o avanço de adversários estratégicos, em particular a China, através da instrumentalização da interdependência sobre a indústria de semicondutores, dada a assimetria de capacidades relativas.
A RELAÇÃO CAPITAL-TRABALHO NA CHINA: OS NOVOS PARADIGMAS DA LUTA DE CLASSES NO CRESCIMENTO PUXADO PELAS INOVAÇÕES
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Cassiano Schwantes Corrêa (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ)
Resumo:
A China, com a maior força de trabalho do mundo, contando em 2021 com aproximadamente 780 milhões de trabalhadores, apresenta singularidades nas suas relações entre o capital e o mundo do trabalho. A posição histórica e o modelo atual de funcionamento fazem da China na economia mundial um local em que o capital-trabalho atua de forma dinâmica. Autores afirmam que, por exemplo, o padrão chinês de exportação e prosperidade foi duramente atingido em 2008 e mais de 20 milhões de empregos foram eliminados em um curto espaço de tempo. Esse contexto específico se atrelou a um aumento de greves nacionais em todo o país e a luta de classes se potencializou. Um “Novo Normal” está em construção na China desde o estabelecimento do 12º Plano Quinquenal (2011-2015), um modelo econômico não mais puxado pelos investimentos em ativos fixos, exportações e altos índices de crescimento, mas pelas inovações tecnológicas autóctones e pelo consumo doméstico da população. O declínio dos empregos industriais, gerado desde 2008, disponibilizou uma sobrecapacidade de mão de obra disponível para a ascensão do setor de serviços formal e informal, ocasionando novas fórmulas para a relação capital-trabalho e para a nova geração de trabalhadores em formação, chamada aqui de terceira geração. Pela primeira vez, em 2010, os serviços ultrapassaram a manufatura como setor líder de empregos. Em consonância a isso, segundo o CLB (2024), os protestos no setor de serviços aumentaram drasticamente a partir de 2014/2015 e em especial na economia de plataformas, arrefecendo apenas com a chegada da pandemia. O Partido-Estado tem tentado garantir as linhas de funcionamento das relações capital-trabalho conforme os modelos de acumulação e crescimento via Planos Quinquenais se modificam, institucionalizando ao mesmo tempo a luta de classes via regulações não efetivas. Este trabalho questiona: quais as características da luta de classes na China que surge com as novas roupagens do mercado de trabalho puxado pelo crescimento via inovações? O objetivo geral é mapear as agitações trabalhistas resultantes da luta de classes da terceira geração de trabalhadores chineses para elucidar as formas que a relação capital-trabalho está tomando no novo padrão de crescimento chinês puxado pelas inovações. Como objetivos específicos, pretende-se I) Historicizar as gerações da classe trabalhadora chinesa a partir das Reformas Econômicas, entendendo a formação do mercado de trabalho chinês; II) Compreender a estruturação da relação capital-trabalho via padrões de crescimento, regulações trabalhistas e protestos em massa. III) Verificar as atuais características da luta de classes no padrão puxado pelas inovações, via novas formas de subsunção do trabalho ao capital, e os desafios que têm se colocado para a relação Capital-Estado-Classes. Percebeu-se que apesar das melhorias materiais no mercado de trabalho chinês, a mudança nos padrões de crescimento continua trazendo novos desafios e novas formas de subsunção real ao capital (Marx, 1978), seja por meio da informalidade do setor de serviços que desemboca a partir de 2000, a formação de uma economia de plataformas com altos índices de produtividade do trabalho ou a partir da permanência do hukou como meio de constante precarização do trabalhador mesmo com as tentativas de reformas e urbanização do registro e dos trabalhadores migrantes. Nesse viés, a luta de classes se torna fulcral para questionar as narrativas de perda de poder de barganha dos trabalhadores chineses e de centralização no Estado chinês como indutor isolado das conquistas da classe trabalhadora. Os protestos em massa que vieram à tona na década de 2000, chegando em 2004 a aproximadamente 74 mil protestos e 87 mil em 2005 se tornaram simbólicos na inflexão para a “sociedade harmoniosa”. Os trabalhadores migrantes representaram a ascensão de um movimento de classes intenso no país que reivindicou maior abrangência das políticas de seguridade social. Desde 2000 o novo padrão de acumulação puxado pelas inovações foi se constituindo gradativamente para substituir o modo de acumulação das reformas e investimentos. Políticas como o Made in China, Labor Contract Law, o 12º e 13º Plano Quinquenal, Minimum Wage Regulations e as estratégias de inovação autóctone se tornaram os guias para o desenvolvimento da China entre 2000-2010 sob o novo padrão de acumulação e crescimento. Ressalta-se que o resiliente projeto da “sociedade harmoniosa” está dando espaço ao projeto de governo do presidente Xi Jinping do “Novo Normal”, representando uma nova fase de funcionamento para as relações capital-trabalho, deixando a fase dos crescentes salários, bem-estar produtivista e altos índices de crescimento na década passada. Essa pesquisa parte de uma abordagem qualitativa que tenta aprofundar os conceitos gerais sobre um determinado grupo social, nesse caso a classe trabalhadora chinesa e sua relação com os modos de acumulação e crescimento. Como procedimento de abordagem, a pesquisa se configura como teórico-conceitual de visão marxiana crítica e destrinchará o arcabouço conceitual por meio de análise sócio-histórica das gerações da classe trabalhadora chinesa e seus moldes de luta de classes. Discutir-se-á a relevância de conceitos sobre as condições de trabalho para a formação e configuração de uma nova geração de classe na China. Como pano de fundo dessa análise, temos as forças sociais, o Estado e o capitalismo global, sempre presentes (Cox, 2021; Marx, 1978; Silver, 2005). Para a coleta de dados, buscar-se-á por fontes primárias sobre o mundo do trabalho, como o International Labor Organization (ILO) e o National Bureau of Statistics of China (NBC). Para análises sobre as agitações trabalhistas chinesas, a pesquisa deve focar nas fontes como o China Labor Bulletin (CLB) e o World Labor Group Database (WLG), além de fontes secundárias de artigos científicos e livros.
A representação de mulheres árabes através da inteligência artificial generativa: estereótipos sobre mulheres e política em imagens criadas pelo Dall-E 3
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Denise De Rocchi (Núcleo de Pesquisa sobre Relações Internacionais do Mundo Árabe)
Resumo:
Criar a própria imagem como um personagem de animação dos estúdios Pixar foi uma das tendências nas redes sociais em 2023. Os internautas publicavam os resultados obtidos com a ferramenta de inteligência artificial Dall-E 3, uma inteligência artificial generativa, desenvolvida pela empresa Open AI, a mesma criadora do Chat GPT: o usuário digita um comando em texto e obtém até quatro opções de imagem para este comando.
Para compor o banco de dados que alimenta a IA, a Open AI utilizou pares de imagens e legendas preexistentes (ou seja, imagens que foram produzidas e descritas por seres humanos), aprimorados com um “legendador de imagens robusto que produz descrições detalhadas e precisas das imagens”(Betker et al., 2023) e posterior treinamento do modelo de texto para imagem.
Esta pesquisa utiliza como corpus para análise um conjunto imagens criadas por esta ferramenta, a partir de comandos para que ilustrasse personagens femininas em posições de liderança, para responder: como mulheres árabes/de países árabes são representadas nestes papéis?
Na análise de discurso, consideramos que um texto nunca é 100% original, ele é a expressão de já ditos (Orlandi, 2005). Se um texto reúne palavras (as vezes acompanhadas de imagens) que juntas ganham sentido, imagens criadas por inteligência artificial a partir de comando de texto podem compor um corpus a ser analisado discursivamente. Kress e von Leewen (2021) entendem que objetos ou conceitos podem ser representados pelos elementos de uma imagem, assim como pelas palavras em um discurso.
Ao expressar graficamente o texto fornecido pelo usuário, a ferramenta de IA coloca as palavras em contexto e constrói sentidos que são já ditos, uma vez que a base de dados é composta por imagens e legendas originadas na criação humana. Traz, portanto, nosso conhecimento coletivo e práticas sociais, inclusive preconceitos, ao elaborar o significado da ordem que recebe.
Não há plena transparência quanto à origem deste banco de dados, mas ele foi organizado em língua inglesa. Se foi baseado em produções ocidentais preexistentes, pode incorporar representações negativas dos árabes, como associá-los a terrorismo (Nawar, 2007) e à opressão das mulheres (Edam; Shaari; Aladdin, 2023). A literatura acadêmica também aponta frequentes menções ao uso do véu como símbolo de opressão (Khan, 1998; MacDonald, 2006) ou à religião islâmica como um bloco monolítico, ignorando nuances quanto ao direito das mulheres (Moghadam, 2016).
Em relação ao Dall-E 3, pesquisadores, assim como usuários, fazem referência ao viés decorrente da composição do banco de dados e suas referências ocidentais (Lee; Ta, 2023; Offert; Phan, 2022). Díaz-Rodríguez et al. (2023) inclui a diversidade e representatividade entre as questões éticas que deveriam guiar o desenvolvimento de inteligência artificial. A pesquisa em curso contribui para esta discussão, refletindo sobre a reprodução de estereótipos em imagens sobre mulheres árabes e sua posição na sociedade e na política.
Para gerar o corpus para análise, ordenamos diversos comandos ao Dall-E 3, com diferentes combinações dos termos “mulher”, “mulher árabe” e “mulher muçulmana” e “presidente”/”emir” ou “governando o país X”. Os países usados nos comandos foram Argélia, Catar, Egito, Líbia e Síria, todos de maioria árabe. Foram geradas 27 imagens com o Dall-E 3, em outubro de 2023, e mais 93, em março de 2024. Foram analisados elementos que, embora não estivessem descritos no comando, foram adicionados à imagem: objetos, vestuário, símbolos, cores, expressões faciais e gestual, posição da personagem feminina principal e demais figuras humanas retratadas.
Resultados
O Dall-E 3 tratou “mulher árabe” como sinônimo de “muçulmana”, retomando um dos estereótipos apontados por (Mehdid, 1993): da mulher vestindo véu ou hijab. Quando foi especificado “árabe” ou “muçulmana” no comando, todas as personagens principais tinham os cabelos cobertos; sem a especificação, apenas algumas. Não há uma sexualização explícita, mas todas as personagens femininas que foram criadas são jovens e quase a totalidade são magras.
Em alguns casos, a ferramenta desenhou como a figura na posição de liderança um homem ou colocou um homem no púlpito ou escrivaninha e não a personagem feminina. Quando o comando incluía “mulher” e “governando”, 20% dos resultados retratavam apenas homens na retaguarda da personagem principal e 35% tinham a personagem à frente de um exército ou figuras militares posicionadas junto a ela. Quando especificamos no comando de texto um cargo (mulher emir ou presidente), a personagem foi ilustrada na metade das vezes sozinha e, em 25% das vezes, com apenas homens às suas costas. O sentido expresso por estas imagens é de que a liderança política é uma posição masculina, em que as mulheres são raras.
As personagens centrais, que a IA deveria desenhar em posição de liderança, foram retratadas muitas vezes usando uniformes ou medalhas militares, ou portando espadas, lanças ou facas, numa associação entre poder e força militar. Isto foi mais pronunciado nas imagens referentes à Síria, sempre as de sentido mais negativo: nestas, encontramos vários exemplos em que a expressão facial terna contrasta com um ambiente repleto de símbolos de violência: em uma delas, a personagem carrega nas mãos uma cabeça humana e uma faca. O único caso em que a ferramenta se recusou a exibir o resultado foi no comando “pessoas vivendo na Síria hoje”, exibindo a mensagem de que havia “conflito com a política de conteúdo do Dall-E 3 (que proíbe pornografia e promoção da violência).
Até o momento, a pesquisa evidencia que há remanescentes nestas imagens de discursos que associam o mundo árabe à violência (em diferentes graus, conforme o país) e a vida política ao domínio masculino.
A REPRODUÇÃO DISCURSIVA DE IDENTIDADE NACIONAL NO DISCURSO DE POLÍTICA EXTERNA DE DONALD TRUMP
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Ena Jordana Gazzoni Degrazia Howes (Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos Internacionais Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Em uma conjuntura de multipolaridade na ordem internacional e disputa entre as grandes potências, questiona-se o papel dos Estados Unidos na reconfiguração de forças no cenário internacional, especificamente, após os anos do governo de Donald Trump (2017–2021). Dessa forma, o presente artigo busca realizar uma discussão sobre a (re)produção discursiva da identidade nacional estadunidense ocorridas durante o mandato presidencial de Trump. Tendo como objeto a construção de identidade nacional nos discursos de política externa, a pesquisa analisa três pronunciamentos presidenciais, sendo estes os três Discursos sobre o Estado da União proferidos pelo presidente estadunidense entre 2018 e 2020. O artigo busca responder a seguinte pergunta: a construção discursiva de identidade nacional nestes pronunciamentos, como produto discursivo, representou uma ruptura com o discurso de identidade nacional estadunidense baseado no discurso puritano? Em caso positivo, em quais aspectos? Esta análise discursiva será feita a partir de três eixos conceituais do puritanismo: i) a excepcionalidade e singularidade da nação estadunidense; ii) a constituição da identidade nacional a partir da contraposição com o “Outro” e o medo da ameaça externa; e iii) a missão dos Estados Unidos como líder da ordem internacional liberal e defensor dos valores desta ordem. Como hipótese, aponta-se que Donald Trump apresenta posicionamentos que em um primeiro olhar podem corroborar com o argumento que seu discurso de política externa seria isolacionista e não-intervencionista – rompendo, assim, com a ideologia puritana tradicional. Estes posicionamentos seriam falas e políticas tais como: a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão em 2021; a saída de acordos multilaterais por parte dos Estados Unidos; as cobranças do presidente por maior investimento por parte dos demais membros da OTAN; e as afirmações que não cabe aos Estados Unidos agirem como força policiais em outros países. No entanto, estas configurações não representariam uma ruptura com o discurso puritano formador da identidade nacional estadunidense, sendo possível identificar um alinhamento geral com tal ideologia. A fim de avaliar esta hipótese, o artigo persegue uma abordagem qualitativa documental em relação a análise dos pronunciamentos presidenciais, aliada a estratégia teórica e metodológica da Análise de Discurso. Opta-se por esse arcabouço teórico a partir das discussões feitas sobre identidade nacional como produto discursivo, e, portanto, não fixa e passível de adaptações conforme a conjuntura política; e sua consequente (re)produção discursiva em pronunciamentos e documentos oficiais como prática de política externa e de reafirmação da ordem interna. Para tanto, o artigo baseia-se, sobretudo, nas obras de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, David Campbell e Erica Resende. Em relação a análise do puritanismo, apresenta-se, especificamente, as contribuições Sacvan Bercovitch e Emory Elliott. Como resultado, tem-se que Donald Trump adapta elementos do discurso puritano de identidade nacional, especificamente, pertinentes ao terceiro eixo apresentado neste resumo. No entanto, mantem continuidades com os elementos centrais do primeiro e segundo eixo. Assim, identifica-se que o discurso do presidente pode ser enquadrado dentro das categorias gerais existentes da referida ideologia de identidade nacional estadunidense.
A securitização como uma ferramenta estratégica estadunidense: o caso da intervenção militar na Líbia
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Juliana Ribeiro Lobato (UFRGS)
Resumo:
Este trabalho tem como tema os desdobramentos da Primavera Árabe na Líbia, destacando-se o processo de legitimação de uma intervenção militar executada pelas potências ocidentais envolvidas no conflito. Em relação a esse tema, observa-se que, se comparada com os países vizinhos que também foram atingidos pelas manifestações, a Líbia desfrutou de um desfecho distinto. Enquanto no Egito e na Tunísia, por exemplo, bastou que os presidentes renunciassem ao cargo para que as hostilidades chegassem ao fim, com Kadafi a situação foi diferente, revelando que a intervenção militar não era a única alternativa para conter o crescimento da violência na região. Tal fato torna-se, portanto, um objeto de investigação, sendo crucial compreender quais as motivações para a formação dessa estratégia alternativa e como essa ação foi legitimada perante a comunidade internacional.
Diante disso, a pergunta que orienta a pesquisa é a seguinte: quais foram os fatores determinantes que legitimaram a intervenção militar na Líbia? Como hipótese de trabalho, tem-se que a intervenção militar foi legitimada a partir de um processo de securitização do governo líbio de Kadafi capitaneado pelos Estados Unidos da América. Além da notável capacidade militar do país para articular uma intervenção no território, o qual já se encontrava fragilizado na época, tal movimento foi viabilizado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Dessa forma, por meio da Resolução 1973, a intervenção militar foi validada e vista como a solução para reduzir a violência contra a população civil diante do contexto de revoltas populares.
O objetivo geral da pesquisa, assim, é compreender como foi construída a validação, por parte da comunidade internacional, para realizar a intervenção militar na Líbia. Em termos específicos, busca-se compreender os aspectos fundamentais da Teoria da Securitização e como ela pode ser aplicada ao caso investigado; entender como se deu a intervenção militar, abordando um histórico político da Líbia desde a ascensão de Kadafi até a eclosão das revoltas da Primavera Árabe; e, por fim, avaliar quais fatores contribuíram para legitimar a estratégia estadunidense e se a construção destes indica um processo de securitização.
Para atingir seus propósitos, a estrutura desse trabalho é fundamentada em dois métodos específicos. Em primeiro lugar, a fim de compreender os aspectos elementares da Teoria da Securitização, será realizada uma revisão de literatura. Para isso, foram escolhidas as principais obras de referência dessa abordagem, as quais apresentam os conceitos fundamentais, discorrem sobre as características de um processo de securitização bem-sucedido e exibem perspectivas críticas a essa ferramenta teórica. Tais condições são fundamentais para a análise que será realizada no trabalho. Após, pretende-se expor, de forma breve e concisa, a história política da Líbia, abordando as particularidades do governo de Kadafi, as relações com o Ocidente e as circunstâncias anteriores à eclosão da Primavera Árabe, em 2011. Para tal propósito, também será realizada uma revisão de literatura, utilizando diferentes autores que contribuem para a temática.
Posteriormente, para assimilar se o processo analisado na pesquisa se enquadra em um movimento de securitização, foi escolhido o método da análise de discurso. Tal escolha se deu com base nos próprios fundamentos da Teoria da Securitização, a qual afirma que a segurança é, por si só, um ato discursivo. Sendo assim, para que um objeto seja securitizado, é necessário que ele seja compreendido como uma ameaça, a fim de que ações políticas extremas sejam justificadas para contornar a situação. No entanto, essa percepção depende de como o discurso foi construído pelo agente securitizador e se ele foi capaz de convencer o determinado público-alvo (Buzan; Wæver; Wilde, 1998). Desse modo, dada a importante participação do Conselho de Segurança da ONU na questão, especialmente após admitir a intervenção militar por parte das potências ocidentais, foram escolhidas as Resoluções aprovadas nesse órgão como ferramentas analíticas. Assim, pretende-se analisar os discursos proferidos durante as sessões em que as Resoluções foram debatidas, a fim de compreender a atuação da comunidade internacional diante do confronto, bem como verificar se houve, por parte dos Estados Unidos, durante as sessões do Conselho, uma narrativa que indique a tentativa de securitização.
Como resultados desta pesquisa, foi possível vislumbrar os argumentos apresentados pelos Estados Unidos durante as sessões e, por consequência, ter clareza do seu posicionamento – isto é, favorável à intervenção e à queda do regime de Kadafi com base em fundamentos humanitários. Entretanto, não foi encontrada, nos discursos proferidos no Conselho de Segurança, uma evidência explícita da tentativa de securitização. Nesse cenário, sugere-se que os países já comparecem às sessões com as suas posições firmadas, dispensando a necessidade de um discurso norte-americano para serem persuadidos acerca da ameaça em discussão. Dessa forma, tornou-se crucial investigar, também, discursos externos ao âmbito do Conselho, a fim de determinar se existem evidências mais explícitas nesse sentido.
À vista disso, optou-se por analisar dois discursos proferidos por Hillary Clinton, que ocupava o cargo de secretária de Estado dos Estados Unidos na época examinada. A partir desses discursos, por sua vez, ficou nítida a tentativa dos Estados Unidos de mobilizar outros países para que se posicionassem de maneira contrária ao regime de Kadafi, atribuindo ao líder a responsabilidade pelo sofrimento do povo líbio e indicando que ele sujeitou a população a uma condição de ameaça existencial. Além disso, é importante constatar que esses discursos foram realizados antes da aprovação da Resolução 1973, o que pode ter influenciado o posicionamento de algumas nações a fim de garantir os interesses ocidentais.
A securitização das mudanças climáticas: A importância do agente securitizador
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Julen Müller (Universidade Federal do ABC)
Resumo:
INTRODUÇÃO
As mudanças climáticas hoje representam uma das ameaças globais mais discutidas do século XXI. A agenda climática se tornou ponto central das discussões internacionais na última década e líderes ao redor do globo reconheceram a necessidade de criar meios para mitigar as consequências do aquecimento global na Terra e estabelecer medidas legais em uma agenda internacional voltada para o clima.
A trajetória de reconhecimento das mudanças climáticas como uma preocupação a nível internacional não foi linear e tem sido marcada por duas grandes fases. A primeira fase foi caracterizada pela incerteza científica, e falta de conhecimento sobre os impactos humanos na atmosfera. Isto resultou na relativização do problema e baixa de preocupação do público em relação ao aquecimento da Terra.
A segunda fase se deu a partir de 1970 onde foi reconhecida a necessidade de falar sobre o meio ambiente, marcando um ponto de inflexão nas relações internacionais. Um sistema internacional pautado em uma agenda que antes era completamente dominada por assuntos militares – especialmente no contexto da Guerra Fria – é incentivada a abordar outras questões, incluindo o meio ambiente, representando um momento de transformação com adição de novos atores na arena internacional.
As mudanças climáticas emergem como um importante tema da diplomacia internacional e, consequentemente, também da Governança Global do Clima na primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972 (ANDRADE, 2009). As preocupações com as mudanças climáticas não só levaram à criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para avaliar os aspectos científicos, técnicos e socioeconômicos do impacto humano nas mudanças climáticas, mas também à assinatura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas no Rio em 1992 (Nações Unidas, 1992).
Com a politização das questões climáticas e o pós-Guerra Fria, o conceito de segurança ganha um novo ar norteador, se fazendo necessária a expansão da agenda e inserção de novas ameaças, como as mudanças climáticas. De acordo com Barnett (2007), o processo de securitização do meio ambiente se deu em 3 momentos distintos como: a conscientização das consequências do uso de recursos naturais de forma exacerbada a partir da década de 60, o reconhecimento da ciência no que tange meio ambiente e os diversos acordos e tratados internacionais na década de 70 incluindo o meio ambiente na agenda de segurança, e por fim o pós-Guerra Fria, onde ocorre a quebra do paradigma tradicional de segurança vigente desde o início do século XX (BARNETT, 2007).
A premissa da presente pesquisa se traduz na necessidade de se entender a problemática climática como uma questão que transcende a ciência e a política, se tornando uma questão de segurança internacional. A segurança internacional e as mudanças climáticas são um tópico importante que tem sido amplamente discutido nos últimos anos, particularmente nos trabalhos do cientista político Barry Buzan. Esta pesquisa tem como norte a obra realizada pelos autores Buzan, Waever e de Wilde (1998), intitulada “Segurança: Um Novo Modelo para Análise”. Esta obra lançou as bases para a teoria da securitização, que será amplamente estudada neste trabalho. Essa teoria destaca a natureza política da segurança, contrapondo a abordagem tradicional de segurança da forma que conhecemos, preocupada com ameaças auto evidentes e introduzindo uma perspectiva social construtivista.
Segundo Buzan, as mudanças climáticas representam uma ameaça significativa à segurança internacional, uma vez que têm o potencial de aumentar os conflitos, causar migrações em massa e desestabilizar Estados. O mesmo argumenta que, as preocupações tradicionais de segurança, tais como a segurança militar e a segurança econômica, devem ser repensadas à luz dos efeitos das mudanças climáticas.
Buzan sugere também que a cooperação internacional é essencial para abordar as implicações das alterações climáticas em termos de segurança. Ele argumenta que a comunidade internacional deve trabalhar em conjunto para reduzir as emissões, adaptar-se aos impactos das alterações climáticas e encontrar formas de prevenir e mitigar os conflitos relacionados com as questões climáticas. As mudanças climáticas são muitas vezes vistas como um “multiplicador de ameaças” devido às suas várias implicações e consequências para a segurança humana (TROMBETTA, 2012).
O conceito de securitização de Buzan, Waever e de Wilde (1998) tem influenciado a nossa compreensão da segurança e dos atores envolvidos e tem tido um impacto importante no estudo das relações internacionais e nos estudos de segurança, principalmente no cerne das mudanças climáticas. As mudanças climáticas cada dia mais representam um desafio de segurança que requer uma resposta coordenada e coletiva. Quanto mais o mundo se aproxima dos pontos de inflexão induzidos pelo aquecimento global, mais urgente é para a sociedade internacional global enfrentar coletivamente uma ameaça compartilhada (BUZAN, FALKNER 2022).
MARCO TEÓRICO
A partir das discussões de Buzan, Waever e Wilde, busca-se compreender o processo de construção de ameaças no campo ambiental através de uma visão construtivista e contemporânea das relações internacionais. A pesquisa adota o discurso da Escola de Copenhague correlacionando com a emergência de novas ameaças, como as mudanças climáticas. A teoria da securitização tem sugerido que medidas reativas e o entendimento antagonista da segurança não são os únicos modos de lidar com essas novas questões, uma vez que medidas preventivas e o fortalecimento do multilateralismo têm emergido como práticas viáveis (BARBOSA, DE SOUZA 2010).
A Escola de Copenhague, inicialmente liderada por Barry Buzan, Lene Hansen, Ole Waever e Jaap de Wilde, surgiu da insatisfação com o engessamento da teoria tradicionalista, a teoria realista que mantinha apenas o Estado e suas questões militares como foco das questões de segurança. Assim nasce a teoria da securitização. Os autores argumentam na Escola de Copenhague que houve uma evolução do que era conhecido como segurança e o que era securitização. A primeira grande diferença está no conceito “chave de segurança”. Antes da Segunda Guerra Mundial, a segurança era sinônimo de defesa. No entanto, após a guerra, os estudiosos começaram a ver a segurança em termos mais amplos que incluíam questões políticas e sociais. Este alargamento do conceito de segurança permitiu uma compreensão mais abrangente dessas questões.
A segunda grande diferença era a necessidade de abordar o novo problema das armas nucleares. Os meios militares por si só não eram suficientes para compreender a utilização ou não utilização de armas nucleares. O contexto tinha mudado significativamente, e as disputas nucleares tornaram-se a arte de evitar a guerra sem serem militarmente derrotadas ou coagidas.
A terceira grande diferença diz respeito à natureza das questões de segurança. As questões de segurança deixaram de ser puramente militares e começaram a envolver outras questões relacionadas com a segurança do adversário, tais como questões econômicas. Este reconhecimento da interligação de várias questões de segurança permitiu uma compreensão mais holística da segurança e o desenvolvimento de estratégias de segurança mais eficazes. Estas três grandes diferenças marcaram uma evolução significativa nos estudos de segurança, de um enfoque estreito na defesa militar para uma compreensão mais ampla e mais matizada das questões de segurança.
Como resultado destas mudanças, os estudos de segurança tornaram-se mais interdisciplinares, exigindo conhecimentos especializados de vários campos, incluindo relações internacionais, economia e ciência política. A necessidade de compreender o contexto mais amplo em que os desafios de segurança estavam a surgir, bem como os meios não militares de enfrentamento, levou ao desenvolvimento de novos atores dentro do campo dos estudos de segurança.
De acordo com Buzan et al. (1998):
“Segurança” é o movimento que trata a política para além das regras do jogo estabelecidas e enquadra a questão ou como um tipo particular de política, ou como algo que a transcende. A securitização pode então ser vista como uma versão extrema da politização. Teoricamente, qualquer questão pública pode ser localizada no espectro que varia do “não politizado” […], passando pelo “politizado” […], alcançando o “securitizado” (BUZAN et al., 1998, p.23-24).
Atualmente a segurança é entendida como um conceito multidimensional que engloba uma vasta gama de questões, incluindo segurança militar, segurança econômica, segurança alimentar, segurança energética, e segurança humana, entre outras (BUZAN; HANSEN, 2009).
De acordo com Silva e Pereira (2019):
A securitização de um tema é uma construção social. O tema é designado como uma questão de segurança e é aceito por uma audiência como tal por meio de uma construção entre atores. A proposta teórica da securitização, portanto, se encaixa no construtivismo e se distancia de uma abordagem realista tradicional dos temas de segurança (SILVA, PEREIRA 2019 p.3).
Para os autores da securitização, uma questão é “securitizada” quando é apresentada, perante uma audiência pública, como ameaça existencial que requer medidas emergenciais situadas fora dos limites dos procedimentos normais da tomada de decisão política (Buzan, Waever & Wilde 1998, p.23).
Apesar de acontecer alguma discussão no Conselho de Segurança das Nações Unidas nos últimos anos em relação a segurança ambiental, as instituições internacionais têm sido lentas em designar formalmente a mudança climática como uma questão de segurança, mesmo que certas partes do globo já enfrentem o potencial destruição das mudanças climáticas, como os estados insulares de baixa altitude com aumento do nível dos oceanos. Em parte, isso se deve às responsabilidades difusas pelas causas das mudanças climáticas e ao simples fato de que os principais emissores de gases do efeito estufa são membros permanentes do Conselho de Segurança (DALBY, 2013).
De acordo com Dalby (2013):
Quando se trata de mudança climática, as suposições de perigos externos que confrontam os Estados modernos através das fronteiras simplesmente não são a premissa apropriada para uma discussão inteligente sobre segurança ambiental. É a dependência desses estados de combustíveis fósseis e uma economia global de recursos e suprimentos que está colocando a mudança climática em movimento (DALBY, p. 41 2013).
Portanto, as mudanças climáticas podem ser vistas por diversas lentes. Seja em um embate cientifico, político ou social a problemática do clima é uma ameaça à segurança humana. O clima está intimamente ligado com a vida em sociedade, a alteração dessa simbiose afeta a Terra como um todo, seja nas ilhas insulares do pacífico sul que já sofrem com inundações como grandes nações desenvolvidas que presenciam extremos climáticos a cada ano que passa. Reconhecer que a segurança internacional transcende a ideia belicista é um passo fundamental para a mitigação das mudanças climáticas no cerne internacional.
CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA E HIPÓTESE
Vivemos o Antropoceno, época geológica denominada por Crutzen (2006) para expressar o momento da história comandada pelos humanos, caracterizada pelo consumismo, exploração desmedida de recursos e uma evolução tecnológica sem precedentes (MALHI, 2017), onde ações humanas influenciam nos mecanismos terrestres. Partindo disso, observamos que limites planetários vêm sendo atravessados pelos seres humanos, acarretando uma série de danos ao meio ambiente. Essa dualidade entre consumo e escassez no mundo, pode levar à instabilidade política e agravar o risco de conflito e insegurança humana devido as possíveis catástrofes ocasionadas pelas mudanças climáticas (CNA, 2007; BERNAUER, 2013).
Partindo dessas indagações, apresentamos o problema de pesquisa através dos seguintes questionamentos: estariam as nações e organizações internacionais cumprindo o papel de agente securitizador em reconhecer a mudança do clima como uma questão de segurança a nível internacional?
Adentrando a construção das hipóteses da pesquisa, é possível identificar três grandes momentos. A primeira hipótese parte do princípio em que as mudanças climáticas podem aumentar a probabilidade de conflito e instabilidade em regiões vulneráveis do globo, provocando um desequilíbrio internacional. Esta hipótese baseia-se na ideia de que os impactos das alterações climáticas, tais como o aumento do nível do mar e aumento da temperatura por exemplo, irão exacerbar as ameaças à segurança existentes e criar novas ameaças. Por exemplo, a competição por recursos escassos, tais como água e alimentos em países mais pobres, aumentando a probabilidade de conflito, especialmente em regiões já propensas à instabilidade.
Por fim, a segunda hipótese permeia a ideia de que os efeitos a longo prazo das mudanças climáticas podem trazer sérios desafios econômicos para países do sul global. A integração entre mudanças climáticas, desenvolvimento econômico e social, crescimento econômico, redução da pobreza, criação de empregos, promoção da riqueza e conservação ecológica é crucial para estabelecer a paz e a segurança no mundo. Países mais pobres e certos grupos marginalizados como mulheres e crianças podem sofrer os efeitos do aquecimento global de forma muito superior a nações desenvolvidas. Países mais pobres tem menos acesso a recursos, tais como água limpa, alimentos e energia, levando a um aumento da pobreza e stress social.
OBJETIVOS
Objetivo geral:
Analisar o processo de securitização das mudanças climáticas e a importância de reconhecer a ameaça climática como uma questão de segurança internacional.
Objetivos específicos:
a) Compreender como o processo de securitização das mudanças climáticas podem beneficiar a luta climática.
b) Avaliar a importância do agente securitizador no combate as mudanças climáticas.
c) Avaliar as variáveis sociais envolvidas na adaptação as mudanças climáticas no cenário securitário internacional.
JUSTIFICATIVA
Essa pesquisa se justifica pela importância de se discutir e analisar as mudanças climáticas pela ótica das relações internacionais utilizando teorias e autores das RI. As mudanças climáticas representam um desafio para a comunidade global com consequências políticas, econômicas e sociais. Os efeitos das alterações climáticas, tais como aumento do nível do mar, catástrofes naturais mais frequentes e intensas, e alterações nos padrões climáticos podem ter um impacto profundo na segurança humana, incluindo o acesso a alimentos, água e abrigo. As mudanças climáticas podem também aguçar os conflitos existentes e contribuir para novos embates. A mudanças climáticas e a sua relação com a segurança internacional é uma preocupação eminente e requer o devido reconhecimento como questão de alto escalão securitário.
A presente proposta de pesquisa se reafirma pela extrema relevância que o tema possui para os debates políticos atuais a nível nacional e internacional. Governos e organizações internacionais estão cada vez mais buscando maneiras de abordar os impactos das mudanças climáticas na segurança. Portanto, está pesquisa pode contribuir para uma compreensão mais profunda da relação entre as mudanças climáticas e a teoria da securitização.
METODOLOGIA
A metodologia que será utilizada para o desenvolvimento da pesquisa inicialmente possui teor exploratório. O estudo terá caráter essencialmente qualitativo, com ênfase na análise dos relatórios mais recentes do IPCC. Em um primeiro momento a pesquisa se concentrará em uma investigação bibliográfica nos referenciais teóricos das relações internacionais e meio ambiente, será utilizada fontes primarias e secundárias como artigos acadêmicos, teses, dissertações, documentos e tratados internacionais como forma de aprofundamento no tema.
Para a realização dos objetivos propostos a pesquisa fará uma análise sobre a teoria da securitização que será embasada pelos autores Buzan, Waever e de Wilde (1998), através da obra intitulada: “Segurança: Um Novo Modelo para Análise”, que norteara o aprofundamento dos estudos sobre securitização.
A teoria da securitização foi escolhida para ser o coração deste trabalho. É uma das principais contribuições da Escola de Copenhague, que surgiu em 1985, originalmente chamada de Copenhagen Peace Research Institute (TANNO, 2003 p.48). Para compreendermos a transformação do conceito de segurança é necessário analisar as relações internacionais após a Segunda Guerra Mundial, onde conceito de segurança deixou de ser puramente militar para passar a abranger também questões políticas e sociais. Esta mudança foi impulsionada pelo desenvolvimento das armas nucleares, que apresentavam um novo tipo de ameaça que não podia ser entendida apenas através de meios militares. O foco dos estudos de segurança passou de ganhar guerras para evitar a guerra por outros meios que não a força militar, tais como a diplomacia e a pressão econômica (BUZAN, HANSEN 2009).
Dentro da teoria de securitização este trabalho se concentrará na categoria operacional “agente securitizador”. O agente securitizador é o ator político capaz de demonstrar que determinado tema precisa ser reconhecido pelo público como uma ameaça existencial. Por fim, a pesquisa buscará resposta no que tange a falta desse agente securitizador nas mudanças climáticas e a importância de securitizar esse assunto que atualmente é regido de forma política.
A SECURITIZAÇÃO DO COMBATE AO CIBERCRIME NO SÉCULO XXI: UM ESTUDO SOBRE A AMÉRICA DO SUL
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Cícero Araujo Lisboa (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI/UFRGS))
Resumo:
Este trabalho analisa as ações de combate ao crime cibernético implementadas pelos países da América do Sul no século XXI, com o objetivo de verificar se os meios empregados para tanto podem enquadrados em um processo de securitização. O crime cibernético, que anteriormente tinha como alvo golpes contra indivíduos, têm passado, nas últimas duas décadas, por uma transformação, em que as infraestruturas críticas dos Estados têm se tornado cada vez mais alvo de ataques (MCKENZIE, 2017). Dessa forma, os países têm desenvolvido estratégias cibernéticas nacionais, com o objetivo de planejar ações para sua proteção no domínio cibernético, sendo que algumas delas acabam por extrapolar a perspectiva política.
Essas estratégias cibernéticas podem ser elaboradas pelos países através de seus próprios esforços ou seguindo os princípios e boas práticas de frameworks de modelos internacionais de segurança cibernética. Esses frameworks orientam como os países podem estruturar sua proteção no ciberespaço, podendo divergir tanto em relação à forma, quanto no que diz respeito ao direcionamento, com alguns sendo voltados para ações de governança e outros mais focados em ações de segurança.
Diligentes ao tema, organizações internacionais como a International Telecommunication Union (ITU), o National Institute of Standards and Technology (NIST) e o Cooperative Cyber Defence Centre of Excellence (NATO CCD COE) têm elaborado manuais com instruções para que os países desenvolvam suas próprias estratégias de segurança e defesa no ciberespaço. Essas orientações são publicadas em frameworks, que visam apresentar as melhores práticas em áreas cruciais, como: Segurança da Informação, Gestão de Risco, Resposta a Incidentes e Continuidade de Negócios. O objetivo é permitir que as nações, dentro de suas capacidades, estabeleçam suas próprias estratégias de proteção.
Os Estados Unidos e Israel são exemplos de países com estratégias cibernéticas que preveem o uso de todos os instrumentos do poder nacional para combater atores de ameaças cibernéticas, incluindo ações cinéticas (THE WHITE HOUSE, 2023; ISRAEL, 2021). Em 2019, por exemplo, as Forças Armadas israelenses bombardearam um prédio que supostamente serviria de base para um grupo de cibercriminosos do Hamas (NEWMAN, 2019). Essa ação foi considerada pela imprensa como o primeiro caso de ataque físico realizado como resposta a um possível ataque cibernético (ÉPOCA, 2019).
Os ataques cibernéticos têm causado impactos significativos em infraestruturas críticas e empresas ao redor do mundo. O Worm Stuxnet, em 2010, danificou a infraestrutura nuclear do Irã (ZETTER, 2017), enquanto em 2014, a Sony Pictures sofreu um vazamento de dados confidenciais (FBI, 2014), tendo ambos ataques sido atribuídos a nações (SINGER; FRIEDMAN, 2014). Além disso, o ransomware WannaCry afetou mais de 70 países em 2017, chegando a paralisar hospitais no Reino Unido (EL PAÍS, 2017). Esses incidentes demonstram que nenhum país está imune ao crime cibernético, independentemente do seu nível de desenvolvimento tecnológico.
Em 2013, o Brasil tornou-se alvo de um programa de vigilância conduzido pelo governo dos Estados Unidos. O programa monitorava e-mails e ligações telefônicas do Governo Federal, como revelado por Edward Snowden (FERRAÇO, 2014). Ademais, a América do Sul tem enfrentado recorrentes casos de vazamento de dados. Em 2008, cibercriminosos invadiram os sistemas do governo do Chile e expuseram dados de 6 milhões pessoas (BBC MUNDO, 2008). Em 2010, uma falha na validação de dados resultou na exposição de todos os dados dos contribuintes argentinos (BORGUELLO; TEMPERINI, 2013). De maneira semelhante, em 2019, dados pessoais de 20 milhões de equatorianos foram vazados na internet (CUNHA, 2019).
Diante disso, e considerando as ações desenvolvidas pelos países da América do Sul para o combate ao cibercrime, este trabalho propõe a seguinte questão de pesquisa: há uma securitização do cibercrime pelos Estados da América do Sul no século XXI? A hipótese de trabalho que sustenta essa pesquisa é a de que, apesar de compartilharem diversas características semelhantes (como aspectos sociais, históricos, políticos e econômicos) e de sua proximidade geográfica, nem todos os países do continente implementam ações securitizadas para promover sua defesa contra o cibercrime, sendo possível verificar níveis diferentes de securitização nos casos em que ela ocorre.
No que concerne aos aspectos metodológicos, esta pesquisa é de natureza aplicada e de caráter exploratório e adota uma abordagem qualitativa. Para compreender as similaridades dos frameworks, é utilizada a Teoria Fundamentada como método de pesquisa. Nesse método o pesquisador, mediante procedimentos diversos, reúne um volume de dados referentes a determinado fenômeno e, após compará-los e codificá-los, identifica as similaridades que emergiram desse processo de análise. A coleta de dados foi realizada através da revisão bibliográfica de artigos científicos, livros, documentos oficiais, entre outros.
Para responder essas questões, além da introdução e da conclusão, o trabalho se divide em três partes. A primeira trata de contextualizar elementos como o ciberespaço, as infraestruturas críticas, a Teoria da Securitização da Escola de Copenhague e os Complexos Regionais de Segurança. A segunda parte apresenta uma análise dos frameworks estudados no artigo, classificando-os em relação à securitização. Por fim, na terceira parte, são analisadas as estratégias dos países da América do Sul, elencando suas ações, similaridades e analisando-as no contexto da securitização do combate ao cibercrime.
A Teoria Marxista da Dependência e o campo de Relações Internacionais: um encontro necessário
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Francisco de Andrade Neto (Bolsista pela CAPES; Estudante de pós-graduação na Universidade Federal da Bahia (UFBA))
Resumo:
O objetivo deste texto é de discutir o lugar da Teoria Marxista da Dependência (TMD) nas Relações Internacionais, reivindicando-a como uma contribuição sólida para esta área. Isso se manifesta não só pelo seu vigor teórico, mas também por sua práxis periférica, anticolonial e anti-imperialista.
Neste viés, por meio de uma revisão bibliográfica, situaremos o historicamente os embates teóricos que a TMD travou, onde esta se vê, atualmente, num amplo cenário internacional de “resgate crítico” de suas formulações. É neste espírito, portanto, que aqui apresentaremos o sentido teórico e metodológico da TMD, e como estes, junto de suas categorias, podem se incorporar ao estudo das relações internacionais e da disciplina (RI) em si.
A TMD se constitui na América Latina nas décadas de 1960 e 1970 como uma corrente teórica que buscava entender o desenvolvimento capitalista dos países latino-americanos a partir do marxismo, ancorada na teoria do valor-trabalho. Seus principais autores eram Ruy Mauro Marini, Vânia Bambira e Theotônio dos Santos, que tiveram a Revolução Cubana (1959) como uma grande inspiração para suas formulações. Neste sentido, a TMD se baseia nas teorias marxistas do imperialismo e na teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky, e se dialoga de forma crítica com a teoria desenvolvimentista da CEPAL.
A produção e difusão teórica dentre a TMD no Brasil encontrou diversos percalços desde sua origem. Entretanto, com as crises dos governos neoliberais na América Latina no final dos anos 1990 e posteriormente, com a crise de 2008 e as demais manifestações de uma crise estrutural do capitalismo que daí vieram, a TMD passa a sofrer um “resgate crítico” que se inicia nos anos 2000 e se consolida na década seguinte (Carcanholo, 2013; Nunes, 2023, p. 12; Özekin, 2022; Prado; Castelo, 2013).
A partir deste movimento, vê-se uma nova gama de produções que dialogam com a TMD no Brasil, assim como a partir do lançamento de novas edições de livros clássicos. Ademais, nota-se uma ascensão de publicações em periódicos internacionais que tratam acerca da TMD, a partir de vários autores, sendo eles tanto latinos (Acosta; Cajas-Guijarro, 2022; Antunes de Oliveira, 2022; Antunes de Oliveira; Kvangraven, 2023; Filgueiras, 2020; Katz, 2022; Madariaga; Palestini, 2021; Martins, 2022; Nunes, 2023; Osorio, 2022; Reis; Antunes de Oliveira, 2021; Salém Vasconcelos, 2022; Salém Vasconcelos; Chilcote, 2022) mas também por parte de não latinos (Musthaq, 2021; Özekin, 2022).
Frente a este cenário de resgate da TMD, defendemos a necessidade desse movimento ser abraçado pelo campo de RI, questão que encontra respaldo em autores como Bichir (2021), Bugiato (2021) e Özekin, (2021), os quais também fazem contribuições nesse sentido. Entretanto, é seguro afirmar que este esforço de incorre na mesma “estranheza” que existe na relação entre o marxismo, de modo geral, e as RI. Este primeiro não é uma teoria própria da área, mas oferece aportes que são de extrema validade para as RI, pois tanto versam sobre temas globais, transnacionais e internacionais, oferecendo visões diferentes do mainstream, quanto apresentam questões ocultadas deste último. No mesmo sentido, a TMD não é uma teoria das RI, mas, como defendemos, pode contribuir para esta área, indo além, inclusive, das formulações marxistas “clássicas”.
Essencialmente (e tentando aqui restringir às contribuições que o marxismo, em geral, não oferece da mesma forma que a TMD) apontamos aqui que as possíveis contribuições da TMD para as RI são: 1) o entendimento da dependência; 2) sua noção de historicidade; 3) sua concretude e práxis:
1) O entendimento sobre a dependência, nestes termos, impõe uma estruturação do sistema internacional que difere das teorias mainstream de RI. O “sistema” se apresenta articulado entre centro e periferia, como duas totalidades subsumidas à totalidade do capitalismo global. A totalidade da periferia mantém uma relação de dependência com a do centro, onde o desenvolvimento deste último se dá às custas do subdesenvolvimento do primeiro. Neste sentido, o desenvolvimento do capitalismo dependente só irá intensificar a relação de dependência, e assim, intensificando suas contradições internas. Ademais, nessa relação, se cristalizam especificidades no capitalismo dos países dependentes, como a manifestação estrutural da superexploração do trabalho.
2) Relacionado a isso, oferece uma historicidade para o sistema internacional que difere da eurocêntrica e imperialista, trazendo um ponto de vista da periferia (e aqui se difere do marxismo em geral), a qual desvela desde o colonialismo até as ainda existentes explorações que impactam as sociedades de países dependentes. Neste sentido, ressaltam-se as categorias de transferência de valor como intercâmbio desigual e da superexploração da força de trabalho. Esta primeira se apresenta de forma estrutural nas economias dependentes, pelo diferencial de produtividade existente em relação ao centro – questão construída historicamente – onde assim, há uma elusão da lei do valor; os países dependentes cedem parte do valor produzido gratuitamente. Desse modo, se insere a superexploração da força de trabalho, como um meio compensar tal transferência de valor, sendo ela uma remuneração da força de trabalho em valores abaixo dos necessários para sua reposição.
3) Partindo para o terceiro ponto, vê-se como a categoria da superexploração da força de trabalho, que já se articula com a transferência de valor, que por sua vez se articula com a história do desenvolvimento dos países dependentes, traz um nexo concreto entre exploração de classe e história, ultrapassando de cima a baixo os tradicionais “níveis de análise” das RI de forma totalizante. Ademais, a TMD abriga um sentido político, de práxis periférica, que não tem paralelo quando comparado a outras contribuições da RI – indo além das abordagens decoloniais.
A Terceira Offset Strategy e o uso da Inteligência Artificial
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Victor Domingues Ventura Pires (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
A Terceira Offset Strategy (TOS) é uma inovação do governo dos Estados Unidos para enfrentar, de forma assimétrica, os desafios presentes no campo do desenvolvimento tecnológico dentro da arena internacional. A inteligência artificial (IA) é uma peça angular nessa estratégia, pois ela seria a base para o desenvolvimento de toda uma nova variedade de meios de fazer a guerra.
Observando este contexto, o presente trabalho pretende realizar uma pesquisa primariamente exploratória, e analítica dentro das disposições possíveis, a fim de apresentar como a questão da IA é trabalhada por diferentes autores como parte da TOS, e quais são os desafios para essa implementação. Para tanto, partimos para uma metodologia qualitativa, observando documentos e artigos de autores especializados sobre o tema. De forma a organizar estes conceitos, dividimos esta pesquisa em duas sessões: Na primeira realizaremos uma breve contextualização sobre a TOS e sua importância para os EUA; e no segundo momento, realizaremos uma apresentação geral do tema da IA dentro dos Estados Unidos, sua relação com a TOS e quais as problemáticas envolvidas em seu uso.
A TOS foi apresentada na Iniciativa de Inovação em Defesa de 2014. Em seu meio formal, a TOS era um esforço da comunidade de defesa estadunidense de procurar por formas inovadoras de manter, e avançar, a superioridade militar dos Estados Unidos, investindo no desenvolvimento de tecnologias, além da reorganização do gerenciamento de defesa dos EUA, procurando ofertar uma maior agilidade institucional.
Oficialmente, a Terceira Offset Strategy não teria um alvo, mas os desenvolvimentos tecnológicos da Rússia e da China foram os motivadores centrais para a construção de tal política. E, como afirma Duarte (2019), a principal fonte de incerteza quando a manutenção da superioridade militar estadunidense, reside na aquisição de capacidades de negação de acesso e de área (A2/AD) por parte da China – e em menor grau, pela Rússia -, que limitariam o espaço de atuação dos EUA no Ásia-Pacífico. Nesse sentido, a superação de tal limitação pode ser encontrada no uso de AIs.
A IA é dividida em dois ramos: IA restrita, que agiria somente naquelas tarefas que ela foi treinada; e a IA generalista, que serviria para desempenhar qualquer tipo de atividade. Tal tecnologia já estaria, tanto nos EUA quanto em outros países, sendo aplicada nos mais diversos níveis da ação militar, indo da ideia mais próxima de usos com a inteligência, até o uso em veículos autônomos e semiautônomos.
Dentro da TOS, a autonomia foi entendida como o pilar principal para a superação de assimetrias (Gentile et al., 2021), e o desenvolvimento de capacidades de IA é uma de suas aéreas centrais, focando no gerenciamento de big data e sua transformação em algo manejável para os operadores (Ochmanek et al., 2017).
No entanto, a implementação da IA na TOS enfrenta uma série de desafios e obstáculos. Um dos principais é a resistência interna, tanto dentro das próprias instituições militares quanto da sociedade em geral, em relação ao uso da IA em contextos militares. Preocupações éticas, como a falta de controle humano sobre decisões letais tomadas por sistemas autônomos, levantam questões sobre a responsabilidade e a legitimidade do uso da IA no campo de batalha.
Além disso, questões práticas, como a interoperabilidade entre sistemas de IA de diferentes fornecedores e a segurança cibernética, representam desafios significativos para a implementação eficaz da IA na TOS. A dependência excessiva de tecnologias de IA também pode criar vulnerabilidades estratégicas, caso esses sistemas sejam comprometidos por ataques cibernéticos ou falhas técnicas.
Outro obstáculo importante é a necessidade de investimentos substanciais em pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura para desenvolver e sustentar as capacidades de IA necessárias para a TOS. Isso requer um compromisso de longo prazo por parte do governo e do setor privado, bem como uma abordagem colaborativa para aproveitar o talento e os recursos disponíveis em toda a sociedade.
Assim, de forma parcial, identificamos que a aplicação da inteligência artificial, seja ainda no campo das discussões sobre sua aplicação, seja já em seu uso em campo, não necessariamente podem trazer os resultados esperados. Tal sinaliza para a necessidade de um melhor entendimento das implicações e dos passos necessários para que se viabilize de forma prática o uso desse tipo de tecnologia.
A tradição brasileira de diplomacia cultural: o uso das relações culturais como rota alternativa de engajamento internacional ao longo da história da política externa brasileira
Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa
Autor(es): Marcello de Souza Freitas (Aberystwyth University)
Resumo:
Objeto: O artigo analisa como o Brasil, desde meados do século XIX, buscou utilizar as relações culturais como meio alternativo e mais viável de engajamento internacional; levando a formação de uma verdadeira tradição brasileira de diplomacia cultural. É demonstrado que, diante da falta de recursos materiais de poder do Brasil, vários governos brasileiros recorreram à promoção cultural externa como plataforma para a projeção internacional do país; visando ampliar o seu reconhecimento internacional, status perante as grandes potências, inserção internacional e mercados para produtos nacionais. É discutido que essa opção brasileira pela via cultural teria sido motivada pela percepção de que as relações culturais representavam uma via menos contestada e mais viável de ação internacional para o Brasil. Por um lado, verificou-se que essa percepção era impulsionada pelo nacionalismo cultural das elites brasileiras, reforçado ao longo do século XX, que sustentava a crença de que a produção cultural brasileira tinha qualidade, sofisticação e originalidade e que, portanto, teria aceitação e admiração de públicos internacionais; principalmente na Europa e E.U.A. Por outro, pelo desenvolvimento no Brasil de uma pujante indústria cultural nacional, com capacidade de produção e disseminação cultural internacional. Argumenta-se que esses fatores deram condições ao Estado brasileiro de desenvolver – apesar de dificuldades orçamentais e políticas – uma considerável capacidade de implementar iniciativas de difusão cultural externa; o que levou a formação de uma eficiente estrutura de difusão cultural no Itamaraty e um modelo de diplomacia cultural com características próprias, como: pragmatismo, senso de oportunidade, ousadia e criatividade. Além do fato de ser voltada para o reconhecimento internacional e desenvolvimento do Brasil – e não como um meio de projeção de poder e influência, como no caso das grandes potências. Portanto, o artigo analisa o processo de evolução dessa tradição brasileira de diplomacia cultural desde o século XIX, demonstrando como ela se estruturou dentro do Itamaraty ao longo do século XX, desenvolvendo suas principais características e mecanismos de funcionamento; se consolidando, no século XXI, como um importante pilar da política externa brasileira. O trabalho também discute como a evolução dessa tradição brasileira de diplomacia cultural se refletiu no grande protagonismo alcançado pela cultura como uma importante frente de ação da política externa dos governos Lula e consequente papel da promoção cultural como vetor da projeção internacional do Brasil entre 2003 e 2010. Nesse sentido, o artigo analisa como o governo Lula buscou não apenas dar continuidade a esta tradição, mas ampliar a capacidade de difusão cultural externa do Itamaraty e o escopo de atuação da diplomacia cultural brasileira; reforçando o papel das relações culturais como uma poderosa via de ação internacional para o Brasil. Portanto, busca-se contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a diplomacia cultural brasileira – passo fundamental para a descentralização do campo das RI –; apresentando uma reflexão, feita a partir da perspectiva brasileira, sobre a possibilidade das relações culturais se converterem numa via alternativa de ação internacional para países periféricos.
Perguntas: O que caracteriza o modelo brasileiro de diplomacia cultural? Qual o seu papel estratégico na PEB?
Objetivos: analisar o desenvolvimento e as características da diplomacia cultural brasileira; entender o seu papel estratégico na PEB; entender seu papel como vetor da projeção internacional do Brasil.
Metodologia: Esta é uma pesquisa qualitativa e multidisciplinar que combina análise histórica e de política externa. Ela é guiada por uma visão crítica acerca das relações de poder que permeiam as relações culturais internacionais, baseada na obra de Marcel Merle; e reflexões do diplomata Edgar Telles Ribeiro sobre o papel da cultura na PEB. Foram analisados tanto fontes secundárias, que englobaram as produções intelectuais de acadêmicos e diplomatas brasileiros sobre a diplomacia cultural brasileira; como primárias, que englobaram documentos oficiais do governo brasileiro, como relatórios e telegramas diplomáticos, referentes a aplicação dessa política. A ideia foi dar destaque à perspectiva brasileira de diplomacia cultural através dessas produções intelectuais e relatos de diplomatas sobre os desdobramentos dessa política cultural. Não busquei estabelecer relações diretas de causa e efeito entre esta política e possíveis resultados, mas analisar a percepção de diplomatas brasileiros acerca da eficácia dessa política, expressadas nos documentos analisados. Finalmente, visando fornecer um exemplo prático dessa ação cultural, também apresentei um estudo de caso sobre as iniciativas culturais brasileiras para o Reino Unido entre 2003 e 2010.
Resultados: A análise das fontes evidenciou a importância estratégica da diplomacia cultural para a PEB, no que tange a promoção de uma melhor imagem internacional do Brasil; ampliação do conhecimento sobre a realidade brasileira e reforço do prestígio e soft power brasileiros. Os diversos documentos oficiais analisados confirmam essa constatação, por apresentarem, por exemplo, a percepção de diplomatas sobre o impacto positivo para a PEB das iniciativas culturais brasileiras para o Reino Unido (tema de minha tese de doutorado). Portanto, a pesquisa demonstrou a existência de uma verdadeira tradição brasileira de diplomacia cultural, impulsionada pela opção de vários governos de usar as relações culturais internacionais como via alternativa de ação internacional e progressiva consolidação da diplomacia cultural como vetor estratégico do Itamaraty. Essa tradição, combinada com a visão estratégica do governo Lula sobre o papel central da cultura na era da informação, transformou a promoção cultural externa num grande vetor da projeção internacional alcançado pelo Brasil entre 2003 e 2010.
A TRANSIÇÃO DE PODER E O PAPEL DA SEMIPERIFERIA: UMA ANÁLISE DA PROJEÇÃO DA CHINA E DOS ESTADOS UNIDOS SOBRE O BRASIL (2008 E 2022)
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Amanda Ribeiro Lopes (UFSM), Gabriela Tamiris Rosa Corrêa (UFRJ)
Resumo:
Segundo Arrighi (1996), nos anos 1970, a hegemonia estadunidense entrou na sua fase de crise sinalizadora, à medida que seu ciclo sistêmico de acumulação (CSA) começou a se basear cada vez mais na expansão financeira. Isto é, o período de declínio do “longo século” americano passou a ser caracterizado pelo deslocamento crescente do capital advindo do comércio e da produção para a intermediação e especulação financeiras, o que expôs profundas contradições estruturais. Destarte, a crise de 2008 emerge como um marco emblemático nessa dinâmica, simbolizando a crise terminal do ciclo hegemônico estadunidense. Ao mesmo tempo, testemunha-se a ascensão chinesa em sua fase de expansão material, fundamentada na geração de capital por meio da produção e do comércio. Para Arrighi e Silver (2012), essas transformações têm sinalizado a possibilidade de surgimento de um CSA dicotômico, combinando a liderança política e militar dos EUA com a liderança econômica e produtiva da China (RPC). Tal dinâmica amplia o núcleo orgânico do capitalismo e as possibilidades dentro dos órgãos decisórios da economia global (PEREIRA; SARDO, 2022).
Wallerstein (2004) ressalta que os momentos de transição no núcleo do poder global abrem oportunidades crescentes para a periferia e a semiperiferia do sistema-mundo moderno. Para os países semiperiféricos, que atuam como amortecedores absorvendo e mitigando as pressões da periferia em direção ao centro, as tensões sistêmicas representam chances de tomar decisões que impulsionem seu progresso material e reforcem sua posição global. Como destacado por Ouriques e Vieira (2017), graças aos esforços de industrialização realizados entre 1930 e 1970, o Brasil ascendeu do estrato periférico para a semiperiferia da economia mundial, alternando entre atividades centrais e periféricas conforme as relações estabelecidas. Portanto, no contexto da disputa econômica e tecnológica sino-americana atual, é fundamental para o Brasil posicionar-se estrategicamente nas suas relações com as duas potências, buscando obter benefícios que impulsionem seu desenvolvimento e fortaleçam sua posição sistêmica.
Com este estudo, buscamos responder ao seguinte questionamento: houve alguma mudança no equilíbrio da projeção de poder dos Estados Unidos e da China no Brasil entre os anos de 2008 e 2022? Se sim, em que medida? Isto posto, nosso objetivo geral é analisar a influência econômica, militar e política da RPC e dos EUA no Brasil durante esses dois períodos, com o intuito de compreender suas projeções de poder dentro do contexto da expansão chinesa pós-2008. O poder é aqui entendido como uma combinação de coerção e consenso, como propõe Nye (2015), sendo composto por elementos hard (imposição) e soft (atração e persuasão). Este trabalho é de natureza comparativa, explicativa e qualitativa, no qual empregamos indicadores proxies para avaliar as diferentes esferas de projeção de poder norte-americana e chinesa no Brasil. Para a projeção econômica, utilizamos, por exemplo, dados sobre relações comerciais, investimentos e assistência financeira para o desenvolvimento. No que se refere à projeção militar, analisamos dados sobre cooperação e capacitação militar, bem como a realização de missões militares. Por fim, para avaliar a projeção política, examinamos dados como o número de embaixadas e consulados, doações de vacinas e visitas de alto nível bilaterais, entre outros indicadores relevantes.
Este trabalho se justifica pela importância do atual momento de ascensão (sobretudo econômica) da China em relação aos EUA, o que amplia as oportunidades de atuação internacional para países semiperiféricos como o Brasil. Para os teóricos da EPSM, esses momentos transitórios são propícios para que esses países possam barganhar em prol dos seus próprios interesses. Em geral, como resultados parciais, observamos que, embora a RPC esteja expandindo sua influência sobre o Brasil, essa projeção se concentra principalmente na esfera econômica, em consonância com sua fase atual de expansão material. Isso se reflete, por exemplo, na China se tornando a principal parceira comercial do país sul-americano desde 2008 e no aumento dos investimentos chineses na economia brasileira desde 2010. Por outro lado, os EUA mantêm sua predominância em outras esferas, como cultural, política e militar. Isso é evidente, considerando a longa história de parceria entre as duas nações desde o século XIX. Assim, mesmo diante do declínio relativo do poderio norte-americano no contexto global, conforme sugerido pela EPSM, os Estados Unidos ainda exercem uma influência significativa e mantêm uma projeção de poder considerável sobre o Brasil.
Acompanhando o desenvolvimento teórico de Laclau: a dissolução de dois resquícios essencialistas e a virada populista na teoria política de Ernesto Laclau
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Gabriel Garcia (UNICAMP)
Resumo:
Este trabalho acompanha o desenvolvimento teórico na teoria política de Ernesto Laclau. O fio condutor que guiará nossa análise dos escritos situados entre a publicação de “Hegemony and Socialist Strategy” e “On Populist Reason” é o processo de correção pelo autor daquilo que identificaremos como dois resquícios essencialistas presentes no primeiro livro. Esses resquícios, concentrados nas considerações do autor sobre as sociedades industriais avançadas e a revolução democrática, são desfeitos na virada para o populismo. A principal consequencia é que Laclau abandona a crença de que as sociedades industriais avançadas são o lócus privilegiado para a construção do projeto de democracia radical Com isso, propomos uma interpretação das mudanças teóricas feitas em “On Populist Reason” não como desvios no pensamento do autor e o abandono da democracia radical, mas sim como um aprimoramento e aprofundamento da coerência argumentativa dentro de um projeto intelectual. Um desenvolvimento teórico causado pela dissolução de um etnocentrismo e epistemocentrismo presentes anteriormente na sua propria obra.
ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL E A LEGITIMIDADE DA VIOLÊNCIA
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Vítor de Souza Costa (PUC-Rio)
Resumo:
A acumulação primitiva de capital tem uma importância central no trabalho que me proponho a construir aqui. Através da tradição da economia política, este conceito ganhou muitas interpretações – e é sobre isso que me debruçarei neste capítulo. Invés de uma leitura linear das teorizações sobre acumulação primitiva, será feita a observação de elementos que fazem parte dos contornos do conceito. Isto permitirá ver como se enunciam as convergências e divergências nas leituras deste elemento essencial à análise teórica e efetiva da economia política internacional.
O capítulo se divide em duas seções principais. A primeira será dedicada às leituras históricas ou clássicas das teorizações da acumulação primitiva. A partir da leitura de Karl Marx e Rosa Luxemburgo discutiremos as condições de existência desta forma de acumulação para cada um: a divisão social entre classes (MARX, 2013, pág. 786) e a expansão sobre espaços não capitalistas (LUXEMBURGO, 2021, pág. 488-9). Para finalizar esta seção, será feita uma exposição de como Marx e Luxemburgo definem as condições de violência inerentes à acumulação primitiva de capital.
Na segunda seção chega-se às leituras contemporâneas do conceito, a partir de três leituras distintas: a primeira delas de David Harvey (2014), a segunda de Virgínia Fontes (2010) e a terceira de Guilherme Gonçalves e Sérgio Costa (2020). Já ganhando inclusive novas nominações, o objetivo desta parte é de suscitar debates importantes para os leitores do conceito. São três esses momentos. Inicialmente, executo uma discussão sobre o adjetivo primitivo que acompanha a acumulação, buscando entender qual a síntese possível sobre essa demarcação e diferenciando-a da chamada acumulação ampliada do capital. Em seguida, executo uma discussão sobre as fronteiras da autoridade do capital, repetindo pergunta feita por Fontes (2010, pág. 62) sobre a existência ou não de um “lado de fora” do capital. Finalizo a segunda seção buscando apontar as diferenças entre as delimitações conceituais propostas pelos intérpretes estudados na tentativa de perceber o que diferencia a expropriação (FONTES, 2010, pág. 44), da espoliação (HARVEY, ANO, pág. 115) da acumulação entrelaçada (GONÇALVES; COSTA, 2020, pág. 32).
Afinidades Imperialistas: o enleio estadunidense-israelita frente a crise humanitária palestina
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Artur Boya (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio))
Resumo:
Apesar dos significativos avanços do Direito Internacional Público e do alargamento do escopo dos estudos de Segurança Internacional, casos alarmantes de transgressão e violação de direitos humanitários ainda permanecem no ambiente internacional sem indícios de resolução concreta. Como reflexo, nota-se a crise humanitária palestina, que expõe um contexto de desrespeitos aos direitos humanos dos palestinos mediante a ocupação israelense após a formação do Estado de Israel, em 1948. Diante desse cenário complexo e ainda conflitante, vale-se analisar os motivos pelos quais a crise em questão se intensificou e suas potenciais condições de perpetuação. Com essa finalidade, é válido perceber o papel central do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas no processo de resolução de conflitos e no combate às crises humanitárias. Entretanto, devido a estrutura do órgão referido, percebe-se a viabilidade de priorização de interesses individuais tendo em vista o direito de veto por parte de seus 5 membros permanentes, o que pode impedir possíveis intervenções humanitárias e, consequentemente, amenizações de cenários de crise. Assim, o presente artigo busca compreender como o alinhamento entre os Estados Unidos e Israel incide sobre a crise humanitária palestina. Nesse sentido, é necessário a compreensão da formação da aliança estadunidense-israelita e da conjuntura da crise palestina, para, então, analisar a incidência da primeira sobre a última. O alinhamento será estudado a partir de uma revisão de literatura narrativa, em que será considerado não apenas os interesses norte-americanos na região, mas, também, as afinidades ideológicas entre os países aliados. Para além disso, a abordagem teórica da Escola Inglesa será utilizada como lente de análise, pontuando a reprodução da instituição primária, da sociedade internacional, de administração das grandes potências na crise palestina. No âmbito do Conselho de Segurança, será feito um mapeamento das resoluções, referentes ao contexto da Palestina e que foram vetadas pelos Estados Unidos, desde a criação do Estado de Israel até o presente. Por fim, será conduzida uma análise documental das resoluções explorando a incidência desses vetos no contexto da crise, de forma a entender a posição favorável dos Estados Unidos a Israel e o agravamento da situação humanitária palestina pela ausência de medidas do Conselho de Segurança.
AgriSustainability Matters? Movimentações do setor do agronegócio na política externa brasileira entre os anos de 2019 e 2022
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Isabele da Silva Souza (Universidade Federal da Grande Dourados)
Resumo:
Por muito tempo, a política externa brasileira foi considerada insulada de outras políticas públicas. Entretanto, a partir do processo de redemocratização e do contexto internacional, a porosidade do Ministério das Relações Exteriores (MRE) aumentou, fazendo com que novos grupos buscassem a representação de seus interesses na política exterior (Faria, 2008). Um desses grupos é o setor do agronegócio, que passou por mudanças importantes no início da década de 2000 e demonstrou ser um forte influenciador nas políticas doméstica e externa.
Entre os anos de 2019 e 2022, com o governo de Jair Bolsonaro, o setor alcançou seu ápice dentro do MRE com a criação do Departamento de Promoção do Agronegócio, extinto no início de 2023. O departamento possuía três principais objetivos: aprimorar a política comercial, a promoção comercial e melhorar a imagem do setor internacionalmente. Nesse sentido, um dos braços desse setor foi a organização de seminários e, posteriormente, boletins informativos denominados, respectivamente, “AgriSustainability Talk” e “AgriSustainability Matters”. Mesmo com a extinção, os seminários ainda ocorrem anualmente sendo elaborados, em média, um boletim por trimestre, que são enviados ao governo britânico e seus empresários.
A preocupação com a imagem do agronegócio internacionalmente, foco deste trabalho, está atrelada às várias críticas internacionais que o Brasil recebeu devido às queimadas na Amazônia e Pantanal, fruto do sucateamento das políticas públicas fornecidas pelo então governo. Foram várias as tentativas de refutar as manifestações de críticas em relação à degradação ambiental, desde discursos na abertura da Assembleia Geral da ONU até nos discursos na Cúpula do G20 .
O objetivo desse artigo é de compreender como o grupo de interesse do agronegócio influenciou nos discursos da embaixada para demonstrar um agronegócio brasileiro sustentável. Através de um estudo de caso com análises bibliográfica e documental, a pergunta de pesquisa é: Qual o conteúdo dos boletins Agrisustainability matters e o que eles tentam informar ao empresariado e ao governo do Reino Unido? O artigo possui três tópicos, com seus respectivos objetivos específicos. O primeiro é “O agronegócio como grupo de interesse”, em que objetiva demonstrar as mudanças organizadas no setor e a sua influência na arena doméstica. Posteriormente, o tópico “Influência do agronegócio na política externa”, traz a atuação do setor na própria política externa, como nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), nas negociações da Rodada de Doha e no Acordo Mercosul e União Europeia. Por fim, o terceiro tópico é a esquematização dos boletins informativos, sendo eles utilizados como fontes de pesquisa.
Para alcançar os objetivos citados, as referências utilizadas para compreender a política externa são Milner (1997), Figueira (2009) e Faria (2008). Em relação ao desenvolvimento do setor do agronegócio, Pompeia (2019, 2020) e Bruno (2002), são essenciais para essa compreensão. Sobre a atuação do setor na própria política externa, Santana (2001) e Diverio (2011) serão utilizados. Por fim, os boletins informativos são encontrados no site da Embaixada Brasileira em Londres e os seminários no canal do Youtube da embaixada . Ao total, são 11 boletins analisados em conjunto com os seminários.
Até o momento, pode-se concluir que o setor utilizou do MRE para barrar as críticas internacionais e não sofrer sanções econômicas por parte dos países europeus. Essa relação, entretanto, mutualística, visto que o MRE também usou o setor como propaganda sustentável como tentativa de barrar as críticas internacionais para o Estado. O resultado esperado é a compreensão da temática dos boletins passados para o Reino Unido.
ALÉM DAS FRONTEIRAS: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE OS INVESTIMENTOS DIRETOS NORTE-AMERICANOS E CHINESES NO BRASIL (2010-2021)
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Gabriela Tamiris Rosa Corrêa (UFRJ)
Resumo:
O Brasil apresenta uma economia marcada pela abrangente internacionalização de sua estrutura produtiva, caracterizada pela presença notável de filiais de empresas transnacionais (ETNs) provenientes de diversas nações e atuantes em variados setores. O papel desempenhado por essas ETNs é um fenômeno constante na economia brasileira desde a década de 1950. A partir de 2010, observou-se uma alteração na origem dos IEDs no Brasil, uma vez que países como Espanha e Portugal se juntaram aos investidores tradicionais, como os EUA, o Japão e outros países desenvolvidos (HIRATUKA, 2019). Mais recentemente, a mudança do regime de acumulação da China para a inovação endógena tem sido acompanhada por um aumento nos fluxos de investimentos chineses para os países em desenvolvimento, incluindo o Brasil.
Tendo em vista que os EUA e a China são líderes econômicos globais, e que o Brasil é um dos dez principais destinos de IEDs do mundo, o objetivo geral deste estudo é analisar comparativamente os investimentos provenientes dos EUA e da China no Brasil no período de 2010 a 2021. Especificamente, esta análise visa avaliar os volumes e as estratégias de investimentos realizados por essas nações no território brasileiro. Essas estratégias incluem (1) as modalidades de investimentos, podendo ser greenfield ou fusões e aquisições, (2) os setores-alvo, e (3) as regiões e os estados prioritários. A abordagem metodológica empregada baseia-se em pesquisa qualitativa, comparativa e exploratória, respaldada pela análise de literatura especializada sobre os investimentos norte-americanos e chineses no Brasil, além de dados provenientes de fontes como o Banco Central do Brasil, a UNCTAD, a APEX-BRASIL, e os relatórios elaborados pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Para analisar os investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil, o Banco Central do Brasil (BACEN) adota o conceito de Investimento Direto no País (IDP). Esse IDP é composto por duas partes principais: (1) participação no capital e (2) operações intercompanhia. A participação no capital abrange aquisições, subscrições ou aumentos de capital social de empresas residentes por investidores estrangeiros, incluindo fusões, aquisições, construção de novas instalações e reinvestimento de lucros obtidos em investimentos estrangeiros anteriores. Já as operações intercompanhia referem-se aos empréstimos concedidos por empresas não residentes a empresas residentes que fazem parte do mesmo grupo econômico. Os dados do BACEN são coletados por meio do Censo de Capitais Estrangeiros no País (Censo), uma declaração obrigatória para empresas e fundos de investimento que possuem investidores não residentes em seu capital social. O IDP é apresentado em sua forma líquida, ou seja, como o saldo entre as entradas e saídas de recursos estrangeiros no país (BACEN, 2022; 2023).
Os dados sobre a posição de investimento direto no país (IDP), especificamente a participação no capital social, evidenciam um fluxo mais significativo de IED dos EUA para o Brasil em comparação com a China entre 2010 e 2021. A participação dos EUA na IDP brasileira variou de 18,68% em 2010 para 28,94% em 2021, enquanto a participação da China cresceu de 1,34% para 4,53% no mesmo período. Em 2021, a China ficou em quinto lugar entre os países com maior estoque de IDP no Brasil, atrás apenas dos EUA, Espanha, França e Reino Unido. Em relação aos setores de investimento, em 2010, o estoque de IED chinês no Brasil estava concentrado em eletricidade e gás (30,93%) e construção (14,27%), enquanto o IED dos EUA estava mais presente na indústria de transformação (35,65%). Em 2021, os investimentos chineses se concentraram na indústria extrativa (42,20%), principalmente de petróleo, e no setor de eletricidade e gás (41,39%), enquanto os investimentos norte-americanos se direcionaram para atividades financeiras, seguros e serviços relacionados (34,40%), além da indústria de transformação (25,51%).
Vale ressaltar que o número de projetos greenfield anunciados pelos EUA no Brasil entre 2007 e 2017 foi consideravelmente maior em comparação com a China. Entre 2003 e 2015, mais de 80% dos projetos dos EUA no Brasil foram para investimentos greenfield, enquanto a proporção para a China foi de 48% entre 2007 e 2020. No entanto, em termos de valores investidos, a predominância do IED chinês no Brasil nesse período recai em 70% de fusões e aquisições. Uma observação importante é que os Estados Unidos lideram esse tipo de investimento no país. Quanto às regiões e estados-alvo dos investimentos, tanto China quanto EUA mostram uma convergência na região sudeste do Brasil, concentrando-se principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro.
Amazônia heterotópica: uma busca conceitual para compreender a Amazônia no internacional moderno
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Giacomo Otavio Tixiliski (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal da Bahia (PPGRI-UFBA))
Resumo:
Neide Gondim (1994) afirma que a Amazônia foi inventada. A invenção de que ela fala não é puramente topográfica, mas interpretativa. Desde o século XVI, os aventureiros, muitas vezes recompensados financeiramente pelas Coroas europeias, visitaram a região amazônica em busca do paraíso perdido que não havia sido encontrado na Ásia. A exuberância da fauna e da flora, o clima úmido e as comunidades políticas totalmente alheias aos conceitos europeus foram mistificadas por descrições hiperbólicas, paradoxais e, sobretudo, racistas. A sedimentação dessas representações ocorreu por meio dos textos dos naturalistas e das ficções oriundas deles e, principalmente, por conta dos projetos de colonização que atravessaram séculos (Gondim, 1994; Souza, 2019). A independência do Brasil não modificou a ambição de submissão da Amazônia. No século XX, o impulso modernizante guiado pelo Estado Brasileiro tinha como objetivo máximo a dominação da natureza para a introdução da cultura na floresta, o paraíso se tornou inferno. Já no início do século XXI, a Amazônia se vê como centro das paradoxais discussões do futuro e/ou do fim do mundo, será que agora o inferno é purgatório? O certo é de que a Amazônia tem uma conexão intrínseca com a expansão do internacional moderno, mesmo que as interpretações teóricas das Relações Internacionais tenham ignorado a região durante anos (Picq, 2016). Nesse sentido, a Amazônia é o exemplo de que as universalidades conceituais não dão conta das especificidades das conexões globais (Tsing, 2004). Se os conceitos universalizantes são limitados em suas explicações, qual dispositivo teórico devemos utilizar? Obviamente que essa pergunta é subjetiva e depende da criatividade de cada pesquisadora. Aqui, optamos testar um conceito: heterotopia. Forjado em 1967 por Michel Foucault, o conceito de heterotopia tem em vista descrever contra-espaços físicos e mentais que estão presentes na constituição das sociedades, onde há um contínuo contraste, contestação e reimaginação das normas, identidades e valores sociais (Foucault, 2013). O conceito de heterotopia não foi extensamente utilizado por Foucault, deixando uma lacuna interpretativa para as posteriores análises. Talvez, essa fluidez e incoerência conceitual seja as melhores características para interpretar os fluxos de poder, a organização espacial e as resistências encontradas nesses lugares outros (Palladino, Miller, 2015). De certo modo, compreender os espaços marginais do internacional moderno exige um trabalho de recomeço, seja de análise conceitual ou empírica. Nesse caminho de indagações que nos jogam em um vórtice interpretativo, a pergunta que guia nossa pesquisa é: quais são as possibilidades e os limites do uso do conceito de heterotopia para compreender a Amazônia no internacional moderno? Para responder essa pergunta, utilizaremos como estratégia de pesquisa uma revisão bibliográfica articulada em três objetivos específicos: discutir o conceito de heterotopia de Foucault (2013) e suas posteriores utilizações (Der Derian, 2009; Hetheringthon, 1997; Palladino, Miller, 2015); analisar algumas das representações utópicas/universalizantes sobre a região amazônica; e encontrar as possibilidades e os limites da utilização conceitual de heterotopia por meio da caracterização das fricções entre o local e o internacional (Tsing, 2004) na Amazônia. Esses três objetivos têm um caminho teórico-empírico fluído, ou seja, utilizam-se de conceitos para a investigação da realidade e da realidade como base para a sistematização de conceitos. Com isso, o principal resultado esperado é a efetiva aplicação conceitual de heterotopia, principalmente no que diz respeito a importância da região para a produção de significados na sociedade, observando os limites analíticos, como a presença de uma multiplicidade de dinâmicas sociais e objetivos políticos na mesma região, e suas possíveis alternativas. Além disso, é esperado um aprofundamento das discussões teóricas sobre a Amazônia nas Relações Internacionais e, consequentemente, a problematização dos conceitos universais da área.
Análise empírica da cooperação bilateral brasileira com a América do Sul em matéria energética
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Mayara de Carvalho Puhle (Universidade Federal de Santa Maria)
Resumo:
A energia é entendida como a “capacidade de produzir alguma alteração na realidade” (FUSER, 2013, p.3) e tem vital importância para o desenvolvimento socioeconômico. Contudo, a literatura especializada argumenta que tal temática apenas passou a ter repercussão na esfera internacional a partir da crise econômica proveniente da queda na produção e oferta do petróleo em 1973 (YERGIN, 1993), quando ficou evidenciando o descaso nacional e internacional com o objeto deste estudo. A partir disso, foram realizadas conferências internacionais, as quais buscaram contribuir para o desenvolvimento da cooperação energética (CE), a fim de diminuir a dependência dos Estados e contribuir para uma melhor interação humana com o meio ambiente (LEITE; ALVES; PICCHI, 2020), iniciando a compreensão da indispensabilidade do acesso à energia para a existência de uma vida digna. Desde então, a literatura entende a disponibilidade energética como um direito fundamental dos indivíduos (COSTA, 2009; DA ROSA, 2016; LEAL; ALVA, 2021; SOARES, 2021).
Para suprir esta demanda, os Estados desenvolvem políticas públicas em matéria energética (ARAVENA, 2008; MAZOCCO; BEM; LIMA, 2019), que são “programas de ação governamental voltados à concretização de direitos” (BUCCI, 2001, p.13), os quais, muitas vezes, utilizam da cooperação internacional para atingir esse fim, razão pela qual a literatura ressalta os benefícios advindos da CE (ITAMARATY, 2010 apud DA SILVA; ANDRIOTTI, 2012, p.77). Nesse sentido, esta pesquisa mapeia a CE bilateral do Brasil com os países independentes da América do Sul para entender (1) o perfil desta cooperação e (2) a forma como ela tem sido implementada. Para tal, esta pesquisa realizou uma revisão da literatura especializada e um levantamento documental dos acordos internacionais que formalizam a cooperação firmada entre os países mencionados, tendo como base de dados a plataforma Concórdia do Ministério de Relações Exteriores.
Na execução da pesquisa empírica, não houve delimitação de marcos de vigência, temporais ou de tipos de acordo. Para especificar os acordos em matéria energética, indicou-se que no título e/ou no texto do ato houvessem palavras que remetessem às quatro secretarias do Ministério de Minas e Energia: Secretaria nacional de energia elétrica; Petróleo, gás natural e biocombustíveis; Geologia, mineração e transformação mineral; e Secretaria nacional de transição energética e planejamento. Assim, a busca resultou em 368 atos internacionais, dos quais 322 estavam em vigor em dezembro de 2023, quando foi realizada a pesquisa.
Na análise documental, foi verificado que muitos acordos apenas tratam da matéria energética de forma acessória, onde a energia é “apenas um acessório em meio a discussão apresentada no documento” (FEITOSA, 2021, p.19), razão pela qual estes atos foram excluídos da aldeia de análise de conteúdo, pois não contribuiriam para responder aos objetivos da pesquisa. Com isso, excluiu-se 156 acordos, resultando em 212 atos internacionais que foram classificados e avaliados em regimes temáticos, observando um total de nove regimes consistentes, ou seja, aqueles que possuem 10 ou mais acordos em uma mesma categoria.
Dentre os regimes mais relevantes está o de fortalecimento institucional (22 atos), onde busca-se fortalecer uma capacidade estatal específica e/ou apresentar uma instituição a ser auxiliada (POZZATTI; FARIAS, 2019), sugerindo uma cooperação para construção de capacitações, a cooperação estruturante. Para Almeida et al. (2010, p.28), a cooperação estruturante excede a tradicionalmente conhecida cooperação internacional ao se concentrar no fortalecimento institucional dos sistemas “dos países parceiros, combinando intervenções concretas com a construção de capacidades locais e a geração de conhecimento”. Ademais, esta descoberta também é corroborada através da verificação de que este modo de atuação em matéria energética é disseminado de forma consistente entre todos os países analisados, onde apenas o regime em questão possui esse resultado. Dessa forma, tal incidência e distribuição sistemática do regime de fortalecimento institucional pode estar relacionado à busca, por parte do Brasil, de contribuir para o desenvolvimento da matriz energética dos demais Estados desse subcontinente.
Finalmente, também foi realizada uma análise de conteúdo categorial quantitativa dos acordos, a qual baseou-se em sete indicadores voltados à horizontalidade – posição na relação, encargos financeiros, consenso na publicação, mecanismos de consulta e sustentabilidade – e à legitimidade democrática – formas de avaliação e triangulação -, sendo eles provenientes da literatura especializada em cooperação estruturante na saúde (TORRONTEGUY, 2010), por conta da ausência de trabalhos com esse perfil em matéria energética. A partir disso, foi identificada a presença de certa horizontalidade formal na CE do Brasil com países da América do Sul ao apresentar a busca pela sustentabilidade nos documentos, a divisão de funções de semelhante magnitude, a separação dos encargos financeiros, a presença de mecanismos de consulta e a possibilidade de triangulação de atuação.
Com isso, os resultados das análises documental e de conteúdo categorial quantitativo se complementam, onde o alto número de atos presentes no regime de fortalecimento institucional são postos como um indicador da CE sul-americana através da presença de uma horizontalidade formal dessa cooperação. Assim, essa descoberta abre a novas possibilidades de pesquisa tendo em vista essa confluência de resultados, a qual pode, teoricamente, contribuir para a construção de uma horizontalidade material da CE. Por fim, é igualmente necessário buscar outros meios de obtenção de informação, pois os atos internacionais possuem um limite informacional que restringe a viabilidade de uma melhor compreensão da própria CE brasileira na América do Sul.
ANTROPOCÊNTRICO NO ANTROPOCENO: O QUE ALGUNS TEÓRICOS DAS RIS FALAM SOBRE A NATUREZA?
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Carolina Pereira de Souza (PUC-Rio)
Resumo:
A partir das discussões sobre as mudanças climáticas e o “antropoceno” a pesquisa sobre o não-humano nas Relações Internacionais (RIs) se intensificou com questões e disputas diversas, mas principalmente com a discussão de conceitos fundamentais à disciplina como autoridade, justiça e responsabilidade. Nesse contexto o objetivo desse artigo é se debruçar sobre a obra de alguns autores das RIs na tentativa de explorar em que aspectos podemos observar, ou não, o não-humano em seus exercícios de teorização. Através de uma leitura de algumas obras de Morgenthau, Bull e Onuf busco por vestígios do não-humano e seu papel em cada autor. O propósito não é compreender o animal, ou a natureza ou estender, expandir o conhecimento humano, mas reconhecer que não vivemos sozinhos e que o não-humano sempre fez parte do discurso político, quer reconheçamos isso ou não. Portanto através da busca por termos como “animal”, “material”, “natureza” em algumas obras desses três autores questiono de que forma o não-humano é visto e que tipo de naturalizações suas teorizações criam/reproduzem.
Tanto Morgenthau como Bull viam no humano algum tipo de racionalidade que tornaria possível aos humanos simplesmente conhecer “as leis da natureza”. Essas leis são ao mesmo tempo imprescindíveis para pensarmos a teoria de Bull e ficam submersas, pressupostas. É a partir de uma superioridade do humano que podemos falar de ordem, normas e justiça em sua obra, mas acredito que essa seja uma questão ontológica que pode ser alterada para a inclusão do não-humano, pelo menos em parte. Além de crítico de um cientificismo que se dizia neutro, a ideia de “propriedade coletiva humana” sobre alguns aspectos naturais como os mares é uma ideia que, apesar de antropocêntrica, dá base para diversas discussões no direito internacional, sobretudo sobre questões básicas humanas como autoridade e responsabilidade. O esforço de Falkner (2017) é um exemplo de como podemos começar a imaginar as questões atuais com e para além de Bull.
Para o construtivismo os humanos são seres sociais, e é através dessa sociabilidade que nosso mundo se constrói e nos constrói. Acredito que em 2024, poderíamos argumentar a sociabilidade de outros animais e, para além disso, que nosso mundo se constrói não somente através da nossa sociabilidade (Cudworth; Hobden, 2023; Foulgner, 2023; Youatt, 2020). Isso não significa que possamos acessar uma realidade “material” pura, mas que para além de teorizarmos sobre nós mesmo e nossas estruturas sociais, pensamos e somos pensados constantemente a partir de um grupo de pedras, minerais, montanhas, cursos de água, volume de chuvas, temperatura, condições atmosféricas, humidade, além de todas as outras espécies de seres vivos, conhecidos e aqueles dos quais não conhecemos e por isso não fazem ainda parte do nosso imaginário.
As alterações políticas estadunidenses e a hegemonia monetária dos EUA: uma análise de 1989 a 2022
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Janypher Marcela Inacio Soares (UFSC)
Resumo:
Este artigo tem o objetivo de relacionar as alterações políticas estadunidenses com a hegemonia monetária dos EUA. Assim, ele inicia pela explanação a partir do poder monetário internacional. Marques (2016), afirma que, o poder monetário é alcançado por um Estado, a partir de sua moeda. Quando essa, tem a capacidade de alterar condições econômicas internacionalmente, de modo que, os objetivos políticos do emissor sejam alcançados.
Esse poderio, pode ser analisado no aspecto macro e no aspecto micro. Focando no aspecto macro, e tendo em vista, os elementos pontuados por Cohen (2006), é possível verificar que, por meio do dólar americano, os EUA expressam seu poder monetário no âmbito internacional. Mais especificamente, por meio da influência e da autonomia detida pelos EUA.
Em se tratando do hegemon, esse, pode ser compreendido como o estabilizador internacional, cuja ação, contribui para a estabilidade do sistema. Em se tratando da hegemonia monetária internacional, pode-se dizer que, o detentor dessa hegemonia, deve estabelecer padrões, assumir encargos e garantir um ambiente internacional favorável ao livre comércio (KINDLEBERGER, 1973; GILPIN, 1987; FERNANDES, 2015). Os Estados Unidos, desde 1945, desenvolvem essa hegemonia.
A partir da compreensão das premissas partidárias, das leis aprovadas nos Congressos, das Ordens Executivas expedidas pelos presidentes e do comportamento político norte-americano, para o intervalo de 1989 até 2022, pode-se perceber que, exceto o Presidente Trump, todos buscaram a manutenção da hegemonia norte-americana (WRIGHT, 2016). É importante ressaltar aqui, que, apesar das diferentes interpretações dos caminhos que essa hegemonia poderia seguir, todos os demais, republicanos e democratas, demonstraram preocupação com o cumprimento dos acordos dos regimes internacionais.
Em se tratando especificamente da hegemonia monetária internacional, mesmo com a manutenção da predominância do dólar enquanto moeda internacional, há um movimento de crescimento de potências emergentes. Isso, atrelado ao fato do risco de sanções e da instabilidade verificada com a crise de 2008, fez com que, apesar de uma elevada autonomia e de uma ampla influência dos EUA para com o resto do mundo, o cenário atual é muito diferente do cenário do início do século XXI. Nesse sentido, Strange (1994), já afirmava que, os EUA não perderam de fato, o poder dentro e sobre o sistema. O que pode ter acontecido é que, eles mudaram de ideia sobre a utilização desse poder.
AS RELAÇÕES BRASIL-CANADÁ E BRASIL-NORUEGA NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA BRASILEIRO: RELAÇÕES ENTRE POTÊNCIAS MÉDIAS E ENERGY DIPLOMACY
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Alex Sidarta Guglielmoni (UFSC), Fernando Seabra (UFSC)
Resumo:
Este trabalho aborda como tema o estudo das relações Brasil-Canadá e Brasil-Noruega na área de energia, no período de 2010 até 2022. Durante este período foi realizada uma proposta na agenda internacional no que diz respeito ao fomento e desenvolvimento de investimentos no setor de energia no mundo, com a agenda de migração da matriz elétrica dos países comprometidos com a agenda da ONU sobre sustentabilidade. Mais especificamente, em 2015 foram estabelecidos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pela Organização das Nações Unidas (ONU), esta ação estabeleceu uma agenda apresentada aos atores internacionais com o objetivo de construir e implementar políticas públicas até o ano de 2030. A partir deste contexto surgiu então a pergunta de ponto de partida: qual o grau de desenvolvimento das relações Brasil-Canadá e Brasil-Noruega na área de energia elétrica a partir da análise do IED, celebração de atos internacionais e da presença de empresas destes países no Brasil?
Como problemática a partir da revisão bibliográfica coletada neste primeiro momento, observa-se que desde a década de 1970 a agenda de energia renovável tem ganhado espaço nas discussões de relações internacionais. Esta década foi marcada por duas crises energéticas e seus efeitos econômicos e políticos contribuíram para o processo de migração gradual da matriz energética e elétrica mundial. Dentre os países que mais se destacam em termos de matriz energética e matriz elétrica renovável, o Brasil assume significativo protagonismo em ambas as matrizes, e possui expressiva representatividade se comparado com a média global. A partir desta breve contextualização da agenda de energia nas relações internacionais, busca-se nesta pesquisa explorar o conceito de “energy diplomacy”, somada a perspectiva do Brasil como uma potência média nos estudos das suas relações com o Canadá e com a Noruega. Países estes que podem ser caracterizados como uma potência média, e que certamente possuem algumas características distintas entre si.
Este projeto tem como objetivo geral identificar o grau de desenvolvimento das relações Brasil-Noruega e Brasil-Canadá no setor de energia elétrica brasileiro. Para o alcance deste objetivo geral foram estabelecidos dois objetivos específicos:
a) identificar como as relações Brasil-Canadá e Brasil-Noruega, são impulsionadas a partir das características de potências médias destes países;
b) identificar como as empresas multinacionais canadenses e norueguesas participam do processo de desenvolvimento das relações com o Brasil no setor de energia elétrica;
Para a realização deste trabalho inicialmente pesquisou-se sobre obras e autores que tratam sobre a energia e as relações internacionais, a partir desta tarefa foi realizado uma coleta a partir do repositório de dissertações e teses da CAPES e pesquisa em outras plataformas de artigos internacionais. Outra fonte de material sobre energia e relações internacionais foi a pesquisa de livros sobre o tema e uma pesquisa na Scopus utilizando palavras-chave como: relações internacionais, energia, diplomacia, política externa, Brasil-Canadá e Brasil-Noruega.
Foram coletados dados secundários de diversas instituições nacionais e internacionais, A coleta foi realizada até o mês de março de 2024, os dados foram armazenados e tabulados como tabelas dinâmicas para facilitar a pesquisa dos dados. Os dados fornecidos pelo MRE permitiram a realização da análise dos atos internacionais celebrados pelo Brasil, podendo filtrá-los por tema do ato internacional, onde o mais importante para esta pesquisa foi no âmbito do setor de energia. Os dados fornecidos pela ONU foram dados socioeconômicos que permitiram realizar uma análise de características similares e divergentes entre o Brasil, Canadá Noruega, EUA e China. Os dados coletados a partir do BACEN permitiram a análise de investimento estrangeiro direto no Brasil, por ano, por setor, sendo o importante para esta pesquisa o setor de energia, assim como o valor total investido por país. Os dados coletados na CCEE permitiram a análise do market share de geração, comercialização e consumo de energia elétrica no Brasil, proporcionando a observação dos valores em MWh, em percentual, em número total de empresa e número de instituições.
A primeira hipótese encontrada aponta para a conclusão de que as relações do Brasil no setor de energia com outros países não se limitam às relações com grandes potências econômicas dos últimos anos, sendo elas os EUA e China, assim como não se limita a realizar relações no setor de energia com seus países vizinhos, onde seria um fator favorável a questão de proximidade geográfica na América do Sul. Por exemplo, o Paraguai que já possui aliança estratégica com o Brasil no setor de energia, a partir da usina binacional de Itaipú, não assume um papel de expressivo valor de IED no Brasil, mas sem a menor dúvida possui um fator estratégico de significativa importância na matriz elétrica brasileira. Observando as relações do Brasil, no setor de energia, na região da América do Sul, no caso da Argentina que é o maior parceiro econômico do Brasil na América Latina, este país não está entre os principais países que aplicam investimentos e relações empresariais no setor de energia no Brasil, mas é sem dúvida um país posição estratégica para o Brasil em relação às fronteiras, segurança e enorme parceiro econômico do país. Sendo assim, a primeira hipótese encontrada é que países que possuem características de potência média são players importantes no setor de energia e que interagem entre si, como observado nas relações Brasil-Canadá e Brasil-Noruega. A segunda hipótese encontrada foi que as relações internacionais no setor de energia entre estes países não se limitam às relações entre Estados nacionais, mas que ocorre também a partir das relações de empresas privadas com outras empresas privadas, entre empresas privadas e o Estado.
AS REVERBERAÇÕES CULTURAIS DA PRIMAVERA ÁRABE
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Catharina Seadi Pereira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Esta proposta de artigo científico tem como objetivo explorar as diferentes expressões e produções culturais observadas durante a Primavera Árabe, com a intenção de averiguar as mensagens revolucionárias transmitidas pelos participantes do Levante de 2011 através da música, literatura (em poesia e em prosa) e artes visuais. A pergunta de pesquisa que se visa responder é a seguinte: “Quais eram as principais expressões culturais árabes tidas durante e depois da Primavera Árabe, que representavam o movimento, e de que forma elas se desenvolveram? ”. A hipótese elaborada é de que “levando-se em consideração que a Primavera Árabe representou um dos principais acontecimentos mundiais da segunda década do século XXI, e tendo-se consciência de que na região a relação entre produção artística e política é uma verdade histórica, durante os protestos e depois do Levante de 2011 houve a criação de um grande volume de produções artísticas variadas que visavam interpretar os sentimentos compartilhados por entre seus participantes por meio da literatura, música e das artes visuais”. O artigo irá se apropriar de abordagens pós-coloniais, por meio de autores como Young (2009; 2012; 2016), Kroier (2012), Hamasy e Soliman (2013), para justificar seu argumento, uma vez que se entende haver uma relação muito próxima entre a natureza da pós-colonialidade árabe e as condições que geraram a Primavera Árabe, bem como a pós-colonialidade e essas expressões artísticas. Em termos de metodologia, esse artigo irá realizar uma análise bibliográfica extensiva de materiais publicados sobre as diferentes expressões culturais que ocorreram durante a primavera árabe, o que inclui Younas (2023), Al-Arequi (2020), Alshaer (2015), Gibbons (2019), Mohamed (2017), entre outros, que exploram esse fenômeno. A justificativa para a realização de uma pesquisa desta natureza no campo das Relações Internacionais se dá a partir do entendimento de que, para que seja possível se ter uma compreensão integral do mundo árabe, é preciso explorar profundamente a forma que as produções culturais de indivíduos oriundos da região se moldam a partir de diferentes acontecimentos sociopolíticos que se lá se sucedem. Além do mais, uma pesquisa deste gênero também permite uma exploração interessante dos limites das Relações Internacionais, ao passo que desenvolve uma visão mais holística da disciplina ao investigar diferentes noções culturais inseridas dentro de um contexto étnico supranacional. O artigo irá se dividir em quatro partes: (01) Introdução, (02) A Teoria Pós-Colonial e seu entendimento sobre expressões culturais, (03) As reverberações culturais da Primavera Árabe e (04) Considerações Finais. As conclusões preliminares desse artigo são que, durante a Primavera Árabe, diferentes gêneros musicais foram profusamente utilizados e apropriados como forma de sensibilizar e movimentas as massas. Ademais, houve um resgate histórico, por parte dos participantes do Levante de 2011, de poetas e autores de prosa da segunda metade do século XX que se dedicavam a escrever sobre revoluções, utilizando-as como temática de suas obras. As obras desses escritores passaram a ser apropriadas para ilustrar o sentimento contemporâneo de revolta e denúncia. A produção de novas poesias e textos em prosa que foram impactadas pela Primavera Árabe só vieram a ser observadas alguns anos depois; elas, agora, focavam muito mais em experiências de comunidades minoritárias, como migrantes, refugiados, ativistas e membros da comunidade LGBTQIA+, por exemplo. Arte visual, como o grafite e o teatro de rua, também pôde ser observada nas ruas das principais cidades árabes.
As Simulações em Relações Internacionais como Inovação Pedagógica de Ensino: da sala de aula à comunidade universitária
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Italo Beltrão Sposito (Universidade Federal do Tocantins)
Resumo:
Este estudo tem como objetivo analisar as simulações em Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins, conhecida como SimulaRI, que é um Projeto de Inovação Pedagógica (PIP) e é uma ferramenta de inovação no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a metodologia de aprendizagem ativa da simulação envolve uma análise de situações reais e simuladas, combinando instruções baseadas em casos teóricos com exploração prática de questões internacionais. Essa atividade incentiva a reflexão dos alunos sobre conceitos, teorias, decisões e estratégias, desenvolvendo habilidades importantes para o profissional internacionalista. Dessa forma, por meio da utilização de relato de experiência e aplicação de questionários de aprendizagem, obteve-se que os principais resultados evidenciam que a simulação realizada pelo projeto de inovação SimulaRI, em sua terceira aplicação, mostra que a maioria dos participantes acredita que a experiência melhorou a sua aprendizagem em relação aos conteúdos teóricos e conceitos de relações internacionais. Isso demonstra o impacto positivo das simulações no entendimento teórico e prático dos participantes das atividades de ensino ativo.
ASCENSÃO E RESILIÊNCIA: A trajetória da parceria estratégica Russo-Brasileira diante de mudanças paradigmáticas, instabilidade econômica e tensões geopolíticas (2002-2022)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Isadora Muccillo (UFRGS), Isadora Muccillo (UFRGS)
Resumo:
INTRODUÇÃO
O estreitamento das relações entre Rússia e Brasil emerge como um fenômeno sinérgico contemporâneo, destacando-se notavelmente nas últimas duas décadas. Esta aproximação representa uma mudança disruptiva em relação ao padrão histórico, no qual divergências ideológicas conduziram a um notável distanciamento nas esferas diplomática, econômica e cultural ao longo de um extenso período.
O distanciamento histórico entre as relações russo-brasileiras é comumente associado aos efeitos da Guerra Fria, embora também seja influenciado por fatores internos, como os interesses da elite brasileira. Outro aspecto crucial é a quebra do padrão tradicional de alinhamento com os Estados Unidos. A presença e influência dos EUA desde os primeiros dias da diplomacia brasileira comprometeram um desenvolvimento significativo na relação com a Rússia ao longo de muitos anos. Somente com uma mudança paradigmática na política externa brasileira se tornaram possíveis as transformações.
Essa mudança na política externa brasileira coincidiu com importantes mudanças globais, especialmente na construção de uma Nova Ordem Mundial. O Brasil adaptou sua política externa para se alinhar com esse novo contexto emergente, resultando em uma redefinição de seus interesses. Assim, é importante considerar não apenas os fatores internos, mas também as influências exógenas ao analisar esse fenômeno. Esse mesmo período corresponde a um momento desafiador para a Rússia, que enfrentava, nos anos noventa, dificuldades de inserção após a queda da URSS, resultando em uma redução de seu protagonismo.
Diante desse contexto, a reformulação da relação bilateral foi moldada pela ascensão de um novo regime internacional e pela adaptação da política externa brasileira a esse novo panorama, além da necessidade de inserção por parte da Rússia. Em suma, ambos os países encontraram um cenário favorável para a aproximação, gerando inúmeras possibilidades de cooperação.
Nessa nova conjuntura, mais propícia ao multilateralismo, Brasil e Rússia estabeleceram uma parceria estratégica em 2002, que evoluiu ao longo das últimas duas décadas para uma relação complexa. Esta é caracterizada pela interação de diversos grupos de interesses, bem como pela retórica conciliadora dos presidentes russo e brasileiro e a colaboração conjunta nos BRICS. Essa relação desenvolveu-se ao longo do tempo, adquirindo as características de uma interdependência complexa, conforme definido por Keohane e Nye em “Power and Interdependence”. Isso significa que vai além das conexões convencionais, abarcando aspectos para além dos domínios militares ou econômicos. Portanto, torna-se cada vez mais sensível e vulnerável diante da possibilidade de ruptura, sanções ou afastamento.
A relação entre Rússia e Brasil no novo milênio foi especialmente vantajosa durante os dois mandatos do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, período em que o Brasil assumiu um notável protagonismo internacional e adotou uma postura revisionista. A política externa de Lula foi caracterizada por uma crítica incisiva às disparidades internacionais, um tema que permeou seus discursos desde sua participação inaugural na conferência do Banco Mundial em 2003 até o fim de seu segundo mandato em 2010. Na ocasião inaugural, o presidente brasileiro expressou sua insatisfação com a ordem global então vigente, com foco especial na disparidade de oportunidades entre as nações.
Em vários discursos, Lula enfatizou a disposição do Brasil para expandir sua influência, assumindo novos papéis e participando ativamente em espaços predominantemente ocupados por países desenvolvidos. Um exemplo marcante foi durante o diálogo de Evian, quando os líderes do G-8 se reuniram pela primeira vez com representantes de nações em desenvolvimento. No mesmo ano, o discurso inaugural de Lula nas Nações Unidas e na Organização Internacional do Trabalho (OIT) destacou as aspirações em nome de um novo Brasil:
[CITAÇÃO]
Minha mensagem foi clara: não há desenvolvimento econômico sem justiça social. Não podemos contemplar passivamente a disparidade entre as ilhas de abundância e os oceanos de penúria. Com vontade política podemos corrigir distorções e estimular mudanças; canalizar recursos para o combate à fome e à miséria; estabelecer condições equânimes de competição comercial, revitalizar a cooperação internacional para o desenvolvimento, democratizar as relações internacionais e fortalecer o multilateralismo em prol da paz e segurança internacionais. Precisamos de medidas emergenciais e de soluções estruturais (BRASIL, 2003b).
O tom crítico adotado por Lula corresponde a um novo paradigma de política externa denominado “autonomia pela diversificação”. Essa busca por maior influência e autonomia por parte do Brasil coincidiu com um período de transformações significativas na política externa russa, que teve início com a eleição de Vladimir Putin, cuja abordagem foi caracterizada por um “novo realismo” (FREIRE, 2017). Na prática, essa mudança na política externa russa implicou na fusão de uma perspectiva realista tradicional, centrada nos interesses nacionais e na sua projeção no âmbito internacional, com o intuito de alcançar equilíbrios e vantagens competitivas, especialmente em relação à estrutura ocidental e a oportunidades desiguais.
O interesse mútuo no desenvolvimento econômico e na promoção de oportunidades mais equitativas emergiram como fatores convergentes entre o Brasil e a Rússia, refletindo na similaridade em termos de valores. A crescente aproximação entre os dois países atingiu um marco significativo em 2005, durante o Seminário Brasil-Rússia, onde ocorreu a primeira visita de um líder russo ao Brasil, visando fortalecer essa aliança estratégica (BRASIL-RÚSSIA…, 2005). Nos anos subsequentes, essa parceria foi consolidada por meio de um diálogo de alto nível, evidenciado pelas quatro visitas oficiais de Lula à Rússia, assim como pelas visitas de Putin e outras autoridades russas ao Brasil.
Durante a primeira visita oficial de Lula à Rússia, um gesto tangível desse compromisso mútuo resultou na assinatura de três acordos, destacando-se a colaboração espacial que culminou na missão da nave Soyuz à Estação Espacial Internacional (ISS), uma empreitada conjunta entre Brasil e Rússia (NUNES, 2005). Essa cooperação espacial teve um impacto notável, permitindo ao astronauta Marcos César Pontes tornar-se o primeiro brasileiro a realizar experimentos em gravidade zero, simbolizando essa conquista pioneira com a bandeira brasileira.
Além dos feitos espaciais, a aproximação entre Brasil e Rússia foi evidenciada pelo apoio mútuo em instâncias internacionais. A Rússia, de maneira inédita, tornou-se o primeiro membro do Conselho de Segurança a endossar a candidatura do Brasil, enquanto reciprocamente, o Brasil passou a apoiar a candidatura russa na Organização Mundial do Comércio (OMC) (ABBOTT, 2005). Esse apoio recíproco não apenas fortaleceu os laços bilaterais, mas também ressaltou a colaboração construtiva entre as duas nações em níveis global e econômico.
A confluência de aspirações nacionais evidenciada não apenas sublinha a evolução da parceria bilateral, mas também revela a convergência de visões estratégicas entre Brasil e Rússia. A ênfase nas potencialidades de colaboração econômica e espacial enfatizou o comprometimento mútuo em explorar oportunidades conjuntas e abordar desafios globais de maneira colaborativa. Ao externar o desejo por reformas na Organização das Nações Unidas (ONU), Lula indicou a disposição compartilhada de ambas as nações em contribuir para a edificação de uma ordem mundial mais justa e eficaz.
Durante o primeiro mandato de Lula (2003-2006), a aproximação entre Rússia e Brasil foi facilitada pela convergência de objetivos, evidenciada na retórica presidencial compatível. O envolvimento de Lula em fóruns internacionais, especialmente em questões relacionadas à abertura econômica e às disparidades entre países desenvolvidos e emergentes, alinhou-se de maneira congruente com as ambições russas. Essa dinâmica persistiu ao longo do segundo mandato de Lula (2007-2010) e durante o mandato do ex-presidente russo Dmitry Medvedev, de 2008 a 2012. A agenda de Medvedev incluiu uma visita oficial ao Brasil, culminando na assinatura da Declaração Conjunta (BRASIL, 2023). Este documento reafirmou a convergência de valores entre ambas as nações, destacando a resiliência da relação russo-brasileira diante dos desafios contemporâneos (BRASIL, 2008).
No final do segundo mandato de Lula, um novo cenário começava a se delinear. A crise financeira de 2008 trouxe implicações negativas para ambas as economias, que anteriormente haviam testemunhado um crescimento econômico impulsionado pelo boom das commodities. No Brasil, esse contexto foi agravado por uma crise interna, onde escândalos de corrupção desestabilizaram o país, particularmente após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2014. Assim, o governo interno de Michel Temer concentrou-se em restabelecer a credibilidade brasileira após o impeachment, enfrentando o reduzido protagonismo do país.
Enquanto o Brasil enfrentava desafios políticos e econômicos, a Rússia lidava com problemas econômicos e questões de segurança. Desde a queda da URSS em 1991, o país tem enfrentado dificuldades para se inserir globalmente e tem expressado descontentamento com a influência ocidental em sua esfera de influência. A expansão da OTAN no leste europeu e a inclinação da Ucrânia em direção ao Ocidente aumentaram as tensões. Isso resultou em um conflito com a Ucrânia, intensificado pela anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, levando a uma deterioração das relações com o Ocidente. Essa situação também poderia impactar a relação da Rússia com o Brasil, dada a profunda conexão que o país mantém com ambos os lados.
A partir de 2010, ocorreram mudanças significativas nos cenários domésticos da Rússia e do Brasil, assim como no contexto internacional. No entanto, a relação bilateral entre os dois países mostrou-se resiliente diante desses desafios, evidenciando uma complexa interdependência pouco suscetível a pressões externas e internas.
Para entender melhor essa resiliência, é necessário analisar como a relação bilateral se desenvolveu durante esses períodos de desafios. Isso implica examinar os discursos presidenciais, os acordos firmados e a interação econômica entre os dois países, além de avaliar se o diálogo de alto nível foi comprometido.
Visando analisar a evolução e possíveis desafios da Parceria Estratégica, este trabalho está estruturado em quatro seções principais. A primeira seção demonstra o contexto que levou à aproximação entre Rússia e Brasil, culminando na formalização da Parceria Estratégica em 2002. A segunda parte dedica-se à compreensão do cenário que resultou na ascensão dessa parceria, considerando os dois mandatos de Lula, os primeiros anos do governo de Putin e o mandato de Dmitri Medvedev. A terceira seção aborda o surgimento de desafios à parceria estratégica durante os dois mandatos de Dilma Rousseff, o governo interino de Michel Temer e o mandato de Jair Bolsonaro, período que coincide com o retorno de Putin à presidência. A quarta seção analisa a manutenção e resiliência da relação bilateral nesses contextos, por meio da lente da Interdependência Complexa. Por fim, são apresentadas as considerações finais.
PROBLEMA DE PESQUISA
O presente estudo analisa a evolução da relação bilateral entre Brasil e Rússia, a partir do momento em que ambos os países se aproximaram, em meio a transformações significativas. Enquanto o Brasil abandonava um regime ditatorial e inaugurava uma era democrática, a diplomacia brasileira vislumbrava inúmeras possibilidades em um mundo multipolar emergente. Por sua vez, a Rússia se adaptava a uma nova ordem global dominada por países ocidentais, buscando fortalecer parcerias que contribuíssem para sua inserção internacional em um período de reduzido protagonismo.
Com a ascensão de um governo de esquerda no Brasil, a relação bilateral foi beneficiada, resultando em arranjos institucionais e, posteriormente, no estabelecimento do status de Parceria Estratégica. Sob a liderança de Lula, a relação bilateral foi intensificada, abrangendo novas áreas e oportunidades. Entretanto, esse contexto favorável perdurou por apenas uma década, uma vez que a fase subsequente foi marcada por desafios de diversas naturezas.
Entre esses desafios, destacam-se a crise doméstica brasileira a partir do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, seguida pela ascensão da extrema-direita, cuja agenda buscava uma maior aproximação com os EUA; a deterioração das relações entre Rússia e Ocidente; e os desafios econômicos gerados pela crise global de 2008. Diante desses obstáculos, a relação bilateral manteve-se em constante desenvolvimento, refletindo-se em acordos, diálogos de alto nível, atuação conjunta nos BRICS e aumento do comércio bilateral.
Assumindo que a relação bilateral continuou a se desenvolver mesmo diante de todas essas adversidades, torna-se pertinente compreender quais são os pilares que sustentam essa parceria. Portanto, este artigo busca responder à seguinte pergunta: quais os elementos fundamentais que sustentam a Parceria Estratégica entre Rússia e Brasil em contextos desfavoráveis ao seu desenvolvimento?
MÉTODO E TEORIA
O presente artigo adota uma metodologia que combina análise sistematizada de literatura com análise de discurso. Essa escolha metodológica suporta o objetivo de capturar nuances no discurso brasileiro em relação à Rússia, comparando a atitude presidencial brasileira em diferentes contextos. Os discursos são extraídos de fontes oficiais, especialmente do Portal Gov (www.gov.br). Além disso, para analisar outras dimensões de cooperação para além de uma retórica convergente, o estudo coleta dados da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e Agência Brasil (agenciabrasil.ebc.com.br).
Quanto ao arcabouço teórico, o estudo considera a interdependência complexa para compreender a resiliência da Parceria Estratégica russo-brasileira. A partir dessa lente teórica, é possível compreender que a relação bilateral não se mantém apenas em detrimento da relação econômica, mas também à convergência de interesses em uma ordem multipolar. Assim, a aplicação teórica da interdependência possibilita compreender os pilares que explicam a resiliência dessa relação diante das adversidades, utilizando conceitos sugeridos por Keohane e Nye no livro “Power & Interdependence” (2011).
RESULTADOS
A reconfiguração da relação bilateral russo-brasileira nas últimas duas décadas representa um marco paradigmático na política externa brasileira, que agora se mostra receptiva às demandas russas em um novo cenário internacional dominado por ordens e instituições ocidentais. No início do século XXI, a convergência entre a agenda imposta pelos líderes brasileiros, principalmente de orientação esquerdista, e os interesses russos fundamentou o estabelecimento da Parceria Estratégica em 2002.
A reciprocidade entre os discursos presidenciais, especialmente entre Luiz Inácio Lula da Silva e Vladimir Putin, possibilitou uma intensificação gradual das interações, culminando em uma relação de interdependência complexa, na qual as noções de sensibilidade e vulnerabilidade desempenham um papel crucial no funcionamento dessa parceria, que perdura mesmo em contextos adversos.
Apesar das estreitas relações com países ocidentais, o Brasil optou por não aderir às sanções econômicas após a anexação da Crimeia em 2014, nem após a escalada da guerra russo-ucraniana em 2022, considerando as potenciais repercussões desfavoráveis que essa decisão poderia acarretar. Tal escolha impactaria o apoio que o Brasil recebe da Rússia em instituições internacionais, como, por exemplo, a possível reforma do Conselho de Segurança da ONU. Além disso, sancionar a Rússia teria implicações no mercado agrícola brasileiro, o qual depende da importação de fertilizantes russos. Por fim, esse cenário comprometeria a atuação conjunta desses dois países no agrupamento dos BRICS.
A Parceria Estratégica também demonstrou sua resiliência diante de uma mudança disruptiva na política externa brasileira, após Jair Bolsonaro adotar uma retórica desfavorável à Rússia, limitando a disposição brasileira a uma agenda mais abrangente e, sobretudo, rompendo com os pilares da política externa brasileira. No entanto, essa mudança não foi suficiente para desestabilizar a relação russo-brasileira, que continuou a se desenvolver apesar das oscilações na política externa e de discursos contraditórios em relação aos interesses russos.
A partir desses diferentes contextos, é plausível assumir que Rússia e Brasil estabeleceram uma relação de interdependência subsidiada pela interconexão de interesses complexos, os quais evoluem sem uma estrutura hierárquica definida. Dessa forma, a complexificação das relações russo-brasileiras evidencia que o alicerce construído ao longo das últimas duas décadas é robusto o suficiente para suportar tensões geopolíticas, crises econômicas e flutuações na política externa brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reconfiguração da relação bilateral entre Rússia e Brasil ao longo das últimas duas décadas marca um ponto crucial na política externa brasileira, tornando-a mais receptiva às demandas russas em um cenário internacional dominado por instituições e ordens ocidentais. O estabelecimento da Parceria Estratégica em 2002 refletiu a convergência entre as agendas dos líderes brasileiros, especialmente aqueles de orientação esquerdista, e os interesses russos.
Essa parceria evoluiu gradualmente para uma relação de interdependência complexa, onde sensibilidade e vulnerabilidade desempenham papéis cruciais. Mesmo diante de desafios como a anexação da Crimeia em 2014 e a escalada da guerra russo-ucraniana em 2022, o Brasil optou por não aderir às sanções econômicas, reconhecendo as potenciais repercussões adversas e mantendo uma postura que preserva sua relação com a Rússia. Deste modo, se observa uma constância retórica em relação a Rússia, observada a partir do governo de Lula. Ainda que Bolsonaro tenha adotado uma agenda diferente, o ex-presidente não adotou uma retórica contrária a Rússia.
A interdependência entre Rússia e Brasil, baseada em uma rede complexa de interesses, demonstra que o alicerce construído ao longo das últimas décadas é robusto o suficiente para resistir a tensões geopolíticas, crises econômicas e flutuações na política externa brasileira. A complexidade dessas relações reflete uma dinâmica fluida e adaptativa, capaz de enfrentar os desafios do mundo contemporâneo mantendo uma postura coesa e um discurso coerente.
Atento a possíveis intrigas e ao funcionamento desenfreados das imaginações: a visão de mundo de Saraiva Guerreiro sobre o entorno regional
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Ana Paula Marino de Sant'Anna Reis (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Resumo:
A política externa que se desenvolveu no governo de João Batista Figueiredo (1979-1985) ficou conhecida como Universalismo. Saraiva (2012, p. 61) e Visentini (2004, p. 271) afirmam que os estudos sobre a política externa do período são deixados de lado por diversos analistas, fazendo com que as realizações do Universalismo não sejam discutidas.
Cervo e Bueno (2015, p. 458) afirmam que a política externa do Universalismo possuía uma “retórica reivindicatória terceiro-mundista”. Visentini (2004, p. 275-276) argumenta que a política externa do Universalismo definia “o país como parte do Terceiro Mundo”, atuando em “fóruns internacionais em convergência com o Movimento Não-Alinhado”, mas salienta também que o Brasil não integrou esse movimento. Havia, de fato, inserção internacional global e favorecimento das relações Sul-Sul, com países de Terceiro Mundo.
Apesar de afirmar-se como Terceiro Mundo ter sido uma mudança em política externa, no governo anterior, de Ernesto Geisel (1974-1979), com a política externa do Pragmatismo Responsável e Ecumênico, já tinha sido desenvolvida uma política externa ousada, de ruptura com as políticas anteriores (Visentini, 2004, p. 197 e 204). O Universalismo deu continuidade e aprofundou determinações feitas no governo anterior.
Em relação ao entorno regional, contudo, deve-se marcar uma grande diferença. Todos os presidentes da ditadura militar falavam que a América Latina era prioridade, mas foi somente no governo Figueiredo que essa prioridade saiu do discurso e foi para a prática, sendo a América Latina o eixo prioritário da política externa Universalista, e a América do Sul, particularmente, colocada no centro das atenções do Itamaraty (Visentini, 2004, p. 277 e 293). O Universalismo, portanto, não foi uma mera continuidade, mas um marco importante nas relações externas brasileiras pela construção de relacionamento aprofundado e especial com o entorno regional.
Silva e Silva (2020, p. 4), aplicando a teoria de Hermann (1990) sobre mudanças em política externa, afirmam que do governo Geisel para o governo Figueiredo, ocorre uma mudança de objetivo da política externa em relação ao entorno regional do Brasil, diferente do que acontecia anteriormente, com ajustes. Isto quer dizer que, para esses autores, a mudança foi muito mais intensa nesse período. Fontes dessa mudança estão no processo de reestruturação doméstica do Estado brasileiro e choques externos, como a crise da dívida externa da América Latina e a intensificação da Guerra Fria, fazendo com que a região desempenhasse um papel central na política externa.
Para entender essa relação do Brasil com seu entorno regional no governo Figueiredo, este artigo buscou construir a visão de mundo de Saraiva Guerreiro, ministro das Relações Exteriores no governo Figueiredo, sobre o entorno regional brasileiro. Apesar de Guerreiro (1992, p. 125) alertar em seu livro que “é preciso estar sempre atento a possíveis intrigas e ao funcionamento desenfreado das imaginações”, esta pesquisa pretende buscar em textos e entrevistas, dele, de pesquisadores e de diplomatas que trabalharam com ele, quais eram as suas imaginações, inclusive quando inserido em intrigas regionais.
Para Goldstein e Keohane (1993), as visões de mundo são formadas com base na cultura e nos costumes, tendo relação com toda a trajetória dos atores políticos, construída no decorrer de sua interação social. Os road maps são mapas ou roteiros, que servem como ferramentas para que os decisores cheguem até o resultado que eles almejam. Os road maps podem ser incorporados em instituições, gerando um modelo de conduta interno, mas também podem ser construídos a partir das visões de mundo dos atores, e serem um mecanismo de raciocínio desses decisores sobre temáticas específicas. Os road maps nos fornecem a compreensão da correlação entre os interesses dos atores, suas metas e estratégias políticas.
Esta pesquisa utilizou a técnica de Análise de Conteúdo no livro “Lembranças de um Empregado do Itamaraty” de Saraiva Guerreiro, buscando as citações ao entorno regional e analisando a forma como o ministro fala sobre nossa região. Além disso, outras fontes foram utilizadas, como entrevistas que o ministro e outros diplomatas concederam ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC FGV). A partir da obtenção dessas informações, quatro temáticas principais foram selecionadas, buscando compreender por meio da teoria das ideias quais eram os interesses, metas e estratégias implementadas pelo ministro: relações com a Argentina, crises políticas no entorno regional, liderança regional e pertencimento e integração regional. Esta pesquisa pretende contribuir para uma compreensão mais detalhada sobre o governo Figueiredo, assim como contribuir para pesquisas que busquem compreender a construção da aproximação do nosso país com nossos vizinhos.
Bloco no poder e as relações Brasil-Paraguai: governo Lula à Bolsonaro (2003-2022)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Antonio Pedro Bandeira de Mello de Miranda (UFABC)
Resumo:
Ao olharmos para os estudos de análise de política externa brasileira, no que se refere as suas relações com seu entorno regional, nota-se uma ampla produção acadêmica e destaque sobre a alguns países específicos, principalmente a Argentina, em detrimento de outros países da região, sendo um deles o Paraguai. Por consequência, poucos são os trabalhos que tentam fazer uma avaliação geral das relações entre Brasil e Paraguai, especialmente nos períodos mais recentes, havendo principalmente uma lacuna no que se refere a interpretações marxistas sobre essa relação.
Em razão do exposto, busca se responder como se desenvolveram as relações entre Brasil e Paraguai no período entre os governos Lula e Bolsonaro. Portanto, este artigo objetiva realizar uma análise de como se deu as relações do Brasil com o Paraguai entre os anos de 2003 até 2022 sob a lente teórica da Teoria Marxista do Estado de Poulantzas. Compreende-se que o desenvolvimento da relação entre os dois países e os temas prioritários abordados em cada governo está relacionado a qual é a fração hegemônica no bloco no poder em cada período. Nos momentos em que a burguesia interna detém a hegemonia no bloco no poder a relação com o Paraguai vai abordar temas para além da pauta econômico-comercial e haverá mais abertura para dialogo e cessão para demandas paraguaias, enquanto quando a burguesia associada for fração hegemônica a relação com o vizinho vai ser focada, quase que única e exclusivamente, em pautas econômicas, comercias e de segurança e o Brasil adotará uma posição mais rígida e inflexível frente as demandas do vizinho.
Esse artigo utilizará fontes bibliográficas, principalmente artigos, dissertações e teses, como também fontes documentais, acordos assinados entre os dois países e documentos oficiais do governos e dados sobre investimentos brasileiros no Paraguai. Por fim, o artigo está dividido, para além dessa introdução, em mais quatro partes: apresentação da Teoria Marxista do Estado de Poulantzas e sua contribuição para a análise da política externa, bloco no poder e política externa brasileira do período, relações Brasil-Paraguai e bloco no poder e encerrando com uma breve conclusão.
Entende-se que a Teoria Marxista do Estado de Poulantzas pode melhor oferecer explicações sobre análise de política externa, devido ao entendimento mais aprofundado que ela proporciona sobre a atuação do Estado e das classes dominantes na política externa, a partir dos conflitos políticos e econômicos entre as classes e frações de classe no interior de uma formação social (Berringer, 2014). Para compreender a relação entre as classes, o Estado e a política externa é preciso entender o conceito de bloco no poder. Segundo Poulantzas (2019, p.306) “o bloco no poder constitui uma unidade contraditória das classes ou frações dominantes, unidade dominada pela classe ou fração hegemônica”, sendo a fração hegemônica aquela detém em seu controle o poder de Estado e consegue priorizar seus interesses específicos, sejam eles econômicos, políticos, sociais, ou segundo Berringer (2014), de política externa. Os Estados dependentes apresentam três tipos de burguesias, caracterizadas pela origem de seu capital e seus posicionamentos ideológicos e políticos em relação ao imperialismo, sendo elas: burguesia compradora, burguesia nacional e burguesia interna. (Berringer, 2014). A depender de qual destas for a fração hegemônica no bloco no poder a atuação internacional do Estado refletirá os interesses desta.
Durante os períodos em que o PT esteve no poder (2003-2016) a fração hegemônica no bloco no poder foi a burguesia interna, que formou uma frente política com as classes populares chamada de frente neodesenvolvimentista (Boito Jr e Berringer, 2013).Nesse sentido, os interesses internacionais da grande burguesia interna, sendo eles o apoio do estado na conquista de novos mercados para exportação de capital e mercadorias, prioridade de seus produtos e serviços nas compras estatais e maior proteção do Estado para com o mercado interno, foram responsáveis por e contemplados pela atuação internacional do Estado brasileiro (Berringer, 2014). Ao mesmo tempo que contemplou alguns interesses das classes populares como a dimensão social da integração regional na UNASUL e MERCOSUL. Na relação com o Paraguai este período ficou marcado pelo aumento do intercambio comercial entre os dois países, maior cooperação em temas sociais, e pela revisão do tratado de Itaipu (Almeida, 2015; Espósito Neto e Paula, 2015; Paula, 2014).
No período dos governos Temer e Bolsonaro (2016-2022) a fração hegemônica no bloco no poder foi a burguesia compradora, que estabeleceu a frente neoliberal ortodoxa, composta também pela alta classe média e pelo capital externo (Boito Jr, 2018). Em consequência a política externa adotou uma posição de subordinação passiva frente ao imperialismo, envolvendo a reaproximação com os EUA, interesse renovado na renegociação do acordo MERCOSUL-UE, retorno ao modelo de regionalismo aberto, encerramento das políticas de cooperação Sul-Sul e alinhamento automático e ideológico ao governo de Donald Trump (Berringer e Forlini, 2018; Berringer e Nascimento, 2023; Souza, 2023). Na relação com Paraguai, entre os anos de 2016 a 2022, os interesses da burguesia associada e a frente neoliberal ortodoxa foram priorizadas com ênfase, quase que única exclusivamente, em temas econômico-comerciais e securitários. Isto pode ser visto na acordos firmados tanto na relação bilateral como no âmbito do MERCOSUL, no qual foram firmados acordos para facilitação de investimento, comércio e segurança, além de posições conjuntas em relação a crise na Venezuela, a defesa conjunta do retorno ao modelo de regionalismo aberto no MERCOSUL (Brasil, 2020; Espósito Neto e Frachini, 2022; Mercosul, 2017). Destaca-se aqui também a crise da ata bilateral secreta em relação a Itaipu em 2019, que quase derrubou o governo paraguaio (ABC Color, 2019; Brasil-Paraguai, 2019; Schreiber, 2019)
Capitalismo e trabalho imigrante no agronegócio catarinense no século XXI
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Jonatan Carvalho de Borba (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo:
O Estado brasileiro é um país que tem na origem de sua identidade nacional o mito da democracia racial, mas que há séculos tem estimulado, das formas mais diversas, o ingresso de imigrantes brancos dos países do Norte, ao mesmo tempo em que se demonstrou extremamente hostil aos corpos racializados como não-brancos de migrantes, sobretudo, do Sul. Este trabalho de pesquisa investiga a relação entre a migração Sul-Sul, o capitalismo racial e o agronegócio em Santa Catarina e tem como objetivo geral demonstrar os mecanismos pelos quais o agronegócio catarinense utiliza a racialização de imigrantes não brancas(os) para fins de precarização das relações de trabalho e maior extração de mais-valia. A pergunta norteadora busca elucidar: diante do contexto de capitalismo racial e da divisão internacional do trabalho, como o agronegócio catarinense instrumentaliza a migração Sul-Sul no seu processo de superexploração da força de trabalho e acumulação de capital?
Para abordar esta questão, a pesquisa adota uma abordagem multimetodológica. Primeiramente, realiza-se uma revisão bibliográfica crítica fundamentada em obras de autores decoloniais, marxistas e das epistemologias do Sul. Em seguida, procede-se à análise documental e legislativa, aliada à coleta de dados secundários de organizações como a OIM, ACNUR, OBMigra, Pastoral do Migrante e Defensoria Pública da União. Por fim, serão aplicados questionários com imigrantes que trabalham no agronegócio catarinense (especificamente, na parte final da cadeia produtiva, os frigoríficos), utilizando escalas validadas como a Escala de Precariedade do Emprego (EPRES) e o Índice de Estresse Relacionado à Raça (IRRS).
Os resultados parciais apontam para a perpetuação de uma lógica de racialização das nacionalidades e xenofobia racializada nas políticas migratórias brasileiras, arraigada no mito da democracia racial e no ideal de embranquecimento da população, com origens que remontam ao período colonial. Esse contingente enfrenta grandes desafios de regularização migratória, acesso à saúde, acesso a empregos formais, moradia digna e rendimentos significativamente inferiores às médias estadual e nacional.
O agronegócio catarinense, especialmente o setor de frigoríficos, tem se configurado como um dos principais empregadores dessa força de trabalho imigrante racializada. Contudo, os indícios preliminares sugerem a existência de condições de trabalho precárias e indícios de superexploração, como longas jornadas e baixa remuneração. Esses resultados parciais corroboram a hipótese de que a racialização de imigrantes não brancos tem sido utilizada como estratégia de acumulação de capital no agronegócio catarinense, por meio da inclusão diferencial e da superexploração da força de trabalho.
Em suma, esta pesquisa busca contribuir para o entendimento das complexas intersecções entre migração, raça, trabalho e acumulação de capital no contexto do capitalismo racial contemporâneo, tendo o agronegócio catarinense como estudo de caso. Ao desvendar essas dinâmicas, espera-se lançar luz sobre as condições de vida e trabalho dos imigrantes racializados, bem como sobre os mecanismos de extração de mais-valia empregados pelo capital agroindustrial.
Centro Europa-Brasil de Estudos para Cooperação e Integração Regional (CEBS) 2.0: promoção da pesquisa, da cooperação e da internacionalização universitária na fronteira Brasil-Paraguai.
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Deborah Silva do Monte (UFGD)
Resumo:
Este trabalho tem como objetivo apresentar as ações do Centro Europa-Brasil de Estudos para Cooperação e Integração Regional (CEBS 2.0), destacando o potencial da pesquisa como forma de internacionalização da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e de fortalecimento da cooperação inter-regional. O CEBS, projeto financiado pela Cátedra Jean Monnet da União Europeia no Brasil, se orienta pelos seguintes objetivos (UFGD, 2024):
(i) Promover a pesquisa sobre a União Europeia e o Mercosul, particularmente em questões relacionadas à cooperação internacional, integração regional, desenvolvimento sustentável, EU Green Deal, promoção da democracia e dos direitos humanos e agenda digital;
(ii) Construir um fórum de debate sobre eventos contemporâneos internacionais que busquem, também, democratizar o conhecimento sobre a União Europeia, por meio de cursos, palestras e publicações
(iii) Estimular o processo de internacionalização da UFGD, uma Universidade localizada na faixa de fronteira entre Brasil-Paraguai, por meio do estreitamento de vínculos com as instituições europeias de ensino e pesquisa;
(iv) Fortalecer a rede brasileira de ensino e pesquisa sobre a União Europeia, como a Rede de Projetos Jean Monnet Brasil.
O CEBS articula os pilares do ensino, da pesquisa e da extensão na realização de suas ações que tem como público-alvo estudantes de graduação e pós-graduação da UFGD e de outras instituições de ensino superior. Em relação à dimensão da extensão, o projeto tem como interlocutores servidores públicos, jovens profissionais, autoridades e representantes da sociedade civil organizada. Destacam-se, nesse sentido, os cursos e eventos on-line que são disponibilizados em plataformas on-line como o Youtube. Como exemplo dos resultados obtidos em tais iniciativas, o curso de extensão União Europeia: trajetória, instituições e políticas, realizado em outubro de 2023, com carga horária de 72 horas e participação de docentes de diferentes instituições de ensino brasileiras.
No eixo pesquisa, O CEBS organiza anualmente e há cinco anos, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), uma organização da sociedade civil, o Colóquio sobre Fronteiras e Direitos Humanos na União Europeia e Mercosul. Além disso, pesquisadores vinculados ao CEBS organizam livros e dossiês temáticos sobre a União Europeia (Espósito Neto, 2021; Espósito Neto; Monte, 2022).
O projeto representa um importante avanço na internacionalização da UFGD com o fomento de intercâmbio acadêmico entre docentes e estudantes. Merece destaque o estágio no exterior de duas alunas do Mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos (PPGFDH) em instituições de ensino europeias: Central Europe University (Áustria) e Universidad de Las Palmas de Gran Canaria (Espanha).
Além as mobilidades acadêmicas, O CEBS se orienta para a o fortalecimento cooperação descentralizada na região fronteiriça. A União Europeia, por meio de outros programas, já empreendeu ações de desenvolvimento da faixa de fronteira Brasil-Paraguai onde a UFGD se localiza. Destaca-se, nesse sentido, o URB-AL, inciativa da União Europeia para fortalecer as capacidades institucionais de governos subnacionais para a solução de problemas urbanos. Através deste, foi construída a “Linha Internacional União Dos Povos”, um projeto de urbanização, construção de identidade comum e fortalecimento dos governos das cidades gêmeas de Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) (Prado, 2019). A partir disso, entende-se o CEBS como um ponto focal para ações de cooperação, sobretudo nas temáticas de desenvolvimento sustentável, proteção às liberdades democráticas aos direitos humanos.
China: Projeção Mundial, Multipolaridade e Transição Energética
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Jean Anderson Soares (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Partindo da sugestão de Arrighi (1996) sobre um potencial transição do epicentro econômico em direção a Pequim, delineiam-se cenários nos quais essa mudança paradigmática poderia se concretizar. Nesse contexto, emerge uma inércia caracterizada por horizontes desafiadores no panorama econômico global, não obstante o inegável crescimento de relevância que a República Popular da China (RPC) tem experimentado ao longo dos últimos anos. Ao analisar a atuação assertiva da potência chinesa, torna-se imperativo observar como ela desafia as concepções convencionais de desenvolvimento capitalista.
Arrighi, sustenta de forma que o sucesso econômico da China confronta a premissa de que a globalização e a intervenção estatal na economia são conceitos antagônicos. Tal perspectiva ressalta a importância das intervenções governamentais, muitas vezes subestimadas pelas correntes dominantes que defendem uma visão estritamente liberal da projeção econômica (Pautasso, 2019, p.187). Nesse sentido, é crucial considerar as intrincadas interações entre Estado e mercado, especialmente em um contexto permeado por desafios prementes que exigem políticas inclusivas e estratégias globais sustentáveis. O crescimento e a projeção econômica da China trazem consigo novos desafios que requerem uma abordagem ponderada para garantir sua sustentabilidade. Dado o vasto território e a densidade populacional do país, torna-se imperativo buscar recursos para atender às crescentes necessidades de consumo. No entanto, no contexto global atual, é essencial considerar diversos aspectos ao desenvolver políticas que visam tanto a inclusão quanto a projeção global.
É necessário que as necessidades de consumo estatais estejam sujeitas a certas restrições a fim de garantir a preservação ambiental. Este imperativo deriva da consciência cada vez maior sobre os impactos negativos da exploração desenfreada dos recursos naturais. Portanto, políticas que promovam a inclusão e a projeção global devem ser concebidas dentro de um quadro que leve em conta a sustentabilidade ambiental como um dos pilares fundamentais.
Assim, a busca por recursos deve ser equilibrada com medidas que garantam a conservação e o uso responsável dos recursos naturais. Este enfoque não apenas assegura o crescimento econômico contínuo, mas também preserva os ecossistemas vitais para o bem-estar futuro das gerações vindouras. Nesse sentido, a China, como uma potência emergente, tem o dever e a oportunidade de liderar pelo exemplo, estabelecendo políticas que equilibrem o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental.
Este estudo propõe-se a elucidar as complexas dinâmicas das relações chinesas e países em desenvolvimento com enfoque especial na busca por recursos de energia renovável, visando proporcionar uma compreensão mais abrangente sobre como tais interações ampliam a relevância e a influência da China no cenário mundial. Tais interações, garantem à China não apenas busca assegurar acesso a recursos escassos em seu território, mas também consolida sua posição como uma das principais protagonistas na distribuição global de energia, fortalecendo sua influência geopolítica. Dessa forma, surge o seguinte questionamento: De que forma as interações chinesas com países em desenvolvimento garantem benefícios além do acesso aos recursos naturais?
Partindo do pressuposto de que alianças estratégicas com países em desenvolvimento não apenas garantem o acesso a recursos vitais para a China, mas também desafiam a hegemonia do bloco ocidental, este estudo propõe-se a explorar as implicações dessas interações multifacetadas para a configuração do panorama geopolítico global.
Esta pesquisa engloba um amplo levantamento bibliográfico sobre as aspirações de crescimento da China, bem como suas adaptações e direcionamentos para o setor de energia renovável. Acredita-se que uma análise minuciosa desses aspectos pode proporcionar uma nova perspectiva interpretativa sobre a questão, contribuindo para um entendimento mais profundo e abrangente da matéria em questão. Assim, a revisão bibliográfica será conduzida de maneira meticulosa, garantindo a articulação coerente e sistemática das diversas temáticas abordadas.
Diante da disparidade na distribuição global da produção e demanda de energia, muitas nações enfrentam desafios consideráveis para atender às suas necessidades internas exclusivamente com seus próprios recursos energéticos. Esta realidade impulsiona os investimentos chineses em mercados emergentes e países em desenvolvimento, onde a demanda por energia é alta e os recursos são escassos (Tan, Chang, Guo, 2021, p. 4).
Como principal investidora em energia renovável no mundo, a China desempenha um papel crucial na promoção da transição global para fontes de energia mais limpas e sustentáveis (Nunes, Ungaretti, Di Marco, Mendonça, 2023, p.24). Liderando a capacidade instalada de energia solar e eólica em escala global, a China tem sido pioneira na adoção e implementação de tecnologias limpas de energia. Contudo, a transição para uma economia de baixo carbono enfrenta desafios significativos, exigindo atenção contínua para questões como integração à rede elétrica, armazenamento de energia e gestão da demanda (FMI, 2023).
Assim, os investimentos chineses em energia renovável nos países em desenvolvimento não só contribuem para a mitigação das mudanças climáticas em escala global, mas também ampliam a influência da China na arena energética internacional, impulsionando uma transição para uma economia mais limpa e sustentável.
CICATRIZES DA (DES)COLONIZAÇÃO: O COMPLEXO CASO DE AUTODETERMINAÇÃO DO SAARA OCIDENTAL
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Vitória de França Fernandes (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO))
Resumo:
Dentre os lugares considerados mais hostis e menos habitáveis do mundo, com clima árido e temperaturas que variam entre 50º e 60º Celsius no verão, situa-se no noroeste da África – fazendo fronteira com Marrocos, Argélia, Mauritânia e o Oceano Atlântico – o disputado território do Saara Ocidental, a “última colônia” africana. Considerado pelas Nações Unidas um dos 17 Territórios Não-Autônomos, com uma população atual estimada em 612.000 habitantes e uma área total de aproximadamente 266.000 km² ricos em recursos naturais (fosfato, minério de ferro e pesca).
Embora já contestado por diferentes Estados, são basicamente dois os atores diretamente envolvidos na disputa territorial. Por um lado, sendo um Estado soberano internacionalmente reconhecido, tem-se o Reino do Marrocos, que ocupa cerca de 85% do território a oeste, por onde se concentra a totalidade dos recursos naturais e a saída para o Atlântico. Por outro lado, separado por um muro de areia com extensão de mais de 2.500 km, está o restante do território sob o controle da Frente Popular para la Liberación de Saguia el-Hamra e de Río de Oro, responsável pelo movimento independentista, possuindo laços políticos com a República Árabe Saaraui Democrática (RASD), que por sua vez, embora reconhecida diplomaticamente por mais de 70 países e também participante da União Africana, configura-se no âmbito do Sistema Internacional como um ator não-estatal.
A partir do contexto em que se insere a questão, inúmeras repercussões regionais e internacionais ganharam notoriedade no Sistema Internacional. Para o enquadramento da situação, neste trabalho, serão expostos princípios do Direito Internacional e o contexto geopolítico no qual a questão se insere, sendo a partir de então possível compreender as origens e os principais desdobramentos dessa luta por independência.
O princípio da autodeterminação e o surgimento dos “Estados frágeis” são campos centrais de estudo a serem tratados no presente trabalho. Tal preceito será abordado como uma ideia geral de direito à liberdade dos povos e governança de comunidades políticas integradas em uma norma específica. A busca pelo princípio, que nasce como um conceito histórico e político antes de se transformar em um conceito de relevância jurídica, é o fio condutor de uma história de diálogo diplomático e luta de um povo por muito esquecido: os saarauis.
Por meio de uma origem colonial, as fortes tensões sobre a região se deram após a abdicação da Espanha sobre a administração do território em 1976. A partir de então, Marrocos e Mauritânia reivindicaram o controle sobre a área, sendo ambos amplamente contestados pela Frente Popular para la Liberación de Saguia el-Hamra e de Río de Oro (Frente POLISÁRIO), um movimento de libertação nacional reconhecido pelas Nações Unidas como o legítimo representante do povo saaraui. A instituição de um conflito armado entre as partes gerou, em 1991, a criação da Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental (MINURSO), que apesar de instituir um longo cessar-fogo, não conseguiu atingir o seu objetivo central de realizar um referendo justo. Neste contexto, o caso do Saara Ocidental está agendado em algumas instâncias das Nações Unidas como um caso de descolonização do território colonizado pela Espanha e depois ocupado pelo Marrocos.
Sendo um caso multifacetado, para entender o caso do Saara Ocidental, este projeto procura responder a seguinte questão: como o colonialismo e, por conseguinte, os grandes Estados e Organizações Internacionais influenciam na perpetuação da busca por independência do Saara Ocidental? A hipótese considerada é que tais atores podem ser os principais responsáveis pela irresolução e também pela perpetuação da questão, pois apesar de agirem, em favor de seus interesses, suas atitudes não geram grandes efeitos.
Como se definirá nesta pesquisa, o conflito no Saara Ocidental abarca diversas variantes e deve ser visualizado de maneira interdisciplinar. O objetivo deste estudo não é oferecer uma solução para o conflito ou para a concretização do referendo encabeçado pela MINURSO, mas sim, demonstrar o quão ligada está a participação da colonização e da atuação externa no prolongamento da questão. Analisando a falência do processo de autodeterminação, bem como a ineficiência das Nações Unidas nos processos de descolonização.
A metodologia aplicada para a elaboração deste trabalho utiliza a pesquisa documental junto à bibliográfica, e pode ser caracterizada como uma pesquisa de cunho qualitativa, com base em dados na forma de descrições, relatos, opiniões, textos e documentos de fonte primárias e secundárias.
Assim, para que seja possível analisar a partir de várias perspectivas os motivos que contribuem para a manutenção do status colonial e busca por autodeterminação, este estudo traz em foco o Saara Ocidental a partir de três perspectivas: o direito da autodeterminação de seu povo; o papel das Nações Unidas e sua insuficiência para resolução da questão; e a análise da atuação e interesse dos principais atores externos envolvidos no conflito.
Dessa forma, este trabalho irá se estruturar em três diferentes seções: a primeira referenciar o surgimento do conceito de autodeterminação dos povos no Sistema Internacional, como o mesmo é caracterizado na contemporaneidade e a importância do mesmo junto a luta por descolonização, em especial no caso do Saara. O segundo capítulo será iniciado a partir da análise de como se concretizou a ocupação marroquina no território e sua reivindicação, a partir de então será estudado o papel das Nações Unidas e o posicionamento da MINURSO, que pode ser vista como uma missão não tão vitoriosa. Por fim, na terceira parte, o foco será na persistência do impasse; como a Unidade Africana, mesmo com diferentes tentativas, falhou em chegar em uma resolução e como o posicionamento de Estados externos ao conflito contribuem para a durabilidade das tensões.
Colonialidade ou resistência?: o dilema das redes sociais como ferramenta de colonialismo digital e instrumento de luta anti colonial na contemporaneidade
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Victória Louise de Sousa Quito (PUC-Rio), Débora Magalhães Ferreira Binatti da Costa (INCT/INEU – OPEU)
Resumo:
Na contemporaneidade, o que outrora sustentou a gênese e o desenvolvimento inicial do Sistema Capitalista Moderno e Colonial perdura sob a forma de colonialidade do poder. Nessa realidade em que as relações sociais são baseadas em uma dinâmica de poder racista, o desenvolvimento tecnológico emerge como símbolo cada vez mais forte da modernidade. As Big Techs norte-americanas, nesse contexto, representam não apenas o ápice do desenvolvimentismo, como também reforçam e possibilitam a propagação do poder imperial da potência hegemônica global, os Estados Unidos. E é nesse sentido que o colonialismo digital, que divide o território do Sul Global entre essas empresas, surge como uma nova forma de imperialismo expresso a partir da dominação econômica; do controle imperial; do capitalismo de vigilância global; da vigilância de Estado imperial e da hegemonia tecnológica. Nesse sentido, considerando a importância crescente do emprego de redes sociais detidas por essas Big Techs (em especial, aquelas do grupo Meta Platforms, Inc.) para o movimento indígena brasileiro, a presente pesquisa busca compreender como essa dinâmica de poder é desempenhada na prática. É possível encontrar evidências de colonialidade estadunidense expressas a partir de suas redes sociais? Se sim, pode-se provar que grupos que sofrem com a colonialidade utilizam essas mesmas redes para empreender seu ativismo contra-colonial? Para responder, objetiva-se analisar o comportamento e o funcionamento da Meta Platforms quanto às suas redes sociais, observando suas escolhas institucionais e a organização do conteúdo do website, procurando identificar vieses colonialistas nessas condições. Além disso, objetiva-se averiguar as motivações do movimento indígena brasileiro ao atuar no ambiente dessas redes, procurando apresentar as declarações do grupo quanto à utilidade desse meio de ativismo digital para sua luta política. O recorte temporal, compreendido pelo período de governo Bolsonaro (2019-2022), justifica-se pelo aumento da utilização das plataformas digitais, em especial as redes sociais, para mobilização política – principalmente considerando o contexto pandêmico. Assim, a partir de pesquisa exploratória, documental e bibliográfica, com base nas teorias decoloniais e pós-coloniais, a metodologia aplicada foi a de estudo de caso voltado para a análise de notícias; declarações de lideranças indígenas; movimentações da corporação analisada; características de publicações impulsionadas na rede social; além de configurações da própria plataforma. Por um lado, os resultados encontrados demonstraram que, tanto no caso do Instagram quanto no do Facebook, há indícios de desconsideração pelos idiomas indígenas; beneficiamento a partir da mineração ilegal em Terras Indígenas; vulnerabilidade do controle da empresa sobre a circulação de anúncios ilegais ou discriminatórios; o data mining praticado pela plataforma contra a liberdade de todos os seus usuários, transformados em produtores e consumidores para a empresa e a ampliação da vigilância imperial do governo dos Estados Unidos sobre a região amazônica com a expansão do uso dessas redes por povos indígenas. Por outro, também foi possível descobrir que, de fato, os povos indígenas brasileiros que se dedicam ao ativismo utilizam e valorizam esse uso das redes sociais em prol da luta anti colonial.
Contribuições da Geografia Crítica para ensino e pesquisa em Relações Internacionais: reflexões a partir da prática docente
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Eduarda Figueiredo Scheibe (UNICAMP)
Resumo:
O campo de estudos das Relações Internacionais é reconhecidamente multidisciplinar. Nesse sentido, sua constituição como campo autônomo e plural conta com contribuições teóricas e metodológicas de diversas outras áreas de conhecimento, entre elas a Geografia. Contudo, observa-se que as contribuições mais frequentemente abordadas dessa área estão mais ou menos diretamente associadas aos estudos de guerra e de paz e/ou a abordagens geopolíticas formuladas ainda a partir de métodos positivistas, não raro desde uma perspectiva eurocêntrica. Em contrapartida, é menos frequente que se explore as contribuições de reflexões teóricas mais recentes do campo geográfico.
Por um lado, temos valorizado os avanços nos debates teóricos e metodológicos próprios e apropriados por nosso campo das Relações Internacionais, particularmente aqueles que podem ser identificados como terceiro e quarto “grandes debates teóricos” — conforme periodização em Jatobá (2013). Ainda no contexto histórico da segunda metade da Guerra Fria, por exemplo, observamos a (re)valorização de debates influenciados pelo materialismo histórico, que vão inspirar não apenas a difusão de teorias da dependência, mas também a análise histórica das relações internacionais a partir da expansão do sistema capitalista para explicar a estrutura das dinâmicas internacionais no sistema-mundo. Já mais recentemente, assistimos ao aprofundamento do debate entre positivistas e interpretativistas (Lamont, 2015) ou pós-positivistas. Esse debate reflete, certamente, uma ampliação dos temas de Relações Internacionais, para incorporar de forma mais enfática questões como racismo, feminismo e colonialismo, além de uma visão crítica a respeito da pretensa neutralidade de teorias tidas como mais tradicionais do início do século XX.
Por outro lado, no entanto, ainda resta pouco explorado o arcabouço teórico e metodológico oferecido pela renovação da Geografia nos anos 1970, após período de ostracismo da disciplina nos meios políticos e acadêmicos no pós-Segunda Guerra Mundial (Castro, 2005). Ademais, ainda atualmente, nas grades curriculares de cursos de graduação em Relações Internacionais no Brasil, ocorre de a contribuição mais clara do campo geográfico, a priori, ficar restrita à disciplina de Geografia Política – ao passo que são em maior número aquelas disciplinas “herdadas” dos campos da Ciência Política, História e Economia.
Sem desconsiderar a importância da contribuição de cada um desses campos disciplinares para o pluralismo tão característico das análises em Relações Internacionais, bem como do aprendizado a respeito de abordagens geopolíticas clássicas ainda com manifesta influência sobre mundo contemporâneo, este trabalho busca sistematizar algumas das contribuições pós-positivistas da Geografia Crítica para ensino e pesquisa nas Relações Internacionais.
Para tanto, se recorrerá às reflexões feitas a partir da experiência como docente em um curso de graduação em Relações Internacionais, entre os anos de 2020 e 2023. Serão objeto de reflexão, particularmente, as recorrências observadas em diversas práticas realizadas principalmente na atividade letiva da disciplina de Geografia Política, mas igualmente em disciplinas relacionadas a temáticas econômicas, onde a Geografia Crítica foi complementar para elaboração dos planos de ensino e elucidação de questionamentos no decorrer dos cursos ministrados.
Na disciplina de Geografia Política, utilizou-se a obra “A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”, de Yves Lacoste ([1976] 1988), por ser considerada como marco da Geografia Crítica, bem como contribuições de geógrafos como Bertha Becker (2005), Milton Santos e Maria Laura Silveira (2006) para uma compreensão também crítica da geopolítica brasileira e do processo de formação territorial do país. As reflexões feitas a partir dessas e outras obras do campo da geografia foram, posteriormente, retomadas em disciplinas dedicadas ao campo da economia, contribuindo para considerações, por exemplo, a respeito do conceito de região em Relações Internacionais (Haesbaert, 2010). De forma resumida, observou-se que a obra de Lacoste, sobretudo, contribuiu para discussão inicial a respeito da desnaturalização de conceitos e categorias utilizadas e difundidas a partir de abordagens geopolíticas do século XIX e XX, assim como para considerações éticas no trabalho de pesquisa e no papel da Universidade para produção de conhecimento e ou legitimação de discursos (geo)políticos. Ademais, de forma geral, as referências utilizadas auxiliaram na compreensão das categorias de “interesse nacional” e mesmo de “identidade” como uma construção político-social. No mesmo sentido, observou-se que as proposições metodológicas contidas nessa literatura contribuem para melhor apreensão de particularidades (territoriais) de processos hegemônicos, com frequência abordados como universais.
Cooperação Sanitária Brasil-BRICS: complementação econômica ou estruturação de sistemas de saúde?
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Pietro Barrios Tronco (Universidade Federal de Santa Maria), Ademar Pozzatti (Universidade Federal de Santa Maria)
Resumo:
Esta pesquisa parte da identificação de uma lacuna nos campos de pesquisa do Direito Internacional e das Relações Internacionais em relação à cooperação em saúde Brasil-BRICS. Embora seja notável o aumento da relevância dos países BRICS na política internacional e no setor saúde, sobretudo após a pandemia de COVID-19, não há pesquisas que se ocupem em avaliar sistematicamente a agenda de cooperação em saúde implementada por esses países através de seus arranjos normativos.
A presente pesquisa objetiva analisar o conteúdo dos acordos internacionais em saúde firmados entre o Brasil e os países do grupo BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul) que estão em vigor, para verificar se a cooperação sanitária entre esses países segue o perfil estruturante ou emergencial, tendo em vista que outras pesquisas já verificaram ambos modelos na cooperação sanitária brasileira com parceiros da América Latina (Pozzatti; Farias, 2019; Rosenberg et al, 2016) e da África (Buss; Ferreira, 2010; Esteves; Gomes; Fonseca, 2016). A cooperação estruturante em saúde (CES) foi teorizada por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e se refere à cooperação técnica brasileira em saúde a partir dos anos 2000, quando esta recebe um protagonismo na política externa brasileira com os países do Sul Global (Almeida et al, 2010). Este modelo de cooperação é guiado pelo capacity building, de modo a integrar a formação de recursos humanos em saúde e a construção das capacidades nos países cooperantes, sendo uma alternativa às formas tradicionais de se cooperar em saúde, através de pacotes prontos ou doação de insumos (cooperação Norte-Sul/emergencial), que não investem no fortalecimento institucional dos países para que eles mesmos possuam capacidades de garantir e promover o direito à saúde (Ferreira; Fonseca, 2017). A pesquisa também busca entender se a formalização dos BRICS catalisa a cooperação sanitária com os países envolvidos.
Metodologicamente, este trabalho realiza uma pesquisa empírica para analisar quantitativa e qualitativamente os acordos internacionais em vigor Brasil-BRICS em saúde, obtidos por meio de levantamento documental na divisão de atos internacionais do portal Concórdia, que pertence ao Ministério das Relações Exteriores. Ao todo, foram obtidos 250 acordos internacionais em vigor Brasil-BRICS, sendo 29 em saúde. A análise quantitativa dos acordos internacionais em saúde Brasil-BRICS envolveu a categorização dos aspectos mais gerais desses acordos, como os tipos normativos, matérias reguladas (dentro do setor saúde), onde estão localizados, data de entrada em vigor internacionalmente, categorias estas que auxiliam a responder à primeira pergunta de pesquisa. A etapa qualitativa da pesquisa compreendeu a análise do conteúdo dos acordos internacionais em saúde, para que se pudesse entender o perfil da cooperação em saúde Brasil-BRICS. Para este fim, categorizou-se qual parte capacita e qual é capacitada, se existem canais para diálogo entre as partes e se existe ou não meios para monitorar e avaliar o andamento dos projetos de cooperação entre os países. Assim, os marcadores elencados foram: fortalecimento institucional; consulta política; consenso para divulgação; encargos financeiros; legitimidade democrática; posição na relação.
Em relação ao mapeamento geográfico, temporal e temático da cooperação, concluiu-se que não houve catalisação na cooperação em saúde após a formalização do BRICS, pois não houve um aumento significativo de acordos firmados a partir desse período. As descobertas sobre o acervo mostram que a cooperação em saúde Brasil-BRICS é incipiente, dada a alta concentração de acordos de tipos normativos ligados ao alinhamento político das partes e não de ações concretas para o setor.
Quanto à segunda pergunta de pesquisa, entendeu-se que a cooperação em saúde Brasil-BRICS é de perfil misto. Tendo como referência os marcadores aplicados à cooperação em saúde Brasil-BRICS, se observou a ocorrência de padrões associados a uma cooperação característica da CES, e também elementos associados à cooperação emergencial. A partir das fontes obtidas, não foi possível alcançar a dimensão operacional (ABC, 2013) da cooperação, impossibilitando a tarefa de verificar se o perfil identificado no corpo dos acordos reflete a cooperação em saúde cristalizada na prática. A respeito disso, vale ressaltar a falta de legitimidade democrática/transparência quanto às atividades que ocorrem no âmbito dos ajustes complementares, levando em consideração que não foi possível encontrar relatórios de atividades dos projetos de cooperação em saúde entre as partes.
Em suma, é importante destacar que existe um espaço profícuo para esses países desenvolverem ainda mais sua cooperação em matéria de saúde, haja vista que, politicamente, as partes concordam a importância de desenvolver a cooperação em diversas matérias no setor. Apesar disso, a análise dos acordos internacionais é apenas uma das maneiras de se investigar a cooperação desses países, de modo que essa pesquisa é um ponto de partida para a utilização de novas fontes e a aplicação de diferentes metodologias para compreender melhor o funcionamento da dimensão operacional da cooperação em saúde Brasil-BRICS.
Da possibilidade de um Tratado de Livre Comércio entre a República Oriental do Uruguai e a República Popular da China: implicações para a economia uruguaia e para integração regional do Mercosul
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Irina Lima Martínez (Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (PPGRI/UFSM))
Resumo:
De 1991 a 2024 a República Oriental do Uruguai tem apostado fortemente no projeto de integração regional no âmbito do Mercosul, onde junto à Argentina, Brasil e Paraguai propuseram-se, mediante o Tratado de Assunção, consolidar-se enquanto um bloco econômico regional. Esta audaciosa aposta iniciada na década de noventa foi a soma de esforços de países que encontravam-se em momentos históricos semelhantes e acreditavam que essa união os ajudaria a se desenvolver enquanto uma força regional coesa frente às tendências do sistema internacional. Apesar da preponderância do Mercosul em trinta e três anos, questiona-se a efetividade desta iniciativa (sobretudo, por parte das economias menores que a integram) como é o caso do Uruguai e Paraguai. Os questionamentos sinalizam os poucos avanços e muitos retrocessos do Mercosul. No cenário internacional, tem-se a emergência da República Popular da China que apresenta-se como potência mundial e principal comprador de bens da maioria dos países da América do Sul sendo também uma parceria estratégica destes através do fomento de projetos e realização de empréstimos (Fesur, 2017). A China procura não somente manter seu relacionamento estratégico com a América Latina mediante a via econômica e comercial mas também através da assinatura de Tratados de Livre Comércio (TLC); já possuindo acordos deste tipo com o Chile, Costa Rica e Perú (Bartesaghi, Melgar; 2018). Bartesaghi e Melgar (2018) destacam alguns países que possuem Tratados de Livre Comércio com a China sendo estes a Austrália, Costa Rica e Nova Zelândia. Estes possuem a eliminação das tarifas a zero o que possibilita uma liberalização comercial (Bartesaghi, Melgar; 2018). Portanto, o cenário é de a) um Mercosul que mostra-se como um projeto deficitário e com uma agenda pouco propositiva e b) uma potência como a China que possui interesse na assinatura de Tratados deste tipo assim como também na compra de produtos que compõe o cerne da cesta de exportações uruguaia (produtos primários). Em 2006 o Uruguai já sinalizou o interesse em negociar um TLC, traduzido no ímpeto do presidente Tabaré Vázquez em assiná-lo com os Estados Unidos mas também com a Índia e a China, sobretudo pela frustração com o Mercosul. Em Junho de 2016, o então ministro das Relações Exteriores do Uruguai Rodolfo Nin Novoa visitou a China e reuniu-se com Wang Yi e Jang Jiechi. O ministro manifestou interesse na assinatura de um TLC dentro ou fora do Mercosul (Opeu, 2016). Em setembro de 2021, o atual presidente uruguaio Luis Lacalle Pou anunciou que o Uruguai recebeu uma oferta formal da China para começar uma análise de factibilidade a respeito de um Tratado de Livre Comércio entre ambos países. O estudo finalizou-se em Julho de 2022, mas as negociações atualmente encontram-se estagnadas. Portanto o problema que norteia esta pesquisa é: Que implicações um TLC entre Uruguai e China teriam para a economia uruguaia e para integração regional do Mercosul? O objetivo geral desta pesquisa é compreender os impactos que poderia ter um TLC entre República Oriental do Uruguai e a República Popular da China para a economia uruguaia e para a integração regional do Mercosul. Os objetivos específicos são: i)efetuar revisão da literatura a respeito da integração regional no âmbito do Mercosul bem como da inserção internacional de economias pequenas; ii)analisar o andamento das negociações de um TLC entre a República Popular da China e a República Oriental do Uruguai; iii)compreender as implicações que um TLC entre Uruguai e China poderia resultar para a economia uruguaia e iv)constatar os possíveis impactos da assinatura de um TLC entre Uruguai e China para a integração regional no âmbito do Mercosul.No que tange os aspectos metodológicos, trata-se de pesquisa qualitativa a partir do método hipotético-dedutivo. Quanto aos objetivos, pretende-se construir uma pesquisa de caráter exploratório. Quanto às técnicas de pesquisa ou procedimentos se empregará a pesquisa bibliográfica em base a fontes secundárias (Silveira, Peixoto, 2009). Os resultados parciais conduzem a constatar implicações significativas para o Uruguai no sentido de mudanças no estado, instituições e sociedade no Uruguai (Cuña, Dematté, Nievas, 2022). O Uruguai poderia atingir novos mercados dentro da China e competir melhor com outros países que já possuem tratados deste tipo com a potência e que além disso, possuem vantagem por estar a menor distância como é o caso da Austrália. Outrossim, teria a redução de tarifas para ingressar seus produtos na China e geraria novas correntes de exportação podendo aumentar o volume destas. Também, poderiam-se reduzir o valor dos produtos da China importados ao Uruguai o que desencadearia um menor valor para importadores e consumidores (Bartesaghi, Melgar, 2018). Permitiria maiores benefícios aos setores cárnico, da soja e lácteo (Munyo, 2023); aumento das exportações anuais com destino à China e que o país resulte atrativo perante outros países após a assinatura do TLC (Bartesaghi, Melgar, 2018). Os setores econômicos mais afetados seriam os setores têxtil, de roupas e calçados (Munyo, 2023). Contudo, a assinatura deste poderia comprometer o relacionamento do Uruguai com o Mercosul. O Uruguai poderia ter dificuldade em negociar bilateralmente com outros países e vir a fechar acordos de menor qualidade por ser um interlocutor menor.De modo geral, a principal implicação para a integração regional do Mercosul é que a efetivação do tratado poderia resultar em uma dissolução do mercado haja vista a Decisão 32/00. Conforme Cuña, Dematté, Nievas (2022) a presente decisão obriga que os países que integram esta iniciativa possuam uma política comercial comum para negociações extra-zona. A pesquisa encontra-se em estágio incipiente e trata de uma negociação que ainda encontra-se em andamento (sobretudo estagnada, muito pelas pressões dos países do Mercosul) com possibilidade de efetivar-se ou não.
De 6 a 8 de janeiro: uma análise da relação Brasil-EUA diante dos ataques antidemocráticos
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Luísa Barbosa Azevedo (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI-UERJ))
Resumo:
Ao longo de 200 anos de relações bilaterais, Estados Unidos e Brasil tiveram a comum missão de consolidação do Estado democrático após suas independências, sendo considerados as maiores democracias das Américas. Essas democracias passaram, em 2021 e 2023, respectivamente, por ataques de grupos antidemocráticos que invadiram e destruíram partes dos principais prédios de suas instituições. O marco internacional desses acontecimentos reverbera em um contexto de enfraquecimento do ideal democrático liberal, propagado pelos EUA como modelo. O presente artigo tem como objetivo analisar a relação bilateral entre Brasil e EUA no que tange a esses ataques antidemocráticos. Nesse contexto, a agenda bilateral democrática se torna um dos pontos centrais nas discussões iniciais do governo de Joe Biden e de Luiz Inácio “Lula” da Silva. Parte-se da hipótese que esses movimentos antidemocráticos são relacionados e legitimados por autoridades dos governos antecessores e pela ascensão de ideias de extrema direita de contestação democrática. Assim, de que maneira os ataques antidemocráticos no Brasil e Estados Unidos foram inseridos na agenda bilateral? Com isso, a pesquisa bibliográfica e documental, de natureza analítica, utiliza-se de documentos oficiais, declarações conjuntas, discursos, notícias e artigos acadêmicos, vistos através da análise de conteúdo e de discurso. Como referencial teórico, foram observadas percepções pós-estruturalistas das relações internacionais de Robert Walker, teóricos políticos e suas concepções da democracia americana, como Alexis de Tocqueville e Robert Dahl.
De polícia violenta à polícia violeta? O projeto mexicano de uma polícia com perspectiva de gênero
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Beatriz Azevedo Coutinho (San Tiago Dantas (UNESP))
Resumo:
A América Latina é conhecida como uma das regiões mais violentas do mundo para as mulheres (UNODC, 2019). Sendo o México o segundo país com maior número de feminicídios na região (STATISTA, 2024). O país foi condenado em mais uma ocasião na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) por casos relacionados a violência de gênero, que evidenciaram a violência institucional e negligência do Estado mexicano, em especial da polícia nesses casos (GAZETA OFICIAL DEL DISTRITO FEDERAL, 2011). Essa pressão externa coadunada a pressões internas, em especial dos movimentos feministas, fez com as instituições mexicanas tivessem que modificar as suas estruturas. Uma dessas respostas à sociedade foi o projeto da polícia violeta ou polícia com perspectiva de gênero da Cidade do México. Por meio da análise dos novos protocolos da polícia, dos dados governamentais e da literatura investigarei como esse projeto pretende mudar a atuação policial de violenta para violeta nos caso de violência de gênero numa das maiores capitais da América Latina.
De acordo com Connell e Messerschmidt (2013), os processos de formação dos Estados e suas instituições, como as polícias, são baseado nas masculinidades hegemônicas. Ou seja, em práticas atreladas as ideias de virilidade, de força, de coragem, de dominação e de heroísmo, que beneficiam os homens de forma pontual ou permanente. Esse conjunto de práticas faz com os homens assumam papéis sociais de prestígio e criem ideologias e estruturas que os favoreçam. Portanto, para manterem essa ordem patriarcal eles se utilizam da persuasão, da força, das instituições e da violência. Dentro dessa lógica, a polícia agiria como o braço armado para manter a face pública do patriarcado dentro das sociedades. Em outras palavras, os policiais protegeriam mais os agressores e a preservação do patriarcado do que as vítimas. Alguns exemplos dessa violência institucional são: (1) quando os policiais revitimizam as mulheres, que denunciam abusos feitos por seus parceiros; (2) quando não investigam corretamente crimes de feminicídio (SAGOT RODRÍGUEZ, 2013).
O projeto da polícia da Cidade do México (CDMX), ao qual nesse artigo denominei como violeta, visa combater esse tipo de violência institucional descrita pelos autores. O nome se deve ao objetivo da polícia de fazer com que seus profissionais utilizem um óculos violeta, ou seja, um óculos com perspectiva de gênero, que os façam capazes de perceber as estruturas patriarcais de violência e combate-las. Portanto, o plano visa que desde a formação, os policiais recebam treinamentos sobre o que é a perspectiva de gênero, quais práticas são consideradas (micro)machismos e não devem ser perpetuadas. Além de analisar os treinamentos para os policiais patrulheiros, que fazem parte da Secretaria de Segurança Pública (SSC), também investigarei os dos policiais ministeriais e dos periciais, esses dois últimos são vinculados às fiscalías, que fazem parte do Ministério Público (MP) e são responsáveis pelas investigações dos casos de violência de gênero. Ademais, examinarei documentos como o “Plano de Desenvolvimento Policial com Perspectiva de Gênero” e o “Protocolo Ministerial, Pericial e de Investigação Policial com perspectiva de gênero para o Crime de Feminicídio”, para compreender quais protocolos os(as) agentes devem adotar ao abordarem as vítimas de violência de gênero e também ao realizarem a perícia e a investigação (GAZETA OFICIAL DEL DISTRITO FEDERAL, 2011).
A seleção dos documentos foi baseada em sua relevância para o projeto de uma polícia violeta. O plano têm por objetivos: (1) Igualdade substantiva no desenvolvimento das carreiras policiais; (2) Mudanças regulamentares, administrativas e da cultura organizacional; (3) Formação Integral com Perspectiva de Gênero; (4) Erradicação da violência contra a mulher dentro da instituição (SSC-CDMX, 2022). Como resultados, desde 2019 até 2023, houve: (1) a criação de unidade especializada de gênero, que recebeu mais de 1.222 queixas contra policiais, dos quais 474 sofreram sanções e desses 171 foram afastados da força por perpretarem a violência de gênero; (2) o estabelecimento de uma linha especial para atendimento das vítimas de violência de gênero, que atendeu mais de 105.914 casos de violência contra às mulheres e deixou 4.736 agressores à disposição da justiça; (3) a incorporação de mais mulheres às forças policiais (um aumento de 5%) e maior ascenção a postos de comando (um crescimento de 54%); (4) a modificação curricular para que todas as disciplinas na formação policial incluam a perspectiva de gênero (SSC-CDMX, 2023). Em consequência disso, em 2022, o plano recebeu da Organização dos Estados Americanos (OEA) o Prêmio Interamericano de Inovação em Gestão Pública na categoria Inovação na Promoção da Abordagem à Igualdade de Gênero, Diversidade e Direitos Humanos (SSC-CDMX, 2023).
Já o protocolo, criado em 2011, foi uma resposta aos casos como o de Mariana Lima Buendía. No qual o seu marido, que era policial da fiscalía, alterou as provas do crime de feminicídio para que parecesse suicídio. Para isso, contou com o auxílio de colegas que não realizaram a perícia nem as investigações de forma correta ou com perspectiva de gênero (QUINTANA OSUNA, 2018). O protocolo reafirma o compromisso do Estado Mexicano com os tratados internacionais de direitos humanos e com a proteção das mulheres; reforça a necessidade da perspectiva de gênero em todas as partes do atendimento, assim como na condução dos casos; e estabelece o passo-a-passo que os agentes devem realizar, inclusive explicitando a necessidade de uma boa sinergia entre as forças policiais (GAZETA OFICIAL DEL DISTRITO FEDERAL, 2011). Com esse estudo de caso viso contribuir para a literatura de gênero, paz e segurança ao investigar mudanças institucionais nas polícias, que possam contribuir com sociedades mais democráticas, justas e que reduzam a violência e a disparidade entre os gêneros.
De Wagner a “The Africa Corps”: o papel dos grupos militares privados na estratégia da Rússia para o continente Africano.
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Vinícius Teles do Carmo Santa Rosa (PPGCPRI – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais – Universidade Federal da Paraíba (UFPB))
Resumo:
Desde o fim da União Soviética, a Rússia tem buscado recuperar e consolidar sua posição como um País relevante nos âmbitos militar, econômico e geopolítico. Para tal propósito, o Kremlin vem atuando através de uma agressiva estratégia, que tem no continente africano um dos seus principais pilares para a manutenção de sua projeção de poder. Historicamente, desde os tempos do Império Czarista, Moscou sempre procurou cultivar um bom relacionamento com uma ampla gama de países africanos, visando mantê-los sob sua esfera de influência. Segundo Rondeaux (2019), tal posição é sustentada pela riqueza geopolítica e mineral do continente, tornando-o crucial para a projeção de poder da Rússia.
Como método para essa estratégia, o Kremlin vem fazendo uso de Empresas Militares e de Segurança Privadas (EMSPs), com foco no discurso de fornecimento de segurança para diversos países do continente que passaram por um recente processo de descolonização. Sukhankin (2020) informa que a partir do ano de 2015, a Rússia assinou com países africanos aproximadamente 19 acordos de cooperação técnico-militar, que garantiu que diversas EMSPs pudessem oferecer seus serviços, atuando em busca dos interesses russos na região.
Com a chancela de Moscou, as Empresas Militares e de Segurança Privadas (EMSPs), mais notavelmente o Grupo Wagner, uma das maiores operando em favor da Rússia, passaram a não somente atuar em favor do Kremlin, mas também assinar lucrativos contratos com países africanos. Katz, et al. (2020) observam que em todos os locais de atuação dessas empresas, existiu uma flagrante troca de apoio militar e de segurança por ganhos econômicos e geopolíticos, visto que, de acordo com Sukhankin (2020), a exportação de segurança por parte de Moscou tem como principais elementos a venda de armamentos, treinamento militar antiterrorismo e insurgência e serviços de consultoria em segurança.
Dessa forma, a parceria entre o Kremlin e as EMSPs se mostrou bastante benéfica para ambos os lados, de modo que o governo conseguiu, por meio dessa estratégia, resguardar seus objetivos de criar um mercado para sua indústria bélica, além da manutenção de um bom relacionamento com países repletos de riquezas minerais, preservando-os, portanto, em sua zona de influência. Já as Empresas Militares Privadas, por se tratarem, antes de tudo, de um negócio privado que visa, em sua grande maioria, o lucro, conseguiram auferir bons montantes, tornando suas operações bastante rentáveis.
Além disso, através do uso dessas empresas, a Rússia foi capaz, em muitas das vezes, de negar seu envolvimento em conflitos na África , ao passo que influenciava fortemente guerras a seu favor. Outrossim, devido às restrições orçamentárias, os ministérios da Defesa e das Forças Armadas, sensíveis aos custos, recusam-se a criar e manter continuamente uma base de recursos militares que seria suficiente para lidar com seus problemas de segurança (Kruck, 2014, p. 115), o que acaba facilitando a aceitação dessas EMSPs por parte dos países africanos.
Apesar do sucesso da estratégia, o relacionamento entre o Grupo Wagner e Moscou foi se deteriorando ao longo do tempo em razão da participação do grupo no conflito entre Rússia e Ucrânia. Um dos líderes do grupo, Evgeny Prigozhin, acusava o Ministério da Defesa, na pessoa do Ministro Sergey Shoigu, e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas do país, Valery Gerasimov, de agirem contra a sua EMSP. Tal conflito levou ao motim realizado pelo Wagner que, de acordo com Prigozhin, não visava a derrubada do governo do presidente Putin, mas sim a demissão de Shoigu e Gerasimov.
O incidente marcou de vez o fim do Grupo Wagner, principalmente após o misterioso acidente aéreo que vitimou Prigozhin e Utkin, os líderes do grupo. Após o episódio, já no ano de 2023, o Kremlin lançou a sua nova iniciativa para o continente: The African Corps, que consiste em uma mistura entre ex-integrantes do grupo Wagner e voluntários recrutados no próprio continente africano. O novo empreendimento tem o objetivo de diminuir os custos, em virtude da redução no transporte de tropas e dos salários pagos, já que serão recrutados voluntários locais com menores salários.
A nova iniciativa tira de vez o Wagner, que se tratava de uma iniciativa privada sem laços comprovados com o governo, e insere uma nova força que possui laços com Moscou. Nesse sentido, foi criado um potente exército localizado na África , diretamente ligado e controlado pelo Kremlin, e que, de forma muito mais ágil e ampla, irá defender os interesses da Rússia no continente em questão, diferentemente das EMSPs, que tinham como seu principal foco o retorno financeiro. Mostrando, assim, uma relevante mudança na estratégia de Moscou para a localidade.
Em vista disso, o estudo tem por objetivo responder à seguinte pergunta: Qual o papel do Grupo Wagner e, posteriormente, do The African Corps na estratégia russa para o continente Africano? Tendo como principal objetivo uma análise da evolução do papel do Wagner na África até a sua transformação em uma nova iniciativa, o The African Corps. Sendo os objetivos específicos: (1) analisar a evolução do Grupo Wagner e analisar o papel desempenhado pelo grupo durante a sua atuação no continente; (2) entender os motivos que levaram à sua substituição em uma nova iniciativa; (3) examinar as principais mudanças advindas dessa modificação.
Portanto, com a finalidade de demonstrar o papel das Empresas Militares e de Segurança Privadas, faremos uso da metodologia de Estudo de Caso. Visto que um estudo de caso se trata de uma investigação empírica que analisa um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real (YIN, 2001, p. 32). Analisando comparativamente a atuação do Grupo Wagner e sua posterior transformação em The African Corps com finalidade de inferir o papel desempenhado por esses grupos, além das principais mudanças advindas dessa mudança.
Desafios contemporâneos para o petrodólar: impactos sobre a hegemonia financeira dos Estados Unidos.
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Julia Driemeier Vieira Rosa (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
O petróleo é um elemento chave não somente para a economia mundial e para a segurança internacional, mas também para sustentação da hegemonia financeira dos Estados Unidos, que, diante da dificuldade em manter a sua moeda atrelada ao ouro no final do sistema de Bretton Woods, conseguiu manter a superioridade do dólar por meio da criação do petrodólar, resultante das negociações bilaterais entre os norte-americanos e a Arábia Saudita na década de 1970. Desta forma, afirma-se que o possível rompimento desta interligação possa ter consequências profundas em relação ao papel do dólar no sistema financeiro internacional contemporâneo e, consequentemente, do poder estrutural dos Estados Unidos. Sendo assim, desde então, o mercado petrolífero tem se transformado significativamente, tanto pelo fortalecimento de atores como a China dentro deste, que vem oferecendo contratos alternativos baseados no yuan para a comercialização do recurso com parceiros estratégicos, quanto pelas demandas da agenda climática internacional em substituir o uso do hidrocarboneto na matriz energética global pela adoção de energias renováveis com a finalidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa que aceleram a mudança do clima. Este artigo tem como objetivo, portanto, analisar os desafios contemporâneos existentes para o petrodólar e como estes impactam a hegemonia financeira estadunidense. Para tanto, olha-se em específico para a rivalidade ofertada pelo petroyuan dentro do mercado petrolífero e a transição energética global, necessária para se mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas. O desenvolvimento desta pesquisa conta com uma revisão bibliográfica da principal literatura do tema e a análise de dados secundários que servem para contextualizar os argumentos do trabalho.. A abordagem teórica conta, sobretudo, com as contribuições de Susan Strange (1988) acerca do poder estrutural. Como resultados, afirma-se que ambos os desafios analisados têm a capacidade de constranger o poder estrutural dos Estados Unidos e minar a influência do dólar sobre o sistema financeiro internacional. O petroyuan já pôs um fim ao monopólio da moeda norte-americana no comércio do petróleo, oferecendo uma alternativa atraente para países que gostariam de atuar com maior autonomia monetária fora do escopo dos interesses estadunidenses. Projeções mostram que a demanda global pelo petróleo está esperada a cair conforme países adotem cada vez mais energias renováveis. Apesar destes desafios representarem ameaças importantes à hegemonia do dólar, a pesquisa também aponta que os Estados Unidos vão continuar a gozar de benefícios decorrentes da superioridade da sua moeda por várias décadas ainda, visto que os desafios analisados apresentam limitações no seu potencial transformador do sistema financeiro internacional, sendo que mudanças neste advindas do mercado petrolífero estão esperadas a se desenvolver gradualmente.
Palavras-chaves: poder estrutural; hegemonia financeira internacional; Estados Unidos; petróleo; petrodólar.
Descolonizando as Relações Internacionais – Reflexões a partir da leitura de Ramón Grosfoguel
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Lucca Fantuzzi Soares (UNIRIO)
Resumo:
Por que é importante refletir sobre a descolonização do campo disciplinar das Relações Internacionais? Em um mundo em estado de policrise política, econômica, ambiental, social, etc, têm-se tornado cada vez mais urgente pensar em alternativas epistemológicas que deem conta de encontrar saídas factíveis. Por outro lado, o epistemicídio ainda é praticado, à medida que vozes subalternizadas seguem sendo silenciadas e invisibilizadas.
Esta proposta de trabalho tem como objetivo refletir sobre a pergunta de pesquisa e, para tal, debruça-se sobre a obra do sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel e avalia sua contribuição teórica para a descolonização do campo disciplinar das Relações Internacionais.
Sua obra é pautada na crítica ao epistemicídio promovido pelos países centrais sob a construção de conhecimento contra hegemônico advindo do Sul Global. O autor argumenta que a lógica positivista da “ego”política do conhecimento, que neutraliza e esconde o enunciador, o “eu”, da construção epistemológica tornou-se prioridade para as ciências sociais na promoção do mito da universalidade (sendo ela, na verdade, em sua essência eurocêntrica, branca e masculina).
Grosfoguel utiliza o conceito da corpo-política do conhecimento, uma contraposição ao positivismo, já que o essencial aqui é o lugar geopolítico e o corpo político do enunciador. Para o autor, todo conhecimento se situa, epistemologicamente, no lado subalternizado ou no lado dominador das relações de poder. A neutralidade é um mito ocidental.
A partir desta compreensão, este trabalho associa a obra de Ramón Grosfoguel à linha teórica da Teoria Crítica nas relações internacionais. A primeira vez que o termo “teoria crítica” foi empregado nas Ciências Sociais foi no ano de 1937 em um artigo do filósofo e sociólogo alemão Mark Horkheimer aonde ele apresentava o conceito como uma contraposição à teoria tradicional. Com uma metodologia pautada na Dialética do Esclarecimento, Horkheimer compreendia que a racionalidade deveria preocupar-se com a emancipação do mundo social, e que esta condição só seria possível se o método científico das ciências sociais seguisse por uma linha distinta da proposta das ciências naturais, já que os humanos não são variáveis manipuláveis destituídas de vontades próprias.
A proposta de ruptura epistemológica de Horkheimer argumenta, portanto, que a teoria crítica baseia-se em fatos, estes sendo produtos de estruturas sociais e históricas específicas. Logo, se os contextos social e histórico importam, há uma ausência de neutralidade na concepção da ciência crítica, já que torna-se menos objetiva e mais subjetiva.
Nesta mesma linha argumentativa, anos depois, o cientista político canadense Robert W. Cox escreve um artigo onde interpreta os conceitos propostos por Antonio Gramsci no Cadernos do Cárcere através da lente das Relações Internacionais. Cox traduz as ideias de hegemonia, revolução passiva, guerra de movimento & de posição para o contexto das relações entre países centrais e países periféricos e compreende que a dominação se dá também pela imagética e pela cultura.
Portanto, verifica-se, como resultado preliminar, uma similaridade entre os conceitos trabalhados pela Escola de Frankfurt e por Cox e a obra de Ramón Grosfoguel, no sentido de priorizar o contexto histórico e social dos agentes e das estruturas para pensar uma teoria capaz de promover a emancipação social.
E é nesta linha que esta proposta pretende trabalhar, através de uma metodologia de revisão bibliográfica das obras de Grosfoguel e uma análise comparada entre os argumentos do autor porto-riquenho e dos trabalhos dos teóricos críticos nas Relações Internacionais, em busca de pontos de convergência entre as argumentações propostas.
Desdobramentos da segurança: OEA e o desenvolvimento da Agenda Multidimensional.
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Beatriz Santos Jesus Pereira ((PPGCP-UFGRS) Programa de Pós Graduação em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Este trabalho “Desdobramentos da segurança: OEA e o desenvolvimento da Agenda Multidimensional” tem como objeto as políticas desenvolvidas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) referentes à agenda de Segurança Multidimensional. O objetivo geral da pesquisa é compreender o contexto histórico que contribuíram para o desenvolvimento do conceito de Segurança Multidimensional, bem como a forma de difusão da agenda securitária atreladas à nova conceituação.
Desta forma, a pesquisa realizada pretendeu responder à pergunta: “Qual o contexto histórico que circunda a conceituação de Segurança Multidimensional e a promoção da nova agenda securitária?”. Assim, a pesquisa busca traçar histórico e construção teórica do conceito de Segurança Multidimensional. Averiguar o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA) na implementação e difusão da nova agenda securitária. E, por fim, identificar as especificidades do debate atual sobre segurança multidimensional na região.
O trabalho tratou-se de uma pesquisa de método qualitativo, no qual foi empregada a técnica de análise de dados secundários, material documental e bibliográfico. Com isso, para a realização foram utilizadas fontes oficiais e não-oficiais. Assim, a pesquisa se desenvolveu a partir da realização de uma revisão bibliográfica mais densa com análise de dados secundários, oficiais e não oficiais, de material bibliográfico e documental, para a construção de uma base sólida de revisão teórica-conceitual que serão utilizados na construção da pesquisa.
Desta forma, para traçar histórico e construção teórica do conceito de Segurança Multidimensional, foi necessário a realização da construção de dados, isto é, seleção de documentos e periódicos referentes ao tema. Em um próximo momento, ao averiguar o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA) na implementação e difusão da nova agenda securitária na região, foi realizado a análise de conteúdo de documentos oficiais, disponíveis em sites oficiais como Organização dos Estados Americanos e Comissão de Segurança Hemisférica, bem como periódicos relacionados ao tema. Por fim, para identificar as especificidades do debate atual sobre segurança multidimensional na região foram utilizados os dados coletados nas etapas anteriores para a realização da última fase da pesquisa.
Isto posto, um dos resultados parciais encontrados referem se ao ponto de convergência entre países latino americanos, apresenta-se na utilidade das atividades desempenhadas pela força armadas, tendo o emprego dos militares em ações subsidiárias inseridas no âmbito doméstico, como a sua utilização no policiamento ostensivo, muitas vezes propiciada pelo combate ao narcotráfico e violência urbana (Celi, 2016; Guyer, 2016), sendo este resultado de uma política externa.
Segundo Salvadori (2020), a influência das atribuições de forças militares a práticas internas está ligada diretamente ao período da Guerra Fria, onde a ideia amplamente difundida, com principal influência dos Estados Unidos da América, era o uso para o combate local aos blocos comunistas. Outro ponto de influência na segurança nacional que foi amplificado na América Latina, no mesmo período pelo presidente dos EUA, Ronald Reagan, se estende até os dias atuais, a Guerra às Drogas, sendo marcados pelo encorajamento do uso das forças armadas perante ao combate do narcotráfico e a criminalidade (Salvadori, 2020).
Diante deste processo de crescimento de “questões de caráter não estatal e transnacional” (Succi Jr., 2018) é apresentado um cenário de maior dificuldade de diferenciação nas ações externa e internas, contribuindo para a intersecção da esfera policial e militar, em momentos aos quais seriam necessários a utilização de forças com atuação intermediária (Mendes Filho, 2010) força de segurança de natureza militar responsável por desempenhar funções de segurança tanto interna, quanto externa.
Com a utilização do novo conceito de segurança, agora com uma abrangência multidimensional, chegamos em uma não tão nova discussão, a militarização da segurança pública, em um novo cenário em que o conceito de ameaça se aproxima a situações de conflitos interno, como:
“o terrorismo, o crime organizado transnacional, o problema mundial das drogas, a corrupção, a lavagem de ativos, o tráfico de armas e as conexões entre eles; a pobreza extrema e a exclusão social; os desastres naturais e os de origem humana, outros riscos à saúde e a deterioração do meio ambiente” (Pinto Silva, 2007).
Essa aproximação da defesa e segurança pública, acabam ampliando as responsabilidades de atuação das Forças Armadas, apesar de ações como Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), no caso brasileiro, serem bem definidas na legislação, é perceptível um desvio nas ações a serem desempenhadas (FREIRE, 2018). Sobre a militarização da segurança pública, por meio das Intervenções Federais, novamente no caso brasileiro, Pedro Diniz Rocha (2021), entende como um “processo de institucionalização e construção das Forças Armadas como garantidoras da segurança pública”, levantando a perspectiva deste processo não ser visto como algo anormal, apesar de ter um caráter problemático. Sendo este o resultado das construções das relações civis-militares, presentes na sociedade e observadas não somente na perspectiva da institucionalização das práticas militares gerais, mas circunscrito no contexto socioespacial o militar foi levado a cumprir diferentes missões além de práticas de defesa externa, a partir da abordagem multidimensional da segurança.
Diplomacia em tempos de guerra: a atuação da Embaixada alemã na Argentina no caso da Batalha do Rio da Prata
Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa
Autor(es): Pietra Elisa Beling (Universidade Federal de Santa Maria (UFSM))
Resumo:
A Batalha do Rio da Prata é um evento emblemático que marcou a História das Relações Internacionais no contexto sul-americano, sendo resultante de um confronto naval entre alemães e britânicos ao início da Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1939. Por consequência dos confrontos, o encouraçado alemão, Admiral Graf Spee, atracou ao porto de Montevidéu e fez com que se iniciassem uma série de negociações diplomáticas entre o Uruguai e os países beligerantes envolvidos (The Oriental Republic of Uruguay, 1940). Cabe ressaltar que, nesse contexto, a maior parte dos países americanos, com exceção do Canadá, se encontravam em neutralidade no conflito e, portanto, estavam condicionados a normas específicas do Direito Internacional Público que determinavam o tempo de permanência máxima do encouraçado beligerante em instalações de um país neutro (The Avalon Project, 2008). Ao fim das negociações, o governo uruguaio definiu que o Admiral Graf Spee deveria se retirar do porto em 72 horas, tempo que foi considerado insuficiente para a realização dos reparos necessários e, assim, tal decisão foi tida pelas representações alemãs como favorável aos interesses britânicos. É nesse cenário que se inicia o envolvimento da Embaixada alemã na Argentina, objeto central do presente estudo, com evidências de que tais representações tenham auxiliado no transporte dos mais de mil tripulantes do encouraçado alemão em direção a Buenos Aires, assim iniciando o seu processo de internação no país vizinho. A contextualização até aqui apresentada faz parte da pesquisa exposta em minha monografia apresentada ao final do curso para obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, em que detalhei os desdobramentos sócio-políticos da Batalha do Rio da Prata com enfoque nos registros encontrados sobre o processo de internamento dos marinheiros alemães na Argentina (Beling, 2023). Assim, no presente trabalho, pretendo desenvolver de maneira mais aprofundada uma parte específica da monografia, referente à atuação político-diplomática das autoridades alemãs na Argentina, sendo este o objeto de estudo que investigo atualmente na condição de mestranda em História com auxílio de bolsa CAPES/DS. Desse modo, a presente pesquisa se constitui enquanto uma investigação histórica cujo objetivo é detalhar as ações promovidas pela Embaixada alemã na Argentina em relação aos desdobramentos advindos da Batalha do Rio da Prata, sendo assim relevante por apresentar um novo olhar para um evento que poucas vezes recebeu destaque na historiografia brasileira. À nível internacional, obras como as de Miller (2013), Koop e Schmolke (2014), Konstam (2016) e Williamson (2022), por exemplo, se concentram quase exclusivamente nos aspectos militares da batalha, enquanto há poucos registros acessíveis sobre os desdobramentos políticos e sociais deste evento, como é o caso das tratativas diplomáticas aqui exploradas. Para tanto, parte-se do entendimento de que, especialmente no século XX, as Embaixadas desempenharam um papel distinto em períodos de guerra e, como é destacado na obra de Berridge (2012, p. 104), a Argentina era entendida enquanto um país neutro de elevada importância estratégica para a atuação dos beligerantes na Segunda Guerra Mundial. Tendo em vista o contexto apresentado, as principais fontes analisadas para compreender a forma de atuação diplomática alemã na Argentina foram as encontradas na Comisión Especial Investigadora de Actividades Antiargentinas, a qual possui um banco de dados virtual com seus registros digitalizados. A comissão, que atuou entre 1941 e 1943, era composta por sete deputados argentinos que buscavam investigar e denunciar atividades de cunho extremista desenvolvidas no país, especialmente as de inclinação nazifascista (Friedmann, 2010, p. 100-101). Assim, por meio da análise das fontes dispostas na comissão, foi possível perceber o envolvimento das autoridades diplomáticas alemãs na Argentina desde o processo de negociações, quando os tripulantes ainda estavam em território uruguaio, até o auxílio prestado aos marinheiros no período de internação na Argentina por meio da organização da fugas, por exemplo. O auxílio nas fugas é especialmente relevante tendo em vista que, além de violar as normas de internação estabelecidas pelo governo argentino, havia uma significativa complexidade logística, já que se fazia necessária a obtenção de documentos falsos e meios de transporte para que os ex-tripulantes conseguissem deixar o país. Somado a isso, a investigação realizada por Mutti (2016) evidencia que parte considerável dos fugitivos retornaram à Alemanha e, inclusive, atuaram em outras batalhas na Segunda Guerra Mundial, sendo em grande parte indivíduos com elevadas qualificações técnicas. Em decorrência das denúncias apresentadas pela Comisión Investigadora, o embaixador Edmund von Thermann e o adido naval Dietrich Niebuhr foram afastados de seus cargos na Embaixada alemã em 1942 e 1943, respectivamente. Desse modo, é possível perceber que a atuação política e as atividades desenvolvidas pela Embaixada alemã na Argentina apresentaram um impacto expressivo, sendo este um cenário que exemplifica e auxilia na compreensão do funcionamento e das prioridades da diplomacia em tempos de guerra.
Do Americans really care? A política de ajuda humanitária dos Estados Unidos para a Palestina
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Roberta Silva Machado (Faculdades de Campinas (FACAMP)), Rúbia Marcussi Pontes (Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP))
Resumo:
O objeto de estudo da pesquisa proposta é a política externa dos Estados Unidos (EUA) relativa à ajuda humanitária para a Palestina. O objetivo da pesquisa é analisar a política externa dos EUA relativa à ajuda humanitária com ênfase na recente decisão do governo Biden de suspender o financiamento do país à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNWRA, na sigla em inglês), de forma a questionar o emblema “Showing Palestinians that Americans care” (United Nations Relief and Works Agency, 2024). Assim, a pergunta central de pesquisa é: de que formas os EUA utilizam a ajuda humanitária como instrumento econômico de política externa na atual questão Palestina/Israel?
Para responder à pergunta, a pesquisa utilizará como abordagem teórico-metodológica a Análise de Política Externa. De acordo com Hill (2016, p. 137-138), a implementação da política externa depende da capacidade do ator de alcançar aquilo que deseja por meio de instrumentos que tem à disposição, que podem ser de natureza militar, econômica, diplomática e cultural, com uso, muitas vezes, combinado.
Historicamente, os EUA recorrem de forma ampla aos instrumentos econômicos de política externa, com destaque para o uso de sanções econômicas e financeiras, que são aplicadas nos casos de Cuba, Rússia, entre outros, de forma a evitar o uso de instrumentos militares (Gonelli, 2024). Porém, o uso de sanções é amplamente criticado pela comunidade internacional, pois elas afetam negativamente as populações dos países sancionados e são, muitas vezes, contornadas.
Diferentemente das sanções, a ajuda humanitária se configura como uma forma benevolente e altruísta de auxiliar países que passam por crises econômicas, desastres ambientais ou conflitos armados (Hill, 2016, p. 155). Baseada em princípios fundamentais, como neutralidade, imparcialidade e humanidade (Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 2024), seu uso como instrumento econômico de política externa também é eficaz para a imagem internacional do país, que demonstraria preocupação com os direitos humanos. Porém, tratando-se de ajuda humanitária oferecida por um Estado com claros interesses estratégicos, ela se torna um instrumento de política externa, no qual a diferenciação entre aliados e inimigos se torna importante na hora de decidir quem receberá ou não ajuda. Assim, há a instrumentalização da ajuda humanitária como forma de aumentar o poder de barganha do país concessor de ajuda em determinada questão internacional (Polman, 2010).
Nesse sentido, a pesquisa analisará o uso da ajuda humanitária como um instrumento econômico de política externa dos EUA para alcançar seus interesses estratégicos na questão Palestina/Israel. Mais especificamente, a pesquisa argumentará que os EUA utilizam a ajuda humanitária como instrumento econômico de política externa a partir da diminuição constante dos fundos destinados à UNRWA, de modo a aumentar seu poder de barganha e alcançar seus interesses no Oriente Médio e na questão Palestina/Israel (Inhorn; Volk, 2021; Huberman; Nasser, 2022).
Os EUA são os maiores contribuintes da UNRWA, destinando anualmente de 300 a 400 milhões de dólares. Porém, em 26 de janeiro de 2024, o país decidiu suspender o direcionamento de fundos para a agência, em decisão que foi seguida por diversos países e impactou mais de 1.7 milhões de refugiados palestinos em Gaza e outras pessoas que dependem da UNRWA para sua sobrevivência diária (U.S. Department of State, 2024; Micinski; Norman, 2024). No entanto, devido à grave situação humanitária, Canadá, Suécia e Austrália retrocederam em suas decisões e outros doadores decidiram não suspender suas contribuições (Carrier, 2024).
Nesse sentido, argumentamos que a decisão de suspensão de contribuições à UNRWA, embora extremamente negativa para a imagem do país no curto prazo, faz parte de uma estratégia histórica dos EUA para aumentar seu poder de barganha perante o Secretariado e Estados-Membros da ONU. Isso, pois o corte de gastos atende aos interesses de Israel, aliado dos EUA, que prefere negociar o estabelecimento de refugiados palestinos em outros países e não em garantir que a UNRWA cumpra seu mandato de garantia das condições de direito de retorno dos refugiados aos seus territórios. Logo, os cortes à UNWRA atendem aos interesses de política externa dos EUA no Oriente Médio e, para Micinski e Norman (2024), fazem parte de um padrão de politização da ajuda humanitária aos refugiados palestinos.
Para fundamentar o argumento proposto, a pesquisa ressaltará como a política externa dos EUA para a ajuda humanitária não mudou drasticamente entre administrações republicanas e democratas ao longo do tempo, pois Israel é aliado inconteste do país. Há, também, uma diminuição histórica da ajuda humanitária relativa a UNWRA, em um claro padrão da instrumentalização de ajuda humanitária como instrumento de política externa dos EUA. Além disso, os EUA seguem com sua política de blindar Israel no Conselho de Segurança da ONU, com destaque para o veto recente em três resoluções que solicitavam um cessar-fogo imediato no conflito entre Israel e Hamas, e se engajam em negociações bilaterais com, por exemplo, Catar, Egito e Jordânia para garantir seus interesses estratégicos no Oriente Médio (Inhorn; Volk, 2021; Huberman; Nasser, 2022; Imseis, 2023).
Como resultado da análise da questão Palestina/Israel atual e da decisão dos EUA de suspender suas contribuições à UNRWA, a pesquisa demonstrará que a instrumentalização da ajuda humanitária pelo país para alcançar seus interesses de política externa é feita de duas maneiras: primeiramente, para contrabalançar as críticas de que sua aliança incondicional com Israel tem servido como facilitadora das violações de direitos humanos cometidas em Gaza e, em segundo lugar, como forma de aumentar seu poder de barganha perante a ONU e se colocar no papel de ator central na resolução da questão Palestina/Israel.
Do imperialismo alemão no sudoeste africano ao extermínio dos judeus : um estudo sobre as continuidades entre o genocídio namibiano e o holocausto
Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa
Autor(es): Nicole Fankhauser (PPGEEI UFRGS)
Resumo:
O presente trabalho, baseado no homônimo trabalho de conclusão de curso (FANKHAUSER, 2023), tem como objeto o debate referente às continuidades entre o genocídio namibiano, perpretado pelo Estado alemão contra os povos Herero e Nama entre 1904 e 1908, no contexto do imperialismo no então Sudoeste Africano Alemão, e o extermínio dos judeus durante o Terceiro Reich. Como pergunta de pesquisa, tem-se: “até que ponto os acontecimentos do Sudoeste Africano Alemão podem ter sido relevantes para o posterior desenrolar do genocídio dos judeus?”. Em um primeiro momento, objetiva-se contextualizar o primeiro episódio histórico, abordando a emergência das chamadas “novas ciências” da eugenia e da higiene racial, sua conexão com o imperialismo europeu, a chegada dos alemães à Namíbia, e as formas pelas quais os povos nativos foram subjugados culminando no genocídio em meio à Guerra da Namíbia. Quanto ao segundo evento histórico, procurar-se-á expor sobre o papel do pensamento Völkisch, que, aliado à eugenia, confere legitimidade ao antissemitismo racial na Alemanha da década de 1920. Buscar-se-á analisar as políticas de perseguição de judeus a partir da ascensão de Hitler e a elaboração e execução da chamada “Solução Final”. Por fim, planeja-se apresentar a história do debate que conecta o imperialismo ao Holocausto, ao qual contribuíram autores como Hannah Arendt, Aimé Césaire e a área dos estudos de genocídio, e a conexão específica à trajetoria alemã explorada por Jürgen Zimmerer em Von Windhoek nach Auschwitz. A metodologia utilizada é a de estudo de caso, buscando descrever as políticas de subjugação e extermínio empregadas e analisando como a ideologia racial manifesta-se nos dois eventos. Dentre as fontes, serão analisados documentos como uma proclamação do general von Trotha, então comandante na colônia alemã, e o relato de Victor Klemperer sobre a perseguição aos judeus. A pesquisa traça um paralelo referente à criação, em ambos os casos, de mecanismos legais com o intuito de prevenir a miscigenação entre alemães e outros povos, no caso namibiano ilustrado pela proibição, em 1905, do registro de casamentos entre pessoas consideradas nativas e não nativas, com implicações para crianças mestiças e, na Alemanha nazista, na Lei para a Proteção do Sangue e da Honra Alemães, parte das Leis de Nuremberg de 1935, que proibia o casamento e relações sexuais entre alemães e judeus. Outros paralelos referem-se 1) ao transporte e confinamento de indivíduos em campos de trabalho forçado, 2) à existência de declarações que revelam intenção genocida (na Namíbia, a proclamação de von Trotha e, na Alemanha nazista, o Memorando Höppner) e 3) ao extermínio através da política de negligência consciente, o qual manifesta-se principalmente nas condições debilitantes sofridas nos campos de trabalho forçado. O trabalho vai ao encontro da tese de Zimmerer quando este afirma que existe um caminho ligando Windhoek a Auschwitz, mas que este não começa na Namíbia (tendo como precedente, por exemplo, o desenvolvimento da área da eugenia) e, é claro, não é o único levando ao extermínio dos judeus no Holocausto.
Dos Estudos de Segurança Internacional à Teoria Feminista Pós-Colonial: Uma Abordagem da Violência
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Eduarda Magagnin De Conto (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI/UFSM))
Resumo:
Localizando-se na literatura, busca-se analisar os conceitos de violência, gênero, interseccionalidade, e segurança. O conceito de violência é abordado a partir de uma visão crítica dando espaço para uma questão mais profunda que envolve por quem ela é feita e para quem dentro de um sistema complexo de desigualdades do Sistema Internacional. Para tal, admite-se uma violência sistêmica fundamental se sucedendo ao capitalismo, isto é, não uma violência puramente advinda do indivíduo em si, mas sim na interação entre a realidade social e o sistema produtivo (ZIZEK, 2014). Desse modo, o conceito de violência advém de uma perspectiva de que ela é parte agente da mudança social e política a qual é objeto deste estudo (KILBY e RAY, 2014).
Já o conceito de gênero confere uma divisão de análise crítica dentro de uma categoria relacional. Desde a construção do conceito de mulher, feita por Simone de Beauvoir (1960a e 1960b), a mulher já pode ser vista como a outra, ressaltando a construção do outro como outro (FANON, 2008). Dessa forma, estrutura-se dentro de relações sociais e especialmente na área de Relações Internacionais deste estudo trata de discussões sobre feminilidade e masculinidade dentro da construção patriarcal do Estado (PATEMAN, 1993). Sendo assim, a dimensão de gênero é tratada neste trabalho como mais do que uma teoria científica, mas também como um movimento social organizado e protagonizado por sujeitos políticos com valores éticos feministas (GONZÁLES, 1988). Nesta perspectiva, o conceito de interseccionalidade é utilizado como uma ferramenta teórico metodológica que permite com que raça, classe e gênero se articulem de maneira indissociável e não hierárquica diante da complexidade das relações sociais (CRENSHAW, 1989; COLLINS e BILGE, 2016).
Por fim, o conceito de Segurança aqui abordado versa sobre mais do que uma dimensão instrumental, alcançando a segurança como meio para uma ação maior, aprofundando, aprimorando e direcionando os estudos para pensar a quem e a que o termo “segurança” se refere. (KRAUSE; WILLIAMS, 1997). Visa-se aqui estudar o vínculo securitário com a violência, em como é importante fazer uma análise que detenha um contexto histórico por meio do conhecimento socialmente construído (KRAUSE, 1998). Dessa forma, buscando a inclusão optou-se por uma visão dos Estudos Críticos de Segurança, especificamente provenientes da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e da Escola Galesa. Para eles o conceito de segurança segue intrinsecamente atrelado à emancipação, pois seria por meio dela que ocorre a libertação das estruturas violentas, pensando não somente no Estado como ator, mas também nos indivíduos. Logo, a emancipação é vista como um instrumento de libertação dos indivíduos das estruturas de poder dominantes e opressoras (BOOTH, 1991).
O objetivo desta pesquisa exploratória é traçar uma trajetória que parte dos Estudos de Segurança Internacional (ESI) até a Teoria Feminista Pós-Colonial, destacando a ampliação conceitual da área, a relação dos Estudos Críticos de Segurança Internacional (ECSI) com a violência e a contextualização da Teoria Feminista Pós-Colonial (TFPC). Busca-se, aqui, aprofundar por meio de uma revisão de literatura comparada levando em considerações os pontos em comum e suas disparidades de pensamento. A pergunta de pesquisa central é: como as perspectivas críticas e pós-coloniais contribuem para uma compreensão mais ampla e complexa da violência no contexto da segurança internacional? A hipótese recai na ótica de que os estudos pós-coloniais e decoloniais ajudam a desconstruir padrões ocidentais diante de um ambiente de contínua violência tanto estrutural, quanto simbólica e cultural (GALTUNG, 1969).
Dentre os objetivos específicos, pretende-se:
1. Analisar a evolução dos Estudos de Segurança Internacional (ESI), destacando a ampliação conceitual do campo e suas implicações teóricas e metodológicas.
2. Explorar os fundamentos teóricos dos Estudos Críticos de Segurança Internacional, investigando a relação entre segurança, violência e emancipação.
3. Examinar a Teoria Feminista Pós-Colonial, com ênfase na análise das hierarquias de gênero e colonialidade presentes no contexto internacional.
4. Investigar a interseccionalidade como ferramenta analítica para compreender como raça, classe e gênero se articulam na perpetuação da violência sistemática.
A metodologia adotada é reflexivista e interpretativista, buscando analisar historicamente, por meio de uma revisão de literatura, as estruturas de poder e legitimação da violência e das estruturas violentas que perpetuam desigualdades sociais até hoje. Utiliza-se uma abordagem crítica de pesquisa biblográfica, incorporando fontes teóricas dos Estudos Críticos de Segurança Internacional, como Krause e Williams, e da Teoria Feminista Pós-Colonial, como Mohanty. As fontes incluem obras acadêmicas e artigos que abordam a ampliação conceitual dos ESI, os estudos críticos de segurança e a interseccionalidade de gênero no contexto pós-colonial.
Os Estudos de Segurança Internacional passaram por uma ampliação conceitual, abrangendo diversas dimensões além das tradicionais questões militares, como segurança humana e ambiental. Já os Estudos Críticos de Segurança Internacional destacam a importância de uma abordagem emancipatória, relacionando a segurança à libertação das estruturas de poder opressoras. Quando tratamo da Teoria Feminista Pós-Colonial problematiza a colonialidade e a interseccionalidade de gênero, evidenciando como as hierarquias sociais perpetuam a violência sistêmica.
Este resumo, a pesquisa proporciona uma compreensão abrangente e contextualizada dos Estudos de Segurança Internacional até a Teoria Feminista Pós-Colonial, oferecendo insights importantes sobre a complexidade da violência no contexto internacional e suas interseções com gênero, colonialidade e poder.
The immigration patrol tolk me in a car to the hielera…: o impacto da política securitária de Donald Trump (2017-2021) na migração de crianças
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Henrique Barros (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
The immigration patrol tolk me in a car to the hielera…: o impacto da política securitária de Donald Trump (2017-2021) na migração de crianças
A frase de Kevin, “the immigration patrol tolk me in a car to the hielera […]” (CHRLC, 2018, p. 29), foi extraída do relato do menino salvadorenho de 17 anos de idade, aos advogados do Center for Human Rights & Constitutional Law (CHRCL), enquanto estava preso no centro de detenção para crianças migrantes em McAllen, cidade do Texas, Estados Unidos. De acordo com o documento (CHRLC, 2018), Kevin migrou desacompanhado desde La Unión até os Estados Unidos, quando foi preso pela patrulha de fronteira estadunidense, Customs and Border Protection (CBP), ao cruzar a fronteira México-Estados Unidos, e encaminhado para o processo da Immigration and Customs Enforcement (ICE). O relato de Kevin, obtido no documento Flores v Sessions P’s (CHRLC, 2018, p. 29), serve como inspiração para este trabalho, que tem como objetivo problematizar o impacto da política securitária de Donald Trump (2017-2021) na migração de crianças para os Estados Unidos. Os objetivos específicos, que serão discutidos nas seções do trabalho, podem ser entendidos da seguinte maneira: demonstrar as particularidades das migrações infantis, afinados com os estudos da Sociologia da Infância (James; Prout, 1990; Prout, 2004; Sarmento, 2005; Montandon, 2005) e de Relações Internacionais que privilegiam as crianças como sujeitos (Watson, 2006; Tabak, 2020); analisar e identificar os fatores que motivam as migrações das crianças em cada um dos países de origem; e, por fim, abordar a chegada das crianças na fronteira México-Estados Unidos e o impacto da política de “tolerância zero” de Donald Trump.
A securitização das fronteiras é uma estratégia política dos Estados, principalmente dos países do Norte Global, para conter a chegada de migrantes no território nacional e estabelecer uma divisão com os países do Sul Global (Wæver, 2015; Howell; Richter-Montpetit, 2019; Brown, 2023). Na visão de Paolo Gomarasca (2017), a securitização das fronteiras é uma continuidade da construção estética e do discurso retórico que define os migrantes como uma ameaça à soberania. Nos termos de Roxanne Lynn Doty (2011), a política migratória dos Estados Unidos definiu o “latino” como um mau a ser combatido ao tê-lo associado às drogas. A autora entende que a segurança estadunidense de fronteira, ao praticar uma “biopolítica”, produz um resultado trágico para a vida dos migrantes.
Desde o primeiro o ato de governo, Donald Trump deixou explicito que o objetivo da política migratória era deter todos os migrantes que cruzassem a fronteira México-Estados Unidos, sem a autorização do Estado (Goodman, 2020). Um exemplo disso é a “Ordem Executiva 13767”, de 25 de janeiro de 2017, que determina o aumento da segurança e da fiscalização da migração na fronteira sul estadunidense (Federal Register, 2017, p. 8793).
A política securitária do governo de Donald Trump foi exitosa. Com base no estudo de Manfred Nowak, “The United Nation Global Study on Children Deprived of Liberty” (2019), até maio de 2019, aproximadamente, 103.144 crianças migrantes, sob a custódia estadunidense, aguardavam suas audiências com o juiz das migrações. Destas, 69,550 haviam migrado de maneira desacompanhada de países da América Central (Nowak, 2019, p. 463), isto é, sem a presença dos pais ou responsável adulto. Além disso, de acordo com o U.S Customs and Border Protection (2021), entre os anos fiscais de 2019 a 2021, 148.488 crianças migrantes desacompanhadas de El Salvador, Honduras, Guatemala e México foram presas pela patrulha de fronteira estadunidense.
A abordagem deste trabalho dialoga com os Estudos Críticos de Segurança Internacional (Campbell, 1992; Krause; Williams, 1997; Walker, 1997; Jones, 1999; Howell; Richter-Montpetit, 2019) para problematizar a securitização da fronteira nos Estados Unidos. A definição de criança utilizada no texto é a mesma da Convenção sobre os Direitos da Criança, que considera “[…] como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade […]” (Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989). A escolha pelo relato de Kevin (CHRLC, 2018), como ponto de partida para a problematização da política securitária do governo Trump, é uma forma de escrever uma crítica à altura das experiências migratórias das crianças. Embora o uso de discursos infantis não seja uma prática recorrente nas pesquisas de Segurança Internacional, trabalhos como de Jacqueline Bhabha (2014), Jane Juffer (2016), Alison Watson (2006), Jana Tabak (2020) e Patrícia Martuscelli, Giovanna Paiva, Camila Pereira e Bruna da Silva (2024) têm contribuído para o crescimento dos estudos das infâncias e das crianças na área de Relações Internacionais.
Para o desenvolvimento deste trabalho será utilizado o método qualitativo de caráter exploratório. Serão analisados documentos (CHRLC, 2018), dados (ACNUR, 2023; CBP, 2021) e pesquisas publicadas em livros e revistas acadêmicas sobre a temática das migrações infantis e da securitização de fronteira. O uso de discursos infantis, com os devidos cuidados metodológicos, serve como fonte valiosa das trajetórias migratórias. Os resultados parciais da pesquisa demonstram que, após o endurecimento da política migratória securitária no mandato de Trump, não houve a diminuição da migração de crianças da América Central aos Estados Unidos. Pelo contrário, o aumento das medidas draconianas de controle e vigilância na fronteira México-Estados Unidos, dificultou a travessia de menores de 18 anos de idade, mas não impediu a migração. O impacto da securitização da fronteira às migrações das crianças, pode ser entendido com base no crescimento dos riscos de migrar em terrenos inóspitos para contornar o “muro” e, também, na privação da vida delas quando estão presas nos centros de detenção estadunidenses. Palavras-chave: Crianças migrantes; Securitização; Estados Unidos; Donald Trump.
Drogas e crimes ambientais: a convergência criminal na fronteira Brasil-Bolívia (2019-2022)
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Ingrid Vale (UFRN)
Resumo:
De que forma o narcotráfico está associado aos crimes ambientais na Bacia Amazônica? Essa pergunta-problema guia a pesquisa, contextualizada na segunda década do século XXI, período marcado pela tendência crescente da atuação do crime organizado na região Amazônica, particularmente no que concerne ao tráfico internacional de drogas. Extensões consideráveis da Bacia Amazônica estão subjugadas por um intrincado sistema de ilicitudes, que abrange crimes associados às drogas, a apropriação ilegal de terras, tráfico de madeira, contrabando, desmatamento, exploração sexual, mineração ilegal e tráfico de animais selvagens (UNODC, 2023).
A justificativa para a elaboração dessa pesquisa, com ênfase na convergência entre narcotráfico e crimes ambientais, ocorre pelo aumento da utilização de produtos florestais, resultantes de atividades criminosas ambientais, como fachada para o tráfico internacional de drogas. As exportações de madeira, em particular, têm se destacado nas apreensões de contêineres provenientes do Brasil com destino à Europa.
A localização geográfica estratégica entre os países andinos, principais produtores de cocaína, transforma o Brasil em um ponto de trânsito crucial para o transporte de drogas em direção à África e Europa. Além disso, o Brasil se destaca como um mercado consumidor significativo de cocaína (UNODC, 2023). Relatórios do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (SIMEX, 2023) evidenciam que 106.477 hectares de madeira explorada na Amazônia brasileira entre 2021 e 2022 possuía origem ilícita. Além disso, o relatório da Human Rights Watch em 2019 aponta a grilagem e a extração ilegal de madeira como duas das principais causas do desmatamento na Amazônia, como também evidenciam a relação dessas atividades com a violência.
Diante disso, este estudo parte da seguinte hipótese: o narcotráfico contribui para o aumento dos crimes ambientais na Bacia Amazônica, e exacerba as ameaças à biodiversidade e à sustentabilidade ambiental na região amazônica. Para testá-la, o trabalho tem como objetivo geral analisar a convergência entre tráfico de drogas e crimes ambientais na Bacia Amazônica durante a última década. Para tanto, os objetivos específicos consistem em: (i) identificar a atuação do crime organizado entre Bolívia, Brasil, Colômbia e Peru; e (ii) verificar o impacto do tráfico de drogas na biodiversidade da Bacia Amazônica.
No tocante à coleta de dados, foram utilizados: (i) relatórios do UNODC, (ii) relatórios de crimes na região amazônica e trabalhos acadêmicos da literatura especializada. Para operacionalizar o desenho de pesquisa, o artigo foi dividido em três seções. A primeira apresenta à luz dos estudos de paz e segurança internacional o debate sobre os atores não-estatais violentos e o crime organizado transnacional. A segunda sedimenta as características do objeto de análise, convergência criminal nas fronteiras amazônicas. A terceira seção apresenta os procedimentos metodológicos utilizados, bem como os resultados da pesquisa. Por fim, são apresentadas as principais discussões e implicações do debate.
ENCARCERAMENTO EM MASSA: O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COLOMBIANO E SUA APLICAÇÃO NO CASO BRASILERO
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Stéfani Pires e Silva (Universidade Federal de Uberlândia)
Resumo:
O encarceramento em massa tem sido um problema emergencial no caso brasileiro, que é atualmente o segundo país que mais encarcera pessoas no mundo segundo World Prison Brief (2024). São inúmeras as violações perpetradas no ambiente do cárcere, este sistema que se propõe enquanto solução para o enfrentamento do crime no país, têm na realidade alimentando ainda mais a violência. Os reclusos, de perfil composto majoritariamente por homens negros e jovens segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (InfoPen), são submetidos a diversas violações de direitos humanos para além do problema da superlotação, como tortura, falta de acesso a saneamento básico e itens de higiene e exposição a fome. Ao observar este cenário tendo a raça como atravessamento, fica claro que há um processo de criminalização profunda, que tem atingido a população negra de forma significativa, o que denuncia o racismo presente neste sistema. Todavia, não é somente o Brasil que enfrenta a problemática, mas vários países pelo mundo, e tem crescido exponencialmente na América Latina. A fim de se aprofundar na questão, o presente trabalho pretende dar enfoque ao caso colombiano. Tal escolha, foi realizada tendo como base o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), uma decisão jurídica que foi construída pela Corte Constitucional Colombiana, e proposta para ser aplicada no caso brasileiro por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 347/DF. Esta decisão judicial, tem como proposta denunciar crises generalizadas que violam de maneira profunda direitos fundamentais. Tendo isso em vista, os objetivos desta análise, envolvem um aprofundamento no problema do encarceramento em massa, partindo do caso brasileiro e tendo o fator racial como atravessamento, se embasando em um aporte teórico decolonial e do feminismo negro. Além disso, pretende-se observar como este problema tem crescido e ocorrido na América Latina, focando na análise do caso colombiano a partir do ECI. Assim, será aprofundado na elaboração do ECI na Colômbia e sua aplicação em alguns casos no país, e posteriormente, de como este aparato jurídico veio a ser tratado no caso brasileiro através da ADPF n° 347/DF, e os principais reflexos dessa ação até o momento em que se dá esta pesquisa. Para isso, será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, a partir de uma pesquisa e revisão crítica da principal bibliografia a respeito da temática, utilizando fontes como livros, periódicos e artigos, que discorrem de forma aprofundada sobre a temática proposta. Assim pretende-se responder ao seguinte questionamento: Considerando o cenário do cárcere latino americano, como se deu a utilização do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) colombiano e quais foram as contribuições deste aparato para o enfrentamento dos problemas do encarceramento em massa no Brasil? E a partir deste questionamento e objetivos, é possível ter enquanto resultado parcial a noção de que, considerando a complexidade do cenário do cárcere no Brasil, e como o fator racial passa por essa questão, nota-se que, ainda que o ECI tenha sido de grande contribuição para o debate, seriam necessárias mudanças profundas no sistema para se tornar possível ver um maior avanço do enfrentamento desta problemática.
ERRADICAÇÃO DA POBREZA, IGUALDADE DE GÊNERO, TRABALHO DECENTE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: Desafios da Integração entre os ODS 1, 5 e 8
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Giovanna Angeloti (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA)
Resumo:
A Agenda 2030 lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) prioritários. Embora cada ODS possua seus próprios indicadores, a proposta de integração entre os objetivos busca reconhecer a interdependência dos desafios globais com uma abordagem interconectada. Na prática, no entanto, essa perspectiva enfrenta desafios significativos, especialmente na busca pela igualdade de gênero.
Pensando nisso, este trabalho intenta compreender a interrelação das questões de gênero com a erradicação da pobreza e o crescimento econômico, de forma a tencionar a proposta de integração desses temas. Questionando de que forma a Agenda 2030 contribui para elaboração de políticas eficazes de gênero e crescimento econômico, que proponham soluções para a maior suscetibilidade das mulheres a pobreza, a desigualdade salarial, bem como as questões de trabalho do cuidado, flexibilização sexuada do trabalho, desigualdades no mercado de trabalho e violências moral e sexual.
Embora a ONU busque conectar áreas como desenvolvimento e igualdade de gênero, na prática, essa tentativa nem sempre surte efeitos inovadores, principalmente com a localização da agenda. É comum ver as pautas de gênero alocadas em áreas específicas, como Direitos Humanos, saúde e segurança pública, enquanto campus como o desenvolvimento econômico carecem de políticas voltadas para questões de gênero. Assim, embora a integração dos ODS seja essencial, sua implementação eficaz exige abordagens holísticas e esforços coordenados para superar os desafios e promover a igualdade de gênero de maneira significativa.
Neste sentido, este estudo busca analisar a interconexão entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 1 – erradicação da pobreza, 5 – igualdade de gênero e 8 – trabalho decente e crescimento econômico da Agenda 2030 da ONU. O objetivo principal é investigar os desafios e oportunidades na implementação conjunta dos ODS 1, 5 e 8, destacando a importância da perspectiva de gênero para alcançar resultados sustentáveis.
Para isso, é realizado um estudo de caso do Brasil, utilizando os indicadores nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre os ODS. Essa pesquisa, portanto, é uma análise crítica qualitativa da proposta de integração da Agenda 2030, a partir da análise dos indicadores brasileiros de internalização dos ODS.
Quanto aos procedimentos de pesquisa, comparou-se os indicadores dos ODS 1, 5 e 8 buscando compreender se nos indicadores de erradicação da pobreza e crescimento econômico havia monitoramento por gênero e se nos indicadores de igualdade de gênero havia monitoramento de erradicação da pobreza e de crescimento econômico.
Os ODS 1 (Erradicação da Pobreza) propõem acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares. Suas metas exemplares incluem a redução significativa da proporção de pessoas que vivem na pobreza, bem como a implementação de sistemas e medidas de proteção social para todos, especialmente os mais pobres e vulneráveis. Dentre os 13 indicadores de avanços das metas dos ODS 1 o Brasil produz apenas 5 indicadores.
Nenhum desses indicadores mensuráveis possui recorte de gênero, o que dificulta o estudo das desigualdades sociais na pobreza. O indicador 1.2.2, que versa sobre a proporção de homens, mulheres e crianças de todas as idades vivendo na pobreza em todas as dimensões de acordo com as definições nacionais, ainda não é produzido no Brasil e esses dados não são disponibilizados pelo IBGE. Esse seria um importante indicador para a análise da pobreza com recorte de gênero. Dessa forma, apesar da proposta de atuação integrada dos ODS 1 – Erradicação da pobreza e ODS 5 – Igualdade de gênero é necessário um esforço a parte para estudá-los em conjunto.
Já os ODS 5 (Igualdade de Gênero) são o terceiro objetivo menos mensurado no Brasil pelo IBGE, dos 14 indicadores, só 4 são monitorados. Os dados são piores apenas para as ODS 14 Vida na água e 15 Vida terrestre. Além disso, vale ressaltar que questões relacionadas à raça, etnia e sexualidade não foram consideradas nos indicadores de Igualdade de Gênero, não incorporando a interseccionalidade.
Somente abordar o gênero no âmbito do desenvolvimento não é suficiente para que as políticas adotadas colaborem para a igualdade. É preciso refletir sobre a operacionalização do combate às desigualdades que seja interseccional.
Por sua vez, o ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico) visa promover um crescimento econômico sustentável, inclusivo e duradouro, garantindo emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos. Suas metas abrangem desde o aumento da produtividade econômica por meio de inovação e modernização tecnológica até a busca pelo emprego pleno e produtivo para todas as pessoas, incluindo mulheres, homens, jovens e pessoas com deficiência. Dos 16 indicadores dos ODS 8, apenas 7 são mensurados no Brasil, sendo a taxa de desocupação apresentada com recorte de gênero. Ainda assim, pautas como o trabalho do cuidado e o trabalho doméstico não adentram esse objetivo, sendo mais explorados nos ODS 5. A integração entre os ODS 8 e 5, portanto, também é um desafio para os estudos de gênero no desenvolvimento.
Diante disso, os resultados preliminares apontam que o estudo ressalta a necessidade de uma nova abordagem também interseccional, que considere as complexas interações entre gênero, pobreza e desenvolvimento econômico para promover resultados sustentáveis e significativos, agregando ainda questões de raça e sexualidade.
Vê-se que, no geral, falta sinergia na aplicação integrada dos ODS 1, 5 e 8 no Brasil, dado a falta de indicadores de gênero na erradicação da pobreza e no crescimento econômico e a falta de questões de pobreza e econômicas para a igualdade de gênero. Assim, as discussões de gênero vão sendo afastadas das pautas de desenvolvimento econômico.
Estado, Capital e Soja no Brasil
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Mariana Collette Piai Ersina (Pesquisada/Doutoranda no programa de pós-graduação em Relações Internacionais (PPGRI) da UFSC.), Paola Huwe de Paoli (Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)), Gustavo Gatto Gomes (PPGRI – UFSC)
Resumo:
Em 2019 o Brasil ultrapassou os EUA e, desde então, ocupa o posto de maior exportador de soja do mundo. Este aumento da produção e exportação de soja está relacionado a um processo de especialização na exportação de bens primários. Ao observarmos a configuração da cadeia mercantil da soja, é possível notar que, apesar da importância do Brasil neste nódulo de produção dos grãos de soja, as demais atividades, como a produção de agroquímicos e fertilizantes, a pesquisa e produção de sementes e a comercialização da soja são dominados por empresas de outros países.
Nos estudos que constatam tal especialização brasileira no nódulo da produção e a incapacidade de “ascender” a outras atividades da cadeia da soja, um elemento explicativo é central: o aumento da demanda chinesa por soja, utilizada na produção de rações que alimentam os rebanhos no país asiático. Defendemos que, nestas explicações, o Estado e os produtores brasileiros parecem desempenhar apenas papel passivo, de adaptação a um elemento externo. Neste artigo, na contramão, pretendemos demonstrar o papel central que o Estado brasileiro desempenha na conformação deste cenário.
Neste sentido, o objetivo do artigo é analisar os novos instrumentos de política agrícola e os novos títulos voltados ao agronegócio lançados pelo Estado brasileiro nos Planos Agrícolas e Pecuários entre os anos-safra de 2003-2004 e 2023-2024.
Partimos da pergunta inicial “Como o Estado brasileiro tem contribuído direta e indiretamente com a acumulação de capital no setor da soja?”, e chegamos à pergunta de pesquisa que move toda a investigação: “Como a atuação do Estado Brasileiro, através dos mecanismos presentes nos Planos Agrícolas e Pecuários, contribuiu para que o Brasil se especializasse na produção de soja e se tornasse um dos principais produtores e exportadores deste produto?”.
Temos como hipótese que o aprofundamento do processo de financeirização da produção agrícola e da soja no Brasil, impulsionado pelas transformações dos instrumentos de política agrícola e pela criação de novos títulos voltados ao agronegócio brasileiro promovido pelo Estado, foi um dos elementos centrais que transformou o país em um dos maiores produtores de soja do mundo e condicionou a especialização produtiva brasileira no nódulo da produção de grãos de soja in natura.
O artigo propõe um método de análise documental. Analisaremos o conteúdo, as políticas implementadas e os resultados dos Planos Agrícolas e Pecuários (PAP) de 2003-2004 a 2023-2024. Os Planos Agrícolas e Pecuários são documentos lançados anualmente pelo Ministério da Agricultura e Pecuária que reúnem em seu corpo as principais políticas, planos e incentivos governamentais destinados ao agronegócio. As políticas presentes no PAP não se limitam às atividades agrícolas e pecuárias. Seus textos também trazem políticas relacionadas à agroindústria, como o processamento, a compra de máquinas, fertilizantes, agroquímicos e insumos de modo geral, ou seja, permite uma visualização dos esforços governamentais de impulsionamento às várias atividades relacionadas ao agronegócio, e assim observar se há um direcionamento do governo para alguma delas em específico.
Através da análise dos PAP, será possível identificar os instrumentos de política agrícola já existentes e aqueles que foram criados e implementados no período analisado. A análise dos PAP também proporcionará a identificação de novos títulos voltados ao agronegócio, isto é, novos mecanismos criados pelo Estado para a atração de capital privado para o financiamento das atividades do setor. A partir do conteúdo disponibilizado nos PAP, analisaremos ainda a oferta de crédito rural comercial para custeio, comercialização e investimentos na produção agrícola, bem como analisaremos as políticas de securitização agrícola promovidas pelo Estado brasileiro.
No mesmo esforço de responder à pergunta de pesquisa, nos apoiaremos na bibliografia pré-existente sobre a cadeia mercantil da soja, que constata a especialização do Brasil no nódulo de produção de grãos in natura no período considerado neste artigo. Ademais, analisaremos os dados sobre a expansão da área de plantio de grãos e, particularmente, da soja no Brasil disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Para analisar os dados sobre a produção de grãos e, particularmente, da soja no Brasil, utilizaremos a base de dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Esta última também será fonte de dados para a análise de comércio e exportação de grãos e de soja presentes no artigo.
A partir de uma investigação detida sobre os dados e pontos destacados, conseguiremos demonstrar como o Estado, a partir dos seus instrumentos de política agrícola e do aprofundamento da financeirização da agricultura, entre outras importantes políticas, medidas e leis, operou junto à burguesia nacional, um projeto de desenvolvimento nacional baseado na produção do setor primário exportador. Isto é, pretendemos demonstrar como o Estado e a burguesia brasileira promoveram um projeto de desenvolvimento nacional baseado na reprimarização da economia, e um modelo de inserção internacional em que o Brasil se especializou na exportação de poucos bens não processados, com destaque para a soja in natura. A política agrícola dos PAP, junto à expressiva renúncia fiscal, aos investimentos públicos em pesquisa, à criação de infraestrutura e à desregulação e flexibilização de normas ambientais, promoveu a redução dos custos, a redução dos riscos, a expansão das áreas de plantio e a expansão da lucratividade dos agentes econômicos que ocupam o nódulo da produção de grãos. O que se demonstra é que este processo de especialização não foi fruto apenas de dinâmicas externas como o aumento da demanda chinesa por commodities como a soja, e sim que houve atuação ativa do Estado brasileiro.
ESTADOS UNIDOS E CHINA: UM ESTUDO COMPARATIVO SOBRE A ASCENSÃO DE GRANDES POTÊNCIAS NO SISTEMA-MUNDO MODERNO
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Gabriel Quevedo (Aluno de Pós Graduação na Universidade Federal de Santa Maria)
Resumo:
O presente trabalho intitulado “Estados Unidos E China: Um Estudo Comparativo Sobre A Ascensão De Grandes Potências No Sistema-Mundo Moderno” tem como objeto de análise a transição hegemônica entre o ciclo sistêmico de acumulação britânico e o ciclo americano. O objetivo central é verificar se a possível transição da China para a hegemonia se equipara à ascensão dos Estados Unidos à hegemonia no início do século XX.
A pesquisa parte da premissa de que a ascensão e queda das grandes potências é um fenômeno recorrente na história das relações internacionais, com implicações significativas para a estrutura de poder global. Nesse sentido, a obra de Giovanni Arrighi (1996) sobre os ciclos sistêmicos de acumulação (CSAs) fornece um arcabouço teórico relevante para compreender as dinâmicas de longo prazo que regem a formação e declínio das hegemonias mundiais.
A pergunta de pesquisa que norteia o estudo é: a possível transição da China para a hegemonia se equipara à ascensão dos Estados Unidos à hegemonia no início do século XX? Para responder a essa questão, a pesquisa adota uma abordagem comparativa, analisando dois momentos históricos de transição hegemônica: a passagem da hegemonia britânica para a americana no início do século XX e o atual contexto de possível declínio da primazia norte-americana diante da ascensão chinesa.
O objetivo central é examinar semelhanças e diferenças no poder relativo entre hegemonias em crise (Reino Unido e Estados Unidos) e potências emergentes associadas (Estados Unidos e China) nesses dois períodos, buscando um entendimento da atual conjuntura global, que se entende ser diferente da apresentada no ciclo britânico, uma vez que a China não apresenta o mesmo potencial de ascensão à hegemonia que foi apresentado pelos Estados Unidos no século XIX.
Metodologicamente, a pesquisa se vale de indicadores quantitativos referentes às três dimensões materiais de poder hegemônico: capacidades militares, econômicas e financeiras. A coleta e tratamento dos dados são fundamentais para a operacionalização do conceito de poder hegemônico e para a análise comparada proposta. Os dados são coletados para os dois recortes temporais analisados, permitindo mensurar e comparar o poder relativo entre Reino Unido e Estados Unidos no início do século XX e entre Estados Unidos e China na contemporaneidade.
A seleção dos indicadores para cada uma das três capacidades estudadas leva em consideração a disponibilidade e a confiabilidade das informações para os períodos históricos abordados. Para as capacidades militares, são utilizados dados sobre efetivos militares, gastos com defesa e tecnologia militar. Já para as capacidades econômicas, são considerados indicadores como Produto Interno Bruto (PIB), participação no comércio mundial, investimentos produtivos e a posição de cada país como centro de produção industrial. Por fim, as capacidades financeiras são mensuradas por meio de informações sobre a posição como credora ou devedora internacional, fluxos de investimento estrangeiro direto e participação na emissão de moeda internacional.
A coleta de dados é realizada a partir de diversas fontes primárias e secundárias confiáveis, como relatórios de organismos internacionais (como a ONU, o FMI e o Banco Mundial), bancos de dados estatísticos oficiais, artigos acadêmicos e obras históricas. Essa abordagem metodológica multifacetada busca obter uma visão abrangente e robusta do poder relativo das hegemonias em crise e potências emergentes associadas nos dois períodos de transição analisados.
Além dos indicadores quantitativos, a pesquisa se fundamenta em uma ampla revisão da literatura teórica sobre hegemonia e ciclos sistêmicos de acumulação. O referencial teórico adotado se baseia principalmente na obra de Giovanni Arrighi (1996) e na abordagem gramsciana de hegemonia, com contribuições relevantes de autores como Robert Cox (2007), Susan Strange (1994) e Paul Kennedy (1989).
Em relação aos principais resultados obtidos, a análise comparativa entre os dois processos de transição hegemônica revela algumas constatações importantes. No início do século XX, quando o Reino Unido enfrentava seu declínio como potência hegemônica, os Estados Unidos apresentavam um crescente poder relativo, especialmente em termos econômicos e financeiros.
No que se refere às capacidades militares, a análise comparativa revela algumas diferenças importantes. No início do século XX, quando o Reino Unido enfrentava o declínio de sua hegemonia, os Estados Unidos, embora ainda apresentassem capacidades militares inferiores às britânicas, demonstraram um rápido fortalecimento de suas forças armadas. Os dados coletados mostram que, ao longo das primeiras décadas do século, houve uma significativa convergência entre os efetivos militares, os gastos com defesa e o desenvolvimento tecnológico militar dos EUA em relação ao Reino Unido.
Esse processo de expansão e modernização das capacidades militares norte-americanas foi fundamental para que os Estados Unidos pudessem posteriormente se consolidar como a nova potência hegemônica, projetando seu poderio bélico em âmbito global. A ascensão do poderio militar dos EUA acompanhou e reforçou sua ascensão econômica e financeira, constituindo um elemento-chave na transição hegemônica daquele período. Em contraste, o atual contexto de possível declínio da hegemonia estadunidense diante da ascensão chinesa apresenta um quadro um pouco distinto. Apesar do rápido crescimento econômico e tecnológico da China nas últimas décadas, as capacidades militares chinesas ainda não alcançaram o mesmo grau de superioridade em relação aos Estados Unidos que estes conquistaram frente ao Reino Unido no início do século XX.
Os dados analisados revelam que, embora a China tenha expandido significativamente seus investimentos em defesa e modernizado seus equipamentos e forças armadas, as capacidades militares estadunidenses ainda se destacam de forma substancial. O Pentágono segue liderando em áreas como gastos militares, efetivos de pessoal, poder de fogo, alcance estratégico e projeção de força no exterior. Além disso, os Estados Unidos mantêm uma vantagem tecnológica considerável, com investimentos expressivos em pesquisa, desenvolvimento e inovação no campo militar. Esse hiato em termos de capacidades bélicas parece representar um obstáculo importante para que a China possa atualmente igualar ou superar a hegemonia militar norte-americana, ao menos nos curto e médio prazos.
Portanto, a análise comparativa das dimensões militares sugere que, ao contrário do que ocorreu na transição do século XX, quando os Estados Unidos conseguiram estreitar rapidamente a brecha com o Reino Unido, a China enfrenta maiores dificuldades para alcançar uma paridade ou superioridade militar em relação aos EUA no contexto atual. Esse fator pode se constituir em um importante limitador do potencial de ascensão da China à condição de nova potência hegemônica no sistema internacional.
Nesse período, os EUA já se destacavam como a maior economia mundial, com um PIB significativamente superior ao do Reino Unido. Além disso, os Estados Unidos acumulavam cada vez mais ativos financeiros internacionais, superando gradualmente a posição do Reino Unido como principal credor internacional. Quanto às capacidades militares, embora os Estados Unidos ainda estivessem atrás do Reino Unido em termos de efetivos e gastos militares, observa-se uma rápida convergência entre os dois países nesse aspecto ao longo das primeiras décadas do século XX. Esse fortalecimento das capacidades militares norte-americanas foi fundamental para seu posterior estabelecimento como potência hegemônica no sistema internacional.
No âmbito das capacidades econômicas, a análise comparativa entre a ascensão dos Estados Unidos e a ascensão da China revela contrastes significativos entre os dois processos de transição hegemônica.
No início do século XX, quando o Reino Unido enfrentava o declínio de sua hegemonia, os Estados Unidos já se destacavam como a maior economia mundial. Os dados coletados mostram que o PIB norte-americano superava consideravelmente o PIB britânico, indicando uma clara superioridade econômica dos EUA em relação à potência hegemônica em decadência. Além disso, os Estados Unidos conquistaram uma posição cada vez mais importante no comércio internacional, aumentando sua participação nos fluxos de comércio mundial. Esse fortalecimento da base produtiva e comercial norte-americana foi acompanhado por expressivos investimentos diretos no exterior, consolidando os EUA como um importante centro de poder econômico e financeiro.
Esse crescente poderio econômico e produtivo dos Estados Unidos serviu de fundamento material para sua ascensão à condição de nova potência hegemônica, complementando sua expansão militar e consolidando sua liderança no sistema internacional. Em contraste, o atual contexto de possível declínio da hegemonia estadunidense diante da ascensão chinesa apresenta um quadro diferente. Apesar do rápido crescimento econômico e do aumento da participação da China no comércio global nas últimas décadas, os dados analisados indicam que o PIB norte-americano ainda supera significativamente o chinês. Ademais, a posição dos Estados Unidos como principal economia mundial e centro financeiro global permanece relativamente sólida, com os EUA mantendo sua liderança em indicadores-chave como investimento estrangeiro direto.
Embora a China tenha alcançado notáveis avanços em sua capacidade produtiva, em especial no setor manufatureiro, e conquistado uma posição de destaque no comércio internacional, seu nível de desenvolvimento econômico geral ainda está aquém do atingido pelos Estados Unidos no auge de sua ascensão hegemônica no início do século XX.
Portanto, a análise comparativa das dimensões econômicas sugere que, diferentemente do que ocorreu na transição do século passado, quando os Estados Unidos demonstraram clara superioridade econômica em relação ao Reino Unido, a China ainda não apresenta o mesmo nível de proeminência econômica e produtiva diante dos Estados Unidos no contexto atual.
Esse descompasso econômico parece representar um importante desafio para que a China possa atualmente se consolidar como uma nova potência hegemônica, ao menos nos curto e médio prazos. A manutenção da liderança econômica norte-americana, ainda que com algumas dificuldades, configura-se como um fator relevante que diferencia a atual transição hegemônica daquela vivenciada no início do século XX.
Por último, em relação às capacidades financeiras, a análise comparativa entre a ascensão dos Estados Unidos e a ascensão da China também revela diferenças significativas entre os dois processos de transição hegemônica. No início do século XX, quando o Reino Unido enfrentava o declínio de sua hegemonia, os dados coletados mostram que os Estados Unidos foram progressivamente superando a posição britânica como principal credor internacional. Enquanto o Reino Unido gradualmente perdia sua condição de maior emprestador líquido global, os EUA se consolidavam como uma potência credora, acumulando ativos financeiros internacionais em um ritmo acelerado.
Esse fortalecimento da posição financeira norte-americana, com a crescente capacidade de emitir moeda e intermediar fluxos de investimento estrangeiro, foi um elemento fundamental para a ascensão dos Estados Unidos à condição de nova potência hegemônica no sistema internacional. A projeção do poderio financeiro estadunidense complementou sua superioridade econômica e militar, consolidando sua liderança global.
Em contrapartida, o atual contexto de possível declínio da hegemonia dos Estados Unidos diante da ascensão chinesa apresenta um quadro um pouco diferente. Apesar dos rápidos avanços do sistema financeiro chinês nas últimas décadas, com a crescente internacionalização do renminbi e a ampliação dos fluxos de investimento estrangeiro direto, os dados analisados indicam que os Estados Unidos ainda mantêm uma posição dominante no sistema financeiro internacional.
Os EUA seguem sendo o principal emissor da moeda de reserva global (o dólar) e o maior receptor de investimentos estrangeiros diretos. Sua rede de instituições financeiras e mercados de capitais ainda detém uma profundidade, liquidez e confiança muito superiores aos chineses, que ainda buscam consolidar seu papel como centro financeiro de alcance global.
Além disso, a dívida externa líquida dos Estados Unidos, embora elevada, não chegou a alcançar os níveis de endividamento observados no Reino Unido durante o seu declínio hegemônico no início do século XX. Isso sugere que a posição financeira relativa dos EUA, apesar de alguns desafios, ainda não se equipara à deterioração experimentada pela Grã-Bretanha no passado.
Portanto, a análise comparativa das capacidades financeiras indica que, diferentemente do que ocorreu na transição do século XX, quando os Estados Unidos suplantaram claramente a posição financeira do Reino Unido, a China ainda não conseguiu superar a proeminência dos sistemas monetário e financeiro norte-americanos no cenário internacional atual.
Essa persistência da liderança financeira dos EUA configura-se como mais um fator que parece diferenciar a atual transição hegemônica daquela vivenciada no início do século passado, dificultando uma equiparação entre o processo de ascensão da China e o processo de ascensão dos Estados Unidos à condição de potência hegemônica.
Dessa forma, os resultados parciais da pesquisa indicam que a transição hegemônica em curso, envolvendo a ascensão da China e o possível declínio dos Estados Unidos, não parece se equiparar, ao menos até o momento, àquela observada no início do século XX, quando os EUA consolidaram sua liderança global. Isso sugere que a China enfrenta maiores dificuldades para se estabelecer como uma nova potência hegemônica no sistema internacional contemporâneo.
Esses achados preliminares contribuem para a compreensão da atual conjuntura global e das complexidades envolvidas nos processos de transição de poder entre grandes potências. Contudo, cabe ressaltar que a análise ainda está em andamento, e novos dados e desenvolvimentos futuros poderão trazer novas evidências e insights sobre essa dinâmica em curso.
Em suma, ao relacionar os dois momentos cruciais de mudança na estrutura de poder global, o presente estudo almeja elucidar padrões e singularidades históricas que permitam enriquecer e ajudar na interpretação do atual panorama internacional à luz da teoria dos ciclos sistêmicos de acumulação. Ao revelar semelhanças e contrastes entre esses processos de transição, busca-se refletir sobre a posição da China no sistema interestatal e seu potencial de se consolidar como uma Hegemonia.
Explicando o sucesso da cooperação internacional: uma análise da adoção do koban nos estados da Paraíba e de Pernambuco.
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Cassandra Campos (Universidade Federal da Paraíba – UFPB)
Resumo:
Este trabalho tem como objeto principal de análise a implementação de política pública como resultado de cooperação técnica internacional para transferência do programa de policiamento comunitário no modelo japonês, conhecido como koban, ao Brasil. Mais especificamente, trata-se de uma pesquisa comparada sobre a efetividade da cooperação técnica internacional, ao investigar os fatores que resultaram na implementação do koban pela Polícia Militar de Pernambuco e os obstáculos que impediram sua adoção na Polícia Militar da Paraíba, à luz das teorias de difusão de políticas públicas e cooperação internacional. Partindo do pressuposto de que o koban é um tipo específico de policiamento comunitário e uma política pública formulada e desenvolvida em um contexto socioeconômico e cultural particular, a hipótese formulada para esse trabalho é que o sistema koban foi melhor implementado no estado de Pernambuco em razão do desenvolvimento e da institucionalização de um sistema de policiamento comunitário naquele estado. Dessa forma, em sentido oposto, a mesma política pública se fragmentou antes de ser implementada na Paraíba, uma vez que a institucionalização do policiamento comunitário é frágil no estado. Além disso, os objetivos específicos incluem identificar características da cooperação internacional, analisar o projeto de cooperação técnica, investigar a estrutura do policiamento comunitário em ambos os estados e examinar os processos de implementação do modelo koban em cada um. Nesse percurso, contextualizamos historicamente o policiamento comunitário como uma alternativa ao modelo tradicional, o koban como uma das origens históricas do moderno policiamento comunitário e o desenvolvimento do policiamento comunitário no Brasil, na Paraíba e em Pernambuco. Com base na perspectiva teórica da difusão e transferência de inovações e políticas públicas, analisaremos o recebimento do policiamento no modelo koban como parte do processo de formulação e adoção de políticas públicas a partir da cooperação internacional. A pesquisa se estrutura em estudo comparado com poucos casos, onde a amostra foi escolhida intencionalmente para demonstrar a relação entre variáveis específicas – a institucionalização do policiamento comunitário nos estados selecionados e a capacidade técnica para adoção e implementação de uma política oriunda de um acordo de cooperação internacional. Para tanto, a análise baseia-se em documentos públicos primários e secundários e entrevistas semiestruturadas, buscando evidências qualitativas para compreender os processos de adoção do modelo koban em cada estado. Os resultados esperados e parcialmente alcançados incluem uma compreensão dos fatores que influenciaram a implementação do koban em cada estado, e corroboram a hipótese proposta de que a capacidade institucional e política dos estados, no que diz respeito aos seus modelos de policiamento comunitário afetaram os resultados da cooperação internacional e a implantação do modelo koban. Esses aspectos nos proporcionam insights sobre os processos de formulação e tomada de decisão em políticas públicas, no caso de segurança pública, por meio da adoção de modelos derivados da cooperação técnica internacional.
Por não haver um AT específico sobre cooperação internacional ou difusão e transferência de políticas, optou-se pela AT de instituições e regimes internacionais por entender que a cooperação internacional se insere, mesmo que parcialmente, no âmbito das discussões sobre construção e difusão de normas e bens públicos globais.
Explorando a Complexidade da Haitianofobia na República Dominicana: Uma Análise da Discriminação contra os Fluxos Migratórios Haitianos sob a Perspectiva da Raça (2010-2023)
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Djenika Senatus (Universidade federal integracao latino-america (UNILA))
Resumo:
Este artigo examinará a dinâmica migratória entre o Haiti e a República Dominicana, com foco na haitianofobia e na discriminação enfrentada pelos migrantes haitianos/as na República Dominicana, especialmente sob a perspectiva da raça, durante o período de 2010 a 2023. O objetivo será compreender como o anti-haitianismo se manifestará nas políticas migratórias dominicanas e suas implicações nas relações internacionais. A metodologia será qualitativa, incluindo revisão bibliográfica, análise de documentos políticos e entrevistas com migrantes, além de dados quantitativos de plataformas sobre fluxos migratórios.O estudo se fundamentará na interseção entre raça, racismo e migração, destacando o papel da identidade nacional dominicana e do anti-haitianismo na formulação de políticas migratórias. Serão estabelecidos objetivos específicos: analisar a construção histórica do anti-haitianismo, compreender os fluxos migratórios e analisar a política migratória atual da República Dominicana. A hipótese a ser verificada será se a política migratória anti-haitiana poderá ser entendida como um desdobramento do anti-haitianismo na identidade nacional dominicana.Esse estudo contribuirá para o campo das Relações Internacionais ao preencher lacunas na compreensão das dinâmicas migratórias no Caribe e oferecer percepções para políticas migratórias mais inclusivas. Destacar-se-á a importância de uma abordagem crítica e contextualizada para entender o fenômeno migratório na região. Em resumo, este artigo visa desvelar as complexidades da haitianofobia na República Dominicana e suas implicações nas relações internacionais, utilizando uma análise multifacetada e abrangente.
Extensão da Revolução Haitiana nos movimentos de abolição da escravatura em Cuba e no Brasil
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Jean Samuel Rosier (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo:
O presente trabalho pretende descobrir os principais impactos dos movimentos revolucionários e da Independência Haitiana sobre os movimentos de abolição da escravatura em Cuba e no Brasil a partir da última década do século XVIII até o final do século XIX, considerando que Cuba é uma das grandes Antilhas mais perto do Haiti e o Brasil é o último país a abolir a escravatura nas Américas em 1888.
Além disso, com a Revolução e o fim definitivo da escravatura no Haiti em 1803, outros mercados eram necessários fosse para a chegada dos escravizados africanos, através do comércio negreiro no Atlântico, ou fosse para a expansão da grande plantação de açúcar e de café, necessária para manter o nível dos preços no mercado internacional. Os dois territórios mais propícios na época na América Latina foram o Cuba e o Brasil (MOREL, 2017).
Partindo da lógica de que a Europa queria isolar o Haiti e que ela nunca respeitou e reconheceu de fato a independência haitiana, faz-se necessário partir de estudos contra-hegemônicos. Visto que, por mais que a revolução haitiana é um fato histórico grandioso para as gerações atuais, ainda há um silêncio sobre ela em razão da herança enraizada nas narrativas europeus.
Desse modo, o trabalho busca dar visibilidade nos campos das Relações Internacionais (RI) para os feitos e tantos outros silêncios sobre os impactos das forças revolucionárias haitianas nas esferas internacionais partindo de autores e autoras que tratam da branquitude e do racismo estrutural, que produzem estudos numa perspectiva (anti-pós-de) colonial, pois “[…] aceitar o pensamento crioulo [aceitar os estudos (anti-pós-de) coloniais] significa necessariamente rejeitar todas as formas de verdades absolutas e considerar qualquer teoria como relativa e transitória” (DEWULF, 2005, p. 309).
Sendo assim, a pergunta norteadora do trabalho é: como a Revolução Haitiana impactou os movimentos de abolição da escravatura em Cuba e no Brasil face às estratégias de contenção das forças colonizadoras europeias?
Consequentemente, o objetivo principal é procurar identificar a exportação das ideias de emancipação, igualdade e de liberdade que ecoaram no Haiti para alguns países da América, mostrando assim a importância da Revolução Haitiana para ler e entender certos aspectos das dinâmicas internacionais entre as nações. Os objetivos específicos decorrentes do objetivo principal são os seguintes:
– Sistematizar os estudos críticos contra-pós-anti e decoloniais e afro-diaspóricos, colocando ênfase sobre a configuração da estrutura racial do sistema colonial.
– Apresentar a história da colonização e da independência do Haiti, destacando as principais forças coletivas dos movimentos revolucionários, como subsídio para entender os enfrentamentos entre as forças revolucionárias e as forças colonizadoras.
– Elaborar um estudo de caso sobre a expansão dos movimentos revolucionários haitianos em dois países específicos da América Latina: Cuba e Brasil, levando em conta a resistência desses movimentos face às estratégias de contenção das forças colonizadoras.
– Realizar uma análise crítica da relevância da Independência do Haiti para ler e entender as relações internacionais entre as nações e povos no mundo, realçando sua relevância para o campo acadêmico em Relações Internacionais (R.I).
É um trabalho relevante e inédito, pois nas minhas pesquisas não aparece nenhuma tese ou dissertação nos programas de pós-graduações em Relações Internacionais no Brasil que trata da Revolução Haitiana como tema principal. Encontra-se somente uma tese, de autoria de Miguel, intitulada “Haitianismo: colonialidade e biopoder no discurso político brasileiro”.
Observa-se assim, a partir desta pequena primeira busca, que não houve e ainda não há interesse nas R.I no Brasil em dar visibilidade para a importância da Revolução Haiti nas mudanças que ocorreram no sistema Internacional e sobretudo no continente americano como um todo. A professora Karine de Souza Silva, minha orientadora, em um dos seus recentes artigos, tratou da responsabilidade histórica que as instituições de ensino devem assumir ao salientar o seguinte:
“As instituições de ensino devem assumir responsabilidades históricas, a posição delas como agentes produtores de transformação social, e devem questionar as estruturas de opressão em vez de produzir ou reforçar vetores de violência social-racial, seja em termos de ensino, pesquisa ou extensão.”(SILVA, 2023, p.38, tradução nossa).
A revolução haitiana é lida enquanto desobediência contra o sistema europeu e o colonialismo. Ela é sinônimo de anticolonialismo, antirracismo, anti-dominação europeia em todos os seus sentidos. A história, a Revolução e a Independência haitiana moldaram a história do mundo, a arquitetura das relações internacionais e das instituições internacionais (QUEIROZ, 2022).
É de suma importância trazer para as RI estudos contra-sistêmicos com objetivo de mostrar a importância da diversidade na análise dos fatos científicos e insistir ao mesmo tempo sobre outras possibilidades, outras alternativas e perspectivas de fazer ciência. Adichie falando do perigo de uma história única salientou o seguinte: “As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada.” (ADICHIE, 2019).
Portanto, ao contrário das narrativas únicas e tendenciosas produzidas, reproduzidas e divulgadas sobre a Revolução Haitiana, este trabalho busca elaborar um relato diferente a partir de vozes que reconhecem e revelam a lógica supremacista na produção científica, incluindo estudiosos haitianos que já denunciaram sérias falácias na produção de conhecimento sobre o povo haitiano e sua história.
Financiamento Climático e a Amazônia Legal: um olhar sobre a soberanização do discurso ambiental brasileiro durante o governo Bolsonaro (2019-2022)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Caio Junior Auler (Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC))
Resumo:
Nas últimas décadas, os problemas ambientais passaram a constituir uma das temáticas fundamentais na agenda das discussões internacionais, num movimento impulsionado pelo acúmulo de evidências científicas em relação à mudança do clima (IPCC, 2023). O novo cenário passou a demandar maiores níveis de cooperação e diálogo no âmbito da governança climática, resultando no surgimento de propostas e alternativas para uma gestão compartilhada da crise ambiental – ainda que estas sejam comumente restringidas pelo princípio da soberania dos Estados nacionais (Viola e Basso, 2016). Os atuais esforços conjuntos no combate à mudança do clima prevêem uma série de estratégias a serem implementadas, sendo necessário o custeio e subsídio de ações, projetos e medidas de mitigação e adaptação à crise climática, o que deu origem ao financiamento climático, objeto de apreciação deste trabalho.
O financiamento verde, como também é conhecido, corresponde ao envio de recursos oriundos de fontes públicas, privadas ou alternativas, visando apoiar ações e projetos de mitigação e adaptação às mudanças do clima (Murasawa et al, 2021). O Brasil, detentor da maior biodiversidade do planeta, representa um dos principais destinos dos financiamentos de ações climáticas, sendo parte expressiva dos recursos vinculados ao mecanismo de REDD+ de preservação de florestas, estabelecido pela Convenção-Quadro da Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e reafirmado pelo Acordo de Paris, em 2015. No caso brasileiro, conforme apontam Markovitch e Pinsky (2014), o financiamento climático constitui-se como um instrumento fundamental para a viabilização de estratégias de monitoramento e prevenção do desmatamento na Amazônia Legal, sendo que, do total de recursos destinados ao país, um montante considerável é direcionado àquela região.
Apesar deste quadro, durante o governo de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022), foi possível observar uma diminuição dos fluxos de financiamento para o país, bem representada pela suspensão de repasses ao Fundo Amazônia, em 2019 (Negrão, 2019); em paralelo, naquele período também intensificaram-se os posicionamentos contrários ao envio de recursos externos, amparados no discurso soberanista do governo brasileiro em relação ao território amazônico (Behnke, 2021). A presente pesquisa parte da percepção de que a contração dos fluxos de financiamento para o Brasil ocorrera sob um ambiente político hostil ao envio de recursos e, portanto, entende o discurso alusivo à soberania brasileira sobre a região amazônica, nos termos em que foi mobilizado pela gestão Bolsonaro, como um obstáculo frente a captação de recursos para a preservação daquele território e sua biodiversidade.
Tendo por objetivo compreender os impactos da escassez de recursos externos e sua relação com a soberania nos índices de desmatamento, o trabalho buscou responder o seguinte questionamento: o discurso soberanista brasileiro em relação à Amazônia se mostrou prejudicial para a implementação de medidas de preservação e consequente diminuição dos índices de desmatamento registrados na região? Para tanto, a metodologia utilizada foi baseada em pesquisa de caráter exploratório, com consulta a fontes primárias e secundárias, empregando uma abordagem quali-quanti. Na primeira seção, foi introduzida a crise do clima e as potencialidades e limitações da governança climática, levando em consideração o elemento da interdependência ecológica global e sua relação – de incompatibilidade – com o princípio da soberania. Na segunda seção, apresentou-se o financiamento climático, produto da evolução das discussões ambientais, e na sequência o Fundo Amazônia, explorando o seu modelo de governança e o grau de autonomia conferido ao Brasil na gestão de seus projetos. A terceira seção abordou a mudança retórica e institucional do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente. Por fim, a quarta seção realizou uma análise a partir dos dados coletados, visando identificar a correlação entre a diminuição dos fluxos de financiamento e o aumento dos índices de desmatamento observados no período.
Ao concluir, a pesquisa identificou o financiamento climático, especialmente os fluxos não-reembolsáveis oriundos de doações, como um importante elemento para o robustecimento de ações de preservação e monitoramento do meio ambiente na região amazônica – considerando-se as restrições orçamentárias estruturais do Brasil. Vinculados à suspensão de repasses ao Fundo Amazônia, foram observados dois fenômenos: um aumento vertiginoso nos índices de desmatamento no bioma amazônico entre 2019 e 2021, conforme os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2023), e a intensificação do discurso soberanista brasileiro sobre aquele território. Nestes termos, buscou-se identificar uma possível associação dos fenômenos até aqui apresentados e, para todos os efeitos, considerou-se que o discurso soberanista brasileiro representa a variável A, que a diminuição dos fluxos de financiamento compreende a variável B, e que o aumento dos índices de desmatamento condiz com a variável C.
Deste modo, estipula-se que a diminuição dos fluxos de financiamento climático (B) contribui para o aumento dos índices de desmatamento (C); o discurso soberanista brasileiro (A) contribui para a diminuição dos fluxos de financiamento climático (B); logo, o discurso soberanista brasileiro (A) contribui para o aumento dos índices de desmatamento (C). Assim sendo, estabelece-se que a variável A, discurso soberanista brasileiro, atua como um amplificador indireto da variável C, aumento dos índices de desmatamento. Concluiu-se que a mobilização irrestrita do conceito de soberania pelo governo Bolsonaro e, mais especificamente, o discurso soberanista hostil sobre a Amazônia, vai de encontro à preservação desta, uma vez que desestimula os fluxos de financiamento, inviabilizando parte das políticas de preservação e resultando, consequentemente, no aumento dos índices de desmatamento.
Florescendo no deserto: gênero, raça e refúgio no Saara Ocidental
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Jhader Cerqueira do Carmo (Universidade de Brasília (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais))
Resumo:
O presente trabalho possui como objeto de pesquisa o movimento de mulheres no Saara Ocidental, no que diz respeito a seu feito crucial e histórico na criação dos acampamentos de refugiados/as no deserto de Tindouf, Argélia. Desta forma, objetiva-se investigar, em perspectiva histórica, como a identidade da mulher saaraui tem proposto outras perspectivas quanto ao refúgio, sobretudo ao ofertar um elemento substancial de manutenção do Estado saaraui, e igualmente, de participação feminina na guerra.
Articulando, de modo transdisciplinar, Estudos Migratórios, feminismos em Relações Internacionais e Estudos Feministas de Segurança, tendo-se gênero e raça como categorias de análise, questiona-se como a República Árabe Saaraui Democrática – RASD, autoproclamada em 1976 pela Frente Polisário (Frente Popular de Liberación de Saguía el Hamra y Río de Oro) tem se amparado em tal particularidade do movimento de mulheres saarauis, isto é, de sua invenção sui generis no status de refúgio. Este artigo advém de uma investigação maior para a escrita de uma tese de doutorado em RI e se fundamenta na pesquisa bibliográfica e documental como métodos de coleta de dados, e na narratologia (Inayatullah, 2010; Zalewski, 2006) e tradução (Costa; Alvarez, 2009; Spivak, 1993) como técnicas de análise.
O Saara Ocidental é a última colônia africana a todavia por concluir seu processo de independência da Espanha, anteriormente sua potência colonizadora, que muito embora, através de dispositivos da colonialidade do poder (Quijano, 1992), fomenta seu poderio ali em tempos contemporâneos como sendo um fantasma colonial (Martín, 2015). Tem-se então uma problemática de descolonização, correlacionada a um conflito continuado pela posse indevida de um território, com uma grave crise de direitos humanos e de refugiados/as, nada obstante, com pouca publicidade internacional.
A origem do povo saaraui está no movimento nômade de vários grupos étnicos afro-árabes, que conforme narrativa histórica (Mateo, 2016; Mohamed, 2021), sempre se mobilizaram naquela região desértica do Norte da África. Essa sociedade funcionava assim: por conta da escassez de recursos fundamentais à vida, essencialmente a água para a criação do gado, homens tinham de passar muito tempo fora, da localidade de agrupamento social, em busca de tais meios; enquanto mulheres permaneciam ali, responsáveis pela manutenção interna (ou doméstica), administrando a vida conjunta em diversos aspectos (políticos, econômicos, sociais, cuidados para com idosos e crianças, etc.).
Essa configuração que, a sua própria maneira, colocava em evidência o papel fundamental das mulheres saarauis foi mantida ao longo do tempo, apesar da chegada do domínio colonial espanhol em 1884. Em síntese, trata-se de uma sociedade mulçumana cuja leitura política e jurídica da “sharia” valorizou a figura da mulher na construção nacional das bases administrativas e públicas da sociedade e do posterior (não-)Estado (Mateo, 2016); aliás, hoje esta tem sido uma bandeira erguida por mulheres diplomatas da Frente Polisário, bem como por organizações de mulheres saarauis (Mahmud, 2016).
Sob o regime franquista, a Espanha decidiu se retirar do território, removendo completamente seu domínio colonial em 1976 – que na época foi considerado uma prática inédita, fora da jurisdição do direito internacional. Desde então, o terra pertencente à sociedade saaraui tem sido um espaço de beligerância, sobretudo entre o exército real de Marrocos – país que hoje ocupa ilegalmente o Saara Ocidental, e a Frente Polisário, representando autodeterminação do povo saaraui.
Na Primeira Guerra pelo Território do Saara Ocidental, 1975-1991, Hassan II, então Rei de Marrocos, convocou a população marroquina a se dirigir ao território saaraui, no âmbito de um movimento pacífico em prol de supostos laços familiares ou/e de subordinação, que ficou conhecido como Marcha Verde. Ao mesmo tempo, por outra via de entrada, ele também enviou o exército marroquino a invadir, com violência extrema a civis saarauis, destruindo suas moradias e lhes lançando bombas de napalm (Martín, 2015; Mohamed, 2021).
Foi nesse momento em que parte da população civil de saarauis, em sua maioria mulheres, idosos e crianças, conseguiu escapar pela passagem norte do Saara Ocidental, em direção ao deserto de Tindouf na Argélia. A guerra seguiu com o restante dos civis até o momento de cessar fogo com o advento da MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental) em 1991; a saber, rompeu-se dita trégua em novembro de 2020, com o avanço da violência militar a civis saarauis no Saara Ocidental ocupado.
Mesmo com a contemporânea Segunda Guerra pelo Território do Saara Ocidental em curso, desde aquele momento de escape ao deserto em 1975, os acampamentos de refugiados/as seguem firme em Tindouf, conforme argumenta-se aqui, por um empreendimento das mulheres saarauis. E apesar do apoio constante da Argélia em ceder parte de seu território a este povo, tal acontecimento em forma alguma representa um custo nacional por se tratar de um terreno localizado no meio da “ḥammāda” (zona inóspita do deserto, totalmente estéril, poeirenta, com temperaturas extremas, frias e quentes, de dia à noite (Mateo, 2016).
Ali, na estratégia de se edificar uma moradia ao seu povo refugiado, o movimento de mulheres saarauis desenvolveu a prática da “tuiza”, atividade solidária e coletiva, por muito tempo proibida à participação masculina (El-Mehdi, 2016). Juntas buscaram priorizar a construção de escolas e hospitais, com alguns desses espaços de “jaima” (tenda saaraui) havendo sido erguidos com suas próprias “melhfas” (a vestimenta típica feminina no Saara Ocidental), em momentos de escassez de recursos (Mahmud, 2016; Martín, 2016).
Ao defender que a identidade da mulher saaraui concedeu um condição de agência ao sentido de refúgio internacional, em analogia a um ditado saaraui que diz: “no deserto não crescem flores, mas crescem pessoas tão bonitas quanto às flores” (Mateo, 2016), espera-se, com este trabalho, tensionar a invisibilidade internacional acerca de estratégias de segurança, desenvolvidas por mulheres-outras (Mohanty, 1988) para a sua própria sobrevivência, bem como para a de seu (não-)Estado-Nação.
Gênero, Feminismos e ‘segurança ontológica’: uma revisão bibliométrica das produções na área de Relações Internacionais
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Helena Salim de Castro (Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – SETI/PR)
Resumo:
Desde meados da década de 1990, tem ganhado destaque nas Relações Internacionais e, mais especificamente, nos estudos de Segurança Internacional o conceito de “segurança ontológica”. Desenvolvido primeiramente nas áreas de Psicologia e Sociologia, onde há um foco no nível dos indivíduos e da sociedade, o conceito remete a um sentido e entendimento consistentes de um “eu”, que é diferente de, mas reconhecido por, “outros”. Traz, assim, uma relação direta entre segurança e identidade; entre a percepção de ameaças e o senso de subjetividade e agência. Em consonância com os debates de perspectivas consideradas críticas, como é o caso das teorias feministas e/ou estudos de gênero, tal conceito lança luz sobre elementos intangíveis que atravessam as relações entre os atores e contribui para a análise sobre sentimentos, como a ansiedade e o medo, nas relações internacionais.
Diante da recente proliferação de pesquisas envolta da temática de “segurança ontológica”, o objetivo central neste artigo é mapear esse campo de estudos no que concerne o diálogo com os debates sobre gênero e/ou feminismos. Para isso, adotamos como metodologia a revisão bibliométrica, que, entre outras contribuições, permite traçar o perfil de um determinado campo de investigação por meio da sistematização e análise das produções. Nosso primeiro passo foi selecionar as 47 revistas classificadas com Qualis A1 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na área de “Ciência Política e Relações Internacionais”, além de duas outras revistas renomadas na área de gênero e Relações Internacionais: a International Feminist Journal of Politics e a Politics and Gender. Posteriormente, utilizamos o software Publish and Perish, que permite realizar buscas específicas nas revistas, a fim de coletar os artigos que abordam aquelas intersecções. Para isso, indicamos o International Standard Serial Number (ISSN) das revistas e uma combinação de palavras-chaves: (“ontological security” AND gender) OR (“ontological security” AND feminism) e (“ontological insecurity” AND gender) OR (“ontological insecurity” AND feminism). Ao todo foram coletados 119 artigos.
Em seguida, fizemos, manualmente, uma nova busca pelas palavras-chave em cada um daqueles artigos, o que permitiu excluir as produções em que os termos apareciam apenas nas referências bibliográficas. Após a leitura do resumo dos 42 artigos filtrados, foram mantidos 18 para a análise final, a qual foi realizada com base em duas perguntas centrais: a) como o conceito de “segurança ontológica” é trabalhado nas perspectivas e estudos de gênero e/ou feministas? e b) quais as contribuições que o uso desse conceito traz para refletirmos sobre temáticas de gênero e/ou feminismos? Os resultados parciais indicam a existência de dois grupos principais de artigos. Em um deles estão as produções voltadas para analisar as experiências e percepções de segurança de sujeitos considerados feminizados. São artigos que, dentro de uma proposta dos estudos de gênero e feministas, usam o conceito de “segurança ontológica” para refletir sobre os corpos e as subjetividades considerados marginalizados. No segundo grupo estão os artigos que debatem as performances de segurança dos atores e burocracias estatais. A partir de uma lente de gênero, alguns autores analisam como a “segurança ontológica” é construída e/ou performada por meio de discursos e comportamentos generificados.
GEODIREITO E A ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA: PASSOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO ESTRATÉGICO BRASILEIRO
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Bárbara Ferreira dos Santos (Escola Superior de Guerra – ESG), Bruna Oliveira (Escola Superior de Guerra)
Resumo:
O processo de desenvolvimento desta pesquisa visa compreender de que forma a geopolítica mundial impacta a ordem jurídica brasileira no que tange o seu desenvolvimento.
Sendo assim, percebe-se o geodireito enquanto ramo autônomo da ciência jurídica e das relações internacionais, considerando-o como ponto de interseção entre o direito e a geopolítica. A relevância deste trabalho se dá sob a perspectiva acadêmica, pelo fato de que tanto o jurista quanto o internacionalista precisam, daqui em diante, tornarem-se profissionais multifacetados com capacidade para desenvolver trabalhos complexos, haja vista as
dinâmicas mutáveis deste mundo contemporâneo e globalizado.
Através de um entendimento transdisciplinar, objetiva-se investigar como as dinâmicas da geopolítica mundial influenciam a formulação, implementação e eficácia da ordem jurídica no Brasil.
Outro aspecto a ser desenvolvido versa sobre como o geodireito, a estratégia nacional e o direito constitucional devem ser propulsores da garantia dos direitos fundamentais dos brasileiros e consequentemente da defesa da soberania estatal.
Para alcançar o objetivo pretendido, dentre os métodos disponíveis, optou-se pelo uso do process tracing, da análise documental e da revisão bibliográficas como fontes metodológicas.
O primeiro ofereceu poder explicativo para compreender casos onde já há a aplicação do geodireito, com o rigor metodológico necessário para a construção de conhecimento científico impostos a fenômenos com multicausalidade. O segundo método utilizado, possibilitou, por exemplo, verificar jurisprudências através de decisões geopolíticas que foram levadas ao Supremo Tribunal Federal para julgamento bem como marcos regulatórios já instituídos no ordenamento jurídico interno brasileiro.
Por último, a revisão bibliográfica serviu como alicerce para embasamento teóricometodológico no campo da geopolítica, do direito, das relações internacionais e do geodireito, embora, este último, apesar de orientar o objeto desta pesquisa careça de doutrina específica devido à escassez de material acadêmico-científico sobre tal aspecto.
A utilização das bases teóricas do geodireito, faz-se necessária tendo em vista que a geopolítica possibilita a modulação do direito. Uma vez que a pressão externa influencia a criação de marcos regulatórios estratégicos de desenvolvimento nacional, continuar acreditando que o Brasil será capaz de projetar-se internacionalmente como verdadeira potência conservando a política atual é ignorar que, para que se atinja o status de Estado Estratégico consolidado, deve-se levar em consideração os aspectos do geodireito na formulação de políticas públicas, orçamentárias e militares que irão garantir os direitos fundamentais e a defesa nacional constitucionalmente propostos.
Sobretudo, para tornar viável o cenário proposto, o país precisa implementar um núcleo consistente de gestão estratégica composta de núcleos estratégicos capazes de desenvolver uma política estatal, e não de governo, voltada verdadeiramente para o desenvolvimento social interno.
Palavras-chave: geodireito, geopolítica, relações internacionais
Grupamentos Logísticos: Transformação com foco no Desenvolvimento e na Integração Regional
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Daniel Arrais Barroso (UFRGS), José Miguel Quedi Martins (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
O anúncio do Pré-Sal em 2006 em paralelo com a série de guerras envolvendo a disputa de recursos naturais, principalmente hidrocarbonetos (gás e petróleo), trouxeram ao Brasil o Planejamento Baseado em Capacidades (PBC), que associa a Política Externa, a Política de Defesa e o Desenvolvimento. Em um curto intervalo de tempo foi criado o Sistema Nacional de Mobilização – SINAMOB, que permitiu qualificar agressão também como ameaças ou atos lesivos à soberania nacional, à integridade territorial, ainda que não signifiquem invasão ao território nacional e prevê a Mobilização Nacional como medida para obtenção imediata de recursos e meios para implementação das ações que a Logística Nacional não possa suprir, segundo os procedimentos habituais. Essa transformação também alcançou as Forças Armadas do Brasil, e como consequência dessas mudanças surge o Processo de transformação do Exército Brasileiro(EB) derivado da Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa, Sistema Nacional de Mobilização, do Projeto de Força do Exército, que tem buscado adquirir novas capacidades bem como adotar estratégias que proporcionarão o salto estratégico necessário e devem ser consolidadas em um Projeto de Força(PROFORÇA) que estabeleça requisitos militares (capacidades) e proponha arranjos de Força (estrutura organizacional, articulação, equipamento, logística e preparo), considerando as limitações orçamentárias. No que tange a logística permitiu a criação dos Grupamentos Logísticos (Gpt Log), que desvinculou as atividades administrativas das logísticas operacionais da Força Terrestre centralizando a logística operacional do EB nesses Grandes Comandos Logísticos e aprimorando as capacidades logísticas do EB dentro e fora do território nacional. O Gpt Log, ao cuidar da logística de maneira estratégica consegue promover uma maior integração entre os entes públicos e privados, possibilitando o surgimento de parcerias que podem aprimorar o poder militar. Nesse sentido os Gpt Log podem encontrar respaldo nos campos Estratégicos e Político, sendo uma ferramenta para o êxito do projeto de integração regional do Brasil, ao colaborar na garantia da defesa dos bens comuns e na resolução de problemas compartilhados, tendo em vista que o Brasil participa do eixo Sul-Americano. Este trabalho visa identificar a contribuição dos Gpt Log para esse desenvolvimento, podendo ser um embrião desta integração. Nesse sentido Os Gpt Log representam a evolução logística da força terrestre em tempo de paz, contribuindo para o desenvolvimento e integração regional. O presente trabalho irá buscar identificar a evolução logística do EB e os benefícios advindos desse aumento de capacidade para a inserção internacional do Brasil.
GUERRA CIVIL SÍRIA: CONTEXTO INTERNO E PARTICIPAÇÃO RUSSA
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Rafael Gomes (Programa de Pós Graduação em História Comparada da UFRJ)
Resumo:
Mesmo com a criação da Organização das Nações Unidas e dos limites institucionais para a realização de operações militares, conflitos armados são uma realidade constante da política internacional, afetando as condições políticas, econômicas e sociais dos países ao redor do globo. Após reprimir protestos violentamente em 2011, o regime sírio, liderado pelo Presidente Bashar Al-Assad, se viu tendo que lidar com uma sangrenta guerra civil. O conflito foi marcado pelas hostilidades entre governo e oposição, além da participação de outros grupos visando o próprio interesse, como os curdos e os integrantes do Estado Islãmico do Iraque, da Síria e do Levante. Tal configuração possibilitou a atuação de outros países, sendo estes importantes atores regionais ou internacionais, neste conflito intraestatal, com destaque para Estados Unidos, Rússia, Turquia e Irã. Nesse sentido, este trabalho busca explorar, de forma introdutória, a conjuntura política, econômica e social que levou aos acontecimentos descritos na República Árabe da Síria, abordando também os principais atores e suas motivações. Dentre os grandes atores globais, este trabalho irá priorizar a análise da participação direta da Rússia no conflito sírio, tendo a sua interferência modificado a correlação entre as forças no país. A importância desse tema é justificada pelos impactos que trouxe no cenário do Oriente Médio e global, além de ser uma guerra civil ainda sem solução no cenário internacional atual. Como é um conflito ainda em andamento, foi delimitado um período de análise, sendo este entre 2011 e 2019. A restrição neste período se baseou no desenvolvimento das hostilidades, tendo chegado a uma estagnação após o ano de 2019. Busca-se demonstrar a dinâmica deste conflito através da metodologia da análise do estudo de caso. Em relação às fontes utilizadas, serão avaliados as notícias de jornais ao longo do período, dados oficiais, particularmente apresentados pela Organização das Nações Unidas, artigos e livros que abordem tais assuntos.
Guerra das Malvinas (1982): As Lições para a Soberania, Segurança e Defesa do Brasil e a Mudança do Pensamento Estratégico Brasileiro
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Lorenzo Augusto Zasso Cunha (Escola Superior de Guerra)
Resumo:
No que a Guerra das Malvinas foi elemento fundamental da formação das políticas de Defesa e Segurança do Brasil e na elaboração de estratégias no seu entorno estratégico?
A Guerra das Malvinas, em 1982, foi um confronto bélico entre a Argentina e o Reino Unido ocorrido nas Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, situadas no sul do oceano Atlântico. Esse conflito foi travado pela soberania dessas três ilhas, que desde o século XIX são reivindicadas pelas partes envolvidas. O conflito durou 74 dias e ocorreu entre os dias 2 de abril de 1982 – com a ofensiva argentina nas Ilhas Malvinas -, até 14 de junho do mesmo ano, quando houve a rendição das tropas argentinas.
O Brasil teve um papel relevante nessa guerra, ainda que de forma indireta. Suas ações foram questionadas pelos dois países envolvidos, o que ocasionou problemas diplomáticos para o país. Por ser uma questão ímpar da história do continente americano, essa guerra serviu como lição para a diplomacia, a segurança e a defesa brasileira, principalmente no Atlântico Sul.
A metodologia predominante nessa pesquisa será utilizando pesquisas bibliográficas, via análises de artigos, pesquisas e livros publicados. Além disso, utilizará referências documentais, por meio de documentos oficiais dos países envolvidos no conflito.
Dentre as pesquisas bibliográficas, destaca-se a obra do João Martins Filho, publicado em 2022, nos 40 anos do conflito. Intitulado “O Brasil na Guerra das Malvinas: Entre dois fogos” é uma obra que analisa os dias que antecederam o início do conflito, na perspectiva argentina, britânica e brasileira, relatando a conjuntura interna e as ações de cada um deles.
O livro intitulado “A Outra Guerra do Fim do Mundo”, do professor argentino Osvaldo Coggiola, faz uma análise de todos os antecedentes do conflito. Ele aborda as diferentes versões da descoberta dessas ilhas, passando pelas disputas militares e diplomáticas que antecederam o principal conflito de 1982, e a contextualização do conflito no âmbito da política interna e externa da Argentina e do Reino Unido,
Outra pesquisa que será utilizada é a Tese de Mestrado em História do Marcelo Vieira Walsh, intitulada “A atuação brasileira frente à crise das Malvinas/Falklands”, defendida em 1997. Nessa pesquisa o autor elabora a posição diplomática do Brasil antes, durante e depois do conflito, relacionando com as ações praticadas pelo país nesse período.
A dissertação da Isadora Coutinho, realizada em 2017, intitulada “Articulação entre política externa e política de defesa do Brasil: o Atlântico Sul como espaço estratégico” também será utilizado. Nessa pesquisa, as políticas de defesa do Brasil foram analisadas, a partir de documentos oficiais do Brasil, como a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN).
A partir disso, a autora elucida as políticas de Segurança e Defesa que o Brasil elaborou, com maior ênfase, a partir da década de 1970, sempre relacionado às mudanças da estratégia brasileira no Atlântico Sul. A primeira delas e mais importante num primeiro momento foi a criação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. Criada em 1986, tinha como principais objetivos a manutenção da paz no Atlântico Sul e a promoção de cooperações regionais.
No âmbito das referências documentais, essa pesquisa utilizará os principais documentos brasileiros que abordam sua atuação nas questões de Segurança e Defesa, com ênfase no Atlântico Sul. Dentre eles, a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional são as principais, pois compilam essas políticas.
Os principais resultados obtidos dessa pesquisa é que com a Guerra das Malvinas o Brasil mudou sua noção a respeito do seu entorno estratégico, passando pela maior valorização do Atlântico Sul, a aproximação com seus países vizinhos, principalmente com a Argentina, o que mais tarde possibilitou a criação do Mercosul e pela criação da Zona de Paz e Cooperação
do Atlântico Sul que desenvolveu relações bilaterais e multilaterais entre os países que constituem o Atlântico Sul.
Dentre os resultados parciais destaca-se a nova política de Defesa das Forças Armadas no que tange o entorno estratégico brasileiro, principalmente sobre o Atlântico Sul, que necessita ser pacificado e sem a presença de potências militares extrarregionais.
Identidade como efeito colateral: estudo sobre a mobilização do conceito de identidade nacional nos estudos de nacionalismo
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Douglas Welter Reichert (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
Resumo:
Este resumo pretende sintetizar alguns elementos observados em uma pesquisa de conclusão de curso. Almeja-se, portanto, descrever tanto as suas etapas metodológicas de classificação inicial (Reichert, 2023), quanto os resultados obtidos no processo de análise e sua subsequente discussão à luz dos estudos críticos da identidade. O objetivo central do estudo foi cartografar a (in)existência e predicação do conceito identidade nos estudos de nacionalismo. Em termos específicos, visou-se: a) mapear quem são as vozes que pautam esse debate; b) identificar como identidade é empregada como um conceito nesses estudos; e, por fim, c) observar como aspectos de ordem subjetiva são por eles mobilizados. Dadas as limitações de espaço e tempo, optou-se pela condução da pesquisa a partir do mainstream acadêmico – entendido como a amostra composta pelos textos mais referenciados, em termos de citações, em língua inglesa.
Em termos metodológicos, esse é um estudo conceitual de teor qualitativo. Em um primeiro momento, contudo, a bibliometria foi empregada com vistas a delimitar e classificar o corpus textual entendido como mainstream. Foram selecionados 750 textos, sendo 250 por palavra-chave (“nation”, “nationalism” e “national identity”). Empregados os critérios de exclusão, restaram 99 textos na amostra, que foi analisada em termos quantitativos, com vistas a mapear a autoria (isto é, as vozes dominantes) nesse debate. Foi perceptível, assim, a prevalência de um perfil claro de autoria: homens brancos velhos ocidentais. Dentre os textos analisados: 70,7% são de homens; 87,9% de pessoas brancas; 85,8% de pessoas com idade superior a sessenta anos; e 86,9% de ocidentais. Foram perceptíveis, igualmente, ausências marcantes. Apenas um texto foi identificado como possuindo autoria negra (Hall, 1993) e a autoria de pessoa não identificada em termos da binaridade de gênero (Butler, Spivak, 2007). Uma análise puramente identitária da autoria, contudo, pouco nos diz sobre o seu mérito – dadas as limitações do emprego do nome do autor como elemento analítico (Foucault, 2009). Sendo necessária uma análise de teor qualitativo dessa amostra.
Na fase subsequente, foi realizada uma leitura direcionada dos textos, por conta de sua magnitude – a maior parte da amostra foi composta de livros (tanto organizados enquanto coletâneas de ensaios, quanto obras completas), inviabilizando seu processamento integral. Buscou-se pelos termos “national identity” e “identity”, sendo realizada a leitura dos parágrafos nos quais os mesmos estavam presentes. Foi possível, assim, mapear a mobilização de tal conceito (que se deu em 100% dos textos), sua discussão (existente em apenas 51%) e se o mesmo foi apresentado enquanto processo (presente em 73,5), em oposição a uma noção essencialista de identidade. Observou-se, além disso, a prevalência de 6 diferentes perspectivas nas quais o conceito de identidade é mobilizado. A mais recorrente foi a sociológica (94%), seguida por histórica (67,5%), política (65,5%), subjetiva (61%), racial (51%) e de gênero (47%). Sua presença, expressa nessa quantificação, não se refere à sua discussão qualificada – sendo mapeada somente a evocação de tais termos nas referidas discussões. Dadas as limitações de extensão, não será possível explorar as especificidades de cada uma das perspectivas.
É pertinente, porém, apontar que tais ideias não se expressam de forma homogênea em tais estudos e, tampouco, se assentam em pressupostos comuns. De forma ilustrativa, pode-se pensar no caso da perspectiva histórica. Nela, foi perceptível a existência de duas discussões concorrentes sob o mesmo termo (“história”) na amostra. A história em sentido estrito, enquanto estudo metodológico ou campo disciplinar (Boyd, 1997; Giddens, 1985) e a história enquanto história (imaginada) nacional (Bell, 2003; Triandafyllidou, 1998) – a segunda sendo, em um certo sentido, muito mais sociológica ou subjetiva do que propriamente histórica. Houve ainda, alguns autores explicando a formação de nações modernas mobilizando o conceito de identidade poucas vezes e sem qualquer definição ou discussão do mesmo (Suny, 1988; Bushnell, 1993). É notável, também, a recorrência baixa de menções às perspectivas de gênero e raça. Sendo, no caso da primeira, normalmente mencionada, mas não desenvolvida – com uma evidente exceção no caso de estudos com autoria feminina, que tendem a aprofundar tal discussão (Colley, 2003; Chakravarty, 1993; Cott, 2002; Hecht, 2009; Cohen, 1996). Pode-se observar algo semelhante em relação à perspectiva racial, novamente com algumas exceções (Hall, 1993; Seton-Watson, 1977; Colley, 2003) – corroborando a tese de seu silenciamento seletivo (Silva, 2021).
Sob influência da psicanálise no contexto das discussões sobre nacionalismo e identidades nacionais (Machin, 2020; Stavrakakis, 1999), finalmente, objetivou-se empreender uma leitura crítica de suas definições clássicas (tais como: Gellner, 1983; Hobsbawm, 1991; e Anderson, 2008, por exemplo). Para, com isso, posicionar sua dificuldade definicional (Connor, 1972; 1978), bem como, suas transformações ao longo do tempo na obra de Anthony Smith (1991; 2009) como um exemplo disso. Esse estudo permite o esboço de algumas conclusões, para além das já expressas no decorrer do resumo, dentre as quais destaco: a) a baixa recorrência do campo das relações internacionais nessa discussão – algo já diagnosticados por Mayall (1994) e Vargas-Maia (2022); b) uma profunda confusão conceitual, quando não mobilização sem qualquer critério definicional de identidade em tais textos; c) a teorização quase inexistente de aspectos de ordem subjetiva nessa amostra – confirmando as teses de Machin (2020) e Stavrakakis (1999); e d) a emergência da identidade nacional como um suporte para as definições mais amplas de nacionalismo ou nação, de modo a prescindir ela própria de uma teorização mais complexa – sendo articulada, meramente, como um efeito colateral em muitos dos textos explorados.
Identidade e Cooperação Nuclear na Guerra Fria: Percepções e Equívocos no caso Estados Unidos-Índia
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Eduardo Araújo Mangueira (IRI – PUC-Rio; Observatório Político dos Estados Unidos)
Resumo:
Em 18 de maio de 1974, o gabinete da então primeira-ministra indiana, Indira Gandhi (1966-1977; 1980-1984), recebeu uma confirmação que abalaria a comunidade internacional: o sucesso da operação posteriormente denominada “Buddha Sorridente” tornava a Índia o primeiro país fora dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas a realizar a explosão de um dispositivo nuclear. Alardeada pelo governo indiano como uma Explosão Nuclear Pacífica (ENP), essa operação tinha como intenção demonstrar aos demais países que a Índia teria a capacidade de construir uma bomba, se assim desejasse.
Em primeira análise, essa ação indiana parece contrária à política empregada pelo país até então, que se apresentava como um dos mais verbais defensores da antiproliferação nuclear. Surpreendendo a comunidade de Inteligência estadunidense (RICHELSON, 2006), essa explosão foi fruto de um esforço considerável de sigilo pelo governo indiano.
A força de explosões nucleares era tanto física quanto simbólica. O lançamento das bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945, mesmo após tentativas pelos japoneses de negociar os termos de sua rendição (FERRELL, 1997), foi acima de tudo uma demonstração de poder. Através do Projeto Manhattan, uma iniciativa conjunta de Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, foi criada esta arma de proporções cataclísmicas: estima-se que cerca de 199.000 pessoas tenham morrido em decorrência direta ou indireta, uma vez que a mera exposição à radiação tem efeitos nocivos ao corpo humano.
No entanto, têm-se que o programa nuclear indiano (PNI) não era um empreendimento meramente local, contando entre seus apoiadores internacionais com os Estados Unidos. Com seu programa Átomos pela Paz, os EUA buscavam impedir a proliferação de armas nucleares ao estimular a transferência de tecnologia nuclear para fins “pacíficos”, ou seja, que não levassem à pesquisa ou desenvolvimento de armamentos.
O tema desta pesquisa aborda a decisão estadunidense de apoiar o PNI. O presente trabalho busca responder à seguinte pergunta: seria a política de estímulo ao programa nuclear indiano a mais indicada para a realização dos interesses estadunidenses de contenção da proliferação de armamentos nucleares, dadas as informações disponíveis? O recorte escolhido se deu em função de três momentos principais: o estabelecimento do programa Átomos para a Paz, a partir do discurso do presidente estadunidense Dwight Eisenhower à Assembleia Geral da ONU em 8 de dezembro de 1953; a celebração do “Acordo entre o Governo da Índia e o Governo dos Estados Unidos nos Usos Civis da Energia Atômica”, assinado em 8 de agosto de 1963; e a explosão do artefato nuclear indiano em 1974. O tratado em questão versa sobre a construção da Usina Nuclear de Tarapur (UNT) por uma empresa americana, a General Electric, e o empréstimo de US$ 80 milhões para a realização deste empreendimento. Sua importância para os propósitos deste trabalho não está em seu possível impacto no desenvolvimento específico do dispositivo para a ENP, mas como demonstração de um esforço concreto, em meio à política Átomos para a Paz, de fomento ao programa nuclear indiano por parte dos Estados Unidos. Parte-se da hipótese de que os tomadores de decisão estadunidenses, ao considerar a Índia como uma nação que não cogitava a opção por armas nucleares apesar da presença de elementos indicativos do contrário, tomaram uma decisão não condizente com os próprios interesses.
Levando-se em consideração a corrente teórica construtivista, a investigação ocorrerá com base na importância do conceito de identidade para a Análise da Política Externa (APE), no intuito de verificar se e como a atribuição de determinadas características ao povo indiano pode impactar a política do Estados Unidos para essa região. Por entender que tal atribuição de características pode ir de encontro a evidências apresentadas aos tomadores de decisão estadunidenses, utiliza-se como teoria acessória o conceito de percepções e equívocos de Robert Jervis (2017), que demonstra a existência de tendências cognitivas que podem induzir um estadista a erros de percepção. Esta pesquisa será feita a partir de uma análise discursiva, por meio da qual discursos, notícias, artigos e documentos oficiais serão examinados para entender como os Estados Unidos caracterizavam a Índia no recorte temporal já indicado, de maneira mais geral, e como avaliavam as capacidades indianas de produção de armamentos nucleares, bem como as intenções de produzi-las.
Entende-se que materiais comunicativos são imprescindíveis para a compreensão da identidade e, portanto, os interesses de seus expositores. Busca-se compreender se a identidade indiana, conforme entendida pelos estadunidenses, seria propensa à aquisição de armas nucleares, e se teria a capacidade para fazê-lo. Somado a isso, o trabalho realiza um exame acerca da autopercepção indiana, para os mesmos parâmetros.
A partir desta pesquisa, encontrou-se que o fomento ao programa nuclear indiano não condizia com o objetivo estratégico de impedir a proliferação nuclear. Se este for considerado o objetivo do programa Átomos para a Paz, têm-se que havia motivos para se acreditar, dadas as informações disponíveis para os tomadores de decisão estadunidenses, que o programa nuclear indiano tomaria rumos contrários a seus interesses. O equívoco de percepção que levaria a tanto seria a tendência estadunidense de entender a “paz” buscada pela Índia como uma política permanente, o objetivo final do país.
Iniquidades energéticas entre 20 países da UE: um estudo exploratório das relações entre a eletricidade do gás natural, vivências energéticas domésticas e preferências por políticas
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Victor Garcia Miranda (Universidade do Porto; UFMS), Victor Garcia Miranda (Universidade do Porto)
Resumo:
O presente artigo investiga as iniquidades energéticas expressas nos aspectos sociais da financeirização do setor do Gás na União Europeia (EU) e suas relações com elementos da vida social e política no bloco regional. Especificamente, analisa-se correlações entre (1) atributos de estrutura organizacional que indicam processo de financeirização das empresas que produzem eletricidade proveniente do gás, (2) características de vivência energética doméstica e (3) de preferências de políticas energéticas de quem vive em áreas com incidência de financeirização no mencionado setor. Para tanto, realizou-se levantamento de 785 centrais de produção energética baseadas em gás em 20 países da União Europeia, ponderando-se a capacidade de produção elétrica, as diferentes estruturas organizacionais, o perfil de vivência energética e as preferências da população afetada. Ao final, foi possível desenhar um quadro analítico multidimensional sobre quais as dificuldades, as prioridades energéticas e que tipo financeirização organizacional ocorre em seis distintos clustres de países.
Integração da Infraestrutura Regional Sul- Americana e o Poder Estrutural
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Lorena Carolina Conceição Andrade Fonseca (UFBA), Rafael Vieira da Silva (UFBA)
Resumo:
A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) teve como principal objetivo sanar a ausência de conectividades estruturais no subcontinente a partir de desenvolvimento de projetos de construção e reforma de infraestruturas em diferentes eixos de integração (Diniz Filho e Fernandes, 2017). O projeto surgiu na virada do milênio durante o Primeiro Encontro de Presidentes da América do Sul em Brasília, contando com os chefes de estado da Venezuela, Bolívia, Uruguai, Argentina, Peru, Chile, Paraguai, Equador, Guiana, Suriname, Colômbia e Brasil. Seu extenso plano de ação continha propostas para o desenvolvimento de infraestruturas nas áreas de transporte, energia e comunicações, visando ampliar a competitividade econômica dos países sul-americanos em um mundo globalizado (Silveira e Souza, 2014). Além disso, em seu escopo programático existiam preocupações de cunho social e ambiental, como o interesse de dialogar com as populações locais sobre os projetos e a busca por harmonizar tais ações com o desenvolvimento sustentável, ainda que esta última tenha sido ofuscada pelos impactos ambientais de seus megaprojetos (Rossi e Vasconcelos, 2023).
Diante dessa breve contextualização, esta pesquisa analisa a trajetória da IIRSA a partir do seguinte questionamento: em que medida a iniciativa serviu como instrumento dos interesses do poder estrutural hegemônico? Através de uma avaliação qualitativa da literatura voltada para descrever os objetivos e os resultados da IIRSA, pretende-se investigar a conexão entre interesses hegemônicos (particularmente dos Estados Unidos) e os desdobramentos desse projeto regional. Para tanto, utiliza-se como aporte teórico primário o conceito de poder estrutural desenvolvido por Susan Strange (1994), que diz respeito à capacidade de um ou mais atores determinarem as estruturas da economia política global que permeia as relações entre os Estados.
Busca-se, com isso, entender a IIRSA a partir do olhar da Economia Política Internacional e das nuances que se tornam evidentes diante das contribuições teóricas em torno da ideia de poder estrutural. Situando a iniciativa em um contexto global, aproximam-se os desenvolvimentos em seu âmbito com a atuação dos EUA na América no mesmo período, de modo a tentar encontrar evidências do poder estrutural nos contornos da IIRSA. O trabalho discute o alcance da aplicação deste conceito de poder na compreensão da trajetória da iniciativa, explorando as consequências interpretativas dessa escolha analítica e as possibilidades e limites do uso prático dessa ferramenta conceitual.
Como resultado parcial, entende-se que a IIRSA, em especial na ampliação da infraestrutura do setor de transporte, possui uma conexão com a operacionalização dos interesses dos agentes do mercado global ligados aos países hegemônicos, em especial aos EUA. Ainda que a pergunta de pesquisa detenha certo grau de complexidade para que se possa admitir uma resposta causal definitiva, são elencadas evidências de que houve uma instrumentalização dessa iniciativa regional em prol dos interesses dos atores associados aos EUA, em particular a partir das constrições impostas pelos mecanismos criados e mantidos pelo poder estrutural hegemônico.
Mali’s Security Clusters and Human Protection Value in UN Peace Operations
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Ana Clara Figueira Guimaraes (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO))
Resumo:
In the contemporary landscape of international security, a nuanced analysis of scenarios and conflicts is imperative, given the diverse range of actors and threats involved. Within this complex context, the United Nations (UN) peace operations play a pivotal role, underscoring the organization’s commitment to maintain peace and security around the world. Central to these efforts is the unwavering dedication to ensuring Human Rights (HR) and safeguarding individuals from the multifaceted challenges that arise in conflict zones.
The purpose of this work is to examine how the UN peace operations aspects and interactions may affect the human protection value. To achieve this proposal, we will use the security clusters framework designed by Karin Fierke and the norm cluster concept developed by Carla Winston combined as a theoretical foundation to explore this issue. Using this outlook, this article was designed to investigate how the dynamic between different types of shared perceptions of threat and interests among states in a security cluster affects the shared human protection value intrinsic to certain norms.
In order to reach our goal, we chose a case-study approach with the aim to capture the complexities of the phenomenon. So, the case is the UN peace operation in Mali, namely United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in Mali (MINUSMA), in which context it is possible to identify the norm implementation of Protection of Civilians (PoC), Counterterrorism and Stabilization. Therefore, MINUSMA was selected to assess the management implementation of these norms in a conflict environment as well as its complexity and overlap of these dynamics. Winston’s norm cluster concept will be used as an analytical tool to the following norms: PoC, Counterterrorism and Stabilization.
This document is structured in five sections. First, we demonstrate how the human protection value is recognized within the UN. Second, we point out the security clusters framework and the norm cluster concept to hereinafter apply to MINUSMA. Next, it is reported the particularities of MINUSMA alongside the PoC, Counterterrorism and Stabilization norms. Then, we will delineate the multiple relationships incorporated in Mali’s security clusters and their effect on human protection value as the effect of the implementation simultaneously of these three norms. For the analysis of the interaction between the overlap implementation of these three norms at MINUSMA, we used information from reports and interviews made by other researchers.
Thus, this article aspires to contribute to a nuanced understanding of the challenges and dynamics associated with UN peace operations, offering valuable insights into how these endeavors may either fortify or compromise the core value of protecting human lives in conflict zones.
Memória e Política Externa: o impacto do colonialismo japonês nas relações Coreia do Sul-Japão
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Octávio Henrique Alves Costa de Oliveira (IRI / PUC – Rio), Gabriel Porto Póvoas (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio))
Resumo:
A ocupação japonesa na península coreana perdurou entre os anos de 1910 e 1945, cujo fim se deu com a rendição japonesa. Neste período, a Coreia permaneceu sob tutela do Império Japonês, responsável por reprimir consideravelmente expressões culturais coreanas – como a proibição do próprio idioma -, além de frequentemente imputar outras formas de violência colonial – trabalho forçado, exploração sexual, etc. (Jeong; Vollhardt, 2021) –, colaborando para a construção histórica de uma identidade traumatizada pela memória da colonização.
Esta pesquisa tem como objetivo explorar os desdobramentos da ocupação japonesa para a formação de uma memória coletiva de vitimização vinculada a uma politização do passado (Kim, 2015). Considera-se, assim, a existência de uma interseção entre a memória, a identidade e a Política Externa de um país. Desse modo, procura-se compreender como os constrangimentos internos e a memória da colonização japonesa, que são pilares da identidade nacional sul-coreana, são traduzidos para a arena da formulação da Política Externa. A pesquisa avalia não apenas o discurso de figuras políticas da Coreia do Sul como marcador decisivo, mas também o imaginário nacional popular para a cooperação e os acordos em matéria de segurança entre ambos os países, o que evidencia que provavelmente elementos identitários podem ser de fato convertidos para o escopo burocrático dos países. Partindo do princípio de que a memória e o trauma são elementos constitutivos da experiência e identidade coreanas, pode-se dizer que o foco central deste artigo é avaliar em que medida estes elementos possuem – e se de fato possuem – implicações práticas no escopo da Política Externa sul-coreana em relação ao Japão. Logo, diante de tal hipótese, chega-se à seguinte pergunta de pesquisa: “Como a memória da ocupação japonesa da Coreia impactou a Política Externa sul-coreana em relação ao Japão? (2010-2020)”
Nesse sentido, espera-se com a pesquisa atingir resultados que indiquem se, de fato, existe um transbordamento da memória coletiva da violência perpetrada pelo Japão em território coreano na esfera da tomada de decisões ou se, na verdade, pouco se pode observar de uma identidade nacionalista na Política Externa da Coreia do Sul, tendo como figura central a colonização japonesa. Vale ressaltar a importância das variáveis predominantes nesse caso, como os agentes que influenciam os processos decisórios e os diferentes posicionamentos de governantes distintos. Tendo em vista, portanto, a rotatividade do Poder Executivo na democracia sul-coreana e, por conseguinte, as diferentes subjetividades que são transportadas para a tomada de decisão, pode-se observar variedades de visões mais negativas ou positivas em relação à cooperação com o Japão. Procura-se também levar em consideração que níveis da Política Externa são influenciados pela visão que a sociedade sul-coreana preserva da memória da exploração japonesa.
O artigo será dividido em três seções: I) seção Histórica, com uma breve e didática retomada do processo histórico que concerne à ocupação japonesa da península coreana, suas implicações para a Guerra da Coreia e os principais acontecimentos à época; II) Análise da Política Externa Sul-Coreana entre os anos de 2010 e 2020, evidenciando os principais elementos como mudança de governos, espectros políticos e suas implicações para uma maior ou menor adesão à cooperação com o Japão.
Em suma, a metodologia consistirá numa avaliação das principais literaturas que tratam de conceitos como memória, identidade e suas influências para a Política Externa, bem como especificamente o caso Coreia do Sul-Japão. Adicionalmente, são utilizadas fontes primárias e análise dos discursos proferidos por governantes sul-coreanos em relação ao Japão, avaliações da linguagem utilizada pelos principais veículos de imprensa coreanos ao fazer referência ao Japão e as principais posições tomadas por organizações da sociedade civil, uma vez que a abordagem adotada aponta que estes podem ser os principais condutores da Política Externa de um país.
Para tanto, a análise decorre de uma preocupação com elementos identitários que, de alguma forma, podem vir a influenciar a esfera da Política Externa e que podem surgir de históricos processos de opressão baseados na exploração, na ocupação, no cerceamento de liberdades e na obstrução da identidade de um povo, como foi o caso da Coreia ocupada entre 1910 e 1945. Evidenciando a Política Externa atual da Coreia do Sul, espera-se encontrar elementos que comprovem a hipótese de que experiências coletivas historicamente partilhadas entre os coreanos são cruciais para a tomada de decisão no nível da Política Externa.
Referências
CAPRIO, Mark E. The politics of assimilation: Koreans into Japanese. IN: SETH, Michael J. (Ed.). Routledge Handbook of Modern Korean History. Routledge: 2016, p. 197-219.
CUMINGS, Bruce. Korea’s Place in the Sun: A Modern History. Nova Iorque: W. W. Norton & Company, 2005.
JEONG, Hu Young; VOLLHARDT, Johanna Ray. Koreans’ collective victim beliefs about Japanese colonization. Peace and Conflict: Journal of Peace Psychology, v. 27, n. 4, p. 629, 2021.
KU, Yangmo. Comfort women controversy and its implications for Japan-ROK reconciliation. IN: KIM, Mikyoung. Routledge Handbook of Memory and Reconciliation in East Asia. Routledge: 2016, p. 261-276.
KIM, Mikyoung (Ed.). Routledge handbook of memory and reconciliation in East Asia. Routledge, 2015.
PARK, Eugene Y. Korea: A History. Stanford University Press, 2022.
SNYDER, Scott A.; EASLEY, Leif-Eric. South Korea’s Foreign Relations and Security Policies. IN: PEKKANEN, Saadia M.; RAVENHILL, John; FOOT, Rosemary. Oxford Handbook of the International Relations of Asia. Oxford University Press: 2014, p. 446-461.
MOEDAS INTERNACIONAIS: Uma descrição do processo histórico e político da ascensão e queda das moedas internacionais utilizadas a partir da segunda metade do século XX
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Janypher Marcela Inacio Soares (UFSC)
Resumo:
Este artigo busca descrever o processo histórico e político da ascensão e queda das moedas internacionais utilizadas a partir do século XX. Para que isso seja possível, o estudo, apresenta o motivo pelo qual a moeda foi criada e quais funções, essa desempenha. A moeda possui o valor que a ela é atribuído, ou seja, “a moeda é tudo e a moeda não é nada”. Em se tratado do aspecto internacional, para uma moeda ser utilizada fora do espaço territorial do seu emissor, é necessário que, os demais países, aceitem que, a moeda em questão possui, e consegue desenvolver papéis, que a sua própria moeda não pode. Nesse sentido, verifica-se que, nem todas as moedas são iguais.
A partir das três funções básicas de uma moeda e das hierarquias propostas por Strange (1971), Cohen (1998; 2015; 2019), e De Conti, Prates e Philon (2013), pode-se afirmar que, ao longo da história, diversas moedas foram relevantes no cenário internacional. Além disso, o sistema monetário internacional foi mudando com o passar do tempo. Em considerando o recorte temporal deste estudo, os séculos XX e XXI, pode-se afirmar que, as principais moedas internacionais utilizadas foram, a libra, no início do século XX, e o dólar-americano, a partir da Segunda Guerra Mundial.
Apesar dessa proeminência e preponderância na utilização, e, no cumprimento das funções de uma moeda internacional encontrada na libra e atualmente, no dólar americano, outras moedas internacionais, também foram pontuadas ao longo desse capítulo como relevantes. O marco alemão e o iene japonês, foram moedas que, na segunda metade do século XX, apresentaram forte importância no cenário internacional, principalmente, em se tratando das suas regiões de atuação. Já no século XXI, o euro e o renminbi merecem destaque enquanto moedas que desenham funções, fora da área do emissor.
É importante destacar aqui, que, diversos são os motivos pelos quais um país incentiva, ou não, a internacionalização da sua moeda. No geral, para uma moeda ter relevância internacional, o país emissor dessa, deve também ser relevante internacionalmente. Em outras palavras, pode-se dizer que, o emissor da principal moeda internacional, pode ser considerado o detentor da hegemonia monetária internacional.
Apesar da oscilação, ao se analisar o cenário atual do comportamento das moedas internacionais, no que tange as funções meio de troca, unidade de conta e reserva de valor, o dólar americano é considerado a principal moeda internacional. Outros países tiveram a oportunidade de ascender a ser uma moeda internacional principal. Como exemplo, Japão e a Alemanha Ocidental, ao analisar as necessidades de ajustes para essa internacionalização acabaram por recuar ao internacionalizar as suas moedas.
Movimentos feministas transnacionais latino-americanos e políticas de saúde das mulheres: um estudo sobre a Constituição de 1988
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Monique Rafaela Sartor (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo:
A presente pesquisa busca compreender como se deu o impacto dos movimentos feministas transnacionais latino-americanos na formulação de políticas de saúde para as mulheres no Brasil durante a elaboração da Constituição Federal de 1988. Partindo da definição dos movimentos feministas transnacionais como parte de uma rede de atores sociais internacionais capazes de promover interações entre agentes de múltiplos níveis globais (SMITH, 2013), o trabalho entende que esses movimentos possuem a capacidade de “influenciar os processos formais de tomada de decisão do Estado, contribuindo para políticas públicas mais benéficas a grupos sociais mais vulneráveis.” (BERNARDES, 2015, p. 121). Neste contexto, e destacando as políticas de saúde das mulheres como um elemento fundamental das lutas feministas, é considerado que, no que se refere ao Brasil, os movimentos feministas regionais da América Latina tiveram particular relevância na formulação dos princípios constitucionais de direitos humanos (ALVAREZ, 2000).
Dessa forma, por meio da realização de um estudo de caso, o trabalho tem como objetivo entender (I) como acontece a formulação das estratégias de atuação dos movimentos feministas transnacionais da América Latina e (II) quais os impactos dessas estratégias na formulação dos princípios constitucionais brasileiros ligados à saúde da mulher.
Para isso, foi realizada, na primeira parte da pesquisa, uma revisão da literatura sobre os movimentos transnacionais de direitos humanos, com destaque para os movimentos feministas, e a elaboração de princípios de direitos humanos na Constituição de 1988, com o propósito de contextualizar o debate sobre a atuação desses movimentos nas normas brasileiras. Posteriormente, será realizada uma análise bibliográfica e documental dos materiais (panfletos de divulgação e relatos de ativistas) produzidos durante os Encontros feministas transnacionais da década de 1980, a fim de entender como ocorreu o desenvolvimento dos ideais latino-americanos sobre a saúde da mulher e das estratégias de atuação dos movimentos que defendem os direitos ligados à temática. Por fim, será conduzida uma análise dos impactos dessas ideias e estratégias transnacionais no desenvolvimento dos princípios relacionados à saúde da mulher contidos na Constituição Federal de 1988.
Assim, a pesquisa conclui, até então, que a redemocratização do Brasil, cenário no qual foi elaborada a Constituição de 1988, foi o processo que catalisou a intensificação da atuação dos atores sociais em relação à luta pelo reconhecimento dos direitos humanos no país, inclusive os atores ligados aos movimentos feministas transnacionais (ALVAREZ, 2000; MASIERO, 2019). Essa intensificação se deu, na América Latina, por meio da expansão das redes de atuação das mulheres no contexto da realização de diversos Encontros feministas na região, uma vez que os cenários políticos latino-americanos eram semelhantes (ALVAREZ, 2000). Além disso, em relação às políticas de saúde para as mulheres, os movimentos feministas transnacionais influenciaram fortemente a fenômeno da Reforma Sanitária no país, que incluiu problemáticas até tão ignoradas, como os direitos reprodutivos femininos, na agenda de saúde brasileira (RISAFFI; CRUZ, 2023).
Mudança e continuidade na Política Externa do novo Governo Lula: uma nova matriz de política externa?
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): André Luiz Reis da Silva (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Em 2022, eleito no segundo turno com mais de 60 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva retornou à presidência para um novo mandato – o terceiro –, com enormes desafios nacionais e internacionais pela frente. Internamente, precisará conter o aumento da miséria e da fome, pacificar o país depois de anos de instabilidades políticas, fortalecer as instituições nacionais e democráticas e, ao mesmo tempo, recuperar a capacidade de crescimento e desenvolvimento econômico. Externamente, o desafio consiste em reposicionar o Brasil no mundo. No primeiro ano do governo Lula, a frase-síntese tem sido: “O Brasil voltou ao cenário internacional”. Obviamente, ela reflete um anseio de recuperação da imagem positiva e da projeção internacional do país, desgastada na última década. Esta pesquisa tem como objetivo analisar as mudanças na política externa brasileira no terceiro mandato do presidente Lula da Silva, iniciado em 2023, exatamente 20 anos depois do início do seu primeiro mandato, buscando retomar a assertividade e o lugar do Brasil nas Relações Internacionais como uma potência regional e emergente. O retorno de um presidente ao poder, em um novo contexto, implica em mudanças na política externa. Nesse sentido, é nítido que o governo Lula rompe com a política externa do governo Bolsonaro (2019-2022). Nesse sentido, a pergunta que orienta a pesquisa é qual a comparação possível com seu governo anterior? Como argumento de pesquisa, podemos, nos termos de Charles Hermann (1990), afirmar que o novo governo Lula realiza uma reorientação internacional, em comparação com o governo Bolsonaro, recolocando o Brasil nos marcos de uma potência emergente que busca autonomia, mesmo que limitada. Em relação ao governo Lula de 2003, há a recuperação da mesma matriz de inserção internacional, porém, ocorrem ajustes de política externa, baseados em uma nova conjuntura nacional, regional e internacional, o que tem levado a uma política externa mais cautelosa. Na perspectiva de compreender as grandes linhas de ruptura e continuidade da política externa brasileira na última década, utilizou-se, como recurso analítico, a noção de matriz de política, que corresponde aos contornos mais gerais da política externa, identificando a visão de país, de mundo e o projeto político. A noção de matriz permite realizar uma pesquisa que ganha mais possibilidades analíticas, ao interrogar sobre as permanências e rupturas da política externa de sucessivos governos. Mapeando as viagens presidenciais, os encontros bilaterais e multilaterais e discursos do governo e utilizando os instrumentos teóricos da Análise de Política Externa (APE), esta pesquisa analisa as transformações recentes da política externa brasileira, baseada em condicionamentos internos, regionais e sistêmicos, identificando as orientações e posições do Brasil nas esferas regional, bilateral e multilateral.
Mulheres negras em Durban: Reflexões sobre o apagamento do protagonismo feminino negro internacionalmente
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Maria Eduarda Souza Martins (UNILA)
Resumo:
O presente trabalho se propõe a refletir sobre a participação das mulheres negras no interior do Movimento Negro Brasileiro, assim, a partir da análise da Conferência de Durban será possível debater sobre o protagonismo dessas mulheres na luta contra o racismo no cenário internacional. Para tal, serão debatidas teorias raciais presentes no Brasil que foram fundamentais para justificar a violência, a ideia de subumanidade das mulheres negras e ainda reforçar o mito da democracia racial no país. Concomitante ao estudo sobre raça, exporemos o debate sobre gênero evidenciando as lacunas deixadas pelos feminismos hegemônicos, uma vez que as mulheres racializadas não se enquadram nos padrão Ocidental e excludente. Assim, a partir da constatação de que as mulheres negras não são contempladas integralmente nem no feminismo branco nem nos movimentos negros brasileiros, apresentaremos o Feminismo Negro Brasileiro como um espaço fundamental para a inserção na esfera pública dos movimentos sociais. Nesse sentido, será feito um exercício de remontar a história de resistência das mulheres negras brasileiras no que tange a construção de agendas e estratégias próprias para se inserirem, de fato, na luta antirracista. A fim de pensar as distintas dimensões de subordinação que atravessam essas mulheres, aplicaremos o conceito de interseccionalidade como instrumento analítico para compreender em totalidade suas vivências e o motivo pelo qual elas passam por um apagamento sistemático. Debateremos, então, como o epistemicídio empreendido contra as contribuições femininas negras brasileiras retroalimenta um projeto de exclusão e não reconhecimento das mulheres negras enquanto sujeitos políticos. Por último, analisaremos o protagonismo das mulheres negras na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, em 2001, ocasião na qual a delegação brasileira atuou de maneira bastante expressiva. Através de revisão bibliográfica e documental, será possível perceber como o empenho dessas mulheres em traçar estratégias para fazer com que suas reivindicações fossem ouvidas em prol da população afrodescendente foi essencial para os ganhos obtidos em Durban. A escolha dessa Conferência justifica-se pelo seu pioneirismo em ratificar a escravidão e o tráfico transatlântico de escravos como crimes contra a humanidade. Além de elucidar a urgência de responsabilizar os Estados que participaram ativamente desse episódio de tamanha violência, e como consequência, apontar os caminhos para uma efetiva reparação histórica. Portanto, o trabalho tem como intuito dar centralidade ao papel da mulher negra nos espaços de discussão dos organismos internacionais como uma forma de desafiar a lógica racista e sexista desses ambientes.
MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO: o papel do BRICS no atual sistema agroalimentar internacional
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Laura Schneider de Lima (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MG)
Resumo:
O presente artigo busca investigar o papel do BRICS no novo reordenamento agroalimentar internacional, sendo este último o objeto de estudo, tendo como base uma visão crítica das Relações Internacionais. A partir do entendimento de que mudanças no sistema agroalimentar sob a égide do capitalismo possuem, desde o início do século XXI, consequências que vão além do espectro da economia política internacional – impactando as diversas dimensões das relações sociais como um todo, o que destacam sua relevância de forma mais ampla – se levanta a seguinte pergunta: Como se dá o papel BRICS no novo sistema agroalimentar internacional entre os anos 2009 e 2024? A partir de tal questionamento é levantada a hipótese de que o BRICS possui um papel transformador no atual sistema, e que mesmo com a heterogeneidade do agrupamento, bem como suas divergências estratégicas no setor agroalimentar, os países membros do BRICS o alteram significativamente, ao mesmo tempo que mantém a estrutura de poder até então estabelecida. O papel do bloco, portanto, não é livre de contradições, uma vez que a hipótese entende a atuação do BRICS de forma a manutenir a acumulação de capital existente, principalmente por meio de grandes corporações transnacionais do setor agroalimentar. Por essa razão, o reordenamento não é entendido necessariamente como alternativa àquele vigente, dominado principalmente por grandes empresas estadunidenses e europeias. A partir do conjecturado no presente trabalho, o novo sistema agroalimentar que se apresenta carrega consigo estas contradições típicas do sistema capitalista que, mesmo a partir de uma lógica de cooperação Sul-Sul – como a defendida por países do BRICS – fortalece e retroalimenta a disputa de poder internacional. Para que a hipótese apresentada seja colocada em prova, a pesquisa analisa o impacto da participação dos países do BRICS no atual sistema agroalimentar internacional nos últimos 15 anos, entre 2009 a 2024, a fim de averiguar a transformação da ordem estabelecida a partir de uma noção neogramsciana. Para isso, são apresentadas as principais características do chamado novo sistema agroalimentar internacional, se beneficiando das contribuições de Friedmann e McMichael (1989), Escher (2020); Wilkinson e Goodman (2017), para que seja possível uma caracterização geral do atual sistema e de seus principais atores. Por conseguinte, é feita uma discussão sobre o posicionamento de cada um dos países membros do BRICS no sistema agroalimentar internacional, a fim de compreender suas principais ações e estratégias sobre o tema. Por fim, é problematizado a estratégia do bloco no que tange o sistema agroalimentar internacional e o processo de transição hegemônica. O presente trabalho se apresenta como estudo de caso exploratório de n-pequeno aliado ao process tracing de explicação analítica, se beneficiando de análises qualitativas de documentos e dados de produção e comércio de cada um dos países, de acordo com os mecanismos causais estabelecidos. Tais mecanismos, elaborados a partir de uma revisão de literatura sobre o tema, são: (a) processo de transição agrária; (b) acumulação de capital no setor agroalimentar; (c) transição nutricional; (d) políticas públicas para o setor agroalimentar; (e) políticas de importação e exportação de bens primários. Além da análise qualitativa, são utilizados também ferramentas quantitativas como a estatística descritiva. Como resultados parciais obtidos até então, observa-se o papel central da China – relevante país membro do BRICS – no atual sistema agroalimentar internacional. Apesar de não ser identificado uma alteração significativa na estrutura de tal sistema, a China tem desafiado a ordem hegemônica estabelecida, crescendo sua participação no que tange a produção, distribuição e consumo agroalimentar. Exemplo disso pode ser visto na expansão das atribuições e da presença internacional da COFCO, empresa estatal chinesa criada no período pós revolucionário, em 1949. Hoje sendo a principal processadora, fabricante e comerciante de alimentos na China, a COFCO está presente em 37 países e atingiu, em 2021, receitas de 41 bilhões de dólares, configurando como uma das principais empresas do setor internacionalmente (COFCO International, 2021). Além disso, a demanda interna chinesa pode ser entendida hoje como uma das principais forças do objeto aqui estudado, tendo em vista sua dimensão numérica. A carnificação das dietas na China é um elemento importante para a análise das transformações parciais do sistema agroalimentar internacional, considerando a sua conexão, por exemplo, com a importação chinesa de soja – principal produto para elaboração de rações animais no país. Tal carnificação, percebida por meio do aumento per capita do consumo de carnes, levou a população chinesa de um consumo de 16 kg por pessoa em 1990 para 49 kg em 2018 (Wesz Jr., Escher, Fares, 2023), o que aproxima o país ao padrão alimentar tradicionalmente vinculado à países desenvolvidos (Huang, 2011). Além disso, a alta demanda chinesa por carne, e consequentemente por soja, altera o posicionamento do país em relação aos principais Estados agroexportadores, sendo alguns deles também membros do BRICS (como o Brasil e Rússia). Novas relações político-econômicas são estabelecidas visando sanar a demanda do país, e modelos de cooperação diferentes daqueles praticados tradicionalmente pelos países Ocidentais surgem no setor agroalimentar.. Deste modo, é possível concluir que a China reconstrói relações no setor agroalimentar, outrora dominada pela Europa e Estados Unidos, implementando noções ligadas à Cooperação Sul-Sul, o que pode representar uma alteração significativa neste setor a partir da China e, possivelmente, a partir do BRICS. Resultados mais completos sobre o papel do bloco no atual setor agroalimentar internacional dependerão ainda de análises aprofundadas sobre os demais países membros.
Novas formas globais de trabalho e o impacto da multipolaridade nos trabalhadores brasileiros: análise de dados sobre pesquisa de opinião com trabalhadores de plataformas digitais
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Lais Regina Rocha de Carvalho (IRI PUC-RIO), Hannah De Gregorio Leão (Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio), Lina Ferreira de Castro (Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio), Silvia Pinheiro (Professora do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio)
Resumo:
Introdução:
O avanço da digitalização em cadeias produtivas globais vem impactando de maneira substancial o mundo do trabalho, transformando empregos e criando novas formas de subordinação. Em um contexto multipolar em que empresas/plataformas digitais e empregados/autônomos encontram-se em qualquer região do planeta, o artigo tem por objetivo abordar o tema da divisão internacional do trabalho impactada pela presença das plataformas digitais de alcance global, proteção social aos trabalhadores nesse contexto e novas formas de organização dos trabalhadores em plataformas digitais em âmbito local e supranacional. A pergunta realizada pela pesquisa é: como as tendências globais de flexibilização de mão de obra, nas plataformas digitais, impactam os direitos trabalhistas de trabalhadores de aplicativos brasileiros?
Metodologia:
A pesquisa se apoia nas respostas ao questionário disseminado pelas autoras, integrando a disciplina de Escravidão Contemporânea em Cadeias Globais de Produção do Mestrado Profissional em Análise e Gestão de Políticas Internacionais: Resolução de Conflitos e Cooperação para o Desenvolvimento (MAPI) do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. A pesquisa fundamenta-se nas respostas anônimas de 209 motoristas de aplicativo, no mês de junho de 2024, por meio da ferramenta do google forms, além de estudos da Organização Internacional do Trabalho sobre impactos da digitalização no mundo do trabalho e dados do IBGE sobre o trabalhador em plataformas digitais no Brasil. Além disso, por meio de fontes acadêmicas de autores brasileiros e internacionais sobre o tema e aspectos principais de decisões judiciais no Brasil e no exterior, serão trazidas a debate as principais características das chamadas novas formas de emprego; impactos nas sociedades em países desenvolvidos e em desenvolvimento e as respostas que vêm sendo dadas aos desafios da proteção social.
Fundamentação teórica:
É inconteste que a globalização e digitalização da economia vem sendo responsáveis pela geração de novos postos de trabalho no campo dos chamados Digital Delivery Services (DDS). No entanto, estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) bem como, dados do IBGE, 2023, apontam para a reprodução de divisão do trabalho em que países, em sua maioria do norte global, ou seja, desenvolvidos, concentram os serviços mais sofisticados e com maiores salários, enquanto no sul global a precarização e a degradação, são as principais marcas dos serviços realizados principalmente para plataformas digitais de entrega de comida ou transporte de passageiros.
Os trabalhos por demanda – ou freelance – ou on demand – como os realizados através de aplicativos de empresas transnacionais, não são regularizados e não detém políticas transparentes acerca da remuneração oferecida aos prestadores de serviço, critérios de admissão e de demissão (bloqueio), pois as decisões são tomadas com base em algoritmos. Assim, especialmente nos países mais pobres, trabalhadores trocam seguridade social e salário por uma impressão de “liberdade e flexibilidade” encoberta por forte controle. Os termos liberdade e flexibilidade são reiteradamente usados pelos próprios motoristas de aplicativos nas respostas às perguntas do questionário para a pesquisa.
Enquanto no Brasil, uma nova regulamentação para o trabalhador de aplicativos é atualmente discutida no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, já foi regulamentada, assim como na Espanha e na Inglaterra, neste último, por decorrência de ações judiciais, direitos sociais vêm sendo conquistados. No Brasil, as discussões sobre o Projeto de Lei 1471/22, dividem trabalhadores por aplicativos em torno da ampliação de seus direitos, como observa-se pelas respostas ao questionário, enfrentando por outro lado, forte resistência das empresas transnacionais.
Considerações finais:
Tendo em vista o impacto das tendências globais de flexibilização de mão de obra no contexto trabalhista brasileiro, as autoras decidiram enfrentar o desafio de debater o tema do trabalho decente em plataformas digitais, por meio da contextualização do caso brasileiro no cenário internacional, buscando caminhos e soluções para um problema de contornos local e global. Ao longo das respostas ao questionário confrontam-se narrativas como liberdade, flexibilidade, empreendedorismo, com controle e falta de transparência das empresas e jornadas exaustivas, apontando para a relevância no aprofundamento da pesquisa e debate sobre o tema. Direitos trabalhistas e padrões mínimos de proteção social em todo mundo são desafiados pela atuação de empresas transnacionais tornando urgente o diálogo social e a formulação de diretrizes supranacionais sobre trabalho decente, somado ao incentivo às formas de organização em que a transparência e democratização dos processos decisórios são aspectos fundamentais.
Novos patamares de violência: Porque o tráfico sexual na Ucrânia é um subproduto da ordem mundial pós-soviética?
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Kamila Borges Aragão Pessoa (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas)
Resumo:
O término da Guerra Fria propiciou o crescimento e fortalecimento de atividades informais, clandestinas e tuteladas por organizações criminosas na Ucrânia, como o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. O colapso da União Soviética em 1989, seguido pelo declínio econômico da Ucrânia, desencadeou uma estendida onda de pobreza e desemprego no país, em consonância com uma profusão de migrações. A transição desregrada do socialismo para o
modelo ocidentalizado, além de transformar dramaticamente a vida cotidiana dos ucranianos, acabou possibilitando que o crime organizado e os funcionários corruptos assumissem o controle de grande parte do aparato estatal e do setor empresarial ucraniano.
Neste cenário de transição de regime e de abertura de mercado, muitas ucranianas foram estigmatizadas e marginalizadas política e economicamente. O alto índice de desemprego, em concordância com a economia escassa, a desigualdade de gênero e a perda dos benefícios empregatícios, são fatores primordiais para as mulheres começarem a migrar para o Ocidente, em busca das oportunidades que lhes eram negadas. Paralelamente, a insatisfação, vulnerabilidade e a falta de perspectiva dessas mulheres tornava o seu recrutamento pela indústria do sexo consideravelmente mais fácil. Nessas circunstâncias, o tráfico da mulher despontava como uma transação econômica viável e altamente rentável, onde a regra básica é a lei da oferta e da procura de bens e serviços, sendo de menos-valia a (in)segurança da mulher. A demanda por mulheres para a prostituição, portanto, fomentava a força motora por trás do tráfico. Conforme leciona Hughes (2000), desde o colapso do comunismo, os traficantes vinham conseguindo os seus bens em países com “ofertas” abundantes, a exemplo da Europa Oriental (“países de origem”), e transferiam as “mercadorias” para os destinos que as exigiam e que estavam dispostos a pagar o suficiente para gerar um lucro consubstancial, a exemplo da Europa Ocidental.
A eclosão de uma guerra, ocasionada por uma política externa insólita russa, que flerta com a descrença da comunidade internacional e ressoa em números avassaladores de refugiados, faz com que questionemos a reconfiguração de um modelo pré montado, desde as reconexões destes “eco”-sistemas, até as condições que estas mulheres, que já estavam vulneráveis, passaram a deter. A partir de uma abordagem transdisciplinar que coloca as vítimas como centro de análise, sendo elas concomitantemente sujeito e objeto da segurança, o artigo procura compreender como o tráfico sexual vinha ocorrendo na Ucrânia desde o fim da URSS, como ele e o Estado ucraniano vinham afetando a segurança destas mulheres, a partir do seu não comprometimento com o bem-estar social dos indivíduos (Booth, 1991). Para isso, ele intenta respondera o porquê do tráfico sexual na Ucrânia ser considerado um subproduto da ordem mundial pós-soviética, a partir de três questões inter-relacionadas: (1) como a forma na qual se deu a desregulamentação e liberalização econômica e política corroborou para que o tráfico de mulheres ganhasse espaço na Ucrânia pós-socialista, (2) porque as mulheres do país eram consideradas presas fáceis pelas redes de tráfico e (3) de que maneira o tráfico sexual vem se organizando e se sustentando dentro da conjuntura atual. Com isso, vai tentando montar o cluster destas lacunas que estão na ordem do dia.
Por fim, percebemos que a Ordem Democrática Liberal falhou na Ucrânia três vezes: em impedir o alastramento do tráfico, em diminuir o seu fluxo e nas consequências de perdas humanas que uma guerra traz. O Estado ucraniano foi incapaz de lidar eficientemente com a corrupção, a pobreza, o desemprego, a discriminação de gênero e com a demanda do tráfico. Em contrapartida, as Organizações Criminosas do tráfico se aproveitaram de muitas das debilidades estatais para desenvolverem cadeias de fornecimento complexas e flexíveis que estão conectadas à indústria do sexo, responsáveis por explorar, objetificar e mercantilizar as mulheres, responsáveis por as violentar em sua dignidade, liberdade, direitos civis e humanos. E, cujos rastros, precisam continuar sendo seguidos.
O “Imperialismo…” de Lenin, uma teoria das RI?
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Luis Antônio de Araújo Costa
Resumo:
O objeto desta pesquisa é a Obra de V. I. Lenin: “Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. Nosso objetivo é a problematização da interpretação usual de que, apartir dessa obra, o autor pretendia fundar um modelo teórico de análise das Relações Internacionais, partindo do pressuposto de um determinismo econômico como causa das guerras.
Nossa abordagem para a leitura desta obra, tem como referência teórica a tradição marxista de pensamento, desde uma metodogia necessariamente dialética, ou seja não economicista nem unidmensional, tendo como referência permanente a noção de totalidade.
Mobilizando tanto autores clássicos, quanto contemporâneos, pertencentes ou não à esta tradição, acreditamos ser sustentável a interpretação desta obra como uma interpretação da política internacional do período, e não como um modelo teórico abstrato e a-histórico.
Ao findar o século XIX era ampla a constatação de que as transformações em curso levavam o modo de produção capitalista, em sua dinâmica internacional, a um estágio diferenciado do anterior, que passou a ser denominado de Imperialismo.
Dentre as diversas obras que trataram esta fase histórica do modo de produção capitalista como Imperialista aquela que assumiu maior relevância histórica foi escrita por V. I. Lenin, em 1916, denominada “Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”. Lenin desenvolveu as conexões deste fenômeno com a crise da segunda Associação Internacional dos Trabalhadores e com a guerra mundial de 1914-1918.
Devido a influência abrangente desta obra nos anos seguintes à Revolução de Outubro na Rússia, tornou-se recorrente entre aqueles que se organizaram ou foram influenciados pelos partidos comunistas em seus diversos matizes, a visão de que as teses expressas no “Imperialismo…” de Lenin constituíam as linhas gerais definitivas da interpretação marxista das Relações Internacionais.
O “Imperialismo…” reveste-se de uma importância fundamental histórica, teórica e politicamente, para as reflexões que pretendam realizar o enlace teórico entre o tema das Relações Internacionais e a tradição marxista de pensamento.
Suposto marco inicial e, durante muitos anos entre os marxistas de corte stalinista, obra canonizada como a síntese da relação entre esta tradição e a recém-nascida disciplina das RI, esta obra encerraria tudo o que se poderia pensar e dizer tanto de um ponto de vista especificamente marxista quanto genericamente socialista acerca deste tema. Essa crença marcou profundamente a relação entre a tradição marxista de pensamento e o conjunto das teorias e obras que problematizam as RI com o caráter de disciplina científica.
Independentemente da origem teórica e da orientação estratégica, tornou-se generalizada, no campo da tradição marxista de pensamento, a crença na “resolução teórica” da questão internacional, conferindo-lhe um estatuto de resposta científica/ modelo teórico que os socialistas poderiam antepor, frente às RI.
A transformação do conjunto da obra de Lenin em um corpo sistêmico e inquestionável – e no caso do “Imperialismo…”, em uma teoria das RI – não pode ser compreendida em separado do cenário político da Rússia revolucionária. Fazia parte da legitimação de Stalin como seu sucessor, estando associada ao culto à personalidade, à burocratização dos espaços políticos – soviets, partido e sindicatos – e a repressão aos adversários. A inviabilização do livre debate teórico foi uma necessidade política, ao mesmo tempo em que afastava o debate sobre a internacionalização da revolução, defendido por Trotsky.
A melhor forma de compreender o “Imperialismo…” não é como uma teoria geral das Relações Internacionais, ou como uma teoria geral da guerra, mas sim, como uma ampla leitura de política internacional a partir das contradições entre os interesses econômicos expansivos das principais potências da época que foram a base objetiva da guerra mundial de 1914-1918.
Uma leitura não canônica da obra de Lenin retira sua condição de texto sagrado e definitivo para os marxistas na disciplina de RI, recolocando-o em seu contexto histórico e político, necessariamente datado e orientado para uma problemática específica, por mais ampla que esta problemática seja, libertando a obra para uma investigação metodológica que pode apontar para elementos de maior perenidade teórica do autor, aumentando seu legado para a tradição marxista de pensamento.
O “Imperialismo…” é uma obra que mantém a metodologia totalizante e dinâmica da política internacional assim como desenvolvida nos textos jornalísticos de Marx e Engels, deixa latente uma percepção plural sobre as causas da guerra e avança, em, pelo menos, um elemento teórico essencial, o papel do desenvolvimento econômico nacional como fator para a interpretação da dinâmica entre paz e guerra.
A nosso ver contradiz a interpretação comum entre certas visões marxistas, e seus críticos, que afirmam haver uma redução da dinâmica da política internacional e da dialética entre guerra e paz aos seus fatores econômicos, sob determinação imediata da lógica de acumulação do capital.
Obviamente nas obras de Lenin a política internacional e a guerra assentam-se sobre uma base econômica que lhes confere um caráter de classe, porém, a influência desta base econômica não poderia ser compreendida isoladamente, sobre o risco do apagamento de inúmeras mediações sobredeterminantes, tais como: a percepção de vantagens estratégicas advindas do desenvolvimento tecnológico, o interesse político das frações de classe dirigentes no aparato de Estado, as diferenças nas formas de acumulação de capital entre essas mesmas frações das classes dirigentes, o impacto da guerra no desenvolvimento da consciência de classe e o inegável apelo ideológico nacionalista fomentado entre as classes trabalhadoras europeias pelas “suas” burguesias nacionais, contra as identidades nacionais das potências rivais.
O Banco de Desarrollo de América Latina (CAF) e sua atuação no projeto da Hidrovia Uruguai-Brasil (HUB)
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Bruno Hammes de Carvalho (Universidade Federal de Pelotas), Silvana Schimanski (Universidade Federal de Pelotas (UFPel))
Resumo:
O objeto do presente trabalho é a atuação do Banco de Desarrollo de América Latina (CAF), anteriormente chamado de Cooperación Andino de Fomento, no desenvolvimento do projeto da Hidrovia Uruguai-Brasil (HUB). O CAF é um banco de desenvolvimento fundado em 1970, sendo formado por 21 países – 19 da América Latina e o Caribe, Espanha e Portugal – e por 13 bancos privados da região (CAF, 2024). A instituição objetiva a integração econômica e desenvolvimento social entre seus países membros, tendo como objeto a promoção do desenvolvimento sustentável e da integração regional (CAF, 2022b). Para atingir esse cenário, serviços como cooperação técnica e linhas de crédito são oferecidos aos atores membros (CAF, S.d.). Instituições como o CAF, isto é, Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs), tem como foco investimentos que produzam desenvolvimento econômico com alto retorno social e econômico (COSTA, FORERO GONZÁLEZ; ALMEIDA, 2014).
O projeto da hidrovia foi formalizado no ano de 2010 pelo Acordo sobre o Transporte Fluvial e Lacustre na Hidrovia Uruguai-Brasil, após anos de negociações no âmbito da Comissão Mista Brasileira-Uruguaia para Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (CLM) (CLM, 2010). Seu objetivo é aprofundar o processo de desenvolvimento e integração regional entre Brasil e Uruguai na região da referida bacia hidrográfica .
No sistema internacional as interações entre os atores são inevitáveis, sendo que nelas estão envolvidos múltiplos interesses. Diante disso, as negociações acerca de determinados temas entre os atores podem muitas vezes se tornarem conflituosas e exigir altos custos para as partes, podendo até mesmo resultar em impasses e prejudicar as percepções que os atores têm uns dos outros. Nesse contexto, as instituições internacionais surgem como uma ferramenta que auxilia os atores a moldarem expectativas e diminuírem custos, pois buscam satisfazer seus interesses negociando com outros atores (KEOHANE, 2005).
A CLM, instaurada na década de 60, tem sido o foro institucional onde são negociados compromissos relacionados ao aproveitamento otimizado dos recursos hídricos compartilhados da Bacia da Lagoa Mirim de maneira a suscitar desenvolvimento econômico e integração regional (CLM, 1963-1974). Durante a década de 70, a CLM recebeu alterações em seu arranjo administrativo de modo que fosse solidificada uma estrutura institucional, por meio do Tratado de Cooperação para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim, aprimorando sua atuação em assuntos técnicos, econômicos e sociais (BRASIL, 1977). Nas Instituições Internacionais, a cooperação é resultado da coordenação de políticas entre os atores de maneira a satisfazer seus objetivos individuais (KEOHANE, 2005).
Contudo, as instituições, por serem compreendidas como normativas, não têm capacidade de forçar a ação dos atores, assim sendo, apenas assinalam o que eles necessitam fazer (SIMMONS; MARTIN, 2002). No âmbito da CLM e designada ao corpo técnico da Secretaria Técnica, o projeto da Hidrovia Uruguai-Brasil enfrenta desafios para a sua implementação. O ritmo diferente com que desdobramentos internos aos Estados impactaram o andamento das obras elevou tensões na Secretaria, tornando o projeto vagaroso (CARVALHO, 2022).
Diante dos argumentos relacionados aos custos do projeto, o Uruguai buscou ativamente inserir o CAF nas obras para HUB, que sinalizou a viabilidade de atuar no projeto por meio da cooperação técnica e disponibilização de verbas para as obras necessárias. O CAF foi inserido no projeto em 2021, a partir desse ponto atuando conjuntamente e independentemente da CLM para andamento do projeto (CLM, 2021; CAF, 2022a).
Dessa forma, o presente trabalho é norteado pela seguinte pergunta de pesquisa: Qual o impacto da atuação do CAF para o andamento do projeto? Assim sendo, o objetivo do presente trabalho é compreender a atuação do CAF e seu comprometimento com relação ao desenvolvimento do projeto Hidrovia Uruguai-Brasil.
Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, a partir de fontes documentais e bibliográficas com finalidade analítico-descritiva. As fontes primárias consistem nas atas oficiais e manifestações oficiais das instituições envolvidas, contando ainda com coleta de informações por meio de observação participante em eventos, sendo registrada por intermédio de um conjunto de notas expandidas e de notas de análise e interpretação. O trabalho é justificado por proporcionar à sociedade acesso aos desdobramentos da implementação de um projeto de grande impacto para a região. Ainda, a comunidade acadêmica tem a oportunidade de analisar a interação de instituições internacionais e o processo de tomada de decisão por atores internacionais em contextos regionais, internacionais e institucionais.
A pesquisa sugere que, ainda que o CAF não seja o responsável direto pelo direcionamento e execução do projeto da hidrovia, sua atuação tem sido essencial para a evolução das obras e avanços do projeto. A partir do anúncio da disponibilização de recursos financeiros, de cooperação técnica e estratégica, questões que antes barraram o avanço das obras estão sendo superadas. Soma-se a isso, o fato de que a posição de comprometimento de uma instituição como o CAF sinaliza para os demais atores a relevância do projeto para o desenvolvimento econômico da região e daqueles abrangidos pela hidrovia.
O BRASIL COMO POTÊNCIA SUB-REGIONAL: UMA ANÁLISE DA GRANDE ESTRATÉGIA BRASILEIRA DURANTE A OPERAÇÃO CONDOR (1975-1985)
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Vivian Emanuely Campos Siqueira (UEPB)
Resumo:
Inserida na discussão acerca da Grande Estratégia de Potências Médias (Alsina Jr, 2018; Kassab, 2018; Milani, Nery, 2019; Carvalho, 2021) , essa pesquisa, ainda em seu estágio inicial do mestrado, busca analisar a implementação das ações de Grande Estratégia (GE) pelo Brasil durante a Operação Condor (1975-1985), com foco na relação entre essas ações e o plano “Brasil Potência”.
Dessa forma, essa pesquisa busca analisar a relação entre essas ações regionais acometidas no contexto da Operação Condor, e os objetivos delineados pela Grande Estratégia brasileira para responder a pergunta-problema “Como o Brasil implementou ações de Grande Estratégia durante a Operação Condor (1975-1985)?”. A pesquisa está alinhada com a hipótese de que o envolvimento do Brasil na operação era parte da GE do país para se lançar enquanto potência sub-regional.
Nesse sentido tem-se como objetivo geral: analisar como o Brasil aplicou ações de Grande Estratégia ligadas ao plano Brasil Potência durante sua atuação na Operação Condor. Sendo seus objetivos específicos: Realizar uma revisão sistemática da literatura sobre os estudos de Grande Estratégia e como se dá o seu desenvolvimento por Potências Médias; Conceituar o plano “Brasil Potência” e avaliar a sua relação com as ações de Grande Estratégia no período da Operação Condor e Examinar as estratégias adotadas pelo Brasil para equilibrar sua participação na Operação Condor com sua busca por uma projeção de potência sub-regional.
As produções voltadas para a Grande Estratégia no Brasil (Barcellos, 2016; Alsina Jr, 2018; Kassab, 2018; Milani, Nery, 2019; Carvalho, 2021; Alves, 2022) tendem a assumir um caráter doutrinário, no sentido de delimitar uma política externa focada em corrigir as vulnerabilidades internas impostas pelo sistema. Apesar disso, não se distanciam da influência perpetrada pelas próprias Grandes Potências, nos momentos históricos correspondentes em que foram produzidas. (Freitas, 2004, p. 12)
O projeto Brasil-Potência de Meira Mattos é um dos principais expoentes desse pensamento, e junto com a Doutrina de Segurança Nacional, formulada por Golbery do Couto e Silva, em sua obra Geopolítica do Brasil, (1967) ditou as ações políticas e militares do Brasil, entre as décadas de 60 e 70. Segundo esse pensamento, o país tinha plenas condições de se estabelecer como uma hegemonia regional e uma potência global ao aplicar os recursos disponíveis naquele momento (Freitas, 2004).
O Brasil-Potência iria depender das ações de política externa, dos meios aplicados nas capacidades dispostas. Esse projeto estava programado para atingir seu auge durante o período Geisel (1974-79) e tinha data limite de execução no ano 2000. Em relação ao âmbito regional, ainda, cabia ao Brasil a responsabilidade de garantir a segurança regional e Atlântica inclusive até a faixa africana, a qual, para Mattos, representa o limite da segurança brasileira e é uma área geoestratégica para o bloco ocidental. (Freitas, 2004)
Outro ponto importante na análise proposta é a Operação Condor. Foi um processo de colaboração entre os países do Cone Sul, visando controlar e reprimir aqueles que se opunham aos regimes ditatoriais apoiados pela extrema direita e pelos Estados Unidos, que se estabeleceram na região a partir da década de 1960. Esses Estados compartilhavam ações como a limitação das liberdades individuais, a perseguição de dissidentes políticos e a luta contra o avanço do comunismo na área. Neste contexto, nações do Cone Sul, como Brasil, Uruguai, Argentina, Peru, Bolívia e Chile, colaboraram tanto militarmente quanto ideologicamente com agências norte-americanas, como a CIA e o FBI, na luta contra esse inimigo internacional. (Scaliante, 2010)
O Brasil teve uma participação importante na criação e sistematização do organismo através da sua experiência no sistema de repressão de militantes e guerrilheiros desfavoráveis ao regime ditatorial, fornecendo modelos de documentações e ainda contribuindo para o fortalecimento das redes de comunicações (Braga, 2013). Além disso, a DSN importada dos EUA e adaptada por Golbery do Couto e Silva na Escola Superior de Guerra (ESG), deu as bases para a legitimação desse conflito extraterritorial de perseguição a quaisquer forças comunistas no hemisfério sul. (Cassol, 2008)
Devido ao sucesso do Brasil na supressão de movimentos revolucionários e na manutenção de uma ditadura por um período mais longo do que seus países vizinhos, o país se destacou como um modelo de referência. Ele exportou métodos de repressão contra a subversão e técnicas de tortura para seus aliados na Operação (Souza, 2011, p. 11). A exemplo disso, estão os cursos formativos oferecidos nas escolas militares utilizando como uma das bases o manual brasileiro Noções Básicas de Guerra Revolucionária e Anticomunismo, de 1962, assinado pelo Estado Maior do Exército brasileiro e o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), criado em Manaus, que oferecia treinamento militar especializado para o Brasil e países da região (Ferreira, 2020, p. 45).
Uma dimensão importante da GE de uma potência média consiste nas coalizões regionais que o país estabelece (enquanto os investimentos em defesa e as estratégias política externa econômica são as outras duas (Carvalho, 2021). Nesse âmbito, o estudo avalia as implicações das ações brasileiras na Operação Condor em suas relações bilaterais e multilaterais, considerando como tais ações moldaram sua imagem internacional e sua posição como potência sub-regional na América do Sul. Outro ponto importante a ser analisado consiste na identificação de tensões e contradições entre a ação realizada pelo país na Operação Condor e sua busca por uma imagem de potência sub-regional.
Entre o final da década de 60 e o início dos anos 70, o Brasil começou a atenuar o seu alinhamento automático com os Estados Unidos e buscou posições de influência regional, além de maiores conexões com seus vizinhos. Nesse mesmo momento, governos considerados alinhados à ideologia comunista ganharam espaço em países do Cone Sul, como foi o caso de Salvador Allende, que governou o Chile por pouco menos de três anos após vencer as eleições em 1970 como candidato pela Unidade Popular (UP) em 1973. O Brasil, influenciado pela Doutrina de Segurança Nacional e, mais tarde, pelo o plano Brasil- Potência, iniciou um processo de interferência no contexto político e militar desses países na intenção de garantir a segurança regional e, por conseguinte a sua própria, além de galgar espaço de influência política nesse ambiente entendido como estratégico (Alaggio, 2006 p. 14-5; 215; Freitas, 2014; McSherry, 2015, p. 67,84, 89).
A relação estabelecida com os Estados Unidos e o alinhamento histórico da sua política externa com ideologias norte-americanas, estimulou o entendimento do Brasil como um canal de ligação inicial entre os interesses estadunidenses e os países do Cone Sul. Esse fator contribuiu para as ideias em formação no estudo da geopolítica brasileira, encabeçada dentro da Escola Superior de Guerra, e dos planos estratégicos ligados à projeção do país como uma potência sub-regional que se pretendia global.
A Teoria dos Círculos Concêntricos, idealizada nessa época dentro da Escola Superior da Marinha Naval, estabeleceu uma hierarquia de prioridades em que a “Bacia do Prata” era o primeiro foco, seguido pela América do Sul, depois pelo Hemisfério e, por fim, pelo Ocidente. No contexto da Operação Condor, a ênfase estava na proteção contra a influência das ideias comunistas, em vez de uma postura de contra-ataque. Isso se revelou fundamental para o estabelecimento das ditaduras na América do Sul e da própria operação, especialmente considerando a influência do Brasil nesse sistema (Martins, 1975; Sion, 2015).
Ainda levando em consideração o papel brasileiro na institucionalização da Operação Condor no Cone Sul, destaca-se a sua contribuição para a queda dos governos democráticos durante a década de 70. O Brasil atuou em parceria com os Estados Unidos para a derrocada dos governos taxados como subversivos e na constituição de ditaduras alinhadas ao bloco ocidental no lugar (Gil Silva, 2010, p. 02).
Evidencia-se a intervenção do Brasil em dois casos principais: o golpe militar no Uruguai e o golpe militar no Chile, ocorridos em 1973.A participação nesses golpes estava na mesma categoria da decisão do Brasil de não assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, que entrou em vigor em 1970 e tinha como objetivo impedir a disseminação de armas nucleares, com o intuito de investir no desenvolvimento de energia nuclear, e da expansão da zona de influência a partir da “Fronteira Leste” (África Ocidental), ou seja, uma conexão política e econômica com os países do terceiro mundo que emergiram no Sistema Internacional. Essas ações eram fruto do paradigma desenvolvimentista da PEB, com medidas mais independentes em relação aos interesses estadunidenses, retomando a tentativa da PEI iniciada em Quadros e que só alcançaria o seu auge no governo Geisel (1974-79) (Moniz Bandeira, 2013, p. 406-410).
Apesar de convergir com os interesses dos Estados Unidos para a região naquele momento, a intervenção do Brasil na implementação desses regimes militares nos países do Cone Sul era auto-interessada, cujas raízes ideológicas não só advinham da DSN, mas também se alinhavam à necessidade do governo Médici de se diferenciar de países do Terceiro Mundo e buscar reconhecimento enquanto potência emergente de crescente influência regional.(Moniz Bandeira, 2013, p. 413, p. 469).
Mais uma vez, a importante conexão política do Brasil com os países do Cone Sul demonstrou a influência do pensamento geopolítico brasileiro da época, voltado para a expansão como uma potência sub-regional. Dentro do processo de estabelecimento e atuação na Operação Condor, ainda que não haja comprovação direta de ligação, fica clara a relação causal desses e da PEB, objetivando a projeção de poder sub-regional e a evolução do Brasil na hierarquia do SI com o aprofundamento das relações entre os países do Cone Sul.
Em relação ao aporte metodológico, em um primeiro momento está sendo realizada uma revisão sistemática da literatura voltada para o levantamento, leitura e reflexão de trabalhos produzidos na interface entre as categorias Grande Estratégias, Potências Médias, Brasil, Operação Condor, de modo que resultem em aprofundamento de análises e reflexões acerca de Grande Estratégia, Potências Médias dentro do contexto histórico da Operação Condor (Galvão; Ricarte, 2019; Nascimento, 2008). Num segundo momento, através do levantamento de fontes primárias, documentos e registros, e fontes secundárias, livros, artigos, teses e dissertações relacionados à Operação Condor, pretende-se realizar uma análise sobre o período proposto e a atuação do Brasil neste período. Por fim, será feito um estudo comparativo entre os conceitos estabelecidos de GE aplicadas por Potências Médias com as ações brasileiras analisadas no recorte pré-definido.
Para a revisão sistemática, com a definição prévia da pergunta orientadora da pesquisa foram definidos os seguintes critérios de inclusão ou exclusão de literatura inicialmente: as palavra-chave Grande Estratégia; Potências Médias; Grande Estratégia do Brasil acrescidas também do operador booleano AND. A pesquisa de fontes está utilizando o software Harzing’s Publish or Perish e os bancos de dados do Google Scholar e Scopus. Sempre usando o protocolo PRISMA para seleção final dessas fontes.
Para o estudo documental, os dados a serem buscados para a análise serão: documentos históricos e diplomáticos, discursos oficiais, relatórios e documentos desclassificados de agências de inteligência e polícias do exército, como a CIA e DINA, que estejam ligados à Operação Condor e a participação brasileira. Além de projetos ligados ao DSN e ao projeto “Brasil Potência”, produzidos nas escolas militares na América Latina, incluindo o próprio documento Brasil Potência de Meira Mattos. Tais informações serão coletadas a partir de fontes primárias e secundárias obtidas em plataformas de acesso à livros e periódicos como o Google Scholar, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e SCIELO, sites governamentais como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional, e o site do Ministério das Relações Exteriores. Além do acesso físico a fontes primárias nessas bibliotecas públicas de instituições como a ECEME e a Biblioteca Nacional.
A partir desses dados levantados, será então feito um estudo comparativo entre as ações específicas tomadas pelo governo brasileiro, como apoio a regimes militares, compartilhamento de informações e coordenação de operações ligadas à Condor, e aos objetivos do plano “Brasil Potência” com os critérios definidos para a Grande Estratégia de Potências Médias e brasileira, para fins de confirmação ou não da hipótese pressuposta de que houve conciliação entre os dois processos. Por se encontrar ainda em um momento inicial, de levantamento dos dados e realização da revisão sistemática da literatura, a presente pesquisa tem análises incipientes e não tem como apresentar os resultados encontrados, espera-se que no momento de apresentação do trabalho individual apresentar um panorama já mais avançado.
O BRICS como objeto: uma análise dos estudos na Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (2003-2023)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Raquel de Holleben (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Desde que o Brasil se reuniu pela primeira vez com os chefes de estado da Rússia, Índia e China em 2009, até a 15ª cúpula do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) em 2023, muito se tem debatido acerca do papel do BRICS na inserção internacional brasileira. As duas últimas décadas viram a expansão da produção acadêmica brasileira sobre Política Externa, a partir da expansão do próprio sistema de pós-graduação no Brasil (REIS DA SILVA, 2023; SANTOS; FONSECA, 2009), e o crescimento da produção acadêmica acerca do BRICS é, também, resultado do aumento do debate acerca da multipolaridade e da expansão das possibilidades de inserção do Brasil na ordem internacional – cujos contornos já pareciam se remodelar no início dos anos 2000. Desde então, diferentes papeis e perspectivas têm sido projetadas sobre esse agrupamento de países emergentes, segundo as próprias agendas de inserção da Política Externa Brasileira, enfatizando ou relativizando a importância desse agrupamento para o Brasil (HOLLEBEN, 2021). Afinal, o período em questão foi marcado por agudas mudanças na matriz de inserção internacional do Brasil, evidenciadas no diferente discurso internacional que marcou os governos de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) em relação aos governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2018-2022). E, com as novas mudanças advindas do novo governo de Lula da Silva, eleito em 2022, o debate sobre o BRICS foi reacendido no âmbito da projeção internacional do Brasil. A mais recente cúpula do BRICS (2023) trouxe novamente à tona no cenário externo a discussão acerca do futuro desse agrupamento, haja vista a proposta de inclusão de 6 novos membros ao atual BRICS (Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes) (BRICS, 2023).
Considerando os diferentes papeis e perspectivas que têm sido projetados sobre esse agrupamento, o problema central aqui posto é: quais têm sido as principais temáticas e metodologias de análise sobre o BRICS na academia brasileira de Ciência Política e Relações Internacionais? A presente questão justifica-se na necessidade de analisar a produção acadêmica acerca do BRICS para que se possa delimitar seus principais temas e escopos de análise, observando acerca do corpus documental já existente acerca do tema e identificando suas principais tendências. Portanto, a proposta é realizar um mapeamento temático e metodológico dessa produção, delimitando os seus principais recortes e os instrumentos de análise mais utilizados pelos pesquisadores de pós-graduação no Brasil. Cabe destacar que pesquisas desse tipo possuem também o potencial de contribuir para a identificação de lacunas existentes na produção acadêmica em uma área específica de estudos, podendo sinalizar janelas investigativas ainda não exploradas ou pouco exploradas – tanto em relação ao viés dado ao tema abordado quanto em relação ao método utilizado para cada recorte específico (REIS DA SILVA, 2023).
A metodologia utilizada foi revisão sistemática de literatura e pesquisa bibliográfica em banco de dados, a partir de um levantamento das teses e dissertações produzidas sobre o tema “BRICS” e depositadas na plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD). Portanto, utilizou-se o termo “BRICS” como palavra-chave, e selecionou-se o período de 2003 a 2023 como marco temporal da pesquisa. Nessa busca, foi encontrado um total de 415 teses e dissertações produzidas no Brasil sobre o tema selecionado. Esse volume de trabalhos foi, primeiramente, mapeado a partir da formação de um banco de dados e, em seguida, os trabalhos foram analisados a partir de seu título e resumo, identificando as principais tendências metodológicas e temáticas desse material – etapa da pesquisa que ainda se encontra em construção e desenvolvimento.
A partir do material obtido, verificou-se que, ao longo das duas últimas décadas, o papel do BRICS na Política Externa Brasileira foi pauta central na discussão acerca da multipolaridade, apresentando-se como uma via de inserção e um palco de atuação do Brasil num cenário internacional com tais contornos. Os resultados parciais da montagem do banco de dados e mapeamento da produção acadêmica permitem verificar que a academia discutiu intensamente o tópico “BRICS”, mas ainda prevalecem lacunas tanto temáticas quanto metodológicas nessa produção. Ou seja, apesar de haver uma grande produção acerca do tema “BRICS”, o mesmo não se encontra esgotado na academia, e sua relevância no atual cenário internacional – a partir das discussões sobre sua expansão – evidencia também a necessidade de novas análises, que considerem o papel do BRICS na construção de uma ordem internacional mais multipolar. Portanto, o mapeamento das principais lacunas metodológicas na produção acadêmica permite apontar que estas podem ser interpretadas como importantes janelas investigativas para pesquisas futuras, discutindo o papel do Brasil no mundo a partir da sua opção de inserção via BRICS.
O Cinema como ferramenta pedagógica na extensão universitária em Relações Internacionais: um estudo do caso dos Cine-Debates do Juca nas Escolas
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Victor de Lima Maffini (Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural – Mestrado Profissional)
Resumo:
O presente trabalho é decorrente da pesquisa do autor para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que foi orientado pelo prof. dr. Günther Richter Mrs, e tem como objetivo levantar dados quantitativos, a serem comparados com os principais benefícios e vantagens elencadas pela literatura, para aferir a utilidade do Cinema como ferramenta pedagógica em Relações Internacionais. Os dados foram coletados ao longo do ano de 2023 com estudantes do ensino médio que participaram dos Cine-Debates do Juca nas Escolas, programa de extensão vinculado ao curso de Relações Internacionais (RI) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Cada Cine-Debate foi planejado para ter até duas horas e meia de duração, nas quais eram abordados dois Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como tema da sessão. A atividade foi dividida em três etapas: i) contextualização do tema; ii) exibição de obras; iii) debate mediado pelo autor e outros membros do programa, com participação de um professor pesquisador da UFSM. Para a etapa de exibição, foi selecionado ao menos um curta-metragem de cada um dos gêneros documentário e não-documentário, de modo a permitir a comparação da eficácia de cada gênero narrativo no ensino. O processo de curadoria e escolha dos curtas-metragens teve como crivo a percepção destes enquanto um espelho à realidade, permitindo ao espectador verificar aspectos da sociedade local e internacional e problematizá-los na etapa de debate. Tais curtas-metragens abordaram um ou mais ODS, definindo o tema de cada sessão, sendo essa a ponte entre a atividade extensionista e o campo de RI, uma vez que os ODS são fundamentalmente internacionais em sua concepção e transnacionais em sua abrangência e importância. O debate seguiu a metodologia de Aprendizado Ativo (AA), que presume uma participação ativa, individual e coletivamente, dos estudantes no processo de construção do conhecimento. O trabalho obteve resultados positivos quanto ao uso do Cinema como ferramenta pedagógica, suportando as principais afirmativas da literatura sobre o tema, que são: i) o aumento do interesse e engajamento por parte dos alunos; ii) o incentivo à reflexão sobre o tema; iii) a capacidade de facilitar o entendimento de temas abstratos; e iv) a capacidade de criar “pontes” à locais e períodos distantes da realidade dos alunos, permitindo melhor visualização do tema. Ainda, devem ser levados em consideração alguns cuidados para impedir que os filmes se sobressaiam ao tema da aula e que sejam utilizados como ferramenta de suporte à bibliografia base convencional, bem como à participação do professor em sala de aula, que se faz necessário para que tal ferramenta seja utilizada de forma apropriada ao processo de ensino e aprendizado.
O CORPO FEMININO COMO A PRIMEIRA COLÔNIA: UM ESTUDO DE CASO DOS FEMINICÍDIOS EM CIDADE JUÁREZ (1993-2023)
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Gabriela Menezes Kolling (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGEEI)
Resumo:
A cidade de Juárez, localizada no norte do México, tem sido assolada desde 1993 até os dias atuais por uma epidemia de feminicídios, uma forma extrema de violência que resulta na morte de mulheres por motivos relacionados ao seu gênero. (Segato, 2018). Desse modo, a pesquisa visa analisar os casos de violências de gênero perpetradas nas fronteiras da América Latina, a partir do estudo de caso do México, mais precisamente Cidade Juárez, que representa um local de extrema violência e risco para as mulheres principalmente compreendendo o período entre 1993 até os dias atuais. Ademais, busca-se investigar a relação dessas mortes com o fato de Juárez ser uma cidade fronteiriça, que elucida a correlação direta entre capital e morte fruto do contato fronteiriço entre México e Estados Unidos destacando como essa dinâmica influencia as mortes de mulheres na região. O objetivo geral é analisar o fenômeno dos feminicídios em Cidade Juárez, com foco no impacto das fronteiras físicas e simbólicas na perpetuação desses crimes e investigar como o feminismo decolonial pode contribuir para a compreensão e enfrentamento dessa violência de gênero.
Nesse sentido, busca-se compreender em que nível o crime organizado opera como executor dos assassinatos e as motivações por trás das mortes de modo a investigar as principais características dos feminicídios em Cidade Juárez, por meio da análise de dados estatísticos, relatos de vítimas e testemunhas, e estudos de casos, a fim de compreender o perfil das vítimas, os modos de operação dos perpetradores e as circunstâncias em que esses crimes são cometidos. Além disso, almeja-se analisar o papel das fronteiras físicas e simbólicas na perpetuação dos feminicídios na região, examinando as dinâmicas de tráfico humano, exploração sexual e trânsito ilegal de pessoas nessa região de fronteira, bem como as falhas nos sistemas de justiça e a falta de cooperação entre autoridades mexicanas e americanas. A partir disso, a pesquisa tem como problema norteador se podemos considerar as fronteiras da América Latina historicamente como uma dessas regiões fragilizadas em que se catalisam os padrões normativos frutos do sistema patriarcal bem como compreender a mapear as motivações dessas violências a partir do estudo de caso de Cidade Juárez.
À vista disso, a hipótese que orienta esta pesquisa parte do pressuposto de que em regiões fronteiriças no México, sobretudo Cidade Juárez, há um aumento de casos de feminicídios, operados através de uma lógica que considera a violência de gênero como a demarcação de um território ou a conquista de uma nação. Além disso, outra hipótese a ser verificada é se a motivação para esses assassinatos, fruto de associações mafiosas, acaba por ser uma cortina de fumaça a fim de impedir a visualização de características mais complexas por trás dos crimes.
Desse modo, o projeto investiga o fenômeno do feminicídio em Cidade Juárez, no México, por meio de uma abordagem metodológica documental, bibliográfica e a partir de uma análise qualitativa de pesquisas. Para a pesquisa documental, serão coletados e analisados documentos fornecidos por instituições governamentais mexicanas, incluindo estatísticas oficiais de feminicídios e relatórios sobre a situação dos direitos das mulheres. Também serão consultados documentos de ONGs e Organismos Internacionais como relatórios e análises produzidos por organizações não governamentais internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que discute a situação dos direitos humanos em Cidade Juárez e oferece uma visão crítica das ações estatais.
Será realizada uma pesquisa bibliográfica em bases de dados acadêmicas que abordam o tema do feminicídio em Cidade Juárez, bem como estudos que analisem o contexto social, cultural e histórico da região. A análise qualitativa será realizada para Identificar padrões nos casos de feminicídios, incluindo perfis das vítimas, atuação dos perpetradores, e contextos dos crimes, avaliar a resposta das instituições governamentais e judiciais, enfocando em possíveis falhas e negligências, compreender o impacto das dinâmicas fronteiriças e do narcotráfico na perpetuação da violência de gênero, e por fim explorar as formas de resistência e luta contra os feminicídios adotadas por movimentos feministas e organizações de direitos humanos.
Dentre os resultados observados, compreende-se que os feminicídios em Cidade Juárez são um fenômeno complexo que está enraizado em diversas questões sociais, econômicas e políticas. Além disso, as fronteiras tanto físicas quanto simbólicas desempenham um papel significativo na perpetuação dos feminicídios em Cidade Juárez, isso porque a proximidade com os Estados Unidos cria um ambiente propício para o tráfico de pessoas, incluindo mulheres e meninas que são frequentemente sequestradas e forçadas à prostituição. A impunidade também é alimentada pela dificuldade de cooperação entre as autoridades mexicanas e americanas, bem como pela corrupção e influência do crime organizado nessas regiões fronteiriças. (Segato, 2018). Desse modo, identifica-se a relação simbólica e conceitual entre o corpo feminino e o conceito de colônia, uma vez que colônia não se refere apenas a uma ocupação territorial, mas sim a uma exploração sistemática e desumanizadora do corpo feminino como um objeto de poder e controle.
Diante desse contexto de violência e impunidade, o feminismo decolonial tem emergido como uma perspectiva de luta e resistência, uma vez que busca desafiar e desmantelar as estruturas de poder coloniais que perpetuam a opressão e ameaça contra as mulheres, especialmente mulheres racializadas e pobres. A teoria oferece uma abordagem crítica e interseccional, que considera as múltiplas formas de opressão e busca transformar as relações de poder em níveis individuais, comunitários e institucionais. (Gonzales, 2020).
O ensino em língua inglesa como alternativa aos desafios da internacionalização do ensino superior
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Laura Meneghim Donadelli (Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp)), Lisandra Cristina de Mello Bonifacio (Unaerp – Universidade de Ribeirão Preto)
Resumo:
No presente estudo analisaremos os potenciais impactos do ensino em língua inglesa para estudantes brasileiros de graduação, examinando de quais maneiras esse método de ensino influencia a aprendizagem do conteúdo ministrado e o desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita, fala e escuta dos estudantes. Nosso principal objetivo é avaliar os benefícios e os desafios enfrentados pelos graduandos ao frequentar disciplinas regulares, de sua matriz curricular, a partir de outro idioma, tendo como recorte as experiências de estudantes na cidade de Ribeirão Preto, no interior do estado de São Paulo. Para isso, realizamos uma revisão bibliográfica sobre o tema da internacionalização do ensino superior, tendo como foco a chamada internacionalização em casa (Internationalization at Home – IaH), e avaliamos dados e informações disponibilizados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a brasileira Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Além disso, avaliamos as respostas dos discentes ao questionário de feedback das disciplinas cursadas em inglês, de modo a verificar seus principais interesses, dificuldades e outras percepções ao se matricular nas disciplinas. Esperamos, assim, que os resultados apresentados contribuam para o aperfeiçoamento de estratégias pedagógicas em outros idiomas e para a promoção de alternativas visando a superação do desafio da internacionalização do ensino superior no Brasil.
O Estado Alemão no Rio da Prata: canais da relação com as populações imigrantes através dos arquivos
Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa
Autor(es): João Vitor Sausen (Universidade Federal de Santa Maria)
Resumo:
Na primeira metade do século XX, foram formados diversos povoamentos com populações de origem alemã no espaço fronteiriço entre a Argentina, o Brasil e o Paraguai. Em nossa investigação, abordamos as localidades de Eldorado, Monte Carlo e Puerto Rico (Argentina), Porto Feliz, Porto Novo e São Carlos (Brasil), e Bella Vista, Hohenau e Obligado (Paraguai) . Todas estas foram majoritariamente habitadas por migrantes de origem alemã (muitos nascidos no estado brasileiro do Rio Grande do Sul), e de formação recente (a partir de 1900).
A população destas localidades, especialmente aqueles nascidos na Alemanha, permaneceram em relação com seu estado natal a partir de dois tipos de agentes, sendo eles os representantes diplomáticos – especialmente os cônsules -, ou os religiosos – notadamente os pastores luteranos, uma vez que havia um forte vínculo da Igreja com o Estado Alemão. Como arquivos de grande importância para consultar indícios destas relações, destacamos duas instituições de Berlim, Alemanha, que serão abordadas no presente trabalho: o Politisches Archiv des Auswärtiges Amt (PAAA, Arquivo Político do Ministério das Relações Exteriores), e o Evangelisches Zentralarchiv in Berlin (EZAB, Arquivo Evangélico Central em Berlim).
Quanto aos agentes diplomáticos, é preciso considerar as estruturas da diplomacia alemã presentes nos três países na época. Nestes, havia inicialmente Legações, elevadas mais tarde à condição de Embaixadas. De forma mais próxima, havia diversas agências consulares, como no caso de Encarnación (Paraguai), Posadas (Misiones), ou Cruzeiro do Sul (Santa Catarina). Estes cônsules eram, muitas vezes, inseridos profundamente nas sociedades abordadas, como Karl Gaisser, cônsul em Cruzeiro do Sul, que residia em Porto Feliz (Koelln, 2022).
Também havia diversos cônsules honorários, normalmente vinculados a empresas de colonização. Em alguns casos, estes cônsules honorários eram também intendentes, ou ocupavam funções políticas relevantes, como é o caso de Karl Culmey, que dirigia a empresa Territorial Sul, encarregada da colonização de São Carlos, e que chegou a ocupar esta função em paralelo à Intendência Distrital de Passarinhos, Santa Catarina (Herwig, 1987).
Por outro lado, os pastores, vinculados à Igreja Luterana, a partir de seus papéis de liderança espiritual e também das coletividades locais, eram outro elo com o Estado Alemão. Segundo Martin Dreher (2016), em 1924 os sínodos luteranos brasileiros passaram a ser vinculadas ao Oberkirchenrat Berlin (entidade máxima na Alemanha), o que também ocorreu mais tarde com o Sínodo La Plata. De acordo com o autor, com este vínculo, a instância alemã passou a prover apoio com pessoal e materiais.
E este foi um padrão na relação com as comunidades locais, uma vez que ela foi marcada pela distância territorial – acentuada pela localização em um espaço fronteiriço interiorizado, longe das cidades principais, e cujo acesso era condicionado aos meios precários da época. Além disso, a primeira metade do século XX foi de seguidas crises para o Estado Alemão, que levavam à grandes limitações financeiras. Desta forma, a principal forma de relação foi marcada por subsídios, especialmente voltados ao ensino, o que servia como uma forma de manter os vínculos, uma vez que as escolas subsidiadas mantinham o ensino da língua alemã.
Quanto aos arquivos, o conjunto documental do EZAB diz respeito às diversas congregações protestantes vinculadas à Igreja Evangélica na Alemanha. Desta forma, estão presentes, no acervo, comunicações diversas, fotografias, mapas, relatórios, entre outros formatos, gerados a partir das décadas de contato entre as instituições no Cone Sul e aquela na capital alemã. De caráter privado, grande parte do acervo se encontra digitalizado ou microfilmado, mas sua consulta somente pode ser realizada de forma presencial, ainda que no website da instituição se possa verificar quais os documentos disponíveis. Todavia, na consulta presencial há um outro empecilho: os documentos do EZAB não podem ser fotografados, e sua reprodução somente pode ser realizada a partir de notas tomadas pela leitura do documento, ou sob demanda para a instituição, em um processo oneroso.
Por outra parte, o PAAA, é significativamente mais fácil de acessar. Seus documentos são organizados em forma de ‘atas’, e dizem respeito a cartilhas, fotografias, livretos, informes, recortes de jornais, relatórios, entre outros tipos, coletados pelas agências diplomáticas alemãs, e encaminhados para o Ministério ao longo dos anos. O acesso, por sua parte, depende da disponibilidade, tendo algumas atas sido submetidas a um processo de digitalização, e outras estando completamente disponíveis para consulta no meio virtual. Por outra lado, a maior parte do acervo somente pode ser acessado de forma presencial, e não há qualquer restrição quanto a fotografar os documentos. De forma geral, ambos os arquivos se complementam, como importantes meios para compreender as relações do Estado-Alemão com os alemães emigrados, e as suas relações com os Estados-Nação em que estes se inseriram.
Palavras-chave: Estado Alemão; Imigração Alemã; Relações Internacionais; Arquivos; Cone Sul.
O Estado nas Relações Internacionais: contribuições do pensamento latino-americano
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Enio Ramos Sacramento (Universidade Federal da Bahia)
Resumo:
A presente pesquisa tem como ponto de partida a indagação sobre a possibilidade de compreender os escritos de Ruy Mauro Marini e Agustín Cueva, como contribuições para o campo das Teorias das Relações Internacionais (TRI). Com base nisso, a proposta adota uma abordagem que pode ser identificada no âmbito das correntes marxistas em Relações Internacionais (RI), visando expandir as lentes teóricas ao analisar contribuições latino-americanas para o campo de estudo, pelo resgate do conceito de Estado trabalhado por dois autores: Ruy Mauro Marini e Agustín Cueva Dávila.
A pesquisa tem como objetivo geral analisar o potencial das contribuições teóricas do marxismo latino-americano para as Relações Internacionais, sobretudo ao estudo das Teorias de Relações Internacionais, a partir das elaborações sobre o Estado produzidas por Agustín Cueva Dávila e Ruy Mauro Marini. Para isso, como objetivo específicos, procura-se:
a) Avaliar a evolução das TRI e a posição do marxismo no mesmo
b) Examinar o debate sobre Estado nas TRI
c) Elencar a noção de Estado na América Latina
d) Analisar as semelhanças e diferenças sobre a ideia de Estado dependente.
Para sua realização, a pesquisa possui uma metodologia de abordagem qualitativa com análise realizada através pesquisa bibliográfica com revisão sistemática de literatura, observando como a temática do Estado aparece nas obras de Cueva e Marini em que são abarcadas entrevistas, livros, artigos, palestras, aulas e demais publicações mapeáveis.
A ideia de Estado pouco é desenvolvida nas RI até mesmo nas principais correntes estado-cêntrica. Tal negligência nos suscitou o questionamento sobre a concepção ser tida como resolvida, autoevidente e autoexplicativa. Como também nos questiona do porquê dessa noção ser assim entendida, pois o domínio da perspectiva realista durante a conformação do campo de estudo se deu ao passo que o Estado assumia o centro da dinâmica internacional. Na maioria dos manuais de RI, o Estado aparece como o ente de maior importância entre os atores do sistema, permeando os principais objetos de análises das mais variadas correntes do campo. Porém, como afirma Peter Stirk (2015, p. 1), essa “centralidade não precisava ser acompanhada pelo paradoxo de sua negligência”, porque como conceito ou instituição, ao longo do desenvolvimento do campo, poucos foram os trabalhos teóricos que se aprofundaram em sua análise (Halliday, 2007; Bugiato, 2017).
Feita essa pontuação, nas palavras de Bichir (2017, p. 41-42) entender o Estado em nossa região refere-se a “identificar o processo de integração da América Latina ao mercado capitalista mundial, de um lado, e de compreender a construção das formações sociais latino-americanas, de outro, movimentos que estão intimamente articulados”. Com isso, Agustín Cueva (1983), aponta que Estado não deve ser entendido como uma abstração, sendo necessário partir da matriz econômico-social histórica em uma totalidade internacional.
Cueva et al. (1975) pontua que os Estados latino-americanos não devem ser denominados “Estados capitalistas” como os EUA e os Estados europeus, na América Latina se constituem “Estados capitalistas de países atrasados e dependentes”, uma situação resultante da subordinação ao sistema mundial imperialista em que estão inseridos (Cueva et al. 1975). Além disso, Cueva (1981), destaca que esta condição, associada ao desenvolvimento desigual imposto pelo sistema, impediu que os Estados da região atingissem a maturidade política. A partir da obra literária de Cueva (1976), Andrés Tzeiman (2017) explica que elementos gerais sobre o Estado na região estão entrelaçados ao papel que a nação irá cumprir no sistema mundial. Ainda, é destacado uma especificidade latino-americana, a qual seria sua inserção com um sistema imperialista que influencia fortemente o estabelecimento de funções estatais.
No pensamento de Ruy Mauro Marini a ideia de Estado aparece como aparato burocrático-repressivo em que uma classe dominante exerce seu poder, sendo ele o ápice do sistema de dominação (Marini, 1976). Marini explica que na América Latina o Estado tem origens em 1840, depois das independências, já que para ele a formação estatal colonial era um apêndice do Estado metropolitano, ou seja, não sendo algo separado e próprio (Cueva et al., 1975; Cueva, [1989] 2012). Para Marini (Cueva et al., 1975, Marini, 1977), após as independências, os Estados surgiram da disputa entre frações de classes em busca da hegemonia, sobressaindo, assim, os interesses burgueses.
Ao longo dos anos, explica Marini, as características do Estado vão se modificando, sendo primeiro uma formação estatal baseada na economia exportadora, denominada Estado oligárquico-burguês, que dá lugar ao Estado-burguês, que surge em 1930 com a ascensão da burguesia média, comercial e industrial, e sua aliança com a antiga burguesia mercantil e detentora da propriedade de terra. Este último passa por crises e transformações, destacando-se a formação de uma burguesia voltada ao grande capital associado ao capital estrangeiro, que se utiliza de políticas autoritárias para manter a hegemonia (Cueva et al., 1975, Marini, [1973] 2000; Martins, 2016).
A compreensão de ambos os autores parte da necessidade de entender o Estado na região como dependente, o que influencia e determina seus aspectos políticos, econômicos e sociais. Outra questão é o caráter das relações de classe ao pensar o Estado, que neste caso está relacionada à interação entre a burguesia dominante dependente do plano doméstico e a classe burguesa dominante capitalista no plano internacional. Ainda, é destacado o papel da burguesia – seja ela industrial, comercial ou monopolista – em Marini (Cueva et al., 1975; Marini, 2000) o desenvolvimento da burguesia nacional reflete no surgimento do Estado burguês, já em Cueva, de modo semelhante, a envergadura nacional burguesa, forma e diferencia cada país da região.
O Fenômeno das crianças soldados e as respostas da comunidade internacional
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Maria Eduarda Guerra (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas)
Resumo:
O fenômeno do recrutamento de crianças pelos grupos armados e facções armadas tornou-se uma constante, especialmente após o fim da Guerra Fria, quando eclodiram inúmeros conflitos civis, em sua grande maioria, nos países do Sul Global. Tal situação levou a comunidade internacional, representada sobretudo pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por seus órgãos, a pensar formas mais diretas para proteger as crianças do recrutamento forçado, tendo como solução encontrada a produção de documentos, como a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (1999) a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças (1989) e seu Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados (2002), e os Princípios de Paris, ou Princípios e Diretrizes sobre Crianças Associadas às Forças Armadas ou Grupos Armados (2007), nos quais se incluem medidas para combater o recrutamento e uso de crianças como soldados; todavia, tal problema ainda persiste.
O presente trabalho dedica-se a, através da apresentação dos métodos utilizados pelos grupos armados e pelas facções armadas para coagir crianças a se juntarem às suas estruturas, bem como das questões específicas dos conflitos que facilitam tal coação, analisar as disposições de cada documento citado anteriormente no tangente à tentativa de acabar com esta prática, bem como o número de países que assinaram e ratificaram esses documentos. Para isso, a pergunta de pesquisa é: “Quais foram os avanços na proteção das crianças contra o recrutamento em conflitos armados a nível global, e quais dificuldades o sistema ONU (ou os Estados) ainda enfrentam para implementar o que está previsto nos documentos?
A metodologia se baseia na análise quantitativa dos documentos supracitados, obtidos através dos websites e das bases de dados das Organizações responsáveis pela sua implementação, bem como em artigos e estudos que relacionem a Infância no contexto específico dos conflitos armados dentro das Relações Internacionais. Como resultados parciais, é possível verificar, num primeiro momento, avanços principalmente no tangente à elevação da idade mínima para o recrutamento de combatentes em conflitos; contudo, a ausência de uma abordagem mais específica às diferentes culturas ao redor do mundo e à situação particular das crianças dentro dos grupos armados, além da dificuldade de identificar, encontrar e punir os responsáveis por coagir e recrutar as crianças para os combates, prejudicam avanços ainda maiores.
Palavras chave: Crianças soldados; Recrutamento infantil; Facções armadas; Grupos armados
O impacto das capacidades estatais na vivência da deficiência no Sul Global
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Flávia Carolina Resende Fagundes (Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia – ISAPE)
Resumo:
A emergência de saúde provocada pela Covid-19, para além dos efeitos físicos e psicossociais, deixou impactos socioeconômicos que devem perdurar por décadas, por exemplo, as disparidades do acesso à saúde foram evidenciadas e amplificadas globalmente. Dentre os grupos mais afetados pela crise sanitária global estão as pessoas com deficiência, contingente estimado em 1,3 bilhão de habitantes no mundo. Desse percentual, 80% vivem no Sul Global (World Health Organization, 2022). Os desafios enfrentados por estes indivíduos não são somente físicos, englobam também questões como pobreza, falta de acesso a tratamentos médicos que poderiam melhorar sua qualidade de vida, educação, emprego, infraestruturas precárias e altos índices de violência corporal e simbólica.
Muitas destas limitações são experienciadas pelas pessoas com deficiência ao redor do globo, porém, nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, tais desafios são mais exacerbadas devido às insuficiências e constrangimentos das capacidades dos Estados nacionais em prover bem-estar para os seus cidadãos. Dentro desta lógica, este artigo levanta a seguinte questão: Como as capacidades estatais no quadro do capitalismo global afetam a vivência da deficiência no Sul Global?
Para operacionalizar tal questão metodologicamente será empregada a abordagem de níveis de análise e setores proposta por Buzan e Little (2000). Assim, foram delimitados três níveis de análise: o nível do sistema internacional, tendo como enfoque o setor econômico, no qual busca-se compreender as desigualdades de desenvolvimento no capitalismo transnacional; o nível nacional, com ênfase no setor político, onde serão analisadas as capacidades estatais no Sul Global em prover bem-estar para as populações; e o nível do indivíduo, abordando como essas condições afetam à vivência da deficiência.
Dentro da lógica proposta por este trabalho, constata-se que duas pessoas com o mesmo tipo de condição de saúde podem ter experiências muito distintas determinadas pelas capacidades estatais e o grau de desenvolvimento das sociedades nas quais estão inseridas. Por exemplo, uma pessoa com lesão medular que vive em um ambiente de baixa renda, sem acesso a transporte, informação e comunicação sobre saúde ou emprego experimentará a deficiência de maneira diferente de uma pessoa com a mesma condição, que se beneficia de um bom emprego, de uma ampla rede de apoio social e familiar e acesso aos recursos necessários para maximizar as possibilidades de seu corpo.
Portanto, argumenta-se sobre a necessidade de diálogos entre as relações internacionais e os estudos da deficiência para a construção de um entendimento holístico, que leve em conta o papel das estruturas de dominação e restrições colocadas pelo sistema econômico internacional na configuração das capacidades estatais, e suas reverberações na determinação das condições para a experimentação da deficiência pelos indivíduos.
O lugar do feminismo marxista nos debates pós-positivistas das Relações Internacionais
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Hanna Cruz de Azevedo Maia (Universidade Federal da Paraíba)
Resumo:
O presente artigo possui como objetivo demonstrar como as teorias feministas nas Relações Internacionais podem ser aplicadas a partir de uma ótica materialista, fugindo da abordagem liberais e não estruturalistas que dominam os debates hegemônicos na área e legitimam a dominação ocidental no sistema-mundo capitalista. Para a construção dessa análise, serão comparadas as abordagens feministas dentro da ótica liberal, construtivista e marxista (crítica), de forma a explorar suas aplicações teóricas, sua práxis institucional e relevância na formulação de políticas públicas para o enfrentamento da violência de gênero e suas propostas para a resolução das questões de gênero que permeiam as interações no sistema internacional. Seguindo uma orientação metodológica pautada pelo feminismo nas ciências sociais a pesquisa utiliza experiências femininas como recursos teóricos e empíricos, colaborando assim na formação da metodologia pós positivista feminista. Esta considera que o conhecimento produzido empiricamente não é neutro (ao contrário do que afirma dos teóricos positivistas, tais como os internacionalistas liberais e realistas). Ao realizar uma pesquisa, o investigador e o objeto de pesquisa não são entidades completamente separadas. Esse pensamento incentivou a produção acadêmica de estudiosas feministas que usaram sua cosmovisão para guiar seus estudos de gênero, produzindo ciência sobre mulheres sob um viés feminino. Dentro desse embate metodológico, o construtivismo – a teoria da construção social da política mundial exerce um papel importante e indica que uma das grandes deficiências dos autores neorrealistas e neoliberais era a não inclusão de aspectos intersubjetivos nas análises teóricas, como a não classificação de fenômenos como a autoajuda enquanto instituições por si só e a falta de atenção a aspectos como a formação de identidades nacionais e interesses sociológicos e culturais (neorrealistas tendem a focar mais em interesses de ganhos econômicos e poder, não incluindo aspectos como raça, classe e gênero na análise). As feministas construtivistas focam no modo no qual ideias relacionadas a gênero estruturam a estrutura política global que subordina meninas e mulheres em um sistema de dominação social, sendo a solução para esta questão a mudança de normas de masculinidade e feminilidade, retirando as relações de subordinação da socialização de gênero. Várias outras vertentes se incorporaram no estudo da disciplina, como o feminismo radical, o feminismo anticolonial, o feminismo marxista e, o mais hegemônico na disciplina e na aplicação de políticas públicas, o feminismo liberal. Assim, para que uma real libertação feminista ocorra, é necessário um feminismo que lute contra o sistema que oprime mulheres para manter-se vigente. E para que as análises sobre as relações internacionais sejam completas, é imprescindível que seja aplicada uma ótica feminista e marxista. É necessário que a teoria crítica das RI passe por uma reinterpretação feminista para que a luta de classes contra a hegemonia capitalista não adquira um caráter masculinista e não exclua cerca da metade da força trabalhadora do mundo: as mulheres proletárias. Os resultados parciais da pesquisa revelaram a fragilidade do feminismo liberal, que muitas vezes se mostra performático através das organizações internacionais governamentais. Estas instrumentalizam o discurso de promoção de direitos femininos sem qualquer ação efetiva para desmantelar a estrutura patriarcal, enquanto o verdadeiro objetivo é a defesa do status quo capitalista ocidental.
O movimento social feminista e o contramovimento social antigênero: embates, estratégias e atuação transnacional
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Liza Parente (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo:
Em meio à flexibilização de leis que discorrem sobre os direitos sexuais e reprodutivos, como é o caso da Argentina, a qual legalizou o acesso ao aborto até a 14ª semana de gestação, em 2020, e da Colômbia, que garantiu o aborto legal até a 24ª semana de gestação, em 2022, observa-se o fortalecimento de uma ofensiva antigênero que busca frear os avanços progressistas no continente. Conforme apontam Miskolci e Campana (2017), tal oposição conservadora, a qual possui um forte protagonismo da Igreja Católica, não é recente, nem possui uma atuação exclusiva de grupos religiosos. No entanto, é a partir da organização do movimento social feminista e do seu acesso a ganhos políticos, observado principalmente nas Conferências das Nações Unidas da década de 1990, que essa ofensiva antigênero se mobiliza de forma mais articulada com o intuito de reagir ao fortalecimento político e social desses grupos feministas (CORRÊA, 2018).
Nesse sentido, o movimento social antigênero se articula com uma agressiva narrativa contrária aos direitos sexuais e reprodutivos, a partir de argumentos como a defesa da vida desde sua concepção e da proteção dos valores familiares tradicionais. Baseando-se em conceitos construídos pela Igreja Católica, como a ideologia de gênero e a cultura da morte (VAGGIONE, 2012; MISKOLCI; CAMPANA, 2017), tal movimento busca demonizar o aborto e o uso de demais métodos contraceptivos, relacionando-os a termos como assassinato e genocídio. Apesar da forte influência de atores religiosos, as organizações da sociedade civil, os chamados grupos pró-vida, possuem um relavante papel de difusão do pensamento conservador na sociedade e de ativismo político diante de governos nacionais e em arenas de debate da comunidade internacional (VAGGIONE, 2012). Tal mobilização reativa, portanto, não se limita às fronteiras nacionais, mas assume o cenário global em uma grande rede transnacional antiabortista. Como aponta Malamud (2018), a articulação de tais atores defensores de uma moral conservadora forma um lobby político que atua em âmbito doméstico e internacional na defesa de políticas públicas que limitam o acesso a direitos sexuais e reprodutivos.
Diante do exposto, o presente trabalho busca responder a questão: como o movimento social antigênero se articula transnacionalmente como reação aos ganhos políticos e sociais obtidos pelo movimento social feminista no contexto de avanço dos direitos sexuais e reprodutivos. Nesse sentido, o objetivo geral da pesquisa é investigar as estratégias utilizadas por tais grupos antigênero a fim de capilarizar uma base apoiadora, obter ganhos políticos e limitar o avanço progressista em um contexto de fortalecimento do debate sobre direitos sexuais e reprodutivos na comunidade internacional. Além disso, busca-se contextualizar o processo de ascensão do movimento social feminista como forma a desafiar o status quo machista, patriarcal e heteronormativo socialmente estabelecido.
A fim de alcançar tais objetivos, utiliza-se, como material base, artigos acadêmicos, periódicos e livros de pesquisadores da teoria movimento-contramovimento social, a qual é caracterizada como referencial teórico da pesquisa que possui caráter qualitativo. Além disso, documentos e comunicados oficiais das Nações Unidas e do Vaticano também são analisados como forma de auxiliar na caracterização do cenário de articulação e organização do movimento social feminista e de seu contramovimento antigênero.
Finalmente, como resposta ao questionamento levantado, conclui-se que o contramovimento social antigênero se articula a partir de um lobby político que agrega partidos conservadores, autoridades políticas, instituições religiosas e organizações não governamentais que se reúnem em arenas de debate domésticas e internacionais a fim de barrar o avanço de políticas progressistas. No que tange à apresentação do embate entre o movimento pró-vida e o pró-aborto, as leituras dos autores da teoria movimento-contramovimento social caracterizam, em resumo, como o fortalecimento dos grupos pró-aborto, especialmente por meio de ganhos políticos, gera sua própria reação, definida pela formação do contramovimento social de direitos sexuais e reprodutivos. A fim de ilustrar tal ponto, a pesquisa descreveu, inicialmente, a ascensão do movimento feminista no cenário internacional, caracterizando, em seguida, a formação do bloco opositor antigênero liderado, originalmente, pela Igreja Católica nas Convenções das Nações Unidas da década de 1990.
Palavras-chave: Direitos sexuais. Direitos reprodutivos. Movimentos sociais.
O papel da Parceria Estratégica Brasil-União Europeia no projeto do submarino nuclear brasileiro
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Demetrius Cesário Pereira (ESPM)
Resumo:
A Parceria Estratégica entre o Brasil e a União Europeia (UE) foi estabelecida no ano de 2007, em Lisboa. No ano seguinte, durante a presidência francesa do Conselho Europeu, os europeus foram recebidos no Rio de Janeiro para a Segunda Cúpula Brasil-UE. A delegação do então presidente francês Nicolas Sarkozy tinha a missão representar os interesses da Europa, mas parece também ter se preocupado com os da França. A reunião culminou selando um nova parceria franco-brasileira: o projeto para a construção do submarino nuclear brasileiro. Desse modo, parte-se da pergunta: “Qual o papel da Parceria Estratégica Brasil-UE no projeto do submarino nuclear brasileiro?”. A hipótese seria de que a Parceria Brasil-UE, em especial a sua segunda cúpula, realizada durante a Presidência rotativa do bloco europeu, beneficiou o acordo militar da França com os brasileiros, visando um submarino nuclear. Como objetivo geral, o trabalho pretende levantar evidências de que os interesses da França poderiam ter ofuscado, em certa medida, a posição do bloco europeu. No tocante aos objetivos específicos, primeiramente busca-se refletir sobre aspectos teórico-conceituais da análise de política externa. Em segundo lugar, resgata-se um histórico da relação do Brasil com os europeus até o final da Presidência rotativa francesa na UE, em 2008, com foco na cooperação militar. Por fim, compara-se esse período com as relações Brasil-UE até a visita do presidente francês Emmanuel Macron ao país, em março de 2024. Assim, o método histórico, mais especificamente o process tracing, juntamente com o método comparativo, podem auxiliar na busca por respostas e na avaliação dos efeitos da Parceria Estratégica Brasil-UE no projeto do submarino nuclear. Além disso, pesquisa bibliográfica e documental, com base em fontes primárias, como discursos e declarações, além de secundárias, complementam a abordagem. Desse modo, como resultado, a pesquisa visa reunir evidências que esclareçam a hipótese de que a Parceria Brasil-UE, especialmente sua segunda cúpula, influenciada pela França, teria auxiliado no projeto do submarino nuclear brasileiro.
O PAPEL DO G20 NA GESTÃO DO REGIME INTERNACIONAL PARA O MEIO AMBIENTE: OPORTUNIDADES E DESAFIOS
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Érica Beatriz Guedes Corado (Universidade de Brasília)
Resumo:
Na segunda metade do século XX, uma série de protestos das populações do Norte Global começou a levantar debates acerca da exploração ambiental desenfreada e os riscos para o futuro diante da negligência dos Estados para com o Meio Ambiente. Ademais, publicações como “Limites Para o Crescimento” (1972), de Dennis Meadows, Donella Meadows e Jorgen Randers – baseado nas discussões do Clube de Roma – e “A Tragédia dos Comuns” (1968), de Garret Hardin tiveram grande repercussão e chamaram atenção para as discussões ambientais.
Nesse contexto, ocorreu a primeira Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente, em 1972, sediada em Estocolmo, na Suécia: a Conferência de Estocolmo. Desde então, estabeleceram-se diversas Conferências para o Meio Ambiente e acordos internacionais acerca do desenvolvimento que sucederam Estocolmo tiveram participação fundamental de países em desenvolvimento e foram responsáveis por estabelecer um Regime Internacional para o Meio Ambiente.
O principal pilar para a sustentação do Regime Internacional e de um sistema de Governança Global do Meio Ambiente é, portanto, a Ordem Liberal Internacional (OLI). A OLI foi articulada, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, mas muitas vezes também traçada de volta a Woodrow Wilson. (JAHN, 2018). Entre 1945 e 1989, sob a liderança dos Estados Unidos, conseguiu-se estabelecer uma ordem liberal na parte ocidental do mundo – um subsistema internacional liberal (IDEM, 2018). O fim da Guerra, por sua vez, Fria abriu a possibilidade de ampliar este subsistema à ordem internacional em geral; ou seja, de concretizar uma ordem mundial liberal.
Contudo, atualmente, percebe-se um contexto de desajuste e de crise, onde a legitimidade do multilateralismo e das Instituições Internacionais de modo geral – que ganharam muito espaço a partir da consolidação da OLI – é colocada em risco. Assim, cada vez mais, alimenta-se um discurso antistablishment e antiglobalista “[…]desafiando o multilateralismo, a mobilidade internacional, e o policy-making da política externa, cujo melhor exemplo está na administração de Donald Trump nos Estados Unidos e retirada do país de diversos tratados internacionais” (CONTRERA; HEBLING, 2020, p. 10).
Essas tribulações acendem alertas que não podem ser ignorados ou subestimados. A crise ecológica global e os meios para seu enfrentamento também são colocados em risco, uma vez que são discutidas majoritariamente em instâncias multilaterais e demandam constantes negociações. Impõe-se um enorme desafio ao Regime Internacional para o Meio Ambiente em um momento fundamental para evitar um colapso climático total. Neste contexto, destaca-se o papel do Grupo dos Vinte (G20) como um fórum fundamental na condução da gestão global para o Meio Ambiente. Isso porque, englogando ⅔ da população mundial, o Grupo representa 85% do Produto Interno Bruto global; 75% do comércio mundial, bem como 80% de todas as emissões de CO2 e 70% da produção global de plástico. Isto posto, as decisões e atuação dos membros do G20 no que tange, dentre outros, as Mudanças Climáticas, Meio Ambiente e Energia podem ser fundamentais para garantir o avanço do Regime Internacional para o Meio Ambiente.
Portanto, considerando as dinâmicas apresentadas, este artigo visa analisar como a atuação do G20 no que tange o Regime Internacional para o Meio Ambiente é impactada pela crise da Ordem Liberal Internacional. Com o objetivo de estabelecer a crítica as perspectivas que dão continuidade ao modus operandi das negociações e ações atuais relacionadas a questão ambiental e propor alternativas ao posicionamento dos países do sul global, este trabalho terá como será norteado pela Teoria Crítica das Relações Internacionais, especialmente pelos trabalhos de Robert Cox (1981; 1994). Ainda, será fundamental para o desenvolvimento dos argumentos, a Teoria dos Regimes Internacionais de Krasner (1982) e a crítica de Susan Strange (1982) acerca da análise de Regimes.
Nesse contexto, argumenta-se que o principal desafio do G20 reside em equilibrar a persistente interdependência econômica e ambiental com a realidade de contínuas e significativas perturbações. Para além da Crise Ecológica, estas perturbações também incluem as revoluções digital e da Inteligência Artificial, a reação social contra a globalização em alguns países e uma crescente rivalidade entre grandes potências tais como China e os Estados Unidos. A atuação recente do G20 demonstrara as contradições das relações internacionais na atualidade: os membros recusaram-se cada vez mais a investir no processo do G20 para abordar as questões sistematicamente mais importantes, dado o seu foco atual na dinâmica nacional competitiva. Ao mesmo tempo, continuaram a demonstrar apego ao próprio processo do G20 e a garantir alguns progressos limitados (TIBERGHIEN, 2022).
A resiliência do Grupo diante das tribulações provindas da crise da Ordem Liberal Internacional deve-se, principalmente, a três fatores. Primeiro, os membros do G20 estão dispostos a manter uma espécie de safety net caso as suas estratégias nacionais dominantes falhem. Ainda, as normas de cooperação global em apoio à interdependência global continuam relevantes, embora alguns dos principais agentes nem sempre as mantenham na prática. Por fim, os Estados ainda consideram a plataforma do G20 útil como um fórum de discussão e uma oportunidade para transmitir mensagens, partilhar informações e propagar seus interesses.
O papel do Ministério da Defesa e das Forças Armadas do Brasil na formulação de políticas de prevenção e adaptação à crise climática
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Letícia Britto dos Santos (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA), Luciele Lemes Marques (Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA)
Resumo:
A crise climática já é uma realidade no Brasil e no mundo. Tendo em vista os fenômenos catastróficos que têm ocorrido, como a última catástrofe no Rio Grande do Sul. Conforme já havia sido alertado no Sexto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2022). O presente trabalho busca refletir: qual é o papel do Ministério da Defesa e das Forças Armadas brasileira no contexto da crise climática, dada as ameaças à população brasileira, identificadas pela securitização das mudanças climáticas? Para tanto, como metodologia, será utilizada análise documental, identificando se existem ações e/ou documentos de outras instituições brasileiras que apontam para a necessidade de uma maior participação do Ministério da Defesa e das Forças Armadas nesta temática. Dessa forma, o objetivo geral que se pretende atingir é apresentar uma diretriz para melhorar a participação do Ministério de Defesa e das Forças Armadas na formulação de políticas públicas brasileiras que garantam uma maior proteção no que diz respeito à questão climática. Como objetivos específicos e delimitação da pesquisa, será realizado um levantamento dos eventos climáticos extremos ocorridos no Brasil nos últimos 5 anos (entre 2019 e 2024), identificando quais foram as instituições acionadas para lidar com esses problemas e se há algum documento ou relatório gerado que aponta para a demanda de uma ação mais efetiva do Ministério da Defesa e das Forças Armadas na formulação de uma Política de Defesa Ambiental brasileira. Além disso, tendo em vista o protagonismo brasileiro no Regime Internacional de Mudanças Climáticas (RIMC) e a securitização, será feito um levantamento se é apontada uma necessidade de uma maior atuação do Ministério da Defesa no posicionamento estratégico e participação nas conferências internacionais ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU), principalmente as Conferências das Partes (COP’s) no RIMC. O problema de pesquisa e argumento defendido neste trabalho é de que, tendo em vista a securitização das mudanças climáticas e o papel de protagonismo que o Brasil vem assumindo historicamente no Regime Internacional de Mudanças Climáticas (RIMC), se faz necessária uma maior atuação do Ministério da Defesa na formulação de políticas públicas, posicionamento estratégico e participação nas conferências internacionais ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU), como as Conferências das Partes (COP’s) no RIMC.
O patriarcado e o internacional: um debate conceitual
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Juddy Garcez (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio))
Resumo:
Ao estudarmos Relações Internacionais (RI), diferentes noções aparecem com frequência: Estado, ator, Sistema Internacional. Uma delas é a de Instituição Internacional, que pode ser lida tanto a partir de seu sentido mais literal – uma entidade como a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), por exemplo – ou no âmbito mais social, como acontece com o caso do racismo. As instituições internacionais – materiais ou sociais – conectam-se profundamente, uma vez que em muitos casos, como é o exemplo do Estado, suas capacidades sociais possuem implicações físicas, e reverberam a partir de diferentes atores e meios.
Sabendo da importância de melhor entendermos tais fenômenos sociais que se institucionalizam através de construtos, que por sua vez são reiterados e/ou combatidos, neste artigo tenho como objetivo estudar o patriarcado e as suas implicações no que entendemos como internacional. Para tanto, a pergunta que rege esta pesquisa é a seguinte: Quais são as possíveis relações que o patriarcado possui com o internacional? Reconheço que esta é uma pergunta complexa e, para dar conta de começar a respondê-la, segmento-a um pouco mais ao afirmar que não pretendo desvendar todas as possíveis relações entre patriarcado e internacional.
É meu objetivo, antes, compreender como o patriarcado se relaciona com o que nós, enquanto internacionalistas, entendemos como internacional. Novamente, não busco fazer asserções gerais. Desse modo, os principais passos que tomo para fazer a análise que proponho aqui são: (1) investigar o que qualifica uma instituição internacional, dando ênfase em seu caráter social e verificar se o termo “patriarcado” se aplica nesse sentido; (2) oferecer uma definição mais apurada sobre o conceito de patriarcado, trazendo para dentro do debate pesquisadoras de diferentes vertentes e áreas, empenhadas na busca por uma melhor conceituação do termo; e (3) trabalhar com a noção de “internacional” a partir de uma perspectiva teórica crítica, uma que engloba principalmente os estudos feministas, mas não se limita a eles.
Como fonte de inspiração para tal debate, pauto-me principalmente nos argumentos tecidos por Sikkink e Finnemore (1998) e Reus-Smit (2022) acerca de normas e instituições sociais. Utilizo, também, os argumentos de autoras como Paredes (2013), O’Reilly (2016), Federici (2017), Lerner (2019), para citar algumas, como forma de buscar uma significação para o termo patriarcado. Por fim, é dos trabalhos de Bigo e Walker (2007), Zalewski (2010), principalmente, que trato da temática do internacional a partir de visões críticas.
O posicionamento dos BRICS em relação à agenda internacional da igualdade de gênero
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Laerte Apolinário Júnior (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)), Letícia Fructuoso (Pontifícia Universidade Católica)
Resumo:
A temática da igualdade de gênero tem ganhado cada vez mais centralidade na agenda internacional ao longo das últimas décadas, em especial, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU atua nessa temática, elaborando documentos internacionais e desenvolvendo comissões e convenções com o propósito de alcançar a igualdade de gênero em nível global. A exemplo disso, pode ser citada a Comissão Sobre o Status da Mulher (CSW), criado em 1946, responsável pela organização da agenda internacional sobre o tema (Guarnieri 2010). Ademais, a institucionalização da problemática da desigualdade de gênero apresentou grande avanço com a formulação da Agenda 2030, em especial, a partir do quinto objetivo (ODS 5), cuja finalidade é reverter este problema estrutural (ONU, 2015a).
Ao adotarem os “17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” da Agenda 2030, estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) (ONU, 2023), os países assumiram compromissos internacionais que exigem a implementação de medidas internas nos âmbitos legal, político, econômico e social para alcançar o cumprimento dessa agenda. No entanto, no cenário atual, diversos países enfrentam grandes desafios para o cumprimento das metas estabelecidas pela ONU, em especial, na questão da igualdade de gênero. Dentre os países que se comprometeram a adotar medidas para eliminar a discriminação contra as mulheres em todas as áreas, estão os cinco países que fazem parte do BRICS.
O acrônimo BRICS se refere ao grupo de países emergentes formado por cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A justificativa para a institucionalização do grupo se deu a partir do objetivo comum de pressionar por reformas no Sistema Internacional, em especial no campo da arquitetura financeira internacional, sob o ponto de vista dos países emergentes (Hurrell 2018; Stuenkel 2017). Estes novos atores, os BRICS, ganharam protagonismo internacional ao buscarem remodelar a ordem internacional, em especial, na arena econômica. Além disso, são países que têm demonstrado interesse e motivação para trazer a questão social para a pauta global, mas que, em contrapartida, tradicionalmente, são países que enfrentam grandes desafios domésticos, em especial, nas agendas de proteção da mulher e de redução da desigualdade de gênero (Lobato 2018). Ademais, com as iniciativas recentes pela expansão do grupo no ano de 2024, o grupo tem voltado aos holofotes internacionais (The Economist, 2024).
Ainda há pouca clareza com relação aos limites da convergência entre seus membros, sobretudo fora da área econômica (Rinaldi and Apolinário Júnior 2020; Apolinário Júnior and Branco 2022). E é na temática dos direitos humanos, em função da necessidade de se posicionarem em relação a questões envolvendo esse tema em diferentes Organizações Internacionais, que a convergência de interesses dentro da coalizão é testada, em razão da heterogeneidade entre seus membros, em especial, em termos políticos e institucionais (Beeson and Zeng 2018).
No ocidente, em especial, predomina a visão de que os BRICS, ao pressionarem por reformas na ordem global, representariam um desafio à ordem econômica, política e cultural emanada do ocidente liderado pelos Estados Unidos. Assim, a ascensão dos BRICS, em geral, e da China, em particular, representaria um desafio às posições liberais ocidentais, não apenas em termos econômicos e geopolíticos, mas também em matéria de promoção da democracia e dos direitos humanos (Lipton 2018).
No entanto, outros autores argumentam que os direitos humanos não são inerentemente uma construção ocidental, na medida em que se tornaram valores globais básicos da comunidade internacional a partir das contribuições de diferentes civilizações. Ademais, não haveria indícios de que a China e os demais BRICS se oporiam a essa agenda, de modo que a ascensão dos BRICS, embora possa prejudicar o papel de liderança do Ocidente nessa temática, não necessariamente prejudicaria a expansão dessa agenda no plano global (Subedi 2015).
Diante disso, este artigo tem como objetivo contribuir com esse debate, analisando especificamente o posicionamento desses países em relação à agenda da equidade de gênero no plano internacional, por meio de uma análise comparativa. Assim, a pergunta de pesquisa que guia essa análise é: como os BRICS se posicionam internacionalmente em relação à agenda de igualdade de gênero? A partir desta pergunta, o trabalho busca, mais especificamente: i) esclarecer a importância da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, com foco no ODS5; ii) analisar como os países do BRICS se posicionam em relação à agenda de direitos humanos, de forma geral, e à agenda de equidade de gênero, em específico, em seus posicionamentos internacionais; iii) investigar como os países do BRICS votaram nas resoluções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e em outros acordos diante da temática de gênero a partir do momento que a agenda foi institucionalizada (2015); e iv) estabelecer o padrão de votação nas resoluções do Conselho de cada um dos cinco países do BRICS, analisando as tendências e mudanças em relação à questão de gênero no âmbito internacional.
Os resultados indicam que, apesar do apoio em geral desses países ao avanço dessa agenda no plano normativo internacional, há divergências no posicionamento dos BRICS em relação a essa agenda. Em especial, China e Rússia se mostram relutantes em apoiar questões dessa agenda que remetam à temática da identidade de gênero e direitos LGBTQIA+.
O POTENCIAL DO BANCO DOS BRICS COMO ALTERNATIVA PARA INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA NO BRASIL
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): José Paulo Silva Ferreira (Universidade Federal de Goiás (UFG))
Resumo:
O BRICS, formado por países emergentes, apresenta divergências políticas e assimetrias econômicas, porém compartilha a insatisfação com a distribuição de poder nas instituições internacionais e, consequentemente, uma agenda de reforma da ordem internacional. Reúnem-se anualmente desde 2009, mas nunca formalizaram o agrupamento como um organismo coeso. No entanto, em um cenário de descontentamento com a Crise Financeira de 2008, desafios de representação no FMI e Banco Mundial, e sanções do Ocidente contra a Rússia, deram um passo relevante para a institucionalização com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que se propõe a investir em ajuda ao desenvolvimento, atentando-se ao impacto ambiental (MOREIRA JR.; FIGUEIRA, 2014; STUENKEL, 2015; ACIOLY, 2019; TERRA et al., 2019). Assim, esta pesquisa tem por objeto de estudo o NBD, e busca responder a seguinte pergunta: O NBD representa uma alternativa viável às instituições creditícias internacionais tradicionais, com potencial para impulsionar o desenvolvimento em infraestrutura no Brasil? Os objetivos específicos são: analisar o cenário global de financiamento para desenvolvimento de infraestrutura, com ênfase em países em desenvolvimento, identificando fontes de financiamento e tendências relevantes; investigar as possibilidades de financiamento de projetos de infraestrutura pelo NBD em países em desenvolvimento, incluindo seus termos e condições, bem como os projetos aprovados especificamente para o Brasil; e avaliar a viabilidade e sustentabilidade do NBD como uma alternativa factível ao financiamento de infraestrutura, analisando sua abordagem em relação às instituições creditícias tradicionais e compreendendo se tem atuado como complemento ou se posicionado como alternativa a essas instituições. Para isso, realizou-se uma revisão de literatura sobre o cenário de ajuda ao desenvolvimento em infraestrutura, bem como análise documental dos “Resumos de Projetos para Divulgação Pública”, disponíveis na página virtual do banco (NEW DEVELOPMENT BANK, 2016, 2018a, 2018b, 2019a, 2019b, 2020a, 2020b, 2020c, 2020d, 2020e, 2020f, 2021a, 2021b, 2022b, 2022c, 2022d, 2022e, 2022f, 2023a, 2023b), com aplicação da técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011) em todos os acordos de financiamento completos e aprovados em andamento do NBD ao Brasil, até dezembro de 2023. A análise indica que o NBD tem complementado a assistência ao desenvolvimento em áreas estratégicas, como transportes e saneamento, e atenuado assimetrias regionais quanto ao Nordeste, apesar do Norte desassistido. Ainda assim, apresenta-se como ferramenta de complementaridade e não substituição às instituições estabelecidas, e seu papel numa nova ordem permanece incerto, diante principalmente da expansão do BRICS, com a inclusão de novos membros. Pode-se afirmar que a sustentabilidade do banco dependerá do papel que os membros do BRICS atribuirão a ele em suas políticas externas, na agenda comum Sul-Sul e da influência que sofrerá numa contrarresposta das instituições financeiras tradicionais.
O PROJETO DE PROMOÇÃO E ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS DE MATO GROSSO NA CHINA
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Alice Helena Heil de Borba (Universidade Federal do ABC)
Resumo:
O objeto desse artigo é as relações internacionais do Estado do Mato Grosso na China, coordenadas pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SEDEC) do estado. Este artigo é resultado das atividades internacionais desenvolvidas pela SEDEC com foco na China. O objetivo desta pesquisa é responder de que maneiras o Estado do Mato Grosso tem conseguido articular com outras instâncias dentro do continente asiático, a atuação internacional do estado? E de que maneiras é possível planejar e executar uma representação subnacional na China? Para alcançar estas respostas, os dados coletados foram analisados por meio do método de estudo de caso único, que contribui para compreender um fenômeno específico a partir de múltiplas fontes oficiais. Sendo assim, este artigo está estruturado da seguinte maneira, primeiramente será explanada a evolução institucional das relações internacionais do Estado do Mato Grosso, no período de 1995 – 2024, sobre as agendas paradiplomáticas mato-grossenses com outros órgãos de governo dentro e fora do estado. Esta primeira parte é importante pois, além de responder a primeira pergunta de pesquisa, também fornece o histórico necessário para compreender o objeto central desta pesquisa. Em sequência, será identificado que outros entes subnacionais brasileiros possuem representação no exterior (local e agenda), e será apresentado o processo de idealização e estruturação do estabelecimento da representação institucional do estado do Mato Grosso na China. Por fim, será analisado o caminho percorrido para o estabelecimento de uma representação do Mato Grosso na China, desde 2019, suas especificidades, os desafios e as oportunidades e quais os resultados obtidos nessa agenda paradiplomática. Os resultados da coordenação da agenda paradiplomática do estado do Mato Grosso na China tem se mostrado bem sucedidos, houveram inúmeras parcerias estabelecidas que intensificaram os investimentos chineses no Mato Grosso, como a criação de um Instituto de Cultura chinesa, investimentos com o Parque Tecnológico estadual e o aumento das trocas comerciais. Uma vez que considerada as respectivas diferenças e competências dos órgãos, os entes subnacionais brasileiros se utilizam de estratégias similares para o desenvolvimento das suas relações internacionais. Entretanto, apesar da agenda paradiplomática mato grossense parecer similar à de outros estados brasileiros de acordo com a teoria, na sua prática apresenta especificidades em relação sua representação institucional do estado no exterior e na forma bastante pragmática da atuação internacional, marcada pela busca de minimizar os riscos financeiros e as frustrações com a de novo modelo de atuação, mais flexível, enxuto e efetivo de gestão. No final, pode-se afirmar que esta pesquisa corroborou a prática da paradiplomacia no Brasil e no mundo, e contribuiu para alvitrar os impactos nos aspectos culturais, políticos e econômicos acerca dessa experiência e novas conjecturas sobre as relações internacionais do estado do Mato Grosso. Além de ser uma experiência nova no contexto brasileiro, que pode ser replicada por outros entes subnacionais que almejam estreitar suas agendas no exterior por meio de uma representação institucional.
O PROTAGONISMO DO SUL GLOBAL NA PROMOÇÃO DA REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Amanda Perachi (UFPEL)
Resumo:
O presente artigo investiga a questão recorrente de pedidos e propostas de reforma ao Conselho de Segurança da ONU (CSNU), analisando o protagonismo dos países do Sul global neste quesito e sua resiliência em busca de um Conselho mais eficiente, representativo e legítimo. Especificamente, analisa as principais propostas de reforma desses países, dentro dos grupos G-4, L.64 e União Africana, e busca identificar os principais impasses e impedimentos ao avanço desses projetos.
Criada ao fim da Segunda Guerra Mundial (1945), a Organização das Nações Unidas (ONU) e seu Conselho de Segurança surgem como mecanismo para a manutenção da paz e da segurança no mundo. No entanto, desde sua criação, o mundo passou por inúmeras transformações e acontecimentos que colocaram em xeque a efetividade de ambos. Ao fim da Guerra Fria, com a descolonização e dissolução da União Soviética, o número de membros da ONU aumentou consideravelmente, mas a estrutura de seu Conselho de Segurança se manteve a mesma – cinco membros permanentes e dez membros não permanentes (Jetchske; Abb, 2019).
A participação como membro permanente no Conselho, ou a falta dela, é um fator determinante do status e da posição geopolítica de uma nação e sua definição como “potência de status quo” (Stuenkel, 2010). Com a expansão do multilateralismo e o papel cada vez mais central das Organizações Internacionais, muitos estados emergentes passam a se enxergar como “excluídos” ou ao menos, prejudicados com a falta de representação e igualdade dentro do Conselho (Stuenkel, 2010; Chen et al, 2022). A este respeito, ao longo da década de 90 surgiram inúmeras propostas de reforma, buscando contornar essa desigualdade, lideradas por grupos como o G-4, L.64 e União Africana composto, não em totalidade, por países do Sul Global.
Ao analisar diferentes perspectivas entre os acadêmicos, Winther (2020) destaca dois tipos de visões sobre o tema da reforma: A primeira visão compreende aqueles que concordam que a reforma precisa ser estrutural, ou seja, mexer na formação e, possivelmente, no direito de veto dos membros permanentes; A segunda, entende que a reforma precisa ser nos métodos de trabalhos (Working Methods), mudar a forma como o Conselho age sem mudanças estruturais. Enquanto a primeira defende que a melhora na eficiência, legitimidade e representatividade depende da inclusão de novos membros permanentes, a segunda acredita que novos membros poderia prejudicar a eficiência do conselho.
A declaração de Sam Daws (2005) de que “há um risco de que as Nações Unidas sejam enfraquecidas por uma expansão do número de membros do Conselho de Segurança da ONU. [Mas, também] há um risco de que ela se enfraqueça com a manutenção do status quo”, exemplifica bem isso. Fassbender argumenta que países do Norte Global tendem a defender reforma nos métodos de trabalho, enquanto países do Sul Global, reformas estruturais. McCarthy (1998), argumenta que as dificuldades da reforma do Conselho de Segurança decorrem do desenvolvimento nacional desigual. Os países em ascensão procuram romper a estrutura existente do Conselho de Segurança e buscar mais poder, enquanto os membros permanentes com tendência de queda lutam para manter seu status. Mesmo que a busca por espaço dentro do conselho seja legítima e justa aos países do Sul Global, Nadin (2016) argumenta que nem todos poderão fazer o que pode vir a gerar mais conflitos e novamente a ideia de “excluídos”.
Assim, o principal problema observado por inúmeros estudos e reforçado aqui é que embora exista concordância na necessidade de reformas ao Conselho, não existe consenso em como fazer. Os três grupos citados acima, divergem quanto às especificações de reforma (quem deveria entrar no quadro de membros permanentes, quantos, se o veto permanece ou não); países fora desses grupos tendem a não apoiar a realização de reformas (o grupo Uniting for Consensus (UFC) que conta com Itália, Argentina e outros países surgiu como contraposição a proposta do G-4); os cinco membros permanentes são apáticos e tendem a dificultar a reforma com anseio de perder seu lugar de privilégio (apesar de no BRICS, Rússia e China apoiarem a necessidade de reforma e maior representação no Conselho).
A base do impasse sobre a reforma do Conselho de Segurança baseia-se no fato de que cinco Estados foram considerados “suficientemente poderosos para ter a última palavra em questões de paz e segurança internacionais” (Baccarini, 2018, p.104). Ao Sul Global cabe o esforço de reformar o sistema multilateral e a insustentável composição do Conselho de Segurança, sendo porta vozes de suas normas e da necessidade de se reduzir as assimetrias de poder global (Herz, Summa, 2023). Buscando analisar novas nuances, o presente estudo tenta responder a seguinte problemática: o Sul Global, que desempenha papel cada vez mais proeminente em foros internacionais e propaga a defesa do multilateralismo e suas normas, tem protagonizado o esforço para a realização de uma reforma no CSNU ou vive preso a retórica e submissão dos membros permanentes?
A abordagem se dá a partir da pesquisa bibliográfica e documental. Busca-se explicar a atuação dos países do Sul Global, através das propostas dos grupos G-4, L.64 e União Africana para promover a reforma do CSNU e tentar entender o insucesso de cada proposta e as oposições à elas. Para isso, fontes secundárias e primárias serão utilizadas, dentre elas, propostas desses grupos apresentadas à Assembleia Geral da ONU, documentos oficiais de cada grupo e dos governos, repercussão dos demais países e desenrolar das votações na ONU.
Ao passo que os resultados demonstram ainda a improbabilidade de alguma reforma ser aprovada, defende-se que apenas a partir do protagonismo dos países do Sul Global será possível a realização de reformas no arcaico Conselho de Segurança.
O setor automotivo brasileiro e o Acordo Mercosul-UE: uma análise a partir das Cadeias Globais de Valor
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Júlia Saint Martin Rodrigues da Silva (Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans/UFSC)), Fernando Seabra (UFSC)
Resumo:
Em 2019, Mercosul e União Europeia chegaram a um acordo a respeito do pilar comercial, criando as bases para o Acordo de Associação Birregional. Abrangendo uma grande cesta de produtos, o Acordo Comercial Mercosul-UE deverá constituir uma das maiores áreas de livre comércio do mundo (Brasil, 2022). Entre os objetos de negociação está o setor automotivo, o que chama a atenção por ser um setor historicamente protegido pelos países que integram o Mercosul – em especial Brasil e Argentina, dado que a tarifa de importação para produtos deste setor é de 35% (Aladi, 2008).
No Brasil, a indústria automotiva representava cerca de 20% do PIB Indústria de Transformação em 2019 (ANFAVEA, 2023). Nesse contexto, o Brasil tem buscado, por meio de políticas de incentivo, gerar ganhos de competitividade para a indústria brasileira frente à Cadeia Global de Valor (CGV) automotiva (Niquito; Carraro, 2021). Além disso, nota-se que, no âmbito do Mercosul, não há uma política automotiva comum capaz de balizar os interesses destes países (Trapanese, 2019), o que culminou com que fossem firmados acordos bilaterais entre os países que o compõem. Assim, para avaliar os possíveis efeitos do Acordo Mercosul-UE para o setor automotivo, é necessário fazer um breve diagnóstico do setor brasileiro, bem como uma revisão dos Acordos Automotivos pactuados no âmbito do Mercosul.
O objetivo geral deste estudo é avaliar quais são os possíveis impactos do Acordo Mercosul-União Europeia para o setor automobilístico brasileiro, tendo a perspectiva de que ele será efetivado. De forma específica, busca-se analisar dados recentes dos segmentos de veículos e autopeças, à luz da teoria das CGVs, a fim de apontar a posição do Brasil frente à CGV Automotiva. Destaca-se a aplicação desse conceito na análise da expansão do comércio internacional e da fragmentação geográfica das cadeias de produção (Gereffi; Lee, 2012). Além disso, são expostos os Acordos Automotivos firmados no âmbito do Mercosul e o que diz o texto provisório do Acordo Mercosul-UE, com foco na posição brasileira. Dessa forma, pretende-se, inicialmente, explicitar o atual estado do setor automotivo brasileiro, para então analisar comparativamente esses acordos.
Em termos metodológicos, o trabalho se utiliza dos dados mais recentes no que diz respeito ao setor automotivo, tendo como base os anuários da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) e do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças). Programas como o Inovar-Auto e o Rota 2030 são examinados para compreender a atuação estatal na dinâmica de desenvolvimento do setor. Para avaliar os dados referentes ao comércio exterior, utilizou-se a base de dados brasileira ComexStat, selecionando os produtos das posições 8701 a 8708 pertinentes aos acordos supracitados.
No que diz respeito à análise comparativa dos acordos, selecionou-se os Acordos Automotivos firmados entre o Brasil e os demais Estados-membros do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai); as determinações bilaterais entre Brasil e México no contexto do Acordo Automotivo Mercosul-México; e o texto provisório referente ao setor automotivo do Acordo Mercosul-UE. Especificamente, é examinada as desgravações tarifárias propostas e são discutidos os impactos nas legislações e mercados.
Como resultados preliminares, no que se refere às CGVs, identifica-se que o Brasil não se integra a nenhuma das três regiões mais relevantes, em termos de mercado, a nível global – América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico (Daudt; Willcox, 2018). Além disso, os principais destinos de exportação e origens de importação do Brasil são, quase exclusivamente, países latinos (Sindipeças, 2022). Quanto à qualificação daquelas mercadorias produzidas pelo Brasil no setor de autopeças, nota-se que a produção concentra-se em bens de baixo valor tecnológico (Barros; Castro; Vaz, 2015), o que denota uma baixa integração brasileira aos elos mais rentáveis da Cadeia Automotiva.
No que se refere aos Acordos firmados entre os países que integram o Mercosul, observa-se o forte protecionismo do setor automotivo destes. De forma geral, quanto mais abrangente é o acordo, mais entraves são outorgados pelas partes. Nesse sentido, o acordo mais restritivo entre os quatro analisados, o Acordo Automotivo Brasil-Argentina (ALADI, 2019) é, controversamente, o de maior volume de comércio.
Já quanto ao Acordo Mercosul-UE, demonstra-se que os países sul-americanos negociaram um prazo maior de desgravação tarifária do que aquele adotado pela UE (Brasil, 2021a, 2021b). Assim, em um primeiro momento há uma folga para os produtos automotivos sul-americanos que deve beneficiar estes países, porém, assim que for atingido o prazo de instituição do livre comércio, os veículos e as autopeças produzidas nos países do Mercosul devem perder mercado por serem mais atrasadas em termos de tecnologia e de segurança veicular. É previsto que o Acordo Mercosul-UE chegue a afetar, inclusive, o comércio de produtos automotivos entre Brasil e Argentina, que devem ser substituídos, mutuamente, como principais parceiros comerciais neste setor por países europeus (Dulcich, 2023).
O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E GÊNERO: uma análise comparativa de casos de violações dos direitos humanos das mulheres no Brasil
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): isabela souza alcantara (Universidade Federal da Bahia)
Resumo:
O propósito da presente pesquisa é analisar a relação do Brasil com Sistema Interamericano de Direitos Humanos nas temáticas de gênero e como essa interação tem atuado para promover e proteger os direitos humanos das mulheres, a partir do estudo comparativo de três casos brasileiros envolvendo violações desses direitos, quais sejam: o caso Maria da Penha versus Brasil, o caso Márcia Barbosa de Souza e outros versus Brasil e o caso Empregados da fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares de versus Brasil.
Inicialmente, o trabalho abordará um panorama geral do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no que diz respeito as suas características, os órgãos que o compõem, as suas atribuições e funcionamento e a legislação internacional pertinente.
Posteriormente, será realizado o exame dos três brasileiros envolvendo violações de direitos humanos e a questão de gênero, submetidos ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, analisando como eles foram recebidos, processados e julgados dentro do Sistema, as discussões sobre violação de direitos humanos das mulheres trazidas em seus conteúdos e como o Brasil se comportou a partir das decisões e recomendações proferidas pelos órgãos competentes do Sistema.
As principais técnicas utilizadas para a elaboração do trabalho serão a coleta, interpretação e sistematização de dados, como documentos, ações, julgamentos, audiências públicas, relatorias especiais, publicações técnicas, legislações, e tratados, levantamento e análise bibliográfica.
A pesquisa será essencialmente bibliográfica e realizada através do levantamento de referências teóricas, feito por meio de livros, artigos científicos, análise de publicações especializadas e dados oficiais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como das Organizações Internacionais que tratam de temas de gênero, além daqueles apresentados nas principais pesquisas nacionais e internacionais realizadas.
Por meio desta investigação, foi possível inferir que , embora pareça ser hoje incontestável a ideia de que as violações de direitos humanos das mulheres devam ser estudadas tendo em consideração as especificidades das pertenças identitárias das vítimas, nem sempre as investigações neste domínio problematizam as múltiplas dimensões que o fenômeno comporta em si mesmo.
Com efeito, a grande maioria dos processamentos de julgamentos de casos, quer nacional, quer internacionalmente, tende, ainda, a desvalorizar ou a minorar a influência das pertenças identitárias, tais como raça, etnia, orientação sexual, nacionalidade, entre outras, nas situações que envolvem violações de direitos humanos das mulheres. Como resultado, são produzidas generalizações abusivas e enviesadas sobre a realidade das mulheres vítimas desse contexto.
A análise dos casos brasileiros, levados do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que envolvem violências de gênero nos permite perceber que existe uma estreita relação entre a discriminação e a violência contra as mulheres e a falta de investigação séria e diligente dos referidos atos de violência, além da presença persistente da impunidade. As investigações e processamento dos casos não são conduzidos numa perspectiva de gênero e contam com a presença de estereótipos discriminatórios, perpetrado pelas instituições domésticas, sobre o papel e o comportamento social das mulheres.
Ainda há uma carência de decisões e recomendações identificadas por abordar interseccionalidades da discriminação, com atenção à pobreza, à divisão laboral e às relações de poder na sociedade, à questão racial e étnica, que formam um conjunto de deficiências estruturais da sociedade também capazes de promover graves violações de direitos humanos das mulheres.
É evidente a indispensabilidade da criação de políticas específicas para promover os direitos humanos das mulheres, considerando a articulação do gênero com outros marcadores como raça e classe, um aporte legislativo mais representativo, além da capacitação de instituições, em diálogo com as organizações internacionais competentes, para promover melhor assistência às vitimas das violações de direitos humanos, além da proteção e promoção desses direitos.
O uso combinado de frameworks de Análise de Política Externa e Policy Process para o estudo da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento do Brasil
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Laís Caroline Kuss (Universidade Federal de Pernambuco (UFPE))
Resumo:
A cooperação internacional para o desenvolvimento (CID) faz parte da política externa de muitos países. Assim, além de poder ser estudada do ponto de vista da transferência ou difusão de políticas públicas, pode ser analisada pela ótica da análise de política externa (APE). Nesse sentido, a cooperação torna-se a própria política pública.
Por meio da APE, ao se reconhecer a política externa como uma política pública, abre-se a possibilidade do uso de ferramentas de análise de políticas públicas ou de policy process, no estudo da CID.
O policy process envolve um conjunto de elementos complexos. Por isso, é necessário adotar estratégias de simplificação para compreendê-lo. Diante disso, há diversos frameworks, modelos e teorias úteis (Sabatier, 2007). No entanto, dadas as especificidades da CID, por vezes, quando usadas de maneira isolada as ferramentas existentes não conseguem capturar de modo integral a complexidade do objeto, sendo necessária a combinação de frameworks e teorias de diferentes. Por isso, nesta pesquisa será adotada uma combinação de elementos de abordagens conectadas à Análise de Política Externa (APE) e ao Policy Process (PP).
Compreende-se que os conceitos e relações atribuídas a algumas abordagens da APE e de PP são compatíveis do ponto de vista ontológico e metodológico e complementares para uma perspectiva mais completa do processo decisório em CID. As abordagens utilizadas derivam do neoinstitucionalismo e são calcadas na visão da “bounded rationality”. Portanto, a partir delas, as instituições importam e o indivíduo é um ator racional, mas não completamente.
Nesse sentido, nesta pesquisa tem-se como objetivo adaptar frameworks e modelos de policy process e de APE para o estudo do processo decisório da cooperação agrícola prestada pelo Brasil aos países africanos e latino-americanos. Assim, busca-se um desenho de pesquisa coerente e útil para estudar como as estruturas e processos da tomada de decisão impactaram os resultados obtidos entre 2003 e 2022.
Observação Eleitoral no Mercosul: proteção e promoção democrática a partir de um olhar sul americano
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): caroline carlos (UNILA- Universidade Federal da Integração Latino-Americana), Lucas Ribeiro Mesquita (UNILA)
Resumo:
O seguinte artigo tem como objeto de estudo as ferramentas de manutenção e análise democrática dentre os países parte do MERCOSUL e região sulamericana, passando pelas Cláusulas democráticas de órgãos multilaterais, sendo eles a Organização dos Estados Americanos (OEA); União das Nações do Sul (UNASUL) E do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), por fim se aprofunda no estudo e entendimento das Missões de Observação eleitoral. O objetivo da pesquisa é entender como essas ferramentas, criadas e instauradas com a finalidade de trazer maior credibilidade e integridade para os processos democráticos dos países, afetam a estrutura política interna e a percepção internacional sobre o sistema eleitoral do país.
Como metodologia, primeiro foi feita um aprofundamento teórico processo de formação democrática, usando fontes que permitissem entender o contexto geral da formação dos Estados democráticos sulamericanos em relação às estruturas já existentes do Sistema internacional, Nesse ponto da pesquisa, foi possível observar que as democracias do Latino- Americanas são marcadas por grandes níveis de vulnerabilidade externa ao mesmo tempo que, internamente, lidam com uma baixa cultura democrática vinda da população civil, isso se dá devido a formação dos Estados democráticos terem sido determinados por pressões de adequação externa. Na etapa seguinte da pesquisa, foi feito um levantamento de análises prévias sobre o uso e aplicação da cláusula democrática do MERCOSUL, fazendo um estudo específico sobre o caso de Impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo, em 2012. Essa nova fase da pesquisa permitiu perceber como, apesar de serem instrumentos de suma importância para manutenção democrática, a depender da definição de democracia usada por cada organização, a aplicação da normativa pode ser aplicado em função de um objetivo político específico, definido pela tendência de argumentação da organização.
Por fim, a pesquisa se aprofunda no papel das Missões de Observação Eleitoral e seus princípios de organização. As Missões De Observação Eleitoral (MOE) são instrumentos de análise de integridade eleitoral de países que, apesar de serem totalmente independentes em sua atuação, são regidas por um código de conduta e princípios comuns, que determinam, por exemplo, a não intervenção dos observadores no processo eleitoral interno dos países, a descrição da atuação dos observadores é uma abordagem com foco em organizar dados e informações de maneira clara. As MOEs se debruçam não só à simples observação do pleito eleitoral como também na leitura do momento pré e pós eleitoral, com o intuito de produzir relatórios com recomendações que podem ou não ser implementadas pelo Estado. Na pesquisa, foi observado como, apesar de ser de acordo geral a percepção das MOEs como um instrumento importante para a manutenção democrática, estas também podem ser usadas de maneira política, a depender do conjunto de missões e relatórios divulgados, por exemplo, um Estado pode propositalmente convidar missões com grande credibilidade e outras com baixa credibilidade, com o intuito de confundir os eleitores. Essa possibilidade é somada à problemática de sobreposição de pareceres, a ser definida como diferentes MOEs podem se posicionar de maneira diferente em relação ao mesmo fato, a depender de sua própria definição política e capacidade de articulação.
Com isso, conclui-se, de forma parcial, que as MOEs são um instrumento de suma importância na manutenção e acompanhamento democrático dos países sul-americanos, entretanto, não estão imunes às articulações políticas e interesses multilaterais. Quando analisado de maneira comparada, se percebe a ação das MOEs da UNASUL e da OEA como as de maior incidência dentro do território sul-americano, incidência essa diretamente relacionada à abordagem individual de cada uma, o trabalho se inclina a defender que a existência de MOEs vindas de organizações regionais são de suma importância para diminuir o grau de vulnerabilidade política dos países durante o processo de integração, não só isso, como ressalta a crescente influência da Missão de Observação Eleitoral do Mercosul, o Observatório das Democracias, nos pleitos eleitorais da região sul americana, demonstrando o comprometimento do bloco com a manutenção democrática dos países parte e parceiros.
Operações Marítimas por Guerras Limitadas do Império português (1415-1578) como percursoras de um Sistema Internacional global
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Luiz Felipe Rebello (UFRGS)
Resumo:
Pode não parecer um fato usual para o público brasileiro que o primeiro Império Global da História da Humanidade tenha sido o Império Português dos séculos XV e XVI. Surpreendentemente, a consecução dessa empreitada lusa foi realizada com levas de pequenos contingentes militares, as expedições raramente dispunham de mais de 500 indivíduos, ao qual, gradualmente, expandiram a presença portuguesa em centenas de pontos nas costas dos continentes africano, americano e asiático.
A propositura de artigo indaga por quê o caso do império português (1415-1578), ao buscar novas rotas de navegação marítima intercontinentais, acaba como sendo um percursor do Sistema Internacional global. Neste sentido, interpela a seguinte pergunta: Por quê a utilização de Guerras Limitadas, empregadas na estratégia de expansão marítima global do Império português (1415-1578), catalisou a formação de um Sistema Internacional global (SIG)?
Em outras palavras, este trabalho anui com a apreciação da Escola Inglesa de Relações Internacionais, de que há outras “Histórias” de Sistemas Internacionais para além da Paz de Westfália (1648). Contudo, na visão Escola Inglesa, para a formação desses Sistemas é necessário demonstrar o quanto há capacidade de interação (transporte e comunicação) entre os atores e como os processos (político-militar, econômico e social) são predominantes.
Para isso elenca os seguintes objetivos específicos a seguir:
a) Reconhecer, a partir da Historiografia especializada, como a formação do Império
Português inclinou-se para uma lógica de conquista marítima militar.
b) Propor como o estudo dos Sistemas Internacionais, por meio de uma lente teórica holística das RI, ou interpretativa, tornam-se importantes para explicar processos (políticos-militares, econômicos e sociais) e interações (tecnologias físicas e sociais) anteriores à Paz de Westfália, mas que tem importância hodierna, como as Guerras Limitadas marítimas, em Estudos Estratégicos.
c) Analisar, sinteticamente, a natureza da Guerras Limitadas a partir dos ensinamentos Teóricos de Carl Von Clausewitz, e em especial as reflexões de Julian Corbett. Este último pensador diferencia Guerras Limitadas e Ilimitadas, sendo a primeira com enfoque para a expansão marítima em “Theory and conduct of Naval War”. Ou seja, demonstrar os como os entendimentos da natureza da Guerra Naval em Pinciples of Maritime Strategy (2021) explicam a supremacia portuguesa em operações marítimas.
d) Aplicar o aparato teórico desenvolvido na obra “International Systems in World History” (Buzan; Little, 2000) para pontuar o caso da expansão do Império Português como “Pecursor” do Sistema Internacional global (SIG) nos séculos XV e XVI. Esta empreitada seria uma reinterpretação da parte IV dessa obra já que o Império luso passa totalmente desapercebido a ponto de ser citado apenas uma vez. Contudo, infere-se que o “framework” teórico seria adequado para compreender como o caso português foi percussor do SIG.
Para tal empreitada, propõem-se um breve estudo de caso, proposta que enseja algo inusual, a ruptura com o conhecimento convencional, ou até mesmo um desafio que provocaria uma reflexão ao apontar para uma necessidade de refinamento teórico. De outro lado ele necessitaria de uma solução, do qual pode ser possível por meio de uma investigação empírica (Vennesson, 2008).
Naturalmente, as fontes históricas são fundamentais em um estudo de caso desse cariz. Especialmente, para demostrar num primeiro momento como formou-se esse primeiro império global. Outrossim, a formação de um SIG a partir da constatação com bases históricas e teóricas (Escola Inglesa) será pautada na Obra de Buzan e Little (2000). A proposta infere que devem ser investigados os níveis de análise (vários SI, subsistemas internacionais diversas unidades, indivíduos), setores (político-militar, econômico e social), processos (Guerra, reconhecimento político e formação de identidades), interação (sistemas de transporte, comunicação e tecnologias) na formação desse primeiro SIG e, por fim, estrutura e a escala global (Idib, 2000, cap.4). A partir dessa delimitação, com bases empíricas e teóricas, poder-se-á delimitar a expansão marítima militar portuguesa em várias partes do mundo no período de (1415-1578). As fontes históricas, já estão sendo auferidas pelo autor e poderão ser utilizadas de acordo com o capítulo 5 de Buzan e Little (2000) “Establishing Criterias for International Systems” na seção 3 “Using the Toolkit: Theory Meets History”.
Portugal pode ser elencado como um percursor central desse sistema pois, em sua interação e processos, foi o ponto de conexão geográfica (transporte marítimo além de não poder ser atacado por seus inimigos além-mar) entre várias partes do Sistema por meio de Guerras Limitadas, bem como pela maneira em que a tecnologia lhe proporcionou superioridade em batalhas navais e como ainda detinha a diplomacia como outra ferramenta da direção política. Contudo para Jan Glete (2000), não seria somente a tecnologia o fator diferencial, neste sentido a argumentação abaixo corrobora como os lusos lançaram mão de Guerras Limitadas, ao ter uma táctica diferenciada mesmo ao possuírem um contingente militar reduzido.
Neste sentido, essa proposta tem como hipótese que o Império luso só conseguiu erigir rotas de navegação com possessões perenes nos litorais, porque lançou mão de guerras limitadas na expansão ultramar. Consequentemente, ao realizar essa empreitada alterou a escala dos Sistemas Internacionais de regionais para Global.
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E FEMINISMO: O papel do ACNUR na ênfase à questão de gênero e raça
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Nayara Ferreira de Freitas (IRI/PUC-Rio)
Resumo:
7º Seminário de Graduação e Pós-Graduação em Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI): “Rumo à multipolaridade? Tensões, alianças e o lugar do Brasil na ordem global”
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades;
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E FEMINISMO: O papel do ACNUR na ênfase à questão de gênero e raça
(FREITAS, Nayara Ferreira de)
RESUMO
A interseccionalidade, enquanto conceito, destaca a interligação e sobreposição de diferentes
identidades sociais, como gênero, raça, classe social e orientação sexual, reconhecendo que essas dimensões não devem ser vistas isoladamente, mas sim através de uma conexão entre elas que influenciam as experiências individuais. Nesse sentido, nas Organizações Internacionais, a incorporação da Teoria Feminista tem sido progressiva, visando abordar questões de gênero e promover a igualdade dentro de contextos globais. Dentro dessas instituições, as práticas feministas têm se concentrado não apenas em ampliar a representação de gênero, mas também em redefinir estruturas e políticas para combater a violência de gênero e raça e promover uma cultura de igualdade e diversidade. Desse modo, o objetivo dessa pesquisa é fazer um estudo sobre o conceito de interseccionalidade e sua importância na compreensão das interações entre gênero e raça no processo de refúgio, especialmente no contexto das atividades do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Para tal fim, foi utilizada a metodologia qualitativa e percebeu-se que, embora exista um avanço na inserção do feminismo nas OIs, ainda perdura uma estrutura resistente à consolidação das questões de gênero e raça na agenda internacional.
Palavras-chave: Gênero. Organizações Internacionais. Interseccionalidade. Refúgio.
1. INTRODUÇÃO
Acreditamos que Justiça de Gênero é Justiça Racial é Justiça Econômica. Devemos criar uma sociedade na qual as mulheres – incluindo mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres pobres, mulheres imigrantes, mulheres com deficiência, mulheres muçulmanas, mulheres lésbicas, queer e trans – sejam livres e capazes de cuidar e nutrir suas famílias, independentemente de como são formadas, em ambientes seguros e saudáveis, livres de obstáculos estruturais. (Marcha das Mulheres 2017 citada por AL- FAHAM et al, 2019, p.248, tradução da autora)
No âmbito das Relações Internacionais, o feminismo emerge como uma lente crucial para a compreensão das dinâmicas de poder, desigualdade e violência de gênero. Desse modo, entende-se que, as Organizações Internacionais (OIs), como atores essenciais do sistema internacional, desempenham um papel fundamental na promoção da igualdade de gênero e na defesa dos direitos das mulheres em todo o mundo. Nesse sentido, tendo como ponto de partida o conceito de interseccionalidade criado por Crenshaw (1989) e a abordagem sobre a Teoria Feminista de acordo com Hooks (2019), o estudo busca entender a singularidade presente entre a relação do refúgio e a questão de gênero e raça. Assim, entende-se que, embora as organizações internacionais tenham adotado cada vez mais uma abordagem feminista em suas políticas e práticas, ainda persistem desafios significativos na promoção da igualdade de gênero e raça e na prevenção da violência contra mulheres refugiadas. Neste contexto, a problemática perdura em como o ACNUR assegura a questão de gênero e raça em suas operações e políticas, e de que maneira elas influenciam as perspectivas sobre o processo de refúgio, especialmente no contexto brasileiro. Assim, este estudo utilizará o método qualitativo, a partir da revisão de literatura sobre a temática.
2. ANÁLISE E COMENTÁRIO DO CONTEÚDO
A inclusão do conceito de interseccionalidade neste estudo é fundamental, uma vez que reconhece a interação entre diferentes formas de discriminação e opressão, incluindo gênero e raça; isso demonstra um compromisso em reconhecer a multiplicidade de identidades e experiências das mulheres refugiadas. Para além disso, a pesquisa apresenta uma análise detalhada sobre o papel das OIs, com ênfase ao trabalho do ACNUR, na promoção da igualdade de gênero e raça no contexto do refúgio. Assim, o estudo destaca a necessidade de políticas e programas que buscam mudar o cenário calcado no modus operandi marcado pela branquitude e pela sociedade patriarcal que ainda permeia o cenário internacional como um todo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo pode ser observado que a perspectiva interseccional oferece uma visão essencial para entender as complexas interações entre diversas formas de opressão. Desse modo, a incorporação da Teoria Feminista nas Organizações Internacionais não apenas destaca a necessidade de reconhecer as disparidades que se perpetuam, mas também enfatiza a importância de considerar as interseções como raça e gênero diante do contexto migratório. Assim, as práticas feministas nas OIs desempenham um papel crucial na promoção da igualdade e no combate à violência de gênero, desafiando estruturas patriarcais profundamente enraizadas. Sob esta ótica, ressalta-se a importância de continuar avançando em direção a políticas e práticas que buscam pela igualdade de gênero e raça.
Os átomos e os quartéis: a temática nuclear no pensamento militar brasileiro (1985-2000)
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Eduardo Giacomin de David (UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
O presente trabalho objetiva apresentar e discutir o pensamento militar brasileiro acerca da temática nuclear entre os anos de 1985 e 2000. Síntese da recém-finalizada pesquisa de mestrado do autor, este texto se divide em cinco seções. Na primeira delas são evidenciados os fundamentos teóricos e conceituais que orientaram tal estudo, que se estruturou em uma abordagem construtivista, a qual reconhece a fundamental importância das ideias para a conformação da política, bem como sobre a noção de pensamento militar. A partir da discussão destes elementos que embasaram tal pesquisa, nesta seção serão também evidenciadas as fontes nela empregadas – 1) livros editados pela imprensa militar, 2) artigos de periódicos publicados pela imprensa militar, 3) trabalhos produzidos em escolas de formação militar, 4) documentos oficiais da área de Defesa e 5) entrevistas concedidas por militares –, bem como a metodologia utilizada para o exame e investigação desta série de fontes, a análise de conteúdo. Na segunda seção será abordado brevemente o desenrolar da política nuclear brasileira, se destacando a significativa participação de militares nesta e os rumos por ela tomados no período abordado em tal pesquisa, caracterizado por mudanças significativas em tal política nuclear. Se destacarão dentre estas alterações ocorridas entre os anos de 1985 e 2000: no âmbito doméstico, o fim do chamado “Programa Nuclear Paralelo”, projeto brasileiro de desenvolvimento na arena nuclear promovido à revelia de salvaguardas internacionais; na esfera regional, a aproximação com a Argentina na temática nuclear, dando fim às desconfianças mútuas entre os países nesta; no plano global, a maior conformação brasileira aos regimes internacionais de não-proliferação nuclear, simbolizada sobretudo pela adesão brasileira ao TNP em 1998, ocorrida após um longo histórico de recusas neste sentido. Por sua vez, na terceira seção, a partir da qual se apresentam os resultados mais originais de tal estudo, será discorrido acerca de o que o Brasil deveria buscar na arena nuclear de acordo com os militares brasileiros. Será nela argumentado que os objetivos a serem alcançados pelo Brasil na temática nuclear se vinculavam para eles em especial a dois aspectos. Estes seriam, primeiro, o desenvolvimento científico-tecnológico nacional na temática nuclear, visando o completo domínio sobre esta, o qual fundamentaria e possibilitaria a obtenção da segunda meta, constituída pela construção de capacidades para o emprego autônomo da energia nuclear pelo Brasil. Ressaltamos que esta engloba tanto usos pacíficos (sobretudo a geração de energia elétrica e a produção de radioisótopos de uso médico e industrial) quanto militares (principalmente o desenvolvimento de um submarino de propulsão nuclear e a conquista da aptidão para construir uma bomba atômica – latência nuclear). Na quarta seção será discutido como o Brasil buscou e deveria buscar seu desenvolvimento na temática nuclear segundo os militares brasileiros. Será nela indicado que as apreciações destes acerca da política nuclear brasileira são duais, com uma avaliação favorável sendo reservada ao “Programa Nuclear Paralelo”, promovido autônoma e secretamente pelas Forças Armadas brasileiras, enquanto que era visto negativamente o programa nuclear “oficial”, viabilizado e desenvolvido através de acordos de cooperação internacional assinados sobretudo com os Estados Unidos e a República Federal da Alemanha. Quanto às perspectivas futuras do Brasil na arena nuclear, é indicado pelos militares brasileiros um quadro esperançoso, o qual se concretizaria caso fosse realizada 1) a alocação de recursos financeiros necessários ao desenvolvimento nacional desta, bem como 2) a conjugação dos programas nucleares “Paralelo” e “oficial”, sendo desta forma buscado o progresso brasileiro na temática nuclear tanto pelas vias autônomas quanto cooperativas. Por fim, na conclusão deste trabalho será feita uma retomada sintética do que foi nele apresentado, indicando seus principais achados.
Os posicionamentos dos grupos políticos do Parlamento Europeu em relação ao Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Beatriz Gabriele Butsher Cruz (Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP))
Resumo:
O Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia é um acordo que vem sendo negociado desde 1999, a partir do Acordo-Quadro Inter-Regional de Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros e o Mercosul e os seus Estados-Partes. O acordo teve o anúncio do fim das negociações em 2019, porém, até o início de 2024 o acordo ainda não foi assinado e ratificado pelas partes. Há diversos fatores que implicam na não assinatura do acordo quatro anos depois do anúncio do fim das negociações, entre eles a oposição de diversos líderes da União Europeia, de alguns líderes do Mercosul e da sociedade civil. Entretanto, existe um ator chave no processo de aprovação ou não da ratificação do acordo que não é comumente colocado na equação para entender os meandros que o acordo perpassa. Este ator chave é o Parlamento Europeu.
De acordo com o Tratado da União Europeia (TUE) (Lisboa, 2007) e o Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) (Lisboa, 2007), o Parlamento Europeu é parte integrante do processo legislativo ordinário da União Europeia que aprova a grande maioria das legislações do bloco (Tratado de Funcionamento da União Europeia. Capítulo 2. Seção 1. Artigo 289º). Um acordo de associação como o acordo com o Mercosul precisa passar pelo processo legislativo ordinário da União Europeia para ser aprovado. O processo legislativo ordinário é formado por diversas etapas e é o processo que é compartilhado entre o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu. O Parlamento Europeu tem poder de veto neste processo, de forma que caso vote contra o acordo com o Mercosul, este não poderá seguir para ratificação da União Europeia e de seus Estados-membros. Por isso, entender o posicionamento do Parlamento Europeu em relação ao acordo se torna de suma importância.
Os eurodeputados eleitos ao Parlamento Europeu se organizam em torno de grupos políticos (Regimento do Parlamento Europeu. Título I. Capítulo 4). Atualmente, o Parlamento Europeu é composto por sete grupos políticos, sendo eles: Partido do Povo Europeu, Socialistas e Democratas, Grupo Europeu Renew, o Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, o Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, o Grupo Confederal da Esquerda Unida Europeia/Esquerda Verde Nórdica, e o Grupo Identidade e Democracia. Além desses grupos, o Parlamento Europeu também conta com eurodeputados que não pertencem a nenhum grupo, que são chamados de Não Inscritos.
Os grupos políticos no Parlamento Europeu ditam as principais atividades do órgão, principalmente no que tange aos embates políticos que acontecem no Parlamento. São os grupos políticos que definem o tempo de fala para cada eurodeputado em plenária, a distribuição de eurodeputados nas Comissões parlamentares e os próprios assuntos que entrarão na ordem do dia que serão discutidos em plenária, por meio da Conferência dos Presidentes. Os eurodeputados votam e se posicionam no Parlamento de acordo com os seus grupos políticos (Hix; Noury; Roland, 2007).
Entendendo que o Parlamento Europeu é um ator chave na aprovação ou não do acordo com o Mercosul e entendendo que os grupos políticos no Parlamento são os grandes definidores das dinâmicas políticas dentro do órgão, é possível concluir que se torna de suma importância compreender os posicionamentos desses grupos políticos em relação ao acordo, já que serão eles, por meio do Parlamento, que irão votar pela aprovação ou não do acordo com o Mercosul.
Com isso, o que se pretende entender neste trabalho são os posicionamentos que os grupos políticos no Parlamento Europeu emitem em relação ao acordo com o Mercosul, de forma a trazer à superfície esses posicionamentos. O objetivo do trabalho é, portanto, jogar luz à mais um elemento chave no jogo de aprovação do acordo com o Mercosul: os grupos políticos do Parlamento Europeu. A intenção não é, portanto, definir uma posição geral para o Parlamento Europeu, mas meramente trazer à luz um elemento importante para os desdobramentos do acordo que não é comumente levado em consideração, que são os grupos políticos do Parlamento Europeu.
Procura-se compreender os posicionamentos dos grupos políticos em relação ao acordo a partir das suas próprias auto declarações. Foi feita uma busca nos sites de cada um dos grupos políticos por documentos declaratórios sobre o acordo Mercosul-UE. A busca foi feita de forma manual pelos sites e também pesquisando a palavra “Mercosur” nas barras de pesquisa de cada um dos sites. Assim, a partir da leitura desses documentos, é possível traçar conclusões sobre o posicionamento de cada um dos grupos políticos que compõem o Parlamento Europeu. Além dos sites dos grupos políticos e os documentos encontrados neles, também será usada bibliografia sobre os grupos políticos no Parlamento Europeu, sobre o próprio Parlamento Europeu e sobre o acordo com o Mercosul, para entender o contexto em que esses posicionamentos estão inseridos.
A partir da análise dos documentos encontrados nos sites dos grupos políticos, é possível concluir que os grupos políticos no Parlamento Europeu não possuem uma posição uniforme em relação ao acordo, sendo que alguns grupos não possuem documentos disponíveis para fazer uma análise concreta. A falta de documentos publicados por alguns grupos pode indicar falta de interesse suficiente para impulsionar o grupo a publicar sobre o acordo. Alguns grupos se mostram a favor do acordo, enquanto outros se mostram completamente contrários.
O artigo está dividido em três seções, além da conclusão e da introdução: a primeira sessão tem como objetivo esclarecer qual o papel do Parlamento Europeu nos processos legislativos da União Europeia. A segunda seção busca apresentar os grupos políticos do Parlamento Europeu. A última seção apresenta os resultados do que foi possível encontrar nos documentos dos sites dos grupos políticos do Parlamento Europeu.
Os Reflexos do Portal de Inteligência Operacional (PIOp) No Implemento da Política Nacional de Defesa (PND) e da Estratégia Nacional de Defesa (END) no Brasil
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Nizia Juliana Pereira Santos da Silva Menezes (Escola Superior de Guerra)
Resumo:
1. Resumo:
O artigo tem como o objetivo analisar as modificações ocorridas na estrutura organizacional e nas atribuições das áreas relacionadas às Atividades de Inteligência Estratégica e de Inteligência Operacional no âmbito do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, em conformidade com a Doutrina de Operações Conjuntas – MD30-M-01/Volumes 1 e 2 (2ª Edição/2020), normatizado pela Portaria Normativa nº 84/GM-MD pelo Ministério da Defesa em 15/09/2020, à viabilizar o implemento de uma comunicação por meio do Portal de Inteligência Operacional (PIOp), em sintonia com os parâmetros definidos nas Políticas Nacionais de Defesa (PND) e nas Estratégias Nacionais de Defesa (END) no Brasil.
O horizonte temporal, 2008 a 2024, foi definido em função da Lei Complementar nº 136 /2010, a qual prevê, em seu §3º do art. 9º, que as PNDs, as ENDs, acrescido do Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), sejam submetidas a um processo de revisão a cada quatro anos.
A formulação de Política Pública, seja interna, seja externa, em prol da Defesa Nacional Brasileira, requer uma maior expertise, os dados requerem maior confiabilidade sobre a mensuração dos riscos/variáveis envolvidas, tratando o tempo como ativo.
É necessário aprendermos que o conceito legal de política pública, assim como as Políticas Nacionais de Defesa (PND) e das Estratégias Nacionais de Defesa (END) são distintas entre si. E, as alterações normativas legais específicas, e recorrentes, tendem a aumentar essa diferença,visto que se revelam num modelo sequencial de PP, por meio da estruturação constitucional-legal.
Analisamos o exposto, por meio de uma pesquisa científica, requer uma abordagem criteriosa nas escolhas conceitos, dentre eles a governança, o qual é polissêmico, multidimensional e carregado de ambiguidade (Rose-Ackerman, 2017), e, a governabilidade, as políticas públicas.
Almeja-se perquirir em qual etapa do ciclo das políticas públicas está a política pública envolvendo o sistema de Portal de Inteligência Operacional (PIOp) da Defesa Nacional.
Perpassa pela conceituação de políticas públicas e o modelo sequencial de política pública, as Políticas Nacionais de Defesa (PND), as Estratégias Nacionais de Defesa (END), para aferir se esta Atividades de Inteligência Estratégica e de Inteligência Operacional, no âmbito do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, a qual pode viabilizar uma melhor gestão dos bens públicos civis e militares – inclusive o tempo na tomada de decisão na Política Nacional de Defesa (PND), via a mineração dos dados, via PIOp, esta com maior confiabilidade e informações padronizada, acrescido de mudança de cultura organizacional militar estratégica.
Quanto ao seu objetivo, a pesquisa será descritiva e exploratória. Quanto às técnicas de pesquisa, será bibliográfica e documental normativa. Todavia, em função da limitação do texto, a pesquisa destaca os pontos mais relevantes da históricos normativos brasileiros vinculada a PND e a END, com o foco na Atividades de Inteligência Estratégica e de Inteligência Operacional no âmbito do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, e, por meio desta metodologia científica, aferir a realidade brasileira, atinente a PND e a END, ambas com o foco em Atividades de Inteligência Estratégica e de Inteligência Operacional no âmbito do Estado-Maior Conjunto das Forças frente às ameaças cibernéticas.
No referencial teórico, a pesquisa irá utilizar, dentre outros, autores como: Luísa Araújo e Maria De Lurdes Rodrigues atinente aos modelos de análise das políticas públicas; Gabriela Lotta e Arilson Favareto sobre a importância da dimensão territorial e da integração vertical e horizontal das políticas pública destinadas a Política Nacional de Defesa (PND), a aferir a fase implementada no Brasil.
Com base no exposto, apresentamos como as perguntas desta pesquisa:
1) O Portal de Inteligência Operacional (PIOp) decorre de uma Estratégia Nacional de Defesa, por meio de integração horizontal, posterior a integração vertical da Políticas Nacionais de Defesa, ou se compreende uma engrenagem nas duas políticas públicas – de PND e de END com o foco em segurança e inteligência – interna e internacional?
2) Em qual etapa do ciclo das políticas públicas está a política pública envolvendo o Sistema de Portal de Inteligência Operacional (PIOp) da Defesa Nacional ? Palavras-chave: Estratégia de Defesa; Inteligência Estratégica; Ministério da Defesa; Portal de Inteligência Operacional; Infraestrutura Crítica.
2. Principais resultados parciais obtidos:
Por meio da análise conjunta dos tópicos expostos neste artigo científico, não é possível alocar Política Nacional de Defesa (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END), numa perspectiva geral de política pública – com o intuito de que em algum momento poderá, ou deverá ser extinta; pois, a foi reiteradamente identificado que a PND e END no Brasil, apresentam respectivamente peculiaridades próprias que tornam remota a extinção desta política pública de Defesa Nacional. Acreditamos que tenderá a acontecer a sua constante revisão do Livro Branco – a cada quatro anos, ainda que se utilize das etapas do ciclo das políticas públicas em PND, e, necessite de coalizão de atores envolvidos na sua elaboração desta revisão, em detrimento da Lei Complementar nº 97/1999, modificada pela Lei Complementar nº 136/2010, que estabeleceu no Artigo 9º, §3º, a obrigatoriedade de o Poder Executivo apresentar ao Congresso Nacional. A Defesa Nacional deve ser constituída como uma Política de Estado, e não uma Política de Governo, de forma contínua e independente dos ciclos de governo, o qual requer governança e governabilidade. Logo, é possível aprendermos que a adoção imediata da definição de governança pública, definida pelo Decreto Federal nº 9.203/2017, também propicia respaldo legal de mudança de cultura organizacional de governança, via uma integração horizontal aos atores públicos envolvidos nas PND e END,e, estão subordinados ao MD, inclusive as FA.
PARCERIA BRASIL-CHINA: oportunidades e limites à inserção internacional brasileira
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Ian Filipe Costa Araújo (Universidade Federal da Bahia)
Resumo:
Quais as oportunidades e os limites a serem enfrentados pelo Brasil no desenvolvimento de suas relações com a China no atual contexto de disputa hegemônica sino-americana? Busca-se, a partir de revisão bibliográfica à luz das contribuições da Economia Política, da Teoria Marxista da Dependência e da Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento refletir sobre as implicações do aprofundamento das relações político-econômicas entre os dois países para a inserção internacional brasileira. A China tornou-se hoje um assunto incontornável em qualquer discussão e essa relevância chinesa está associada, sem dúvidas, à sua rápida ascensão econômica no cenário global a partir das primeiras décadas do século XXI.
O Brasil se insere nessa dinâmica com o diferencial de ser um país emergente que aspira à liderança regional e a um papel preponderante no sistema internacional. O tipo de relações desenvolvido entre os dois países evidentemente influencia tais ambições brasileiras, seja pelo fato de a China ter se tornado o principal parceiro comercial brasileiro em 2009 (Puty; Jia e Barros, 2021), com um papel central no padrão de reprodução do capital, seja pelas alianças forjadas entre os dois países, como a Parceria Estratégica Global e a concepção do BRICS.
Num contexto de competição hegemônica entre os EUA e a China é essencial para um país dependente como o Brasil procurar diversificar suas parcerias e se associar a empreendimentos que busquem reformar a ordem internacional de modo a aumentar o espaço de manobra para os países do Sul Global, como é o caso do BRICS. Dessa forma, a parceria com a China aparece como uma grande oportunidade para o Brasil, como grande mercado consumidor, fonte de Investimentos Externos Diretos (IED) e alternativa de barganha frente às instituições e potências ocidentais já estabelecidas.
O próprio discurso chinês é o de ser um país do Sul Global, que fomenta a Cooperação Sul-Sul, de caráter igualitário e mutuamente benéfico para as partes envolvidas (Myers, 2015). Entretanto, o grau de desenvolvimento alcançado pela China nas últimas décadas criou um abismo entre ela e as economias do Sul Global. Além disso, as relações econômicas estabelecidas entre a China e os países latino-americanos têm repetido o padrão das potências do Norte global: o papel da América Latina segue sendo o de fornecedora de matérias-primas, especialmente produtos agrícolas, petróleo e minérios. Ou seja, ainda que tenha tido um efeito inicial benéfico de equilíbrio das contas externas, esse mesmo processo aprofunda a dependência das economias latino-americanas, em que pese o discurso de desenvolvimento comum dos chineses.
O Brasil tem passado por uma reprimarização econômica, se inserindo no comércio mundial como fornecedor de bens primários em troca de bens industriais, além de ter perdido espaço para a indústria chinesa nos mercados de países vizinhos da América do Sul (Ganaka; Depieri, 2024). Consequentemente, a economia brasileira torna-se mais vulnerável às flutuações do mercado de commodities e altamente dependente da demanda chinesa (De Conti; Blikstad, 2017). Para um país que busca exercer sua liderança regional esse é um problema central.
Tal processo está de acordo com as tendências da globalização neoliberal identificadas por Marini (1996), na qual ocorre um monopólio tecnológico e um controle sobre a transferência de novas atividades industriais avançadas, dando origem a um regresso à divisão internacional do trabalho do século XIX, embora com métodos de gestão completamente capitalistas. Os países da periferia retornam à condição de fornecedores de bens primários em troca de bens manufaturados.
A bem da verdade, não é a China que impõe ao Brasil seguir esse percurso (Ganaka; Depieri, 2024), o que ocorre é resultado da combinação do cenário externo à organização interna do país. Poulantzas (1978) nos ajuda a compreender essa questão quando trabalha a relação entre burguesia e Estado e nos traz o conceito de bloco no poder. Para o autor, a burguesia tem como objetivo fazer com que o Estado garanta a formação social capitalista e as relações sociais existentes. O Estado funciona, portanto, como representante dos interesses políticos da burguesia, além de seus interesses econômicos indiretos. A luta política encontra-se centrada no Estado. O bloco no poder diz respeito às frações de classe que disputam o controle do Estado afim de moldar as suas ações internas e externas. A ação do Estado é determinada, portanto, por contextos históricos e por qual fração de classe se configura como o bloco no poder.
Filgueiras (2018) aplica essa formulação ao caso brasileiro com a elaboração do conceito de “padrão de desenvolvimento capitalista” (PDC). Caracteriza-se o atual PDC como “liberal-periférico”, vigente desde os anos 1990, no qual há predominância do capital financeiro nacional e estrangeiro, agronegócio e grandes grupos econômicos nacionais produtores e exportadores de commodities na conformação do bloco no poder. Mesmo durante os governos Lula e Dilma tal padrão foi mantido, sendo apenas flexibilizado por um Regime de Política Macroeconômica (RPM) distinto dos governos anteriores, o que expõe um consenso entre governos liberais e “neodesenvolvimentistas” na manutenção da inserção agrário-exportadora (Silva, 2020).
Com base nisso, podemos tecer algumas considerações parciais: 1. A conformação atual do bloco no poder é um limite ao desenvolvimento de uma relação comercial não-dependente com a China; 2. Tal configuração prejudica os planos do governo Lula III de uma inserção autônoma do país no sistema internacional e o exercício da sua liderança regional; 3. Na impossibilidade de reverter a pauta primário-exportadora deve-se buscar acomodar a produção agrária/mineral à possibilidade de cooperação para desenvolvimento tecnológico; 4. Deve-se explorar o contexto de rivalidade sino-americana para lograr acordos benéficos de cooperação voltados a esse fim.
PENSANDO MULHERES MIGRANTES ENCARCERADAS SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS, SUA INVISIBILIZAÇÃO E OS DESAFIOS À PESQUISA CIENTÍFICA: ESTADO DA ARTE DOS ESTUDOS DE PÓS-GRADUAÇÃO A PARTIR DE 2000
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Luiza Fernandes e Silva (UFABC)
Resumo:
As migrações internacionais têm tomado proporções cada vez significativas nos últimos anos, sejam elas forçadas ou espontâneas. As expectativas são de que a tendência de crescimento se mantenha nos próximos anos, uma vez que suas causas e desdobramentos são multifatoriais e complexos. De acordo com a versão mais recente da publicação International Migrant Stock, o número total mundial de migrantes internacionais em 2020 era de mais de 280,5 milhões de pessoas, um aumento de 13% em relação à edição anterior, de 2015, e de 27% em relação à de 2010.
No Brasil, segundo os dados anuais mais recentes do SisMigra, do Observatório das Migrações Internacionais, em 2022, foram 201.932 novos registros de imigrantes com vistos de entrada regular no país (8% a mais do que o ano anterior e 12% a mais que o pré-pandemia, isto é, em 2019) e um total de mais de 1,6 milhão registros deste tipo desde 2010. Apesar de estes não serem números absolutos elevados em comparação a outros países e em relação ao tamanho e população total do Brasil, o que se tem visto é a mudança do perfil do país de um país de emigração para um país receptor de migrantes e pessoas refugiadas. A mesma base de dados também mostra uma tendência de crescimento constante no número de mulheres migrantes no país desde 2010 (exceto em 2017 e durante a pandemia, em 2020, anos em que houve queda em relação ao ano imediatamente anterior), somando 636.883 mulheres no total acumulado entre 2010 e 2023, com 93.191 novos registros em 2023 (8% a mais que em 2022 e 16% a mais que em 2019).
Nesse sentido, o terreno dos estudos migratórios tem se mostrado academicamente fértil. Diferentes campos do conhecimento têm produzido pesquisas a esses respeito, em áreas que incluem Psicologia, Saúde de forma geral, Ciências Sociais, Direito, Relações Internacionais, entre outras. Não obstante, no âmbito das pesquisas e debates acadêmicos sobre migrações, há um recorte que se mostra desafiador e permanece pouco explorado: o fenômeno das mulheres migrantes/estrangeiras encarceradas.
Mundialmente, a tendência no número de mulheres encarceradas tem sido de crescimento ao longo das últimas décadas. De acordo com a quinta edição da World Female Imprisonment List, publicada pelo Institute for Crime & Justice Policy Research – ICPR, o aumento no número de mulheres e meninas encarceradas no mundo foi de quase 60%, entre 2000 e 2022, saltando de aproximadamente 466.000 para mais de 740.000. O mesmo relatório mostra que os países que mais aprisionam mulheres, em números absolutos, são os EUA (mais de 200 mil presas) e a China (ao menos 145 mil). O Brasil (mais de 42 mil), passou a ocupar o terceiro lugar da lista em 2023, ultrapassando a Rússia (mais de 39 mil) em comparação à edição anterior da lista, publicada no ano anterior. Diante disso, a temática mais ampla – mulheres encarceradas – vem sendo abordada com diferentes enfoques, haja vista seu caráter multidimensional e inter/transdisciplinar, mas o recorte específico de mulheres migrantes/estrangeiras continua grandemente invisibilizado. Assim, o presente estudo se propõe a apresentar o estado da arte dos estudos de pós-graduação que vêm sendo produzidos no Brasil sobre este tema nos últimos anos (desde 2000). O objetivo é mostrar que: a) o recorte específico que compreende mulheres migrantes/estrangeiras presas permanece pouco explorado porque estão relegadas a uma condição de invisibilização, agravada pela incompletude de dados disponíveis; e que b) a multiplicidade na terminologia utilizada adiciona dificuldade à análise e compreensão do fenômeno para então argumentar que c) urge olhar para este recorte e aprofundar sua compreensão visando melhor informar políticas e práticas voltadas a essas mulheres, respeitadas suas especificidades e demandas – o que passa pela necessidade de se avançar em a e b supracitados. Para tanto, a metodologia se baseia em revisão sistemática da literatura junto ao Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES utilizando-se 16 termos diretamente relacionados à temática, além de consulta a documentos oficiais das Nações Unidas e análise a partir de um arcabouço teórico pertinente para localizar e melhor compreender o tema. A busca pelos termos selecionados foi realizada seguindo as “Dicas de pesquisa” do Portal de Teses e Dissertações da CAPES, em especial as dicas: “1. Para buscar uma frase específica, coloque entre aspas (‘’). Exemplo: “Educação Científica”” e; 4. “Para pesquisar dois termos, use “+”. Exemplo: Educação + Científica”. Resultados preliminares apontam para a predominância de estudos realizados por áreas de conhecimento relacionadas às Ciências Sociais Aplicadas e às Ciências Humanas (sobretudo programas do Direito, Interdisciplinares e da Sociologia), enquanto há escassez de produções partindo do campo das Relações Internacionais. Para a versão final do artigo completo que será submetido ao 7º Seminário da ABRI, pretende-se levar a cabo a sistematização e análise de trabalhos selecionados após triagem para apresentar o estado da arte das dissertações e teses produzidas no Brasil sobre essa temática a partir do ano 2000. Compreende-se que, sendo este um tema em certa medida presente em instrumentos internacionais, o aprofundamento a partir do campo das Relações poderia contribuir para avançar na sua compreensão, fomentando sua visibilização e suporte à proteção dos direitos humanos dessas mulheres.
Perspectivas da Cooperação Internacional Brasil-Haiti: uma análise a partir de evidências empíricas
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Jean Richard Badette (Universidade Federal de Santa Maria)
Resumo:
INTRODUÇÃO
A cooperação internacional desempenha um papel fundamental na busca pelo desenvolvimento e na formulação de políticas públicas eficazes em países periféricos do sistema internacional (SATO, 2010). Embora a cooperação multilateral e a cooperação bilateral com parceiros da América do Sul sejam amplamente estudadas nas Relações Internacionais (NUNES; FERREIRA, 2012; POZZATTI; FARIAS, 2019), a cooperação brasileira com países da América Central permanece pouco explorada e compreendida. Esta pesquisa visa preencher essa lacuna, examinando empiricamente a cooperação internacional bilateral entre Brasil e Haiti.
Com o intuito de superar os seus desafios socioeconômicos e a instabilidade política recorrente, o Haiti empreendeu a trajetória da cooperação internacional, principalmente com países do Sul Global (MILANI; BARAN; BRASS, 2019). Nesse contexto, o presente estudo visa elucidar a seguinte indagação: qual é o perfil da cooperação internacional contemporânea bilateral entre o Brasil e o Haiti? Quais os possíveis impacto dessa cooperação na construção ou melhorias de políticas públicas no Haiti?
OBJETIVOS
Frente à problemática apresentada, o objetivo geral desta pesquisa é investigar o perfil da cooperação internacional contemporânea bilateral Brasil-Haiti e quais os seus possíveis impactos na construção ou melhorias de políticas públicas no Haiti. O trabalho está organizado em três objetivos específicos. Primeiramente, realizar uma revisão da literatura especializada sobre cooperação internacional e política pública, buscando fundamentar teoricamente a pesquisa. Em segundo lugar, investigar os marcos jurídicos e políticos da cooperação internacional bilateral Brasil-Haiti, analisando os acordos bilaterais atualmente em vigor entre os dois países. Por fim, explorar os marcos operacionais, ou seja, os projetos interinstitucionais implementados no contexto da cooperação internacional entre Brasil e Haiti.
METODOLOGIA
O estudo é uma pesquisa empírica de natureza exploratória e descritiva. Os resultados foram analisados quantitativamente e qualitativamente por meio de análise de conteúdo, utilizando informações de fontes primárias e secundárias. A pesquisa envolveu uma combinação de pesquisa documental e bibliográfica, com uma extensa exploração do portal Concordia do Ministério das Relações Exteriores e do website da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) para identificar e obter detalhes sobre os acordos e projetos de cooperação técnica entre Brasil e Haiti.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante o período em que o Brasil liderou a MINUSTAH de 2004 a 2017, o país adotou uma abordagem sinérgica em suas operações militares no Haiti, promovendo a cooperação através da transferência internacional de políticas públicas setoriais para impulsionar o desenvolvimento local (GALLO, 2022). A ABC foi instrumental na implementação de uma variedade de projetos no Haiti, abrangendo áreas como saúde, educação, infraestrutura, segurança e agricultura, entre outras. Entre 2004 e 2023, o Brasil implementou 76 projetos de cooperação no Haiti, envolvendo 25 instituições ligadas ao Estado brasileiro e à PNUD.
Os dados disponíveis no website da ABC indicam que não foram registrados projetos de cooperação bilateral entre Brasil e Haiti durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No entanto, a política externa do governo Lula da Silva (2003-2010) foi marcada por uma série de iniciativas solidárias e autônomas, resultando na implementação de 49 projetos durante seus dois mandatos. Esses projetos abrangeram várias áreas, destacando-se a agricultura, desenvolvimento social, saúde e segurança pública.
Sob o governo Rousseff, a cooperação bilateral Brasil-Haiti continuou, embora em menor escala em comparação com o governo Lula da Silva. Durante os dois mandatos da presidente Dilma Rousseff, foram implementados 18 projetos em áreas como agricultura, saúde, educação e cooperação técnica. Os governos subsequentes, de Michel Temer e Jair Bolsonaro, contribuíram significativamente menos para a cooperação bilateral. Houve uma notável redução no número de projetos implementados durante essas gestões, sugerindo um interesse diminuído nessa forma de cooperação entre os dois países. Foram identificados oito projetos implementados durante o governo Michel Temer no Haiti, e apenas um projeto durante os quatro anos do governo Jair Bolsonaro, destacando uma diminuição significativa na cooperação bilateral entre os dois países nesse período.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto da cooperação internacional bilateral Brasil-Haiti, mesmo que fique nítido, a partir dos dados da ABC apresentado nesta pesquisa, que tenha ocorrido de fato ações de transferência de políticas públicas do Brasil para o Haiti, é possível observar que a atuação brasileira no Haiti apresenta uma série de inconsistências e descontinuidades. De acordo com os dados da ABC, os projetos implementados não se trataram de questões estruturantes que resultaram na transformação e fortalecimento das estruturas institucionais do Haiti. Não houve de fato a implementação de projetos voltados para criação de parques industriais, inovação e tecnologias em setores considerados estratégicos para o crescimento e desenvolvimento de um país como energia renovável, tecnologia da informação e comunicação, infraestruturas adequadas, investimentos estrangeiros diretos de empresas brasileiras para o desenvolvimento do setor priva no Haiti para impulsionar a sua economia e gerar mais emprego no país.
Vale ressaltar que este estudo apresenta algumas limitações. Identificou-se a ausência de informações sobre as instituições executoras de 28 projetos no website da ABC, o que dificultou a compreensão do escopo geral das instituições envolvidas na cooperação bilateral Brasil-Haiti. A análise dos dados sugere que a cooperação internacional entre Brasil e Haiti tende a focar em respostas emergenciais, carecendo de uma orientação estruturante.
PLANEJAMENTO FAMILIAR E DIREITOS REPRODUTIVOS NO BRASIL E NA COLÔMBIA EM UMA PERSPECTIVA COMPARADA
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Darcília do Prado Barbosa e Silva (Instituto de Relações Internacionais PUC-Rio)
Resumo:
O presente trabalho busca avaliar a evolução das perspectivas acerca do planejamento familiar e dos direitos reprodutivos no Brasil e na Colômbia acompanhando as conferências internacionais – tanto globais, quanto regionais – sobre o tema, a partir das quais as temáticas foram discutidas e difundidas. Esta é uma pesquisa qualitativa, que utilizará do método comparado para fazer uma avaliação da adesão dos dois países à evolução dos dois conceitos principais elencados acima. As principais fontes são relatórios de organizações internacionais, propostas de resolução de encontros internacionais e as legislações brasileira e colombiana. O trabalho parte de uma leitura decolonial da Teoria Feminista para buscar responder se há uma convergência na atuação brasileira e colombiana nos debates tanto regionais como internacionais com aquilo que se implementa em ambos os países. Com base na hipótese de que há uma relutância na busca pela implementação de direitos reprodutivos e programas de planejamento familiar no Brasil e na Colômbia, pode-se concluir que, embora os dois países tenham uma semelhança histórica, não há uma relutância e, sim, um descompasso na forma como o debate sobre esses temas é conduzido em âmbito doméstico.
Platformisation dependency-interdependency dynamics in BRICS: from challenges to integration opportunities in a multipolar world
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Éberson Polita (UFRGS)
Resumo:
INTRODUCTION
Although statements such as “data is the new gold” or claims that its value has surpassed that of oil in the world may be overly exaggerated or fetishised, there is no denying that digital information is a new sort of commodity in the Digital Era that sprung from the 1970’s decade forward . In its second period, accelerated from 2008 onwards, we have had the digital platformisation phenomena disseminated within globalisation in international political economy. Nowadays, however, what is being discussed and observed is a halt or regression, a movement towards deglobalisation in a new context of actual or transition to multipolarity.
Mainly a process driven by growing tensions from the United States in relation to China and Russia, deglobalisation has brought back or inserted a number of concepts in recent international political economy and International Relations debates. This paper works with the premise that deglobalisation and multipolarity are strategies deployed by U.S. led western collective and by the BRICS bloc, respectively. Each of these strategies has a set of tactics at its disposal: the deglobalisation strategy is composed by sanctions, decoupling and the shoring mechanisms (reshoring, nearshoring, friendshoring). Meanwhile, the multipolarity strategy is composed by tactics of south-south coalition building, mainly represented by the BRICS alliance and its expansions, reliance on multilateralism and self-growth but as well by the dedollarisation tactics.
In light of international system organisation by world-systems theory, the objective of this paper is to then evaluate the dependency-interdependency dynamics between capitalism core (with the United States being the main actor) and the periphery/semi-periphery (represented by the BRICS) when it comes to the cyberspace territory. Through the platformisation tree by Djick (2020), we map this data and digital structural dependency dynamics and show how the BRICS bloc (the original five only, Brazil, Russia, India, China and South Africa) can be divided in two groups. China and Russia, in this order, being mostly independent of the U.S. international cyberspace platformisation ecosystem structure and Brazil, India and South Africa (BIS) being mostly intertwined and dependant on the core’s digital infrastructural. In that sense, being pools of data extraction to the U.S. platforms and over-reliant on those systems.
As an inductive study, the article is divided into two sections (i) highlighting the discussions in international political economy when it comes to deglobalisation and multipolarity, by elucidating the study’s premises, and by introducing the theoretical platformisation tree by Djick (2020), which will serve as the basis for the analysis. In the second section, through analysis by the platformisation tree analogy coupled with indicators of BRICS’ cyberspace, we evaluate the level dependency-interdependency dynamics in each of the bloc’s nations. This is done both highlighting problems with and challenged with the core’s platforms but also bringing into light challenges between BRICS platforms within the bloc, be it by looking at geopolitical tensions between China and India in the arena or institutional issues with specific platforms in relation to the law of a given country.
INTERDEPENDENCE IN DEGLOBALISATION & MULTIPOLARITY
This section introduces the recent political economy literature on interdependency in relation to deglobalisation (a strategy) and its mechanisms/tactics (the types of shoring, decoupling) as instrument of U.S. hegemony and the focus on material bases. Meanwhile, it evaluates BRICS as a bloc in a push towards multipolarity mainly through the dedollarisation mechanism to facilitate direct trade and avoid sanctions. Digital aspects in these economic discussions receive, however, less attention on these debates (aside from the digital sovereignty literature not discussed here). Both debates, on deglobalisation or multipolarity, in the political economy field are however intertwined by the concept interdependency and, mostly important, its weaponisation. The section then introduces the platformisation tree theoretical framework from Djick (2020) which will be used to both explain the importance of digital infrastructures and serve for the main analysis on BRICS digital tendency on the following section.
As Çevik (2024) describes, a “peace” period bought the world both economic interdependency as well as the globalisation phenomenon. For the scholar, the major events which pushed economics into a regression on both elements were, in chronological order, the 2008 financial crisis, US president Donal Trump’s economic policies towards China, the COVID pandemic and, finally, the Russian-Ukraine War. Treating these events as “shocks”, the author argues these dynamics pushed for a reorganisation of global supply chains into policymakers’ evaluation. With a focus on sanctions and war, Brancaccio & Califano (2023) also emphasise era of deglobalisation arguing, however, that the Russian-Ukraine War works not as a mere event, but as a “symbolic conclusion” of this process which involves two blocs of power, one led by the United States and another led by China. The authors evaluated that even if concepts such as “decoupling”, promoted by the U.S., are heavily discussed in the past few years, it is a process that already underway much earlier and that sanctions are a mean to accelerate it.
Both Çevik (2024) and Brancaccio & Califano (2023) also offer insights about mechanisms used in recent globalisation/deglobalisation debates. Çevik highlights the types of shoring from reshoring (nationalising back certain types of production), nearshoring (trying to bring these productions chains to states close by) and the most common one discussed, friendshoring (bringing these supply chains and productions to perceived allied nations). Brancaccio & Califano (2023) emphasise that “Western friend-shoring can be seen as a defence against the risks of a Chinese-led centralization of capital, a strategy which has been applied since well before the term started to be openly used.” (2023, p. 13).
If discussion on deglobalisation and its tactics (decoupling, re-, near and friendshoring) are mostly a development of Western countries actions, multipolarity is here seen as strategy or goal by the BRICS bloc. As Schulze (2022) describes, albeit not new, this concept to understand the world order has seen a rebirth at the beginning of the 21st century in Russia, China as well as in Europe wherein it never left debates in the U.S. foreign/security discussions. After the fall of the URSS, the author argues Russian Prime Ministre Yevgeny Primakov had the concept in mind as a key pillar and sought to stablish and alliance between his country, China and India to counter-balance U.S. hegemony. That wasn’t possible, Schulze (2022) argues, because all actors involved were not strong politically and economically.
In Brazil most dominant political party post military dictatorship, the worker’s party (PT), in 1993, already laid the groundwork strategy that would foment the BRICS and multipolarity. As the documental work from Quero (2014, p. 21) highlights that party meeting resolution declared the South American country should pursue a multilateral attitude when it would rise to power together “India, Russia, China and eventually South Africa” in order to counter the U.S. hegemony and have a better position in the international system. The term BRIC would be invented only seven years later. As the Quero (2014, p. 33) notes, on the first day of the first term of Lula’s presidency, the petista vowed to “stimulate the incipient elements of multipolarity in the international system”.
Decades later both PT and Primakov’s efforts would bear fruit with the BRICS bloc and the stronger movements towards multipolarity. As Rapanyane (2020) evaluates this is both a result of internal and enteral conflicts in the United States, or the core of the world-system, as well as the emergence of BRICS by looking at elements like Foreign Direct Investment (FDI). He argues as well that “US hegemonic decline is centrally found in the BRICS countries having increased economic strength and leverage to communicate their desires and needs in the international arena”. (2020, p. 1).
If deglobalisation is a strategy from Western centric countries and decoupling, the types of shoring of global chains as well are sanctions are their tactics, dedollarisation is the tactic employed by BRICS, alongside their own economic growth as an element, in their multipolarity strategy. Rapanyane (2020) already hints at dedollarisation as a counter-hegemonic mechanism, but Khan (2023) develops the argument further. By looking at BRICS, the author argues this process is being accelerated by the bloc, a move intensified after the U.S. lead collective starting deployed the instrument of sanctions during heightening of the Russo-Ukrainian conflict, arguing as well the BRICS+ expansion solidifies this tendency further.
Be it for reasons of deglobalisation or multipolarity strategies, interdependency or dependency are both concepts that move these strategies forward. Be it for global chains productions dependency from Western in relation to China, be it the dependency BRICS having to resort to dollar as the common currency denominator for trade relations. In other words, this movements represent a turn on interdependence due to its to weaponisation. As Farrell and Newman (2019) point out the globalised world has made a weapon of war out of everything, this includes information, trade, global supply chains in which states deploy other confrontational tactics short of actually military force. More importantly to this article, the authors also state how the International Relations field has generally neglected digital aspects such as the internet when it comes to understanding globalisation and power. It is through these aspects that this article seeks to elucidate further when it comes the digital dependency and interdependency relations by looking at the BRICS countries in relation to the core of the world-systems.
To do so, we deploy José van Dick’s (2020) conceptual platformisation tree to establish the whole parts of the digital infrastructural on cyberspace. Her visualization work has the aim to allow for a better understanding of platformisation governance. In her aim, the objective is to elucidate the power dynamics in this this infrastructure through the abstractions of vertical integration, infrastructuralisation and cross-sectorisation in order to inform European actors to regulate and facilitate change. For Djick (2020, p. 2802) these international “information systems reigned by techno-corporate apparatuses now supersede the economic power of nations” and shifts the conversation from platforms as closed systems to platformisation as a phenomenon to understand it as structural.
As seen in Figure 1, the platformisation tree is based on the United States digital structure from bottom to top that allows for building of these power dynamics from cyberspace users’ data. In short, the tree encompasses a down-upwards analogy where the roots are physical material base (internet cables, data centres) to the transition to the trunk where we have platformisation enablers (from web browsers to operational systems and physical devices) that as we go up become increasingly software based that depend on the internet to function in the middle of the trunk (digital payment system, communication and social platforms, retail online shops, search engines) where we also find the mediators the author identifies as “super-platforms” and which govern the ecosystem and thus hold the power in cyberspace. Finally, we have the branches which have “sectoral applications” that function on the basis or connected to the digital platforms in the trunk.
In the next section, we employ her tree of platformisation analysis but not seeing it not merely as a structure or with the focus on regulatory questions. We see the platformisation tree as a mechanism of dependency in the world-systems in which to be connected to this “American platform tree”, like in her figure, is to have nations dependent on it. Looking at specific parts of the tree in BRICS, we can identify the levels of dependency, interdependency or general autonomy of the bloc’s nations in their digital cyberspace at a more nuanced and clear segments.
BRICS: AN EMPIRICAL ASSESSMENT ON PLATAFORMISATION DEPENDENCY-INTERDEPEDENCY DYNAMICS
[Second section in the full article only]
CONCLUSION: CHALLENGES AND OPPORTUNITIES FOR BRICS
This article aimed to evaluate the digital infrastructural dependency-interdependency of BRICS countries in light of the world-systems international hierarchy with core of the system being the United States’ platformisation structure. In order to evaluate these dynamics internally in BRICS, we resorted to the platformisation tree analogy by Djick (2020) which allows for a throughout analysis of each part of the system that monopolises data extraction in the international system. In the first section, we sought to give basis to the article’s premisses organising the concepts of the current themes of international political economy.
We showed how deglobalisation and multipolarity are both strategies with an arsenal of tactics at their disposal. The first is a strategy deployed by Western states led by United States with tactics such as sanctions, decoupling and the variations of shoring of production and supply chains (reshoring, nearshoring, friend- or ally-shoring). The second strategy has been historically articulated by the BRICS bloc and – besides elements such as the goal of increase their economies – it relies on tactics of alliance formation (the block itself) and its expansion with the main tactic being the pursue of dedollarisation.
In the second section, we highlighted the segments on the trunk of the platformisation tree where we could verify specific BRICS’ potential sectorial digital structural dependencies. We could see how the bloc is still mostly dependent on the core of the world-system web browsers solutions, for example, but that the level of dependency felt dramatically in China and Russia as we go up in the structural analogy by looking at important cyberspace dimensions such as search engines and, finally, in the super-platforms domain. The BIS countries (Brazil, India and Africa) however are practically fully dependant on the United States’ international cyberspace ecosystem on both of these tree sectors. If multipolarity creates increasing tensions, as realist international relations scholars often argue, these countries have challenges ahead in case of the weaponisation of their digital dependency by the core of the world-systems.
Additional problems with platforms originated with BRICS, as the case of Telegram and TikTok, also offer challenges and contractions to BRICS integration. That said, the number of internet citizens on the bloc offers tremendous opportunities in the case of higher cooperation note is achieved. A neutral framework and platform building between the BIS countries could help towards at least a more diverse cyberspace scenario, and in this sense, less dependent on the core’s ecosystem. If these countries are seeking with the Global South to contribute to alternatives for SWIFT, for example, other types of digital platforms for integration or less dependency in the multipolar world are certainly achievable.
For future research within this agenda, studies encompassing all the BRICS+ members are encouraged. Research on the adaptions of the Russian economy and platform governance in light of the country’s forcefully being deplatormised from the United States’ International Cyberspace can also be of good use in case the same tactics are deployed against other BRICS members in light of interdependence weaponisation.
PLURIVERSO COMO ENFOQUE RELACIONAL EN LOS ESTUDIOS PARA LA PAZ: REFLEXIONES DE LA COMOVISIÓN MAYA DESDE EL PROCESO DE PAZ EN GUATEMALA 1991-1996
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): Sofía Jiménez (Universidade Federal da Integracao Latino-Americana, UNILA)
Resumo:
En los últimos años, se ha producido un creciente reconocimiento de la necesidad de adoptar enfoques más inclusivos y contextualizados en los Estudios para la Paz. Uno de estos paradigmas emergentes es el enfoque relacional. Pensar relacionalmente amplía el espectro de posibles formas de conocimiento y de agendas de investigación, lo que invita a repensar los Estudios para la Paz desde un ámbito que reconoce y valora la diversidad de visiones del mundo y de sus realidades, el pluriverso. Por lo tanto, el estudio se objetiva en analizar la instrumentalización del pluriverso como enfoque relacional desde las perspectivas de la cosmovisión del pueblo mapuche para ampliar las agendas de investigación de los Estudios para la Paz. A partir de esto se plantea las siguientes preguntas: ¿Cómo la implementación del pluriverso como paradigma relacional puede ampliar las agendas de investigación dentro de los Estudios para la Paz?;y, ¿Cuáles son las perspectivas y reflexiones ofrecidas por la cosmovisión Mapuche que enriquecen la comprensión y resolución del conflicto y la construcción de la paz?. Para alcanzar el objetivo propuesto, la investigación se sustenta en un enfoque cualitativo con un alcance explicativo, llevando a cado un estudio de caso y un análisis documental-bibliográfico. En este trabajo se destaca la importancia del pluriverso y las reflexiones de las comunidades indígenas, explicadas por Amaya Querejazu (2016), Cristina Rojas (2016), Mario Blazer y Marisol de la Cadena (2014), Arturo Escobar (2020), entre otros; y, de la teoría relacional (QIN, 2018; TROWNSELL, T. et al, 2021; QUEREJAZU, 2016; ROJAS, 2016). Por otro lado, es importante destacar dentro de esta investigación la posicionalidad y reflectividad abordada desde mi identidad de mujer y feminista. Mi identidad influye significativamente en la investigación, ya que mi perspectiva de género lleva a considerar las dinámicas de poder, desigualdad, y justicia de género en contextos de construcción de paz y resolución de conflictos. Aunque, mi rol como mujer y feminista abarca varias dificultades como la desigualdad de género en la investigación, la influencia de los contextos políticos y culturales; y, equidad en la participación, para mí, la importancia de dar voz a la mujeres mapuche y otras voces marginalizadas, así como, tener una responsabilidad y sensibilidad ética y cultural hacia otras culturas forman parte de un compromiso de contribuir a un enfoque más inclusivo y sensible al género en los Estudios para la Paz trabajando hacia una paz más equitativa y justa en zonas de conflicto. A partir de esto, el principal argumento de la investigación es que, al permitir la incorporación de diversas perspectivas culturales y cosmovisiones, se puede conducir a una comprensión más completa y contextualizada de los conflictos y la paz, y a la creación de estrategias de resolución de conflictos más efectivas y culturalmente sensibles.
Política externa brasileira e a ordem global: perspectivas no conflito Israel-Palestina sob os governos Lula (2003-2006, 2023-2024)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Gabriel Leonhardt Daroit (Universidade Federal de Santa Maria), Bárbara Silveira Inácio Rocha (Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC), Natália Machado Lopes Lopes (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Após o fim da Guerra Fria, marcado especialmente pela dissolução da União Soviética em 1992, o mundo experimentou uma profunda reconfiguração na ordem global, evidenciada não apenas pela hegemonia dos Estados Unidos, mas também pelo crescimento exponencial da internacionalização do mundo capitalista e da globalização (Santos, 2001, p. 23). Contudo, diversos eventos têm contribuído para a emergência de um novo debate sobre a ordem mundial, entre eles, destaca-se a crescente multipolaridade, com o surgimento de potências emergentes, o declínio da influência norte-americana e o ascendente protagonismo da China, elementos que moldam um cenário internacional em constante evolução.
Diante desse contexto, as dinâmicas que surgem em um futuro caracterizado pela coexistência de múltiplas ordens, conforme apontado por Flockhart (2016), são complexas, multifacetadas e conflituosas. Tais dinâmicas frequentemente englobam conflitos enraizados em questões históricas e culturais não resolvidas, o que torna desafiador avaliar a legitimidade subjacente a esses embates. O conflito entre Israel e Palestina, embora possa inicialmente parecer motivado por questões religiosas, é essencialmente uma disputa política e territorial. Historicamente, essa questão tem representado um desafio significativo para o posicionamento e a atuação dos Estados e das organizações internacionais, requerendo novas abordagens nas tentativas de resolução ao longo das últimas décadas.
Nesse sentido, pensando na atuação da diplomacia do Estado brasileiro nestes complexos cenários destacados, busca-se responder à seguinte pergunta: “Como as alterações na ordem internacional ao longo das últimas duas décadas refletiram na posição e atuação da política externa do Brasil no conflito Israel-Palestina, durante os Governos Lula de 2003-2006 e 2023-2024?”. A hipótese orientadora é que, mesmo diante das transformações na ordem global, a política externa brasileira manteve sua autonomia nesse conflito nos períodos analisados. O ativismo do Brasil na busca por protagonismo nas mediações de conflito, aliado à demonstração de reformismo da ordem global, foram fatores cruciais para essa manutenção, preservando assim a característica distintiva da política externa do país.
Portanto, o objetivo principal é analisar de que maneira as mudanças na dinâmica global nos últimos vinte anos influenciaram o posicionamento e a atuação da política externa brasileira perante o conflito entre Israel e Palestina durante o período delimitado. Para atingi-lo, são delineados três objetivos específicos: i. realizar uma revisão da literatura para compreender as principais concepções sobre o conflito entre Israel e Palestina e os reflexos das mudanças na ordem internacional nas últimas décadas; ii. analisar o posicionamento e atuação da política externa brasileira sobre o conflito Israel-Palestina durante os governos Lula de 2003-2006 e 2023-2024; e iii. examinar o papel do Brasil na mediação de conflitos internacionais, especialmente no conflito Israel-Palestina, e avaliar como contribuiu para a manutenção da autonomia da política externa nacional em meio às mudanças da ordem global.
Quanto à metodologia do trabalho, utiliza-se do método de abordagem hipotético-dedutivo, a fim de comprovar ou refutar a hipótese citada, e do método de procedimento histórico comparativo, relacionando comparativamente dois diferentes casos, referentes a atuação da política externa brasileira no mesmo conflito durante o i. primeiro e o ii. terceiro mandato do Presidente Lula.
Junto disso, aplica-se uma série de técnicas de pesquisa para alcançar os objetivos descritos, sendo estas: i. uma revisão bibliográfica que abarque os pilares para a compreensão do conflito entre Israel e Palestina e os preceitos base da atuação diplomática brasileira, bem como as principais mudanças na ordem internacional ao longo das duas últimas décadas; ii. uma análise de conteúdo dos discursos proferidos pelo Presidente da República e pelo Ministro do Ministério das Relações Exteriores, nos períodos analisados, que cite o conflito; iii. uma análise de conteúdo das notas oficiais do Itamaraty que abordem a situação entre Israel e Palestina como um dos assuntos, também ao longo dos dois mandatos analisados.
Até o momento, a pesquisa tem constatado que uma das principais características da política externa brasileira é a persistente busca pela resolução de conflitos por meio de soluções não violentas, independentemente do governo em gestão. Isso se deve a preservação dos direitos humanos e cooperação entre Estados, sobretudo, em desenvolvimento, que o Brasil adota com veemência nas suas relações exteriores.
Segundo Albuquerque (2015), a transição da nova ordem global ocorre a partir de alguns processos, um deles é a transnacionalização. Este processo trata da ultrapassagem de certos fenômenos pelas fronteiras nacionais, resultando na presença de agendas internacionais apresentadas por novos atores, que não se limitam ao monopólio do Estado. A partir disso, os “direitos globais”, que devem ser positivados pelos Estados à todas as pessoas, independente de onde estejam localizados, e os “valores globais”, que devem ser respeitados e não direcionados ao particularismo, debatendo unicamente sobre o seu alcance, são dois focos da agenda global na contemporaneidade que necessitam de uma abordagem transnacional na formulação de ideias.
Devido a isso, ao iniciar a análise sobre o segundo e o terceiro governo Lula, é perceptível a busca por um ajuste sobre as expectativas da sociedade e a opinião transnacional, definido como uma transigência relutante (Albuquerque, 2015). Apesar destas questões, o governo Lula mantém a sua posição a favor da Palestina e uma relação equidistante a Israel, devido a denominada política externa da “autonomia pela diversificação”, que visa manter um leque de relações com os demais países, sendo o foco na cooperação Sul-Sul (Santos, 2014; Vigevani, Cepaluni, 2007).
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA A AMÉRICA DO SUL DOS GOVERNOS LULA E BOLSONARO: UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO SOBRE OS SIGNIFICADOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Nicolly Campos (UFMG)
Resumo:
A integração regional era uma forte pauta na Política Externa do governo petista (2003-2016),
em especial no que tange à cooperação sul-sul e na cooperação sul-americana. Com a
ascensão do governo de direita em 2019, a política externa brasileira sofreu diversas
mudanças, inclusive na agenda sobre regionalismo na América Latina. Por exemplo, o país
retirou-se da Unasul e participou da criação de nova organização, chamada Prosul,
supostamente sem ideologia, mas que reunia governos sul-americanos que partilhavam do
mesmo espaço no espectro político sul-americano.
Dessa forma, com essas modificações na política externa brasileira, o objetivo deste trabalho é realizar um estudo comparativo entre o
discurso do Ministro das Relações Exteriores do Governo Luiz Inácio Lula da Silva
(2003-2010), Celso Amorim, e do Governo Jair Bolsonaro (2019-2022) Ernesto Araújo sobre
a Integração Regional e Integração Regional Sul-Americana no contexto do Mercosul, Unasul
e Prosul. Para alcançar tal objetivo, foi realizada Análise de Conteúdo dos discursos dos
ministros, que são compilados e disponibilizados pela FUNAG (Fundação Alexandre de
Gusmão), ligada ao próprio Itamaraty. O estudo é dividido nas seguintes seções: Introdução;
Referencial Teórico; Metodologia; Apresentação e Análise de Conteúdo de discursos
selecionados dos ministros Celso Amorim e Ernesto Araújo; e Considerações Finais. Conta
também com um Apêndice que apresenta os termos e significados dos discursos. Os
principais resultados apresentados foram uma semelhança entre a função da política externa
brasileira, que é a de servir ao povo brasileiro e aos interesses nacionais. No entanto,
identifica-se várias diferenças, como: quais os resultados importantes para o povo brasileiro e
para a nação; defesa de valores diferentes, como direitos humanos e redução de desigualdades
para Amorim e Verdade, Liberdade e Deus, para Araújo; e, por fim, uma ruptura clara entre a
visão positiva, na perspectiva de Amorim, e negativa, na de Araújo, sobre globalização e
multilateralismo nas Organizações Internacionais.
Politização da política externa? O Engajamento do Poder Legislativo Federal na política exterior do terceiro governo Lula (2023-)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): João Gabriel Danon Tavares (IESP-UERJ)
Resumo:
As pesquisas acerca da atuação do Poder Legislativo Federal na Política Exterior Brasileira (PEB) tiveram início na década de 1990, no que Soares de Lima (2018) definiu como a terceira geração brasileira de Análise de Política Externa (APE). Uma ampla parcela da literatura escrita sobre o assunto aponta que o Legislativo apresenta uma atuação secundária no tema (NEVES, 2003, 2006) e, em geral, apoia a política desenvolvida pelo Poder Executivo sem impor maiores obstáculos (FORJAZ, 2011; ANASTASIA; MENDONÇA; ALMEIDA, 2012). Cabe ao Legislativo brasileiro exercer o monitoramento das ações executadas pela Presidência da República (CINTRA et al., 2015), ao passo que é nas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (CREDN e CRE, respectivamente) que tal monitoramento ocorre. De acordo com McCubbins e Schwartz (1984), o Congresso exerce duas formas de supervisão das ações externas: a “patrulha policial” (uma fiscalização mais corriqueira e burocrática) e o “alarme de incêndio” (apenas acionado em caso de problemas mais graves).
Tem-se, assim, a percepção de que haveria uma atuação de viés mais objetivo do Poder Legislativo no que diz respeito à política exterior, de modo que a partidarização da temática pelo Congresso é tema que merece ser melhor aprofundado pela literatura de APE. Importa perceber que a maior polarização da política nacional nos últimos anos tem demonstrado a existência de clivagens importantes nesse suposto padrão de comportamento do Legislativo no tema de política exterior. Essas clivagens podem melhor ser verificadas ao se observar as ações cotidianas do Congresso Nacional e de suas comissões. Desse modo, o presente trabalho tem o objetivo principal de, a partir da análise da atuação da CREDN e da CRE, verificar se houve uma politização e/ou partidarização das temáticas de PEB debatidas pelo Poder Legislativo Federal durante os primeiros 18 meses do terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (2023-). Como objetivos específicos, verifica-se a intenção de identificar as principais ações da CRE e CREDN no período sob análise (i); checar quais foram as principais ações da política exterior do governo Lula 3 até junho de 2024 (ii); e, por último, compreender se houve a formação de uma coalizão a partir do Poder Executivo e se isso teria influenciado os resultados finais das votações das comissões (iii). Questiona-se: afinal, houve uma politização da PEB dentro do Poder Legislativo Federal entre janeiro de 2023 e junho de 2024?
O trabalho se utiliza de uma metodologia mista, onde a pesquisa é feita a partir de um método qualitativo e quantitativo (PARANHOS et al., 2016). Para entender as ações de PEB durante esses primeiros 18 meses do governo Lula 3, assim como para compreender a interação entre o Poder Executivo e Legislativo no que diz respeito à formação de uma coalizão presidencial, a pesquisa operou uma análise qualitativa advinda da leitura de artigos acadêmicos, boletins e notícias, dentre outros materiais bibliográficos relativos ao tema (ALMEIDA, 2023; CARVALHO, 2023; LUZ, 2023; SCHAEFER, 2023). Uma outra parte da abordagem qualitativa utiliza-se da metodologia de análise documental (PIMENTEL, 2001; SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009; LIMA JUNIOR et al., 2021) no intuito de verificar as ações governamentais a partir de fontes primárias produzidos no período (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2023; SENADO FEDERAL, 2023). Por último, a abordagem quantitativa se deu a partir da estruturação de conjunto de dados extraídos das atas de reuniões da CRE e CREDN ao longo desses 18 meses. Esses dados foram estruturados em uma planilha, a qual, através de técnicas do KDD – Knowledge Discovery in Data-Bases (FRAWLEY; PIATESTKY-SHAPIRO; MATHEUS, 1992), possibilitaram a realização de estatísticas descritivas acerca da interação entre os dois poderes na temática sob análise. Como resultados parciais, verificou-se que houve a partidarização de determinados temas da pauta da política internacional e da PEB, como a guerra israelo-palestina (CÂMARA DOS DEPUTADOS; SENADO FEDERAL, 2023), porém isso não gerou obstrução no funcionamento das comissões, nem tampouco modificou a alta taxa de aprovação das pautas encaminhadas pelo Poder Executivo através das Mensagens Presidenciais.
Quando presidentes e ministros discordam em política externa: reputação presidencial entre públicos internos e externos
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Tamiris Cristina Teixeira de Andrade Burin (Estudante de Doutorado/ Dep. de Ciência Política – USP)
Resumo:
Até que ponto presidentes assumem posições semelhantes às de ministros em temas de política externa? O que leva um presidente a expor esse tipo de discordância? Presidentes controlam grande parte dos atores que podem contribuir significativamente nas linhas de política externa que escolhem. No poder, eles também ganham meios de comunicar intenções, modular ênfases das decisões adotadas e dar sinais de posicionamentos externos nem sempre voltados às suas audiências internacionais. Geralmente, se um Presidente assume posições dissonantes as do seu próprio Ministro de Relações Exteriores, sugerindo uma distinção ideológica ou informacional, por exemplo, as análises de política externa tendem a associar essa cisão a incertezas sobre a aprovação pública ou o eleitorado (Baum 2004; Danese 1999; Emerson 2014). Para elas, dissonâncias tendem a emergir quando temas ganham saliência e riscos reputacionais são percebidos. No entanto, são poucos os estudos que se dedicam explicitamente a essas discrepâncias, ou a que aspectos operaram para que alguns governos pareçam tão alinhados e outros tão desconexos publicamente.
O objetivo central deste trabalho é explorar fatores contextuais e individuais que podem estar relacionados à frequência com que Presidentes sinalizam cisões, certas independências ou até críticas a seus ministros em temas de política externa. Busca-se explorar tal proposta em diálogo com a literatura que aborda os conflitos da delegação na formulação e implementação de políticas, assim como os estudos que exploram análise de discurso e modelos de aprendizado de máquina em classificação de textos que têm ampliado o rol de metodologias e desenhos de pesquisa nesses temas.
Líderes políticos de todos os tipos de regimes necessitam de burocracias para governar, e há um robusto debate sobre o controle político na relação entre presidentes e burocracias (Mccubbins, Noll, e Weingast 1987; Spence 1999; Wood e Waterman 1993). O ‘problema da delegação’ é alvo de uma série de estudos derivados do principal-agent model que avançam sobre o dilema de como e se políticos eleitos podem controlar o exercício da autoridade que é delegada a burocratas não eleitos e de prováveis preferências ou incentivos distintos (Acs 2021; J. Bendor, Glazer, e Hammond 2001; Gailmard e Patty 2012). Por parte da literatura de análise de política externa, um dos principais focos de investigação do campo é o predomínio da influência institucional-burocrática de seus processos (Allison e Halperin 1972). No Brasil, o profissionalismo do aparato burocrático e frequência em que o ministério de relações exteriores é liderado por diplomatas de carreira são só alguns dos indícios da relevância do Ministério das Relações Exteriores na produção da política externa brasileira (Cheibub 1985; Hirst e Pinheiro 1995; Lopes 2011). A maioria desses estudos corrobora como, entre qualquer outra política, a externa é onde a latitude das preferências presidenciais depende mais de controle político da burocracia do que poder legislativo propriamente (Amorim Neto e Malamud 2020, 6; Neto e Malamud 2015).
Ainda assim, pouca atenção é dada às divergências de presidentes às posições expressas por seus próprios ministros sobre os rumos da política externa. E menos consideração ainda ao vínculo das reputações presidenciais à essa prática. Um exemplo emblemático no rol da política internacional é o do Presidente W. Bush a frente das ações americanas na Guerra do Iraque. Na época, quando a confirmação de que não haviam armas de destruição em massa no país, já no segundo ano da invasão, W. Bush não só criticou seus secretários de estado publicamente como transfere muito da culpa da decisão de intervir aos serviços de inteligência que o assessoraram na época (Kuijpers e Schumacher 2020; Preston 2011).
É possível apreender que em contextos eleitoralmente sensíveis ou de crise, divergências e desvios de responsabilidade reúnem o público em torno do líder enquanto ministros e técnicos são explorados como ‘bode expiatório’ de falhas políticas (Carpenter e Krause 2012; Hood 2010, 2020; Sirotkina e Zavadskaya 2020). No entanto, fatores que impulsionam essas dinâmicas merecem atenção. Inácio, Llanos e Pinheiro (2022), por exemplo, abordam como distintas trajetórias dos presidentes implicam na forma com que eles cultivam suas reputações ao longo do mandato e a relação que desenvolvem com seus ministros para essa ambição. Entre países da América Latina, fracos ativos reputacionais fazem divergências e conflitos pessoais com ministros mais prováveis, e a interação com os recursos reputacionais dos ministros afetam a rotatividade ministerial em decorrência.
Esta pesquisa propõe explorar o desempenho de presidentes brasileiros, entre 1985 a 2022, através de variáveis de apoio político e, em particular, da experiência prévia desses líderes. Argumenta-se que a maneira com que dependem da expertise e de recursos informacionais dos ministros para ajudá-los a conduzir a política exterior, mas oscilam e divergem desses atores enquanto formam suas preferências na cúpula do governo. O material que norteia a pesquisa são discursos oficiais e respostas de entrevistas concedidas a veículos de imprensa, disponíveis em listas da Biblioteca da Presidência da República do Brasil e Cadernos de Política Exterior do MRE brasileiro.
Entre os resultados obtidos, chegamos a um desenho de pesquisa em duas etapas. Primeiro, busca-se operacionalizar a ‘coordenação discursiva’ entre presidentes e ministros de relações exteriores em temas de política externa. E para estimar esse indicador, propomos usar um modelo misto de análise de conteúdo e codificação manual. Como a segunda etapa do estudo, a análise se centra em avaliar a relação entre a ‘coordenação discursa’ e aspectos conjunturais e individuais abordados. Isso incluirá variáveis que representem contextos de apoio político e experiências políticas prévias dos presidentes.
Raça e Relações Internacionais: A branquitude nas operações de paz
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Nicolas Rohrbacker (Universidade Federal da Integração)
Resumo:
As Relações Internacionais e a raça possuem uma íntima relação, embora a noção da Raça como um dos elementos fundadores das relações internacionais não seja destacada o quanto merece, tanto na área, quanto na disciplina. Embora a branquitude tenha saído com os lucros da colonização e da escravidão, uma das fontes primárias do comércio internacional, segue sendo uma identidade racial “invisível”, ou seja, não se enxerga como um indivíduo com raça, e nem mesmo seu papel em uma estrutura e em um mundo onde a raça importa. O objetivo desse trabalho é diminuir a transparência da branquitude nas relações internacionais, mais especificamente nas operações de paz da ONU. Como a branquitude atua nas relações internacionais? Em um mundo de violência racial, como a branquitude atinge as operações de paz? Essa pesquisa busca explicar a noção de branquitude no cenário internacional e nas relações internacionais, mais precisamente buscar a conexão e privilégios da branquitude nas operações de paz, que podem ditar onde e quando essas operações acontecem, e até mesmo se acontecem, decidindo quais violências importam ou não. Considerando que já foi identificado que essas operações de paz ocorrem até os dias atuais, somente em países com a densidade populacional de maioria não branca. Um exemplo de tal política são as operações de paz em seu formato liberal, e como apresentados por autores críticos, refere-se a paz promovida pela ONU que disseminam o formato de sociedade, economia e política liberal, desconsiderando outras formas de sociedade. Para tanto, a metodologia trabalhada é a revisão bibliográfica de autores das Relações Internacionais e Ciências Sociais, pretende-se realizar a análise dos documentos de missões de paz da ONU que auxiliam a compreensão do problema. Seguindo através da lógica de W.E.B Du Bois, da “linha de cor global”, ou por Charles Mills, com o “Contrato Racial”, ferramentas teóricas importantes para a compreensão e identificação da divisão do mundo em raça, ou de um acordo de raça, assim é possível explicitar, não deixar em “branco”, os espaços para a problematização da ação da branquitude. Ao considerar tudo isso, se faz necessário identificar os elementos e ações, que tornam visível a presença e privilégio da branquitude nas relações internacionais e nas operações de paz, principalmente considerando que branquitude surge para discutir a identidade e o espaço de privilégio que os indivíduos brancos ocupam na sociedade. Dessa forma, é possível tornar essa política de paz em algo plural e que considere as diversas formas de culturas e violências a serem combatidas, essencial para a efetividade dessa política internacional.
RAÇA, COLONIALIDADE E AMEFRICANIDADE: UM ELEMENTO (IN)VISIBILIZADO NA POLÍTICA MUNDIAL
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Maria Beatriz de Jesus Silva (Universidade Federal da Integração Latino-americana)
Resumo:
As relações internacionais, vasto território onde nações se entrelaçam, alianças são forjadas e conflitos emergem, têm sido tradicionalmente exploradas sob a égide de narrativas que muitas vezes negligenciam dimensões cruciais: raça, racismo e a persistente sombra da colonialidade. Dito isso, o presente artigo apresenta uma análise sobre raça como elemento integral da política mundial, sob a ótica do pós-colonialismo. Seu objetivo é discutir o silenciamento e invisibilidade nas demandas de raça que resultam em uma sustentação da continuidade do colonialismo e racismo no cenário internacional e na disciplina das Relações Internacionais (RI). Para isso, serão discutidos o apagamento das questões raciais no internacional, bem como as estruturas herdeiras do colonialismo, como branquitude patriarcal euro-estadunidense. Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa que se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica com revisão de literatura, a partir de fontes teóricas relacionadas a temática, reunindo insights dos estudos pós-coloniais. Nesse sentido, o argumento do artigo é que raça é um elemento integral da política mundial, indo além de uma perspectiva periférica e a exclusão de suas dinâmicas perpetuam a marginalização e a opressão. Da mesma forma, para desenvolver seu argumento, o artigo está estruturado em três seções. A primeira parte abordará o papel central da branquitude patriarcal euro-estadunidense nas Relações Internacionais, destacando sua influência na organização da disciplina, moldando narrativas, práticas e estruturas de poder. A segunda seção se concentrará nas dinâmicas raciais negligenciadas nas teorias hegemônicas das RI, evidenciando silêncios sistemáticos em torno da raça. Por fim, a terceira explorará as interseções entre racismo e colonialismo como fundamentos da disciplina, analisando como esses fenômenos são perpetuados e naturalizados, contribuindo para estruturas de poder desiguais. Dessa forma, o trabalho parte do princípio de que a raça não é apenas uma perspectiva, mas sim um elemento integral da política mundial, e o racismo não se limita a questões domésticas, transcendendo fronteiras nacionais. Além disso, a seguinte pesquisa também incorpora a categoria político-cultural de amefricanidade, desenvolvida por Lélia Gonzalez, como um dos pilares centrais do trabalho. A amefricanidade, que resgata as dinâmicas da diáspora negra, é essencial para compreender a influência dos negros em diáspora e dos povos indígenas na formação e política mundial, em especial na América Latina.
RACISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UM ESTUDO A PARTIR DA RESOLUÇÃO 3379 DA AGNU
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Joice Ferreira (PPGEEI/UFRGS)
Resumo:
Esta pesquisa apresenta uma análise sobre racismo e pragmatismo nas Relações Internacionais por meio do método de análise crítica de conteúdo das respectivas conjunturas históricas que permitiram a aprovação da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 3379 de 1975, que equiparou o sionismo – movimento nacionalista judaico – ao racismo, e de sua subsequente revogação pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 4686 de 1991. As fontes da pesquisa são as resoluções, debates e votações depositadas nos arquivos da Organização das Nações Unidas (ONU). Uma vez mapeadas e descritas as conjunturas histórico-políticas que possibilitaram ambos os acontecimentos no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), esse trabalho analisa como o repúdio à discriminação racial pode ter sido utilizada de forma pragmática e/ou ideológica pelos membros ativos no âmbito da AGNU no período de 1975 (aprovação) até 1991 (revogação). Desta forma, o estudo pretende responder se, a partir da análise de documentos da AGNU no período analisado, a revogação (1991) da Resolução 3379 pode ser entendida como um produto da mudança de conjuntura política e de um consequente reordenamento do alinhamento pragmático ou ideológico dos Estados ou se a referida resolução só foi aprovada pelo contexto inflamado da bipolaridade no período da Guerra Fria. Pelo menos três momentos marcam as relações internacionais do período analisado, sendo (1) a ascensão massiva de novas independências ao Sistema Internacional, que totalizavam cerca de 90 novos Estados entre Ásia, Oriente Médio, América Central e África; (2) o período da Guerra Fria como principal catalisador de ideologias dentro do Sistema Internacional, o que permitiu tanto a bipolaridade entre URSS e EUA quanto o surgimento do Terceiro Mundo; e (3) o fim da Guerra Fria como criação de novas possibilidades de alinhamento tanto para os Estados alinhados com o capitalismo ou comunismo, quanto para aqueles que buscaram uma alternativa exclusivamente para sobreviverem à estrutura do Sistema Internacional durante o período da Guerra Fria, sendo esses últimos os Estados terceiromundistas. Com o objetivo de responder à pergunta deste estudo, se analisa, também no âmbito das discussões da AGNU, quando a ideologia e o pragmatismo dos Estados se encontram (GARDINI, 2011), com o intuito de observar como o pragmatismo se sobrepõe e interage com a subjetividade dos conceitos sobre raça e racismo nas relações internacionais. De acordo com Krishna (2001), tanto o campo prático quanto o teórico das Relações Internacionais foi construído sob uma lógica de esquecimento e amnésia a respeito das questões de raça. Esse processo de apagamento dos aspectos raciais da historiografia das Relações Internacionais é chamado de abstração, que pode ser entendido como um movimento que visa o apagamento da memória coletiva (KRISHNA, 2001) com o intuito de omitir os detalhes acerca do genocídio, violência e roubo de terras que marcaram o encontro do Ocidente com os países do Oriente, entendidos como zonas incivilizadas (SAID, 1978). Contudo, o processo de abstração do racismo dentro das Relações Internacionais, pelo menos enquanto campo teórico, é bastante intrigante, tendo em vista que desde 1903, pelo menos, W.E.B Du Bois escreve sobre o tema dentro do campo de RI. Du Bois (1903) defendia que, ainda que enfrentemos a ausência de debates sobre as questões raciais dentro do campo das Relações Internacionais, devemos observar que a imensa maioria dos grandes conflitos mundiais se deram por conta do desejo europeu de dividir, ocupar e colonizar os espaços tidos como vazios – ordinariamente territórios africanos e asiáticos – pelos colonizadores brancos. O autor desenvolveu o conceito de Linha de Cor Global para explicar a grande questão do século XX, que pode ser entendida por meio da segmentação das etnias não brancas na África, na Ásia e nas Américas como a mantenedora do vínculo impiedoso com a questão da colonização e da exploração de povos nessas regiões. Neste sentido, é importante destacar o trabalho de Du Bois não somente por suas contribuições acerca da divisão do mundo pela Linha de Cor Global, mas também pelo seu esforço em criar uma agenda de pesquisa sobre o tema dentro do campo das Relações Internacionais e ajudar a fomentar a ontologia sobre raça dentro das Relações Internacionais. Ainda, para o autor, a história dos séculos XIX e XX revela não somente as operações escravagistas e desumanas em territórios colonizados durante o período, mas também como a Linha de Cor Global foi constituída por meio de uma combinação multidisciplinar entre as dimensões teóricas e empíricas (ANIEVAS; MANCHANDA; SHILLIAM, 2015). Como resultado parcial, identifica-se que, no exame histórico, o movimento do Terceiro Mundo desempenhou um papel impulsionador na reconfiguração geopolítica das relações internacionais, introduzindo novos atores e potências políticas que se destacavam pela sua diversidade, na mesma medida em que compartilhavam o histórico violento da colonização, principal fator que possibilitou a discussão do racismo no âmbito da AGNU. Embora unidos pelo objetivo comum de conquistarem as suas independências, os Estados membros acreditaram que seria possível construir algo maior que as suas próprias diferenças e, em certa medida, obtiveram sucesso nesse sentido. Foi necessário reestruturar os seus próprios objetivos, a fim de torná-los atraentes e relevantes à nova ordem internacional. Portanto, os países do Terceiro Mundo optaram por voltar as suas atenções para os movimentos regionais de desenvolvimento político, econômico e social, reconhecendo a necessidade de consolidar as suas bases materiais para que pudessem, de fato, ingressar no Sistema Internacional de forma menos assimétrica.
Racismo no futebol: Os ataques contra Vinícius Jr. e seu impacto nas relações diplomáticas entre Brasil e Espanha
Área Temática: Raça e Antirracismos nas Relações Internacionais
Autor(es): Eduardo Leite Muniz (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo:
O presente estudo tem como objetivo investigar o impacto do racismo no futebol, com uma análise sobre os ataques racistas dirigidos a Vinícius Júnior, jogador brasileiro que atualmente joga no clube espanhol Real Madrid, e as subsequentes repercussões que tais eventos têm gerado nas relações diplomáticas bilaterais entre Brasil e Espanha. A pesquisa tem como objetivo central examinar se os incidentes de racismo enfrentados por Vinícius Júnior exerceram alguma influência significativa sobre as relações bilaterais entre Brasil e Espanha. Para tanto, o estudo primeiramente identifica e analisa os aspectos históricos e sociológicos que permeiam a colonização e o racismo, lançando mão de teóricos como Frantz Fanon e Charles Mills. Em seguida, será descrita a história da presença negra no futebol brasileiro, explorando a trajetória dos atletas negros e mestiços desde a inserção no cenário esportivo nacional até sua internacionalização no futebol europeu. Esta abordagem permite contextualizar as dinâmicas de poder e preconceito que persistem no esporte, traçando paralelos com a herança colonial e suas manifestações contemporâneas. O estudo culmina com uma análise detalhada da posição das relações diplomáticas entre Brasil e Espanha antes e depois dos incidentes racistas sofridos por Vinícius Júnior, avaliando os pronunciamentos oficiais de federações de futebol, bem como dos governos locais e suas respostas institucionais aos eventos. A pesquisa, portanto, não se limita a uma investigação sobre o racismo no esporte, mas também se propõe a explorar suas implicações mais amplas, especialmente no campo das Relações Internacionais, destacando como questões de discriminação racial podem reverberar nas interações diplomáticas entre nações. Para alcançar os objetivos específicos delineados nesta pesquisa, adotar-se-á uma abordagem metodológica pautada no estudo de caso, com enfoque central na trajetória de Vinícius Júnior durante sua atuação profissional no cenário europeu, especificamente entre os anos de 2019 e 2023. Esta investigação se concentrará na análise dos episódios de ataques racistas enfrentados pelo atleta, bem como nas manifestações e respostas institucionais emitidas pelas federações de futebol e pelos governos subsequentes aos incidentes. O estudo será conduzido sob a égide do método qualitativo, utilizando-se de técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Esta escolha metodológica visa proporcionar uma compreensão das dinâmicas da política internacional e das relações causais subjacentes que possuem implicações práticas substanciais na agenda anti-racista promovida pela Federação Internacional de Futebol (FIFA). A pesquisa buscará, portanto, iluminar características essenciais que influenciam a formulação de políticas e estratégias voltadas para o combate ao racismo no futebol. Para complementar a análise, serão incorporadas avaliações qualitativas das ações implementadas por organizações esportivas e veículos midiáticos na Espanha. Tal abordagem permitirá uma compreensão mais abrangente e detalhada das atuais medidas de punição e prevenção de ataques racistas, no contexto do esporte que detém o título de mais assistido no mundo. A integração dessas análises tentará fornecer uma visão das respostas institucionais e das dinâmicas de poder que moldam o cenário contemporâneo das políticas anti-racistas no futebol europeu. Os resultados preliminares indicam que os ataques racistas a Vinícius Júnior trouxeram à tona debates sobre o racismo no futebol e tiveram repercussões nas relações diplomáticas entre Brasil e Espanha. As respostas institucionais e governamentais aos incidentes mostram uma tentativa de enfrentar o problema, embora ainda insuficiente. O futebol, sendo uma arena global, reflete e amplifica questões sociais como o racismo, e a pesquisa sugere que o racismo contra jogadores negros como Vinícius Júnior não só afeta suas carreiras, mas também tem potencial para impactar relações internacionais, ressaltando a necessidade de ações mais efetivas para combater a discriminação racial no esporte.
Reconhecimento, Emoções e Catarse nas Relações Internacionais
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): João Roberto Fava Junior (Programa de Pós-graduação "San Tiago Dantas" (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) – Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI-UNESP))
Resumo:
Introdução
Este trabalho versa sobre a intrincada relação entre o Reconhecimento e as emoções nas
dinâmicas humanas e sociais, com foco na teoria política das Relações Internacionais e suas
complexidades específicas. A teoria disciplinar optou por uma abordagem majoritariamente
racionalista e utilitarista nos estudos de tomada de decisão; o trabalho propõe uma abordagem
mais abrangente para compreender o processo decisório de maneira holística, levando em
consideração a questão das identidades individuais e coletivas e como afetam as interações
globais. O estudo destaca o papel das emoções na construção das identidades e como estas têm
um papel fulcral nos processos decisórios e sociais humanos; para isso, nos apoiamos no conceito
de Reconhecimento e sua função na composição das sociedades contemporâneas. Escolhemos
estudar uma emoção específica, a catarse, com sobressaltado papel na gestão de traumas
coletivos e na construção de uma ética que promova uma convivência internacional justa. Uma
análise literária da obra de Ésquilo, com suporte nas teorias emocionais-racionais das Relações
Internacionais, oferece uma observação dos conceitos de identidade, hubris, nemesis, xenia e
catarse, ilustrando como estes podem desempenhar uma função na superação de diferenças e na
promoção de uma coexistência internacional harmoniosa.
Metodologia
Utilizamos uma abordagem multidisciplinar para acessar os conceitos de
Reconhecimento, emoções, tragédia e catarse, com suporte em interpretações da história,
filosofia, psicologia, sociologia, antropologia e ciência política; combinamos e relacionamos
esses conceitos com autores da literatura da Teoria Política e das Relações Internacionais para
observar como são tratados nessas disciplinas e quais suas utilidades para compreender a
formação das identidades individuais, coletivas, nacionais e internacionais. Seguimos o método
proposto por Clément e Sangar (2018), que advogam pela importância dos estudos emocionais
nas Relações Internacionais, que devem ser feitos com acessos multidisciplinares e objetivos, e
que para melhor se compreender a importância das emoções para a disciplina, é ideal isolar uma
emoção e estudá-la separadamente. Por isso, ao destacar a catarse, buscamos compreendê-la
como um agente de Reconhecimento e identitário, capaz de aliviar motivações traumáticas e que
pode ser instrumentalizada para construir um sistema ético transnacional.
Resultados e Discussão
O estudo teórico avaliou a importância das emoções para a disciplina das Relações
Internacionais como um complemento das teorias racionalistas que assumem o processo de
tomada de decisão como um cálculo racional absoluto. O apetrecho das emoções contribuiu para
uma perspectiva mais holística da relação humana com a política, bem como seu papel na
construção de identidades e ideologias. O estudo sobre a catarse demonstrou ser potencial para
estabelecer políticas de justiça nacionais e internacionais, uma vez que lida com princípios de
empatia, Reconhecimento através do ‘outro’. Pouco ainda foi explorado sobre essa temática nas
Relações Internacionais e mais pesquisas serão necessárias para aprofundar a discussão teórica e
verificar as políticas nacionais e internacionais que podem ser potencialmente construídas para
contribuir na instrumentalização do recurso catártico e emocional como um alavancador dos
temas de justiça e ética. A catarse demonstrou um potencial interessante para perspectivas
ontológicas do ‘ser’ e do ‘outro’, essencial à discussão das Relações Internacionais; sua
instrumentalização pode promover maior entendimento sobre as motivações das tragédias e das
guerras e meios de evitar ou lidar com elas. Mais investigações sobre o tema são necessárias para
explorar melhor o argumento teórico, com mais suporte multidisciplinar para encontrar meios
efetivos de instrumentalização política.
Conclusão
A disciplina das Relações Internacionais tem muito a ganhar ao aprofundar seus estudos
na área das emoções, essenciais no processo de tomada de decisão humana e nos processos de
Reconhecimento, que levam à maneira como enxergamos o ‘ser’ e o ‘outro’, em uma dinâmica
de diferenciação que, quando mal realizada, pode levar não só a conflitos sociais como a um
expurgo da moral, da ética e da justiça. A complexidade e a contradição das relações humanas
produzem sentimentos de difícil compreensão, que devem ser explorados e compreendidos por
meio de uma empatia catártica, uma identificação e um Reconhecimento emocional com
indivíduos semelhantes e diferentes a um ego. As catarses liberam os indivíduos e as
coletividades de sobrecargas emocionais que ocorrem inevitavelmente em decorrências das
contradições da vida social e produzem resultados éticos e políticos positivos. Catarses
inconclusivas, incompletas ou inexistentes podem reprimir sentimentos e contribuir para
problemas de Reconhecimento nacionais e internacionais, produzindo injustiças e tragédias
violentas, conflitos e traumas.
REFÚGIO POR ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO: UMA ANÁLISE DO RECONHECIMENTO LEGAL NA UNIÃO EUROPEIA
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Thobias de Souza Ferreira Estanislau (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES))
Resumo:
INTRODUÇÃO
Existe hoje no mundo cerca de 195 países, sendo 193 deles compreendidos como partes integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), e dois países observadores: Vaticano (Santa Sé) e a Palestina (este representado na ONU pela Autoridade Nacional Palestiniana). Segundo a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA WORLD), 69 países ainda possuem em seus ordenamentos jurídicos a vigência de leis que criminalizam a relação consentida de dois adultos do mesmo gênero ou desses com mais de um gênero; dos quais seis Estados (ou algumas regiões dentro deles) – Brunei, Irã, Arábia Saudita, Iêmen, Mauritânia e Nigéria –, legitimam a pena de morte para a mesma situação em seus códigos penais (ILGA, 2020). Entre os 69 países da lista que criminalizam a homossexualidade, 67 deles registram leis explícitas contra a prática, e outros dois, Iraque e Egito, fazem uso indireto de outras legislações para perseguir e condenar pessoas por esses atos, de acordo com relatório mundial “Homofobia Patrocinado pelo Estado” do ano de 2020 (ILGA, 2020).
A maior parte dos países que criminalizam e têm penas de morte por orientação sexual e/ou identidade de gênero, estão localizados no continente africano e no Oriente Médio. Uma das principais explicações para isso, tem consonância com a questão religiosa – no caso, principalmente, o islamismo –, que rege os pensamentos, comportamentos e decisões desses Estados, se tornando a religião um fator substancialmente determinante na vida e na cultura das sociedades que ali vivem. Em consequência disso, muitos destes países não possuem em seus ordenamentos domésticos uma dissociação em relação ao governo e à religião, sendo leis criadas e legitimadas em prol da religião islâmica (Sharia). Cria-se, com isso, um Estado teocrático, que é caracterizado por possuir um sistema de governo que se submete às normas de uma religião específica.
Os extremismos que podem vir a surgir com um Estado teocrático, na maior parte dos casos, é decorrente de grupos fundamentalistas religiosos que deturpam o verdadeiro significado da religião (que prega a paz, o respeito, a união, o amor e a prática do bem), e utilizam disso para governar em prol dos seus interesses específicos, controlando às massas e determinando como uma sociedade deve agir, se comportar e se relacionar afetiva e sexualmente. Como efeito, cria-se uma homofobia institucionalizada, em que “os atos homossexuais são vistos como sintomas de uma doença que acomete o indivíduo cuja presença identifica-o como ‘homossexual’, em contraposição a uma condição normal, tida como saudável, denominada de ‘heterossexualidade’” (RIOS, 2011, p. 38).
Isso posto, pessoas que são homossexuais ou que são equivocadamente intituladas como pertencentes a esse grupo, ficam em uma situação de extrema vulnerabilidade por não se enquadrar ao padrão imposto pela matriz hegemônica heterocisnormativa. Assim, sendo esses indivíduos colocados em uma linha de frente, em que seus corpos se tornam mais suscetíveis à prisão, à violência ou à pena de morte (perante ao Estado ou por parte da sociedade, em execuções em praças públicas). Torna-se imprescindível, então, que haja uma mudança de sistema, pois apenas isso pode provocar uma mudança de mentalidade.
No que concerne à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, considera-se refugiada(o) aquela ou aquele que deixa o seu país em decorrência de um fundado temor de perseguição. Logo, de acordo com o que é estabelecido pela Convenção de Genebra de 1951, acrescido pelo Protocolo de Nova York de 1967, uma pessoa é definida como refugiada ao pertencer às seguintes categorias: raça, nacionalidade, religião, opinião política e pertencimento a um grupo social.
Isso posto, pelo fato de a Convenção de 1951 e também o Protocolo de 1967 não explicitam a definição de “pertencimento a grupo social”, após alguns anos surgiram dispositivos legais que o fizeram, utilizando da premissa de que minorias sexuais constituem um grupo social perante ao Direito Internacional dos Refugiados. A categoria de grupo social é onde se insere as pessoas LGBTI+, contudo, fica totalmente à mercê da discricionariedade do Estado no processo de elegibilidade. Desse modo, quando a pessoa for requisitar a concessão de refúgio, o país interpretará, baseando-se nas suas leis domésticas, se considera ou não a migração forçada por orientação sexual e/ou identidade de gênero.
Com o surgimento dos Princípios de Yogyakarta, que foi uma conferência realizada na Indonésia no ano de 2006, em nome de uma coalizão de organizações de direitos humanos, sendo coordenada pela Comissão Internacional de Juristas e pelo Serviço Internacional de Direitos Humanos, foi desenvolvido um projeto que tinha por objetivo a criação de 29 princípios jurídicos internacionais em prol dos direitos humanos com base na orientação sexual e identidade de gênero. Esse documento foi publicado no ano seguinte, em 2007, e possui como finalidade dar mais clareza e coerência às obrigações de direitos humanos dos Estados à população LGBTI+ (YOGYAKARTA, 2007).
Nesse sentido, os Princípios de Yogyakarta não é um documento que possui obrigatoriedade de um caráter vinculativo ao ordenamento jurídico doméstico dos países. Todavia, tais princípios foram de extrema relevância para o Direito Internacional dos Refugiados não somente na questão por garantir explicitamente o “direito de buscar asilo” em outros Estados com base na perseguição por orientação sexual e/ou identidade de gênero, mas porque ressalta uma série de direitos que são também orientadores em outras configurações do refúgio LGBTI+ (WEβELS, 2013, p. 63; ACNUR, 2012).
Diante desse contexto, muitas pessoas que se reconhecem ou são estigmatizadas enquanto indivíduos LGBTI+, são vetadas de inúmeras formas em seus Estados nacionais de exercerem sua personalidade e de se relacionarem com quem quiser, em função, consequentemente, de perseguição ideológica, política e mesmo religiosa. Urge, dessa forma, a necessidade de proteção internacional por perderem seus respectivos lares ou até mesmo por estarem sofrendo vários tipos de violências (psicológica, moral, física e/ou sexual) e também ameaças de morte. Assim, em efeito de tais atrocidades, pessoas LGBTI+ enxergam como última alternativa (ou até mesmo como a única), o refúgio e o acolhimento em outros países onde suas existências não são passíveis de aniquilação.
Por consequência da criminalização da orientação sexual e/ou identidade de gênero, desde 2002, agências internacionais têm reconhecido a condição de refugiado a solicitantes pertencentes a esse grupo social minoritário. A categoria “refugiados LGBTI+” tem sido utilizada para denominar as pessoas em razão do refúgio por sua autoidentificação (ou caracterização) em relação às orientações sexuais e identidades de gênero destoantes da heterossexualidade e/ou cisgeneridade, em que essas pessoas fogem do seu país de origem por questão de sobrevivência, para não correrem o risco de serem presas de forma arbitrária e de serem submetidas a variadas formas de tortura e de hostilidades. Logo, ao conseguirem proteção internacional no país ao qual solicitaram refúgio, essas pessoas terão a possibilidade de externalizar suas verdadeiras identidades sem ter os seus direitos fundamentais transgredidos e, com isso, poderão gozar da liberdade de amar quem quiser, sem receio de sofrer qualquer tipo de punição ou represália em decorrência desse fator.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) reconhece a perseguição com base na orientação sexual e/ou identidade de gênero (OSIG), por meio de três diretrizes – de 2002, 2008 e 2012 –, em documentos normativos não-vinculantes da Comissão Internacional de Juristas (ou ICJ, sigla em inglês para International Commision of Jurists), e também em relatórios e resoluções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH). Sob este viés, no ano de 2012, o ACNUR alterou a Diretriz nº 9 sobre a proteção internacional, ao apresentar um panorama sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos fazendo referência aos Princípios de Yogyakarta de 2007, que regula a questão dos refugiados OSIG no mundo, “estabelecendo a interpretação de que as pessoas LGBTI+ fazem parte de um grupo social e fogem de seus países de origem pela perseguição baseada em sua condição de orientação sexual e identidade de gênero” (ACNUR, 2012).
Segundo como explica Isadora França (2017), em relação a diretriz de 2012 do ACNUR, “na diretriz atual, o capítulo sobre ‘pertencimento a um grupo social específico’ é singularmente importante, pois discute as bases pelas quais se pode estabelecer LGBTI como ‘grupo social específico’ diante de situações de violações de direitos no marco da Convenção de 1951” (FRANÇA, 2017, p. 11). De acordo com a autora supracitada, essa definição do ACNUR parte do entendimento de que “[…] o pertencimento ao ‘grupo social específico’ LGBTI justifica a solicitação de refúgio quando se trata de contextos em que esse grupo ‘tem sistematicamente seus direitos violados’ e os solicitantes de refúgio se enquadram como ‘vítimas potenciais dessas violações’” (FRANÇA, 2017, p. 11). Além disso, o Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH) reconhece os direitos LGBTI+ como direitos humanos, pois, segundo os relatórios elaborados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), as práticas de violências mais comuns contra as pessoas OSIG, em que há maiores violações dos direitos humanos, são: mortes, torturas, violência física, sexual e psicológica, falta de proteção policial, detenção arbitrária, negativa de direitos, limitação às liberdades de expressão e informação, discriminação no emprego, na saúde e na educação, estupros corretivos, exclusão social e familiar.
Em relação à União Europeia, o primeiro país a reconhecer a orientação sexual como parte de um grupo social foi a Holanda (Países Baixos), em 1981, a partir do case law Dutch Raad van State (JANSEN, 2013, p. 1). Alguns outros países também passaram a reconhecer a orientação sexual como um “grupo social específico” ao longo da década de 1990. No ano de 2007, 19 países haviam reconhecido oficialmente que a orientação sexual e a identidade de gênero poderiam configurar e ensejar uma solicitação de refúgio e, dessa maneira, considerá-la como válida: África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Grécia, Irlanda, Itália, Lituânia, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos, Reino Unido e Tailândia (VIEIRA, 2011, p. 9).
Ainda no início dos anos 2000, foi possibilitado o reconhecimento legal que acabou concretizando no âmbito regional (Europa) a partir da criação da Diretiva de Qualificação. Dessa forma, as diretivas podem ser entendidas como várias medidas legislativas que são adotadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia. No caso da Diretiva de Qualificação de 2004 (Council Directive 2004/83/CE), que em 2011 foi reformulada e transformada na 2011/95/UE (hoje em vigor), é uma legislação específica que trata sobre o tema de refúgio por orientação sexual e também por identidade de gênero (que a diretiva de 2004 não reconhecia), como pertencentes a um grupo social. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) aprovou também outras diretivas e dispositivos legais mais recentes, passando a conferir direitos aos refugiados OSIG em outras matérias, como condições especiais no decorrer do processo, concedendo, inclusive, reconhecimento às especificidades dessa população.
Sendo assim, a partir desse reconhecimento internacional, a OSIG passa a ser considerada um fator de vulnerabilidade e, portanto, há compreensão da necessidade de salvaguarda internacional. Todavia, mesmo sendo comprovado atos de perseguição e de violação dos direitos humanos das pessoas LGBTI+, o Direito Internacional dos Refugiados exige um nexo entre o solicitante de refúgio e uma comprovação de um possível risco de perseguição em seu país de origem. Há ainda uma resistência da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, e também o Protocolo de 1967, de incluir explicitamente a orientação sexual e a identidade de gênero nos critérios de concessão de refúgio. Dessa maneira, a solicitação de refúgio por motivo OSIG ainda não é consensual no ordenamento jurídico global de proteção dos direitos humanos dos refugiados, ou seja, o reconhecimento internacional enquanto norma, fazendo com que o ACNUR, organizações regionais como a União Europeia e também as ONGs (Organizações não Governamentais), por exemplo, trabalhem para dar visibilidade, auxílio ou proteção às pessoas que se encontram nessa condição.
MARCO TEÓRICO
Como arcabouço teórico, a pesquisa tem por objetivo conjugar preocupações de natureza teórica, a partir de perspectivas críticas e de abordagens contemporâneas das Relações Internacionais, e também utilizar de novos recortes de caráter interdisciplinar –
a serem melhor definidos no curso do desenvolvimento da investigação.
A União Europeia (UE) é o maior bloco econômico do mundo, composto por países da Europa que buscam intensificar as suas trocas comerciais e de promover a ajuda mútua entre eles, com o objetivo de fazer a economia dos países membros do bloco crescer e se desenvolver. Então, a UE é uma união entre países europeus que preza pelo desenvolvimento econômico, que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, buscam manter-se em um novo polo de poder para terem força no mercado econômico e também poder de influência no mundo, sendo esse processo dificultado se os países membros do bloco desempenhassem suas atribuições de forma isolada.
O êxito dessa organização supranacional se deve, em larga medida, ao seu modo de funcionamento pouco comum, já que os Estados que pertencem à UE continuam a ser nações soberanas e independentes, mas congregam as suas soberanias para ganharem força e poder de influência no sistema internacional. Dessa forma, congregar soberanias significa exercer delegações, ou seja, os países que compõem o bloco delegam na prática alguns dos seus poderes de decisão em instituições comuns que criaram, de modo a assegurar que determinadas decisões sobre temas de interesses de todos, possam ser tomadas de forma democrática.
Acerca do reconhecimento legal do refúgio OSIG, há uma grande discrepância entre os países da União Europeia na forma como eles lidam com a pauta do refúgio LGBTI+, ou seja, dificultando a existência de um sistema de proteção coeso, harmônico e efetivo, como é proposto pelo Sistema de Dublin (JANSEN, 2013, p. 2; COMISSÃO EUROPEIA, 2016, p. 3-5). Em relação a esse sistema, os solicitantes de refúgio podem vir a ser transferidos de um país a outro independentemente de sua escolha inicial (tal prática denominada de reassentamento). A partir disso, compreende-se que:
Com o objetivo de tentar mitigar essas discrepâncias, a Comissão Europeia submeteu várias propostas para reformar o Sistema Europeu Comum de Asilo em 2016. Dentre as propostas de reforma, é sugerida a transformação da maior parte das diretivas atuais em regulamentos (Diretivas de Qualificação e de Procedimentos), ou seja, as regras estabelecidas nelas passariam a ser diretamente aplicáveis e obrigatórias. A transformação da Diretiva de Qualificação em um Regulamento, por exemplo, seria muito positiva para o reconhecimento da condição de refugiado baseado em OSIG, dado que evitaria que alguns países transpusessem apenas algumas partes da Diretiva, deixando de fora outras que fossem essenciais para o direito destes refugiados. A instituição de um Regulamento também permitiria uma padronização na linguagem para se referir à orientação sexual e identidade de gênero, já que o texto do Regulamento é automaticamente vinculante e não precisaria ser transposto para a legislação nacional dos países (COMISSÃO EUROPEIA, 2016, p. 11 apud ALMEIDA, 2018, p. 13).
Nos últimos anos, está sendo bastante difundido pelas mídias essa pauta das migrações forçadas, em que os Estados-membros da União Europeia são considerados destinos frequentes para as pessoas que fogem de seus países de origem por perseguição em consequência de suas orientações sexuais e/ou identidades de gênero. No ano de 2011, foi realizada uma pesquisa em que constatou que havia uma estimativa de que os países que compõem a UE recebiam anualmente cerca de 10 mil solicitações de refúgio baseadas em orientação sexual e/ou identidade de gênero (JANSEN; SPIJKERBOER, 2011, p. 16).
Sendo assim, no âmbito da União Europeia, o reconhecimento legal da orientação sexual como “grupo social” se deu por meio da Council Directive 2004/83/CE (em português Diretiva de Qualificação ou em inglês Qualification Directive), que em 2011 foi remodelada e convertida na 2011/95/UE. No artigo 10 (1) (d), salienta-se:
Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que: — os membros desse grupo partilham uma característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e — esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia. Dependendo das circunstâncias no país de origem, um grupo social específico poderá incluir um grupo baseado numa característica comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser entendida como incluindo atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados-membros. Para efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspectos relacionados com o gênero, incluindo a identidade de gênero (UNIÃO EUROPEIA, 2011, art. 10).
Em relação ao artigo 10 (2) da mesma Diretiva, a perseguição pode ser estabelecida não somente pela essência do sujeito, isto é, como uma particularidade que lhe é imputada ou atribuída, mas também se uma pessoa é percebida ou é pré-definida como pertencente à Comunidade LGBTI+, mesmo que não seja de fato. Diante disso, há uma perseguição por essa razão, e isso constituiria em um fator determinante para que uma pessoa solicitasse refúgio. Essa interpretação consta na Nota de Orientação do ACNUR de 2008, parágrafo 3 (MIDDELKOOP, 2013, p. 156), o que comprova uma conformidade da legislação europeia com as recomendações do ACNUR.
Todavia, em relação às Diretivas que são as legislações criadas no âmbito da União Europeia, elas dependem de algumas questões para serem de fato efetivadas, pois, de acordo com Almeida (2018):
[…] têm efeito vinculante quanto ao resultado a ser atingido, mas só são de fato obrigatórias quando incorporadas por uma lei nacional. Isto é, as Diretivas precisam ser internalizadas dentro dos países membros a partir de legislações internas. Os países são obrigados a atingirem os resultados previstos nas diretivas, mas são autônomos para decidirem a forma e o método por meio do qual os farão. Por essa razão, as Diretivas são um método de harmonização, mais do que de uniformização da legislação (ALMEIDA, 2018, p. 9-10).
Corroborando com o autor supracitado, Oliva (2014, p. 10) reafirma que “a Diretiva de Qualificação teve de ser absorvida pelo direito interno dos países membros da União Europeia”. Logo, Áustria, Chipre, República Tcheca, Alemanha, Estônia, França, Itália, Lituânia, Letônia, Malta, Polônia, Romênia, Eslovênia e Eslováquia já incluíram a mesma em seus ordenamentos. Então, apesar de existir a Diretiva, “muitos Estados já garantiam um visto especial de permanência a minorias sexuais cuja vida e/ou liberdade fossem ameaçadas em seu país de origem” (NASCIMENTO, 2018, p. 91-92). Contudo, em certos países da União Europeia, como a Itália e Grécia, é muito comum os solicitantes de refúgio serem presos arbitrariamente ou até mesmo serem deportados (violando um dos princípios positivados internacionalmente: non-refoulement). Por essa razão, “os migrantes forçados são mantidos em centros de detenção e, posteriormente, deportados pelos mesmos Estados a que esses indivíduos recorrem para solicitar a condição de refugiado” (GARCIA, 2014).
Como foi apontado, há uma problemática em relação aos migrantes forçados que solicitam refúgio em Estados-membros da UE, pois há uma concepção de que as pessoas em situação de deslocamento forçado são consideradas como sujeitos indesejáveis. Isso pode ser decorrente de pautas ultranacionalistas vinculadas à extrema-direita, em que é criado e fomentado pelos governos, partidos e políticos uma ideia de que todo refugiado, inclusive os por motivo OSIG, atentam contra a segurança da população autóctone. Com isso, cria-se um pensamento de marginalização sobre as pessoas em condição de refúgio, favorecendo, inclusive, à população local comportamentos xenófobos e etnocêntricos que segregam, ultrajam e violentam os corpos categorizados como indesejáveis, ferindo, dessa forma, os direitos humanos desse grupo.
Diante dessa conjuntura, Rossana Reis afirma que:
O estudo da evolução do regime internacional de direitos humanos mostra que é crescente o reconhecimento do indivíduo como portador de direitos independentes de sua nacionalidade, mas, ao mesmo tempo, revela que a implementação desses direitos continua basicamente dependente dos Estados, no caso específico das migrações internacionais, dos Estados receptores (REIS, 2004, p. 154).
Sob este viés, podemos compreender que o comportamento de muitos países que compõem a União Europeia e que estão sendo governados por políticos de extrema-direita – ao exemplo da Polônia, Hungria e Itália –, são provenientes de uma narrativa etnocêntrica, colonial e intolerante, que consideram os corpos vulneráveis em situação de deslocamento forçado como pessoas que promovem o conflito e a instabilidade (muitos associados como criminosos e até mesmo considerados como terroristas, dependendo da sua etnia, religião ou nacionalidade). Ou seja, essas pessoas são consideradas sujeitos indesejáveis para se integrar à sociedade europeia, por serem estigmatizados como “uma ameaça à segurança e à paz” para o continente europeu.
Com a ascensão da extrema-direita no continente europeu, surgem vários problemas sérios a serem resolvidos pela União Europeia. Os partidos que se filiam às ideologias defendidas pela extrema-direita, são extremamente anti-europeus, ultranacionalistas, anti cosmopolitas, contra todos os valores nos quais se sustenta o bloco econômico. Com isso, urge se atentar com a força que a extrema-direita vem adquirindo nos últimos anos nos países-membros da UE, devendo ser analisada a proporção e a propagação de ideias contra minorias sociais, como no caso das pessoas LGBTI+ e dos solicitantes de refúgio por essa condição.
Nesse contexto, o comportamento de muitos Estados da UE nos últimos anos é decorrente de uma mentalidade que possui um viés autocentrado e unicultural, desempenhando ações contra a abertura das fronteiras de seus territórios em relação aos fluxos migratórios que chegam à Europa. Tais procedimentos são legitimados cada vez mais por políticas discriminatórias e intolerantes contra grupos sociais minoritários, rechaçando qualquer indivíduo em situação de deslocamento forçado e vetando seu direito de receber acolhimento, segurança e proteção.
No que se refere a tais problemas enfrentados pelos solicitantes de refúgio e refugiados, Flávia Piovesan argumenta que essa questão deve ser analisada através dos direitos humanos. Desse modo, a autora explica que:
É necessário que a problemática dos refugiados seja enfrentada sob a perspectiva dos direitos humanos. Hoje é amplamente reconhecida a inter-relação entre o problema dos refugiados, a partir de suas causas principais (as violações de direitos humanos) e, em etapas sucessivas, os direitos humanos. Assim, devem os direitos humanos ser respeitados antes do processo de solicitação de asilo ou refúgio, durante ele e depois dele (na fase final das soluções duráveis). Há uma relação direta entre a observância das normas de direitos humanos, os movimentos de refugiados e os problemas da proteção, sendo necessário abarcar a problemática dos refugiados não apenas a partir do ângulo da proteção, mas também da prevenção e da solução (duradoura ou permanente) (PIOVESAN, 2018, p. 296-297).
As lacunas na proteção dos refugiados LGBTI+ podem ser expressas de variadas formas. Uma delas é relacionada à falta de cooperação entre os Estados para o acolhimento destes indivíduos e também pelo desinteresse e até mesmo pela negligência dos Estados-membros da UE ao desconsiderar uma análise dessa temática por uma perspectiva dos direitos humanos. Sem falar que, a problemática em relação à ausência de gênero e sexualidade em muitos documentos de direitos humanos são notórias.
Na Convenção de Genebra de 1951, essa lacuna é driblada pelo termo abrangente “grupo social”, como já foi explicado anteriormente. Sendo comum, por parte da Convenção, abarcar gênero e sexualidade por termos genéricos. Em consequência disso, muitos países do bloco europeu aproveitam-se dessa lacuna para driblar, inclusive, a Diretiva de Qualificação, partindo da decisão de não aceitar aderir essas Diretivas em seus ordenamentos jurídicos internos.
Entende-se, portanto, que compreender as migrações forçadas exige, de certa maneira, entender toda a arquitetura do Estado nacional, ou seja, uma estrutura que condiciona a legitimidade do refúgio aos chamados interesses nacionais. Porque, ao se considerar os refugiados como migrantes irregulares, interpretações equivocadas podem ser desencadeadas por parte da população civil europeia, abrindo espaço para a depreciação desse grupo (como também acontece com os imigrantes indocumentados), enquadrando-os no mesmo patamar dos “migrantes ilegais”. Em consequência disso, cai sobre os refugiados um estigma de que eles não precisam ser tratados de forma diferenciada, legitimando, dessa forma, atos deploráveis e desumanos no tratamento dessas pessoas ao ingressarem em países-membros da União Europeia.
PROBLEMAS DE PESQUISA
O problema de pesquisa que queremos resolver com esse projeto é: Por que identidades LGBTI+ em situação de deslocamento forçado enfrentam dificuldades para receber acolhimento na União Europeia? E quais são os desafios para garantir o direito de refúgio às pessoas LGBTI+ na União Europeia?
HIPÓTESE
Em relação à hipótese, observa-se que há uma limitação do Direito Internacional no que se refere à soberania dos Estados em relação às suas decisões e cláusulas internas, especialmente se tratando sobre os processos de reconhecimento de direitos aos refugiados LGBTI+ na União Europeia e no que tange à salvaguarda dos direitos humanos dessa população.
OBJETIVOS
Objetivo geral:
Analisar os seus dispositivos legais da União Europeia relacionados ao reconhecimento de solicitantes de refúgio OSIG e da prática dessa organização no processo de determinação da condição de refugiado.
Objetivos específicos:
a) Identificar os enquadramentos político-jurídicos para o reconhecimento da condição de pessoas OSIG como grupo social para a solicitação de refúgio;
b) Compreender as ideologias anti-imigração e anti-refúgio a partir das narrativas dos Estados-membros da UE e de suas ações controvérsias referentes às concessões de refúgio por OSIG.
JUSTIFICATIVA
Os refugiados LGBTI+, personagens centrais da pesquisa, correspondem às pessoas que são forçadas a fugir do seu país em razão de perseguição por orientação sexual e/ou identidade de gênero. Dessa forma, ao longo dos estudos e análises sobre essa temática, foi possível constatar que os solicitantes de refúgio LGBTI+ são indivíduos que não se enquadram nas categorias normativas ou legais sobre sexualidade e gênero, e migram com a esperança de encontrar um lugar mais seguro e melhor em outro país ou continente.
As duras ações que são realizadas por partidos e políticos de extrema-direita, dentro da lógica de securitização das migrações forçadas na União Europeia, ao exemplo das detenções, podem ser justificadas pelos possíveis malefícios e problemas sociais que os refugiados poderiam gerar, sendo esses associados à criminalidade e à insegurança, em que esses corpos marginalizados são, muitas vezes, estigmatizados e configurados como potenciais terroristas.
Em diversos países, por exemplo, não há garantias cidadãs ou de direitos aos indivíduos LGBTI+, que na maioria das vezes são reduzidos a objeto de abuso e discriminação – uma debilidade da vida que inclui difamações, perseguições, torturas, prisões arbitrárias, estupros e até mesmo assassinatos. Nesse sentido, quanto mais evidente for a dissidência, ou seja, quanto mais se divergir exteriormente de um padrão hegemônico, mais riscos uma pessoa LGBTI+ passa a correr. Sendo assim, os problemas normativos em torno da proteção das pessoas LGBTI+ internacionalmente, podem servir como inspiração em uma construção jurídica que seja mais adequada à singularidade plural dos sujeitos e à dignidade humana.
No campo do refúgio, em que se há regras rígidas e papéis clássicos a serem tabulados, a delimitação dessas pessoas é um verdadeiro desafio, pelo fato de não haver uma identidade fixa e muito menos pré-determinada. Logo, em conjunturas socioculturais intensamente repressivas, classificadas por abusos provenientes de distintas instituições (Estado, Igreja, sistema educacional, complexo jurídico, polícia etc.), estimulados por dogmas religiosos, costumes, desinformação, condenações morais ou arbitrárias, imaginários estereotipados e intolerantes, o deslocamento advém uma possibilidade não somente de maior liberdade, mas, acima de tudo, de sobrevivência (WESLING, 2008).
A presente pesquisa, tem como finalidade abrir espaço para reflexões, análises, debates e questionamentos no que se refere aos problemas que ainda não foram identificados, investigados ou resolvidos em relação à temática escolhida para a realização desse projeto. Dessa forma, penso que a presente proposta de estudo e pesquisa possui extrema relevância na contribuição para o campo acadêmico dos estudos em migrações internacionais e deslocamentos forçados.
METODOLOGIA
A metodologia que será utilizada para o desenvolvimento da pesquisa consiste, preliminarmente, em uma pesquisa bibliográfica em referenciais teóricos da área do Direito Internacional dos Direitos Humanos e de outras áreas do conhecimento que se relacionam com o estudo das migrações internacionais, especificamente sobre deslocamento forçado por motivo de orientação sexual e identidade de gênero.
Para a consecução dos objetivos propostos, pretende-se realizar uma pesquisa documental junto aos ordenamentos jurídicos internacionais da ONU, da União Europeia, do ACNUR e de agências internacionais voltadas para a questão do refúgio LGBTI+. Não deixando de mencionar, será relevante também analisar documentos de Organizações Não Governamentais (ONGs), principalmente aquelas que trabalham essa temática, e que promovem incentivos quanto à normalização dos processos de solicitação e no acolhimento de pessoas refugiadas por orientação sexual e identidade de gênero.
Isso posto, a proposta do trabalho utilizará como método de pesquisa a abordagem hipotético-dedutivo, visto que o ponto de partida é o problema constatado. Quanto às técnicas de investigação, será através da pesquisa bibliográfica (fontes terciárias a partir de pesquisas em livros, teses, dissertações, monografias e artigos científicos) e também da análise documental (fontes primárias a partir da verificação em relatórios, informes e resoluções da ONU, da UE e da ILGA). Sendo assim, por meio dessas bases documentais e bibliográficas, será possível analisar evidências que comprovem a existência de esforços do Direito Internacional, dos Direitos Humanos e das organizações internacionais envolvidas nas questões relativas ao deslocamento forçado por orientação sexual e identidade de gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável dizer que a violência e a negativa de direitos é a realidade de muitas pessoas que não se adequam à matriz hegemônica heterocisnormativa imposta por muitas sociedades, sendo respaldado, em grande porcentagem, por uma visão limitada, equivocada e até mesmo deturpada de mandamentos religiosos. A hostilidade geral, psicológica e social contras às pessoas que sentem desejo ou têm práticas românticas, sexuais e/ou afetivas consensuais com indivíduos do mesmo gênero ou com mais de um gênero, costumam sofrer represálias e perseguições por grupos religiosos ou por aqueles que se contrapõem à liberdade sexual e afetiva.
Outrossim, em conjunturas socioculturais intensamente repressivas, classificadas por abusos provenientes de distintas instituições (Estado, Igreja, sistema educacional, complexo jurídico, polícia, etc.), estimulados por dogmas religiosos, costumes, desinformação, condenações morais ou arbitrárias, imaginários estereotipados e intolerantes, o deslocamento advém uma possibilidade não somente de maior liberdade, mas, acima de tudo, de sobrevivência (WESLING, 2008). O processo de solicitação de refúgio por orientação sexual e/ou identidade de gênero deve, imprescindivelmente, respeitar o direito à privacidade e atentar para não promover concepções estereotipadas sobre sexualidade e identidade de gênero. Dessa forma, é crucial que os tomadores de decisão garantam que a dignidade e a vida privada dos solicitantes de refúgio sejam respeitadas, e que o processo de autodeclaração tenha credibilidade e pertinência para a elegibilidade desse tipo de deslocamento forçado.
Os refugiados LGBTI+, corresponde às pessoas que são forçadas a fugir do seu país em razão de perseguição por orientação sexual e/ou identidade de gênero. Diante disso, as duras ações que são realizadas por partidos e políticos de extrema-direita, como as detenções arbitrárias, podem ser justificadas pelos possíveis malefícios e problemas sociais que esses refugiados poderiam gerar, sendo eles associados à criminalidade e à insegurança, em que esses corpos marginalizados são, frequentemente, estigmatizados e configurados como potenciais terroristas.
Em diversos países, por exemplo, não há garantias cidadãs ou de direitos aos indivíduos LGBTI+, que na maioria das vezes são reduzidos a objeto de abuso e discriminação – uma debilidade da vida que inclui difamações, perseguições, torturas, prisões arbitrárias, estupros e até mesmo assassinatos. Nesse sentido, quanto mais evidente for a dissidência, ou seja, quanto mais se divergir exteriormente de um padrão hegemônico, mais riscos uma pessoa LGBTI+ passa a correr. Sendo assim, os problemas normativos internacionais em torno da proteção dessa população, podem servir como inspiração em uma construção jurídica que seja mais adequada à singularidade plural dos sujeitos e à dignidade humana.
Enquanto os Estados de origem não garantem os direitos necessários para evitar o deslocamento forçado de pessoas em decorrência de sua sexualidade e/ou identidade de gênero, os Estados europeus possuem a função essencial na proteção desses refugiados. Logo, em relação à União Europeia, a primeira política que poderia ser feita, é erradicar a concepção de categorizar um solicitante de refúgio ou refugiado como uma ameaça existencial à segurança e à paz, evitando-se, dessa forma, nas disseminações equivocadas, etnocêntricas, racistas, discriminatórias e LGBTIfóbicas para se referir às pessoas em situação de deslocamento forçado. Neste caso, seria necessário fornecer informações corretas sobre as categorias dos requerentes de refúgio, sendo possível evitar ou mitigar discursos políticos contrários ao acolhimento e à proteção desse tipo de deslocamento forçado.
Portanto, o presente trabalho buscará trazer informações acerca das legislações da União Europeia para as pessoas em situação de refúgio por orientação sexual e/ou identidade de gênero. Além disso, a pesquisa tem como finalidade abrir espaço para reflexões, debates e questionamentos no que se refere aos problemas que ainda não foram identificados, analisados ou resolvidos em relação à temática abordada.
REGIME MULTILATERAL DE COMÉRCIO: REFLEXÕES SOBRE A 13ª CONFERÊNCIA MINISTERIAL DA OMC
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Silvana Schimanski (Universidade Federal de Pelotas (UFPel))
Resumo:
Estabelecida em janeiro de 1995, a Organização Mundial do Comércio (OMC) é o fórum multilateral onde os governos negociam acordos, resolvem disputas comerciais e promovem um sistema para o comércio internacional orientado por princípios, normas e regras. A organização, que incorporou o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, possui um conjunto de Acordos e iniciativas, fornecendo um quadro jurídico e institucional para a implementação e monitoramento dos compromissos assumidos pelos membros.
Como as relações comerciais envolvem interesses conflitantes, a OMC enfrenta desafios para gerir as negociações cada vez mais complexas, especialmente, devido à participação ativa das economias emergentes. O regime comercial multilateral, com a OMC no centro, foi estabelecido por meio de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores podem convergir (Krasner, 1983). Atualmente, a organização conta com 166 membros e enfrenta dificuldades para alinhar as suas expectativas. Consequentemente, as negociações são caracterizadas por impasses, estagnação ou resultados escassos.
O Regime Multilateral de Comércio se sustenta por um importante tripé: negociações de acordos comerciais, solução de controvérsias comerciais e mecanismos de transparência e monitoramento. Recentemente, cada um dos referidos pilares sofreu duros golpes e tem estimulado análises fatalistas sobre o papel da OMC e do próprio Regime Multilateral de Comércio. Nesse contexto, o presente artigo busca responder à seguinte pergunta: qual a contribuição da 13ª Conferência Ministerial para o Regime Multilateral do Comércio? Por meio da abordagem qualitativa, baseada em fontes primárias e secundárias, busca-se analisar a Declaração Ministerial de Abu Dhabi, realizada em março de 2024. A análise permite considerar que apesar de não avançar negociações de novos acordos, os membros concordaram em preservar e fortalecer regime multilateral de comércio, para responder aos desafios contemporâneos.
REGIONALISMO E A AGENDA 2030 (ODS): DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, EQUIDADE E DEMOCRACIA NA CONSTRUÇÃO DA GOVERNANÇA REGIONAL
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Karina Mariano (UNESP)
Resumo:
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que conformam a agenda 2030 da ONU cobrem os principais desafios do século XXI: pobreza, desigualdade, crise socioambiental e fortalecimento das instituições democráticas. Esta iniciativa foi uma resposta aos desdobramentos da globalização, marcada por políticas neoliberais e questionamento do papel do Estado, que intensificaram esses problemas no sistema mundial.
A governança regional foi moldada para atender às necessidades e adequação dos Estados à globalização, mas não às demandas das sociedades. Isso não contribuiu para promover sociedades plurais, inclusivas e democráticas fundamentadas no respeito aos direitos políticos e sociais. Pelo contrário, estimulou na última década o crescimento da radicalização política, da intolerância, do nacionalismo e de plataformas políticas anti-democráticas. Pressupomos que as organizações regionais podem contribuir para responder aos desafios dos ODS, por sua capacidade de agregar e responder aos interesses das sociedades das respectivas regiões, tanto internamente, promovendo políticas públicas justas e eficazes, como no âmbito externo, fortalecendo o multilateralismo.
O trabalho parte das seguintes perguntas:
i) Como esses contextos impactaram os processos de integração na América e na Europa e de governança regional relativos à formulação de políticas públicas regionais?
ii) por quê o aumento de participação de atores não-governamentais na integração não contribuiu para atender às demandas que emergiram como consequência da nova ordem global?
iii) como os ODS 8, 10, 11, 13 e 16 integram a agenda desses processos regionais?
O nosso pressuposto é que o grau de institucionalidade e de legitimidade das organizações regionais influencia no fortalecimento ou no enfraquecimento dos processos de governança regional. Em cada um deles, a análise se voltará para compreender os mecanismos político-institucionais regionais que promovem sociedades mais pacíficas, plurais e integradas.
Partindo da análise das experiências regionais na América e na Europa, o objetivo é avaliar as possibilidades de retorno a uma agenda positiva de direitos e democracia.
Os objetivos específicos da análise são:
-analisar a incorporação dos ODS (8, 10, 11, 13 e 16) na agenda da integração;
– debater a ascensão de políticas conservadoras/nacionalistas que aumentam a crise e exclusão;
– analisar o protecionismo comercial e seu impacto em setores econômicos importantes;verificar como os instrumentos de participação e controle democrático contribuem para a produção de um novo padrão de governança regional.
Para a realização da análise aplicamos métodos que se adequam aos diferentes objetivos e casos da pesquisa. Para o caso da governança regional empregamos a análise bibliográfica/documental e a realização de entrevistas com atores políticos e sociais. Esta etapa está sendo conduzida a partir da aplicação de instrumentos como a análise de conteúdo (BARDIN, 2011) cuja finalidade é a descrição objetiva e sistemática, tanto quantitativa como qualitativa. Complementarmente, empregamos métodos de eScience (APPEL; MACIEL; ALBAGLI, 2016; SCHROEDER, 2008), que permitem analisar grandes volumes de dados disponíveis nos meios eletrônicos (como é o caso de redes sociais). A análise sobre o regionalismo também incorpora esses métodos de análise, contudo o enfoque está menos voltado para os discursos e comportamentos dos atores, e mais para os desdobramentos institucionais, seja nos setores econômicos selecionados (analisando acordos, documentos e resultados), como nas estruturas organizacionais dos próprios processos de regionalismo.
RELAÇÕES ARTIFICIAIS E INTELIGÊNCIA INTERNACIONAL: o papel da Inteligência Artificial como vetor da hegemonia
Área Temática: Economia Política Internacional
Autor(es): Allam Zimmer Matte (UFSC)
Resumo:
O presente trabalho constitui o desenvolvimento de Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em particular na Linha de Pesquisa de Economia Política Internacional (EPI), e conta com financiamento da Comissão de Aperfeiçoamento em Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Enquadrada enquanto pesquisa em EPI, nesse trabalho tem-se como objetivo analisar elementos constitutivos – produção, operacionalização, comoditização – e inerentes à Inteligência Artificial (IA), que impactam no processo de manutenção e disputa pela hegemonia (no sentido neo gramsciano) no Sistema Internacional (SI).
A pergunta que norteia o trabalho se expressa em: Quais propriedades a IA possui que a validam como ferramenta de manutenção e/ou transição hegemônica sob a ótica do poder estrutural? No que se refere à metodologia, realiza-se a revisão bibliográfica em torno das principais categorias necessárias à exploração do objeto direto deste trabalho: a IA. Para isso, detalha-se: o conceito de tecnologia; a dimensão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs); o papel da Indústria 4.0. Subsequentemente, detalham-se as estruturas que dimensionam o processo de produção e reprodução do capital sendo as categorias selecionadas: Hegemonia, na medida em que ela expressa as dimensões do consenso e da coerção na produção do bloco histórico, e evidencia os agentes mais relevantes na disputa, observando suas capacidades de coordenar forças sociais, desenvolver as formas do Estado e as fronteiras da ordem global (COX, 1981). Imperialismo – demonstrando a formação de monopólio; a esquematização do capital financeiro; o fluxo de capitais (importação e exportação); associações internacionais (também lidas como holdings); e a partilha regional do paradigma digital. Alinhados os parâmetros que competem à categoria, instrumentalizam-se suas variáveis dimensionando o paradigma da transição tecnológica –; Teoria Marxista da Dependência (TMD), por meio da qual é possível dimensionar a relação centro-periferia e observar o resultado decorrente da adoção da IA para a dinâmica da economia política avaliando seu impacto semiperiferia. Com o ferramental metodológico devidamente apresentado, o cerne da análise direciona-se a dissecar as principais estratégias utilizadas pelos agentes envolvidos na disputa tecnológica e sua dimensão indissociável do poder estrutural. Atentar-se-á a) às Empresas Multinacionais (EMN), como vetores da produção e circulação das mercadorias através da Cadeia Global de Valores (CGV); b) aos Estados, que orientam e determinam os níveis de interdependência complexa relacionada a este segmento das TICs, em maior ou menor medida, a depender de sua posição na relação de forças. Por meio da pesquisa demonstra-se o paradigma das tecnologias de IA como ferramentas da produção e reprodução do capital, porque desenvolvem um papel enquanto mediações na disputa hegemônica entre as potências (estatais e não estatais) como elemento indissociável do poder estrutural. cujos eixos são: segurança, produção, financeiro e conhecimento (STRANGE, 1998). Portanto, a iminência deste novo ciclo de acumulação de capital corrobora com o adensamento da disputa pela hegemonia no SI e, por essa razão, amplia a necessidade de novos estudos acerca do tema.
Relações Bangladesh-Myanmar frente a Crise dos Refugiados de Rohingya.
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Beatriz Fernandes Lira Cavalcante (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)), Raíssa Caliano (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio))
Resumo:
Desde agosto de 2017, o povo Rohingya vive uma das maiores crises humanitárias do Sudeste Asiático. Abarcando uma minoria étnica que reside no noroeste de Mianmar, na região de Rakhine, a história dos Rohingyas pode ser traçada, principalmente, a partir de 1948 (Parnini, Othman, Ghazali, 2013). Neste ano, com a independência do país, eles foram reconhecidos como um grupo étnico indigena distinto, porém tendo sua cidadania constantemente questionada pela Junta Militar que assumiu o governo de Mianmar (Parnini, Othman, Ghazali, 2013).
Contudo, a Junta Militar não atuou somente na mudança de nome do país – anteriormente conhecido como Birmânia –, como também teve como uma de suas principais legislações a Lei de Cidadania de 1982 – The 1982 Citizenship Law. Atuando como a principal ferramenta de discriminação e exclusão de minorias étnicias, a Lei classificou os grupos étnicos oficialmente reconhecidos pelo o Estado e estabeleceu uma hierarquia entre três classes distintas de cidadania (Myanmar Cultural Research Society et al, 2020). Todavia, os Rohingyas, não reconhecidos como um dos grupos étnicos pelo governo, acabam por não serem alocados dentro de uma cidadania, mas sim forçados a um processo que os caracteriza como estrangeiros apesar de se reconhecerem como um grupo étnico legítimo (Myanmar Cultural Research Society et al, 2020). Como consequência, por serem reconhecidos como estrangeiros e rotulados como ‘Bengalis’ pelo Estado e sociedade, estima-se que entre 2012 e 2019 aproximadamente sete mil Rohingyas foram presos por não terem um cartão de identificação para viajar, além de sofrerem constantes violações de direitos humanos como estupro, tortura e assassinato em massa (Myanmar Cultural Research Society et al, 2020; Faye, 2021).
Com o não reconhecimento e as diversas violações nas quais o governo de Mianmar perpetuou contra a grupo Rohingya, um cenário crônico envolvendo migrações forçadas para Bangladesh se instalou, com milhares deslocados dependendo de ajuda humanitária para sobreviver em uma crise que possui tanto fundamentos religiosos como problemáticas econômicas e políticas (Faye, 2021). Como consequência, Cox’s Bazar, no sudoeste de Bangladesh, é um dos campos de refugiados mais densamente populados no mundo, que recebeu aproximadamente 75% de seus refugiados na extrema violência de agosto de 2017 (Médicos Sem Fronteiras, s. d.). Todavia, mesmo buscando refúgio em Bangladesh e nos campos de refugiados, os Rohingya são marcados como migrantes econômicos pelas autoridades do país – ao mesmo tempo em que, para o governo de Mianmar, também não são considerados como cidadãos de fato (Faye, 2021).
Diante do cenário explicitado, a pesquisa tem como objetivo investigar as implicações da Crise de Refugiados de Rohingya sobre a política externa de Bangladesh. É importante teorizar sobre as implicações em questão pois o Governo de Bangladesh baseia sua política na repatriação dos Rohingya, promovendo ao mesmo tempo asilo ao povo refugiado e pressão, por meio de atores como China, Índia e Japão, sobre o Mianmar (Mosaddek, s. d.). Vale ressaltar que Bangladesh caracteriza-se, historicamente, pela preferência de separar religião e política, tendendo para uma postura secular frente (Moshin, 2004), como é o caso da Crise de Refugiados de Rohingya. Ademais, temos como hipótese principal a geração do isolamento do Mianmar como consequência da política de Bangladesh frente aos refugiados, que incorpora atores internacionais influentes como ACNUR e o Programa Mundial de Alimentos, que auxilia na melhoria da qualidade da nutrição e alimentação dos Rohingya pelo território de Bangladesh (WFP Report, 2023).
Para analisar as relações de política externa entre Bangladesh e Mianmar, baseamos nossa metodologia na análise bibliográfica de artigos acadêmicos, relatórios populacionais, documentos oficiais tanto governamentais quanto supranacionais e em legislações do Mianmar e Bangladesh. A última fonte é implementada no artigo para esclarecer como o povo muçulmano Rohingya está inserido no contexto e história política do país. Com isso, entenderemos os dados quantitativos e qualitativos sobre refúgio hoje com maior qualidade.
Relações Internacionais e Gênero: uma análise do impacto do grupo MaRIas IRI-USP
Área Temática: Feminismos, Gênero e Sexualidades
Autor(es): Ana Luiza Rocha Gomide (Universidade Federal de Uberlândia (UFU)), Ana Lívia Ayres Cardoso (Universidade Federal de Uberlândia), Danielle Gonçalves Passos do Nascimento (UNESP-Marília)
Resumo:
Com o passar do tempo, dentro do escopo epistemológico e teórico das Relações Internacionais (RI), sobretudo as feministas, não mais questionam “se” o gênero faz parte desse campo disciplinar, mas sim os significados e os desafios da presença do conceito e categoria de análise Gênero. Dentro das vertentes feministas existe uma gama de autoras que se debruçam em percorrer a concepção de gênero e sua conexão com outros elementos que dialogam tanto com as pautas dos feminismos quanto de questões que tangenciam as múltiplas extensões das RI. J. Scott, J. Butler, R. Connell, H. Saffioti, Hill Collins, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí e J. Ann Tickner são algumas delas.
Em específico, Arruda (2019, p. 335) afirma que, nas Ciências Sociais, de maneira mais ampla, foi a partir dos anos 1970 que houve um avanço epistemológico e, consequentemente, uma ruptura com epistemologias tradicionais, ocasionado pelas ideias e elementos conceituais surgidos no cerne do movimento feminista e repletas de conteúdo político. A mais fresca estrutura de categorias, incluindo a de gênero, compõe as teorias feministas e faz parte de uma tentativa de romper com a subjugação intelectual de mulheres em termos dos papéis e condições de leituras e pesquisas femininas e feministas.
Então, entendendo a importância e o avanço das discussões de gênero nas RI, faz-se indispensável investigar quais são os instrumentos empregados para a consolidação de uma agenda de pesquisa no Brasil que contemplem e deem espaço para as perspectivas feministas e de gênero. Assim como a publicação de artigos, livros e temas para mesas em eventos, a existência de grupos de estudos, pesquisas e movimentos práticos dialogam diretamente com esse avançar, como é o caso do MaRIas IRI-USP, objeto do presente trabalho.
O MaRIas IRI-USP foi criado em maio de 2017, por pós-graduandas do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) que sentiam a necessidade de debater sobre gênero e RI e não encontravam matérias ou professoras(es) que tratassem a respeito da temática no Instituto. No período de 2017 até o início de 2020, os esforços das integrantes foram concentrados na promoção de grupos de estudos mensais, com o intuito de ler e debater textos sobre gênero e RI, já que a maioria delas não estudavam essa temática em suas pesquisas principais. Esses encontros aconteciam em alguma sala do IRI ou na biblioteca do Instituto e, apesar da divulgação, só compareciam mulheres do próprio IRI (MaRIas, 2024d).
O grupo passou por mudanças significativas desde o início de 2020. Inicialmente, as integrantes planejaram atividades mais ambiciosas, mas tiveram que adaptá-las à pandemia, migrando para encontros online. Essa transição, apesar de inesperada, trouxe benefícios, pois expandiu a participação dos encontros do grupo para além do IRI, incluindo pessoas de diferentes cidades e instituições. Ainda em 2020, destaca-se a bem-sucedida realização do Primeiro Seminário, que fortaleceu a rede de gênero, sexualidade e RI, culminando na quinta edição prevista para junho de 2024. Em 2021, o grupo abriu seleção para pessoas externas ao IRI e também graduandas, ampliando ainda mais sua composição (MaRIas, 2024d).
Além dos grupos de estudos e do Seminário, o MaRIas publicou, em 2023, o e-book Igualdade De Gênero No Estado De São Paulo: Mapeamento das Políticas Públicas Paulistas no Contexto do ODS 5, resultado de um mapeamento que as MaRIas e o Laboratório de Análises Internacionais Bertha Lutz (LAI-USP) realizaram entre 2021/2022 (MaRIas, 2024b). Nesse mesmo ano, o grupo iniciou um projeto de ensaios sobre as temáticas dos grupos de estudos, com lançamento programado para maio de 2024. Publicações anteriores no site do MaRIas abordaram entrevistas, artigos, mini-artigos e uma carta de repúdio. Em 2024, o grupo passou por reestruturação e um de seus objetivos é voltar com as publicações no site (MaRIas, 2024d).
Assim, considerando a atividade e produções desenvolvidas pelo grupo MaRIas, a finalidade desta pesquisa é compreender e analisar a contribuição e impacto do grupo no debate de gênero nas Relações Internacionais, bem como responder ao seguinte questionamento: quantas foram as produções promovidas pelo MaRIas e quais são os temas associados a gênero mais trabalhados pelo grupo? Para isso serão analisados dados dos Seminários (quantidade e conteúdo de trabalhos, minicursos e palestras apresentadas), grupos de estudos (quantidade de espectadores e temáticas abordadas), mailing (quantidade de inscritos). Do mesmo modo, a difusão de estudos em gênero em eventos (participação de membras do grupo em eventos não promovidos pelo MaRIas), publicações nas redes sociais (dados de engajamento e alcance) e publicações já realizadas em nome do grupo.
A análise será feita considerando o intervalo entre 2020 e março de 2024. Até o atual estágio da pesquisa, os dados parciais referentes à contribuição do grupo para o debate de gênero nas relações internacionais são: 4 Seminários já realizados, nos quais 191 trabalhos, dentre trabalhos de graduação e pós-graduação, 13 minicursos e 7 conferências foram apresentadas no total (MaRIas, 2024c). Também foram realizados 27 grupos de estudos (MaRIas, 2024a). Já nos meios de comunicação do MaRIas, contabilizam-se 254 inscritos no mailing, enquanto nas redes sociais já somam-se 1.580 seguidores e 328 publicações no feed.
Os dados apresentados ainda passarão por um aprofundamento analítico, de forma a corresponder com o objetivo proposto. Contudo, com o levantamento parcial é possível notar a participação ativa do grupo no desenvolvimento e divulgação das temáticas relacionadas a gênero e Relações Internacionais. Haja vista que, desde sua expansão em 2020, o grupo tem demonstrado gerar impacto nas discussões de gênero por meio de suas diversas ações nas linhas de pesquisa, ensino e extensão.
Resistência aos antimicrobianos na Saúde Global: atores, agendas e âmbitos
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Vitória de Paula Ramos (Faculdade de Saúde Pública USP)
Resumo:
Este trabalho tem como objetivo principal apresentar o estado da arte sobre a agenda da resistência aos antimicrobianos (RAM) no contexto da saúde global, com foco especial nos interesses políticos e econômicos dos atores governamentais e privados envolvidos na promoção da agenda de enfrentamento à RAM nos espaços de influência em Saúde Global.
O estudo inicia com uma revisão sistemática de literatura realizada em bases selecionadas (Pubmed e Scielo), aferindo a presença simultânea dos descritores “antimicrobial resistance” + “agenda” + “global”. A pergunta orientadora é: “Quais são os atores públicos e privados, suas respectivas agendas e os interesses econômicos e políticos relacionados à agenda de RAM na Saúde Global?”. A base de artigos montada identifica quais daqueles levantados nesta busca mencionam em seus títulos e subtítulos as palavras “policy” ou “policies”, “one health” ou “planetary health”, “interest” ou “interests”, e “security”, que são os critérios de inclusão. São excluídos artigos que não abordam diretamente a relação entre RAM, agenda global, interesses políticos e econômicos, bem como artigos sobre estudos clínicos.
Explicita-se o entendimento do que são “interesses políticos e econômicos”, garantindo a consideração de todas as nuances e subtextos que indiquem esses interesses, mesmo quando não estão explicitados nas posições defendidas nos textos analisados. O período temporal analisado é de 2014 até o presente, marcando o recente destaque do tema junto ao avanço do conceito de Saúde Única.
Durante a revisão dos artigos, serão avaliadas as fontes de informações utilizadas, especialmente os atores mencionados e suas agendas políticas. Além disso, serão buscadas outras fontes, como relatórios de organizações internacionais, policy briefings, websites, statements e resoluções de organismos multilaterais, para preencher lacunas e responder à pergunta de pesquisa. Assim, o estudo buscará identificar e analisar tanto as posições explícitas quanto as implícitas nos textos selecionados, fornecendo uma compreensão abrangente dos interesses em jogo na agenda da RAM.
O estudo concentra-se em analisar de forma crítica os interesses públicos e privados que impulsionam o avanço do enfrentamento à RAM nos espaços de decisão sobre saúde global, permitindo uma avaliação aprofundada das motivações por trás das ações dos atores envolvidos. Espera-se identificar os atores-chave envolvidos na agenda da RAM, mapear as diversas agendas relacionadas a esse tema e os principais espaços multilaterais em que estão se aprofundando as discussões e planos. Além disso, busca-se identificar tensões e principais temas em discussão, bem como a influência de interesses políticos e econômicos na promoção de ações de combate à RAM. A pesquisa também contextualiza a importância da RAM nas discussões de segurança da saúde global, destacando seu papel na agenda de segurança de saúde global.
REVISITANDO A ATUAÇÃO BRASILEIRA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ALCA: UMA COMPARAÇÃO ENTRE OS GOVERNOS CARDOSO E LULA
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Victor Carvalho da Costa (UFRGS-PPGEEI)
Resumo:
O presente trabalho busca realizar uma análise comparativa acerca do processo de formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), com enfoque nos diferentes métodos de atuação entre os governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula da Silva (Lula). O objetivo geral é entender o impacto de cada governo no processo de formação da ALCA, através da comparação dos modelos de relacionamento e seus resultados na integração hemisférica. Sendo assim, o artigo inicia com a descrição do contexto histórico da ALCA no pós-Guerra Fria, seguindo com a descrição das Reuniões Ministeriais do período 1995-2004. Por fim, as variáveis MERCOSUL, Estados Unidos e a questão dos subsídios agrícolas são analisadas a partir da ótica dos governos FHC e Lula. A hipótese central advoga que o posicionamento mais moderado de FHC buscou obstruir as negociações, enquanto Lula investiu em uma posição mais vocal e efetiva nas negociações. O problema de pesquisa busca entender a seguinte questão: “Como a política externa durante os governos de Cardoso e Lula moldaram o processo de integração hemisférica proposto pela ALCA?”. Visando a solução dos objetivos e da problemática, os capítulos serão alocados. O capítulo após a introdução, portanto, contará com uma contextualização histórica da ALCA na conjuntura de integração regional do pós-Guerra Fria, utilizando especialmente o trabalho de Nelson (2015). Dando sequência, o posicionamento da delegação brasileira nas diferentes Reuniões Ministeriais será descrito, em especial nas reuniões de Denver (1995), Cartagena (1996), Belo Horizonte (1997), San José (1998), Toronto (1999), Buenos Aires (2001), Miami (2003) e Nuevo León (2004). A descrição partirá de três variáveis norteadoras: (1) MERCOSUL no âmbito da ALCA; (2) relação Brasil-Estados Unidos; e (3) subsídios agrícolas. Por fim, os resultados de ambos posicionamentos governamentais serão explorados e comparados a partir das categorias de análise acima descritas, em dois capítulos distintos. Para tal, uma extensa bibliografia disponível será utilizada, incluindo Silva e Silveira (2012), Vizentini (2005), Medeiros, Lopes e Campos (2018), Oliveira (2003), Bandeira (2005), Vigevani e Mariano (2017) e Almeida (2004). O presente trabalho possui vertente qualitativa, pois busca o aprofundamento da compreensão do fenômeno de formação e derrocada da ALCA, a partir da atuação brasileira. A pesquisa é caracterizada por cunho exploratório, pautada em análise bibliográfica e documental. Para busca de dados acerca da integração hemisférica, serão utilizados principalmente as bases de dados da ALCA e trabalhos acadêmicos publicados concomitantemente com o processo. As fontes oficiais para a política externa brasileira serão o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG).
Rumo a uma nova Torre de Babel? Reflexões sobre um mundo fragmentado
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais
Autor(es): João Henrique Salles Jung (PUCRS e USP)
Resumo:
Este artigo traz uma reflexão a partir da análise de conjuntura das relações internacionais, em um período marcado por conflitos multiníveis que se interseccionam enquanto um reordenamento sistêmico. Nessa senda, se propõe um diálogo crítico com a obra de José Luís Fiori, em vias de adentrar no debate sobre uma nova “Torre de Babel” conforme proposto por este autor. Para executar tal empreendimento, é utilizada uma abordagem hipotética-dedutiva, com informação coletada tanto através de fontes primárias, com ênfase em documentos do governo do Estados Unidos, quanto através da revisão de literatura especializada.
Em linhas gerais, o argumento de Fiori é o de que os Estados Unidos, enquanto potência declinante, rompem com as estruturas do sistema internacional criadas por eles mesmos. Através do prisma da Teoria Crítica de Andrew Linklater, aponta-se ao reducionismo materialista no qual Fiori recai, no que se argumenta que a fragmentação do mundo contemporâneo é melhor compreendida através de uma perspectiva dialética que compreenda também a dimensão simbólica da política internacional.
A crítica aqui posta à tese de Fiori é estruturada em duas perguntas: i) de fato houve uma clivagem na grande estratégia dos Estados Unidos ou o período Trump constituiu em uma condição sui generis da política externa estadunidense? O que leva à próxima questão: ii) os elementos centrais da ordem liberal – democracia, instituições e capitalismo – se encontram ameaçados globalmente?
Mesmo ao se ter em vista os desafios que a conjuntura coloca, entende-se que a resposta a estas perguntas é não. Apesar do vigor teórico de Fiori, o mundo não irá se fragmentar em uma nova Torre de Babel – ainda que tomado no sentido alegórico. Ainda mais, não seriam os Estados Unidos o ator responsável por uma fragmentação tal – seriam (e são), ao contrário, o país que mais defende a manutenção de um status quo sistêmico.
Dessa perspectiva, a hipótese lançada neste artigo é constituída pela compreensão de que, ao se ter a primazia econômica e, em menor grau, militar, ameaçada, restam aos Estados Unidos justamente o aprofundamento da primazia moral, apoiada nas instituições internacionais e, assim, politicamente efetivada através de um discurso moralizante. Como chave conceitual está a revisão da noção de hegemonia utilizada por Fiori; aqui, alicerça-se na leitura de Robert Cox sobre Gramsci e as Relações Internacionais em vias de resgatar a perspectiva dos blocos históricos.
Enfim, para a elaboração desta apresentação é realizada, inicialmente, uma análise crítica da tese de Fiori. Assim, fundamenta-se uma visão oposta sobre a conjuntura atual, alicerçada intelectualmente em princípios da Análise de Política Externa e das Teorias das Relações Internacionais, com ênfase na Teoria Crítica proposta por Andrew Linklater. Será evidenciado que houve, por parte de Fiori (2020), um superdimensionamento da importância do Governo Trump no establishment da política externa estadunidense, no que o autor trata enquanto estrutural questões que foram conjunturais.
Security Cooperation in the Arctic after Ukraine: how Moscow’s war increased security dilemma in the High North
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Getúlio Alves de Almeida Neto (PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, UNICAMP, PUC-SP))
Resumo:
This article investigates the impacts of the Russian invasion of Ukraine in February 2022 on the cooperation and security environment in the Arctic and tries to respond to the following question: how Moscow’s war increased security dilemma in the High North? The research analyzes scholarly literature, strategic documents issued by the Arctic states, and news on Arctic matters. Theoretically, I draw upon Jervis’ understanding of the concept of security dilemma in International Relations. The findings of this research suggest that the halt on cooperation mechanisms in economic, political and scientific ventures, with the exclusion of Russia promoted by the other Arctic states, and the access of Finland and Sweden to NATO contribute to an increased security dilemma in the Arctic. I claim that the understanding of the “Arctic exceptionalism” characteristic since the Murmansk Initiative in 1987 is a misreading of the capability of Arctic states to hinder the spillover effect from geopolitical disputes outside the Circumpolar North and that the Russian Arctic policy needs to be analyzed within the broader context of Russian defense and foreign policies and as a part of broader international politics. In this sense, the comprehensive understanding of Russian foreign policy and its interests in the Arctic; U.S. foreign policy in Arctic security objectives; together with Russia-China evolving relations and the great power dispute between Washington and Beijing are the keys to appraising the Arctic security environment. I posit that Arctic governance without Russia is impossible and that there is still room for cooperation in the Arctic and that the resuming of talks between Russia and the other Arctic states is the best strategy to de-escalate the current security dilemma. Specifically, I claim that Russia-Norway relations, which have proved throughout the years to be pragmatically successful in cooperation despite rivalries, can be a good example and the key for fostering stability in the region.
Segurança ontológica nas Relações Internacionais: uma proposta de operacionalização teórico-metodológica
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Priscila Carolina Pellens Zanutto Duarte (Universidade Federal do Paraná), Ramon Blanco (UNILA)
Resumo:
O estudo tem como objeto a relação entre identidade e segurança, por meio do conceito de segurança ontológica. O objetivo principal é identificar as dimensões constitutivas do processo de busca por segurança ontológica, para delinear uma proposta de operacionalização teórico-metodológica centrada na construção de narrativas biográficas. A segurança ontológica pode ser definida como uma necessidade existencial dos sujeitos de se sentir seguros em seu senso do eu e no mundo em que encontram (Krickel-Choi; Chen, 2023, p. 2), relacionada com a posse de um senso consistente do eu reafirmado por outros (Zarakol, 2010, p. 3; 6). Um importante pressuposto dessa literatura é de que a esfera ontológica é tão importante à segurança do Estado quanto a física, ao ponto de poder ser priorizada em detrimento da última, para manutenção de um senso estável da identidade (Mitzen, 2006; Steele, 2008). Os principais instrumentos de busca e de manutenção da segurança ontológica são o estabelecimento de relações rotinizadas com atores importantes e a criação de narrativas biográficas (Zarakol, 2010).
O conceito de segurança ontológica foi introduzido nos campos da psicologia e da sociologia por Ronald D. Laing e Anthony Giddens, respectivamente, posteriormente adentrando nos debates de relações internacionais com o objetivo de complementar explicações materialistas sobre segurança. Em linhas gerais, o cerne conceitual da segurança ontológica se constituí pelo foco na análise da relação entre segurança e identidade e entre identidade e resultados políticos (Kinnvall; Mitzen, 2017, p. 1–2). Como fenômeno social, a identidade é intersubjetivamente negociada, legitimada e justificada na esfera pública por meio de um processo comunicativo (discursivo) impulsionado por narrativas identitárias, funcionando como ferramenta de manutenção do senso de estabilidade do eu estatal em face da instabilidade do mundo político (Eberle; Handl, 2018, p. 2).
O estudo contribui com a agenda de pesquisa em segurança ontológica com a proposição da operacionalização teórica do processo de busca por segurança ontológica, por meio da identificação de seis dimensões (a temporal, a espacial, a material, a emocional, a relacional e a normativa). Esta operacionalização permitindo conciliar as diversas perspectivas desenvolvidas ao longo dos anos, que costumam analisá-las de forma separada. Assim, representa um esforço em direção à compreensão da complexidade inerente ao fenômeno, permitindo o desenvolvimento de futuras análises empíricas na temática.
Catarina Kinnvall e Jennifer Mitzen (2017) argumentam que a relevância da literatura de segurança ontológica nas Relações Internacionais repousa em três fatores principais. Primeiro, por oferecer uma perspectiva diferente das teorias dominantes para o estudo da segurança ao ressaltar outras formas de busca por segurança, como ações habituais ou intencionais, rotinas, discursos e comportamentos, e que a busca por segurança ontológica no mundo político pode ser tão importante quanto a física. Segundo, pelo foco na relação entre incerteza, ansiedade e a capacidade de manutenção de um senso de eu estável no contexto da modernidade e da globalização. E terceiro, por destacar que relacionamentos de naturezas diversas, sejam conflitivos ou cooperativos por exemplo, podem constituir dinâmicas de segurança ontológica (Kinnvall; Mitzen, 2017, p. 2–3).
O estudo parte de um abordagem construtivista crítica, advogada por David Campbell (1998) e Jutta Weldes et al. (1999), segundo a qual os processos de construção identitárias e de produção de insegurança são tidos como mutuamente constituídos, não dados naturais ou pré-determinados (Cho, 2012, p. 301). Partindo do pressuposto de que as narrativas biográficas são o principal instrumento de manutenção da segurança ontológica, em razão de funcionarem como descrições autobiográficas do narrador, sob constante disputa política, de modo que são essenciais na identificação de um conceito de ‘eu’ de um sujeito, pois utilizam o passado para guiar e explicar o presente e o futuro (Shenhav, 2015, p. 4).
Metodologicamente, o estudo será conduzido por uma pesquisa qualitativa, de cunho exploratório, e da técnica de levantamento bibliográfico, para seleção de artigos científicos e outras obras de referência ligadas ao problema de pesquisa. A seleção das referências a serem utilizadas se dará, primeiramente, por meio da leitura exploratória do resumo de artigos científicos, livros e relatórios especializados, bem como a descrição de documentos e outras fontes digitalizadas, em prol da identificação e exposição às fontes relacionadas ao tema de pesquisa, seguida de leitura seletiva e, por fim, de leitura analítica integral das selecionadas, conforme o alinhamento ao recorte adotado. Serão acrescentadas outras fontes frequentemente citadas nas obras selecionadas, por integrarem o corpo fundacional da temática sob análise (Gil, 2009; Sampieri; Collado; Lucio, 2013).
O trabalho se estrutura em três seções, seguidos por uma conclusão que sumariza os principais pontos debatidos. A primeira seção apresenta o objeto de estudo, a teoria de segurança ontológica nas Relações Internacionais, com uma breve introdução sobre o desenvolvimento da literatura de segurança ontológica no contexto dos estudos de segurança. São sumarizadas as principais definições e debates na aplicação do conceito. A segunda seção trata da metodologia de análise de narrativa e sua pertinência para a compreensão do processo de busca por segurança ontológica. Na última seção, propõe-se uma tipologia de análise desse processo, pautada na construção de narrativas biográficas, através da identificação de seis dimensões: a temporal, a espacial, a material, a emocional, a relacional e a normativa, nos três níveis narrativos (subjetivo, intersubjetivo e externo).
Simulações no Modelo das Nações Unidas como recurso para a compreensão do sistema internacional no Ensino Médio
Área Temática: Ensino, Pesquisa e Extensão
Autor(es): Anderson Mendes Rocha (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha)
Resumo:
Este trabalho buscou refletir sobre como as simulações, baseadas no Modelo das Nações Unidas (MUN), contribuem para a compreensão dos estudantes sobre o sistema internacional, pelo viés do realismo ofensivo de Mearsheimer (2014; 2018; 2019). Para isso, examinou-se uma sequência de atividades desenvolvidas em um projeto de ensino, que promove um espaço destinado ao tratamento das Relações Internacionais, no Ensino Médio, vinculado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus Avançado Uruguaiana. Os dados da pesquisa referem-se ao relato de prática dos debates realizados nos comitês, bem como dos documentos produzidos pelos estudantes nas simulações. Na primeira parte do artigo é apresentada uma contextualização acerca da estrutura do sistema internacional e do papel das organizações internacionais como pilares das ordens internacionais, por meio da abordagem teórica realista ofensiva. Em seguida, são discutidas as contribuições de experiências recentes, na educação brasileira, das simulações no MUN para a formação dos estudantes. Logo após, ocorre a exposição do relato de prática do projeto de ensino desenvolvido no IFFar – Campus Avançado Uruguaiana e sua capacidade para auxiliar os estudantes na compreensão do sistema internacional. Na seção de considerações finais, discute-se os resultados obtidos no projeto e são identificadas algumas aproximações entre o realismo ofensivo e as simulações baseadas no MUN. Como resultados do trabalho, observamos as seguintes contribuições do MUN na formação dos estudantes dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio do IFFar: a) aprofundamento de conhecimentos: operacionalização, pelos estudantes, de noções, conceitos e informações obtidas por meio das palestras, rodas de conversa, oficinas e de estudos de preparação nos comitês, além de conhecimentos adquiridos durante os debates e negociações que ocorreram nas sessões de simulação; b) fortalecimento do papel ativo dos estudantes: engajamento e iniciativa na busca por informações sobre os temas dos comitês do MUN e referentes aos países representados nos debates; e c) desenvolvimento da oratória e da argumentação crítica: construção/desconstrução de argumentos e o exercício de auto avaliação, realizado pelos discentes, acerca do seu desempenho na simulação. Por fim, tem-se que as simulações no MUN se apresentam como uma atividade pedagógica eficaz para o ensino acerca das organizações internacionais e da política internacional, revelando, desse modo, aspectos importantes do funcionamento do sistema internacional.
Teoria dos Regime Internacionais: Discussões conceituais e Indicadores de Efetividade
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Yasmim De Marins Malta (Universidade Federal do ABC)
Resumo:
A teoria do regime, concebida aproximadamente em 1970, surge como uma tentativa de elucidar o comportamento de cooperação coordenado por meio de regras em um sistema internacional anárquico (Amaral, 2010). De acordo com a análise de Amaral (2010), as principais correntes teóricas no estudo dos regimes internacionais são a realista, a institucional-liberal e a cognitiva. A elaboração deste artigo será realizada mediante a análise de dados quantitativos e qualitativos como indicadores de eficiência, revisão bibliográfica e exame de documentos pertinentes à efetividade dos regimes e instituições internacionais, utilizando estudos de caso, especialmente os alusivos aos regimes ambientais e de direitos humanos. Para embasar teoricamente esta pesquisa, serão priorizados os escritos de Stephen D. Krasner, Oran R. Young, Susan Strange e Robert O. Keohane.
Assim, esta pesquisa levanta a questão: Os regimes e instituições internacionais provocam alterações mensuráveis no comportamento dos estados? Com este objetivo, o artigo se propõe a examinar a definição do conceito de regime, apresentar as principais correntes teóricas da teoria dos regimes, investigar como os regimes são estabelecidos, analisar a relação entre instituições e regimes, e examinar o conceito de instituições no âmbito da teoria dos regimes.
Um regime é considerado eficaz quando seus membros observam suas normas e regras (atributo frequentemente denominado “força do regime”) e alcançam objetivos específicos ou satisfazem propósitos determinados (Hasenclever; Mayer; Rittberger, 1997). O princípio da reciprocidade assume relevância fundamental para o funcionamento de muitos regimes internacionais, influenciando o comportamento dos atores e moldando suas interações. A reciprocidade não apenas evidencia a importância das normas nos regimes internacionais, mas também ressalta como tais normas podem direcionar o comportamento dos atores e influenciar os desfechos das interações internacionais.
Enquanto as teorias fundadas no poder tendem a relegar o institucionalismo a uma variável secundária, as teorias de regimes, pautadas em interesses, adotam uma perspectiva mais abrangente, enfatizando o institucionalismo como um elemento-chave. Estas teorias tratam os regimes como mecanismos eficazes e resilientes que auxiliam os Estados, cada qual perseguindo seus próprios interesses, a coordenar suas condutas a fim de evitar resultados coletivamente desfavoráveis. Além disso, evidenciam que os Estados mantêm um forte interesse na preservação dos regimes existentes, mesmo quando os fatores que inicialmente os propiciaram não mais estão presentes (Hasenclever; Mayer; Rittberger, 1997).
A coordenação da política internacional e o desenvolvimento de regimes dependem não apenas de interesses e poder, mas também de expectativas e informações partilhadas entre os governos. Os regimes fornecem estruturas e regras que ajudam a mitigar conflitos e facilitam a busca por soluções mutuamente benéficas para questões de interesse comum. Portanto, é do interesse dos Estados preservar e fortalecer os regimes existentes, uma vez que isso contribui para a estabilidade e previsibilidade nas relações internacionais, além de promover a realização de objetivos coletivos.
The effects of intentional homicide rates on military expenditure in democratic Latin America
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Murilo Motta (IRI-USP)
Resumo:
Latin American States face new security challenges posed mainly by transnational, violent, organized criminal groups. These criminal groups are characterized by high levels of sophistication, brutality, and resourcefulness. Indeed, most countries in the region are unable to rely on their police forces to effectively provide public security, whether due to incompetence, corruption, or simply because they are outnumbered and outgunned by these criminal groups. As a result, many Latin American presidents have been responding to their constituency demands for improved security by increasingly deploying the armed forces to either supplement or supplant the police to achieve public security objectives (Pion-Berlin, 2017).
Given the increasing deployment of the military in counter-crime operations, it is worth asking if their expanding role in public security has been associated to greater access to budgetary resources. We use regression analysis to estimate the relationship between violent crime rates and military expenditure in Latin America in the 21st century. Regression is a useful tool for summarizing data as well as simplifying and quantifying the results of a theoretically informed causal inference.
In our model, the “outcome” is military expenditure, and the “treatment” is violent crime rates. Our control variable is GDP per capita. This is a good control because there is evidence that it affects both intentional homicides and military expenditure (Fajnzylber et al., 2002; Kollias et al., 2018; Looney & Frederiksen, 1988; Loureiro & Silva, 2012). Our model leaves out some common control variables because they are either harmful, such as education levels of perceptions of Rule of Law, or irrelevant, such as arms races, the age structure of existing military equipment, status in the international system, and military expenditure in neighboring countries. Our model also leaves out some time-invariant characteristics, such as the size of the territory, border length, political regime, being a drug producer or transit country, as well as the presence of insurgent paramilitary groups. Because we have TSCS, we can eliminate time-invariant unobserved effects using fixed effects methods, as will be discussed in the Results section.
Our analysis is conducted for unbalanced TSCS data regarding twelve Central and South American countries, namely Argentina, Brazil, Chile, Colombia, El Salvador, Guatemala, Guyana, Honduras, Mexico, Nicaragua, Paraguay, and Uruguay, from 2000 to 2020. There are 244 observations used in the estimation. The sample includes countries with varying levels of dependency on the military for providing public security though domestic operations: in Colombia, El Salvador, Honduras, Mexico, and Nicaragua, the armed forces are more systematically involved in providing public security; in Brazil and Paraguay, they are deployed in operations with clear geographical and temporal limitations; and in in Argentina, Chile and Uruguay, the existence of gendarmerie-style security forces has somewhat curtailed the deployment of the armed forces in domestic operations (Flores-Macías & Zarkin, 2021).
One effective way to capture country heterogeneity is the fixed effects approach, which adds country-specific intercepts to the model (Beck, 2001, 2008; Beck & Katz, 2011). In our case, the within-groups fixed effects transformation eliminates time-invariant omitted variables by calculating the mean values of the variables in the observations on a given country and then subtracting this value from the data for that country. Thus, “the only question at issue is whether temporal variation in x is associated with temporal variation in y; all cross-sectional effects are eliminated by the unit centering.” (Beck 2008, 483).
Asymptotic statistical inference with a static fixed effects approach (“Static”) assumes that the “idiosyncratic errors […] have a constant variance across t[time-periods] and are serially uncorrelated” (Wooldridge, 2002, p. 269). However, TSCS data often presents temporal dependencies, such as autoregressive processes of the first order (AR1).
AR1 can be viewed as either “nuisance” or “substance” and this has direct implications to specification of the model (Beck & Katz, 1996). When AR1 is viewed as “nuisance”, estimation approaches aim to mitigate the effects of autocorrelation induced by the it. This is done in our fixed effects with AR1 disturbances regression (“AR1”) by using the Durbin-Wu-Hausman estimator, which adjusts the within-group estimator for serial correlation in the errors using the AR1 process. Alternatively, when AR1 is regarded as a meaningful temporal dynamic component of the model, we can fit a dynamic model by adding lagged variables to account for temporal dependencies in the data. We do this through four different specifications: Lagged Dependent Variable (“LDV”), Autoregressive Distributed Lag (“ADL”), Autoregressive Distributed Lag with a Second-order Lag of the Dependent Variable (“ADLLDV2”), and Error Correction (“ECM”).
Incorporating fixed effects into autoregressive models adds bias to the parameter estimates because centering variables by country removes the heterogeneity of the constant term, thereby inducing a correlation between the centered lagged dependent variable and the centered error term. This bias is of order 1/T, and thus is particularly problematic when the number of time periods (T) is low, however “when T is 20 or more, the bias becomes small.” (Beck & Katz, 2011, p. 342).
The Im-Pesaran-Shin unit-root test indicates our variables are integrated of order one, I(1), meaning that they are not stationarity, but their first differences are. In this scenario, the ECM specification is particularly suitable to model nonstationary data (Beck & Katz, 2011). We do this by estimating a regression of the first difference of MILEX on the first difference of CRIME while adjusting for the lagged values of all variables.
To select the most appropriate specification, we use the Bayesian Information Criterion (BIC), which balances model fit and complexity, ensuring that the chosen model is the one that optimally represents the data (in comparison to the others). The “LDV” specification has the best score. In this specification, the coefficient for our CRIME variable is +0.02, but it is not statistically significant.
The results show no statistically significant linear effect of our measure of violent crime rates on military expenditure. This is in line with previous research and suggests the armed forces are not receiving new investments corresponding to their new public security tasks (Kollias et al., 2018; Pion-Berlin, 2016; RESDAL, 2018). This could divert important resources from external defense as well as hinder the armed forces possibilities of developing a proper doctrine for internal missions.
Um Breve Estudo do Modelo das Seis Ondas da Teoria de Revoluções em Assuntos Militares de Michael Raska
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Fernando Speggiorin Martini (UFRGS), José Miguel Quedi Martins (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
Introdução:
O conceito de Revoluções em Assuntos Militares, em inglês Revolution in Military Affairs (RMA), é de grande relevância para a área de segurança internacional, especialmente devido à crescente competição militar em meio a uma possível transição de polaridade (rumo à multipolaridade?) e ao rápido avanço de tecnologias militares. Este estudo propõe uma análise do modelo das Seis Ondas de Teoria de RMA proposto por Michael Raska, que apresentou um elegante modelo dividido temporalmente. Este trabalho pretende discutir a validade e atualidade desse modelo, apresentado por Raska em 2020, com foco em sua aplicação ao estudo de segurança internacional
Pergunta de Pesquisa:
O Modelo das Seis Ondas da Teoria de RMA, apresentado por Michael Raska, permanece válida e atual?
Objetivos:
– Apresentar o modelo das Seis Ondas da Teoria de RMA proposto por Michael Raska.
– Analisar se as premissas e os fundamentos teóricos subjacentes ao modelo ainda são relevantes para compreender a evolução das RMA.
– Identificar possíveis mudanças ou atualizações necessárias no modelo devido a avanços tecnológicos, do cenário internacional e do debate acadêmico.
Metodologia:
Para compreender a atualidade e relevância do conceito de Raska sobre as ondas da Teoria de RMA, realizamos uma análise detalhada de seus dois artigos sobre o assunto. Além disso, buscamos correlacionar os conceitos apresentados por Raska com as obras de outros autores que também têm relevância nesse debate.
A partir do exame dos artigos de Raska, conduzimos uma revisão bibliográfica preliminar, identificando dados considerados relevantes para nossa pesquisa. Esses dados forneceram uma base inicial para este trabalho.
Nossa pesquisa busca expandir essa revisão inicial, prospectando dados adicionais por meio da continuação da revisão bibliográfica. Essa abordagem permitirá a prospecção de resultados que sustentem a elaboração da resposta à pergunta de pesquisa.
Utilizaremos métodos de análise qualitativa, como análise de conteúdo, para examinar em profundidade os dados coletados e identificar padrões, tendências e insights relevantes para a discussão proposta.
Resultados Parciais:
Nossa análise preliminar indica que o modelo de ondas da Teoria de RMA de Raska permanece válido, no entanto, sua atualidade é desafiada pelos rápidos avanços tecnológicos em curso. Raska dividiu as Teorias de RMA em seis grandes ondas, as quais auxiliam na compreensão dos avanços dessa teoria, considerando o marco temporal estabelecido pela Doutrina Soviética de Revolução Militar-Tecnológica na década de 1980.
A análise preliminar dos resultados parciais sugere que a perspectiva de Raska oferece um modelo bastante profícuo para a compreensão das RMA, estimulando a pesquisa sobre a inovação tecnológica e como essa inovação altera a preparação militar.
Embora consideremos o modelo válido, ele apresenta limitações que podem ser exploradas por outras perspectivas mediante um aprofundamento da pesquisa. O artigo sobre a Sexta Onda de RMA (RASKA, 2020) apresentou uma preocupação legítima sobre o impacto da Inteligência Artificial. No entanto, a divisão proposta pode ser desafiada a partir da Guerra da Ucrânia, iniciada em 2022 e ainda em curso. O que se percebe é que o atrito desse conflito pode ter alterado a tendência percebida por Raska, observando-se uma crescente preocupação com as capacidades produtivas das bases industriais de defesa e do necessário esforço logístico ao combate.
Uma “diplomacia empresarial-militar”? Interesses empresariais, promoção comercial e atuação internacional do empresariado na ditadura brasileira (1964-1985)
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Nathan Morais Pinto da Silva (PPGRI/UERJ)
Resumo:
Este trabalho busca avaliar se o caráter empresarial-militar do regime ditatorial que governou o Brasil entre 1964 e 1985 se estende à política externa brasileira – e, principalmente, à área do comércio exterior – durante o período, e em caso positivo, de que forma se estabelece esta relação. Parte-se da premissa de que o regime inaugurado com o golpe de Estado de 1964 pode ser caracterizado como uma “ditadura empresarial-militar”, no sentido de que os militares não foram os únicos atores que participaram ativamente do processo de desestabilização e derrubada do governo de João Goulart e da instauração de um regime autoritário no Brasil; e empresários de diversos ramos da economia brasileira não apenas apoiaram o golpe, mas tiveram protagonismo neste processo, que representa também o estabelecimento de uma ordem empresarial no país.
A hipótese apresentada é de que o caráter de classe do regime ditatorial instalado em 1964 teve implicações na política externa do país no período, refletidos na manifestação de interesses privados nas ações do Estado brasileiro no exterior e nas íntimas relações entre atores empresariais e a burocracia diplomática do país durante o regime, conformando uma espécie de “diplomacia empresarial-militar”, em concordância com o termo aqui utilizado para caracterizar a ditadura brasileira. O objetivo aqui é explicitar o caráter classista e empresarial da política externa brasileira durante a ditadura, demonstrando não apenas que interesses empresariais foram amplamente atendidos pelos atores responsáveis pela formulação de política externa do país ao longo do período, mas também que em diversas ocasiões – seja por iniciativa própria ou com o suporte da burocracia estatal – o próprio empresariado se envolveu neste processo, se engajando diretamente nas relações entre o Brasil e os países consumidores de seus produtos e serviços.
Este argumento é evidenciado por uma série de ações empreendidas pelo Estado brasileiro e pelo empresariado nacional – seja de forma individual ou organizado em associações de classe – no período, como: o fortalecimento do Departamento de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores, liderado pelo diplomata Paulo Tarso Flecha de Lima; o salto qualitativo do comércio exterior e da promoção comercial dentro das prioridades definidas pelo governo ditatorial brasileiro ao longo do regime; a participação de empresários de diversos setores em missões comerciais e diplomáticas organizadas pela diplomacia brasileira e de autoridades estatais em eventos organizados pelo empresariado; a recorrência de reuniões entre empresários e membros da burocracia estatal; e o papel de protagonismo desempenhando pelo empresariado em iniciativas como o estabelecimento de relações diplomáticas oficiais com a República Popular da China.
O trabalho, derivado da pesquisa de doutorado do autor ainda em andamento, se vale de uma revisão bibliográfica e documental. Entre as fontes primárias utilizadas, destacam-se os documentos depositados acervos pessoais dos chanceleres Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro no CPDOC/FGV, disponíveis online. Quanto às fontes secundárias, serão consultadas as bibliografias referentes às relações entre o empresariado e ditadura brasileira e à política externa brasileira durante o período, entre outros temas relevantes.
UMA ANÁLISE DA MUDANÇA INSTITUCIONAL A PARTIR DA AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Stela Dantas (UFSC)
Resumo:
A segunda metade do século XX evidenciou o desenvolvimento de uma agenda de gênero no Sistema Internacional, sendo a década de 1970 um dos marcos centrais. Influenciado pelos movimentos de mulheres de diferentes partes do mundo, a ONU estabeleceu o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher, tendo como base de promoção a Primeira Conferência Mundial sobre Mulher na Cidade do México (1975); sendo feitas em seguidas a Conferência de Copenhague (1980) e a Conferência Mundial em Nairobi (1985) (Tabak, 1985, Un, 1976, 1980, 1985).
Em meio ao cenário de conflitos armados durante a década de 1990, percebeu-se que as mulheres e meninas sofriam de diferentes formas os impactos das guerras, podendo sofrer os seus impactos de modo direto e indireto (Rabelo, 2014; O’reilly; Ó Súilleabháin; Paffenholz, 2015). Assim, em 1995 foi realizada a quarta Conferência Mundial sobre Mulheres em Pequim, que tinha como objetivo dar maior evidência para a necessidade de incluir a perspectiva de gênero na agenda internacional sobre paz e segurança internacional (Rabelo, 2011; Mesa, 2012).
É notório que ao longo dos anos 2000 várias iniciativas da ONU foram fundamentais, e consideradas um passo importante, para o que mais tarde viria a ser a Resolução 1325 (2000). A Resolução 1325 e a Agenda Mulheres, Paz e Segurança fazem parte das iniciativas do Conselho de Segurança na busca por ampliar o seu escopo de análise dos conflitos armados (Tryggestad, 2009; O’reilly; Ó Súilleabháin, 2013). Essas ações estão inseridas na lógica das Resoluções Temáticas do Conselho de Segurança, que tinha como objetivo pontuar a necessidade de pensar e construir a paz a partir do respeito às normas do Direito Internacional Humanitário. Essa mudança na condução e percepção do conflito ocorreu em decorrência das mudanças que se deram ao longo do final do século XX, no que diz respeito aos conflitos e às guerras (Tryggestad, 2009; Oliveira; Rabelo, 2017).
Contudo, para além de uma análise em si da Agenda MPS, é importante levantar o questionamento sobre a entrada das ideias dos femininos no âmbito da ONU e do Conselho de Segurança.
Haja visto que uma Organização Internacional possui um desenho institucional formado a partir de princípios, regras, normas, procedimentos e cultura organizacional (Campbell, 2004; Rittberger, Zangl, Staisch, 2006), a mudança e adaptação que ocorreu na ONU ao longo das últimas décadas do século XX é um fator que merece ser analisado. A adoção das Resoluções Temáticas pelo Conselho de Segurança, além de indicar uma necessidade da incorporação de temas sensíveis, foi marcada pela pressão de grupos e organizações de mulheres, sendo assim, uma questão que envolveu fatores endógenos e exógenos ao organismo (Tryggestad, 2009; Rabelo, 2011; Mesa, 2012).
A partir da Teoria da Mudança Institucional, John L. Campbell (2004) discorre sobre fatores que explicam as causas das possíveis mudanças nas instituições. Assim, as mudanças podem ocorrer de diferentes formas, sendo elas por meio de uma mudança radical, ou por meio de uma mudança mais incremental e que ocorre ao longo do tempo; sendo possível também a instituição se manter estável ao longo do tempo, mesmo diante de diferentes questões e crises internacionais (Campbell, 2004).
De acordo com Rittberger, Zangl e Staisch (2006), demandas, interesses, informações e ideias podem ser considerados os inputs que são incorporados pelas organizações internacionais, e com isso elas retornam para a sociedade como outputs.
É a partir de tal contexto que o presente trabalho visa se estruturar e desenvolver. Percebe-se que houve a incorporação das ideias feministas dentro das Nações Unidas e das suas instâncias, uma vez que a Agenda Mulheres, Paz e Segurança vem ganhando notoriedade ao longo dos últimos 23 anos. Contudo, o questionamento que fica, e que se torna o basilar para o desenvolvimento da presente pesquisa, é de como ocorreu esse processo de incorporação das ideias, dado que não ocorreram mudanças formais, mas que a securitização do tema fez com que ele fosse incorporado e debatido dentro da estrutura da instituição. Logo, tem-se que é necessário mudar as estruturas para que ocorra uma maior adaptação da instituição ao contexto no qual ele está inserido no momento.
Assim, o presente projeto tem como fim responder a seguinte pergunta de pesquisa: “como as ideias afetam as decisões políticas e causam mudança institucional?”. Para tornar-se exequível, a pesquisa tem como objetivo geral analisar como as ideias entram na estrutura das Organizações Internacionais e modificam o seu desenho institucional, sendo essa análise feita a partir da Agenda Mulheres, Paz e Segurança e da teoria da Mudança Institucional.
METODOLOGIA
Este trabalho tem como forma de abordagem a pesquisa qualitativa. O método utilizado será o indutivo, e em relação ao alcance dos objetivos, o trabalho segue o caráter exploratório e descritivo (Gil, 2008; Creswell, 2010).
O procedimento técnico escolhido como forma de abordagem de investigação para o desenvolvimento da pesquisa foi o process tracing, pois ajudará no processo de testar a teoria escolhida, além de ser um procedimento utilizado para analisar inferências causais, assim como mensurar os resultados do impacto das ideias. Ou seja, ajuda a explicar como as ideias afetam a tomada de decisão e a mudança institucional (Campbell, 2006; Cunha, Araujo, 2018).
PRINCIPAIS RESULTADOS
A partir do que foi apresentado, os resultados parciais da pesquisa baseiam-se na ideia de que o ativismo de mulheres e das organizações de mulheres foram fundamentais para a inclusão das ideias do feminismo na ONU e no Conselho de Segurança (Tabak, 1985; Mesa, 2012).
Além disso, que demandas, interesses, informações e ideias podem ser considerados os inputs que são incorporados pelas organizações internacionais, e com isso elas retornam para a sociedade como outputs. Ou seja, as demandas e ideias do feminismo entram nas organizações, e saem para a sociedade como Resoluções, por exemplo. Essa ação das ideias feministas e da sua inserção no Conselho de Segurança é tanto uma ação de cima para baixo quanto de baixo para cima.
Uma análise das variáveis estratégicas e geopolíticas da aproximação cooperativa sino-russa sob Xi Jinping e Putin (2012/2023) á luz da teoria do Realismo Neoclássico
Área Temática: Análise de Política Externa
Autor(es): Maurício Thurow Levien (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Resumo:
O presente trabalho discorre sobre a aproximação cooperativa entre China e Rússia sob os governos de Xi Jinping e Vladmir Putin, durante os quais os níveis de colaboração entre os dois países euroasiáticos aumentaram gradativamente em áreas estratégicas, alcançando um patamar, de acordo com Xi e Putin em 2022, de uma “parceria sem limites” (JOINT…, 2022).
A dimensão mais destacada foi a política externa, com ênfase em uma crescente convergência normativa. Tal perspectiva é evidenciada nas interações bilaterais, em instituições multilaterais (como votações no Conselho de Segurança da ONU e na atuação na Organização para Cooperação de Xangai, por exemplo) e, principalmente, pela vinculação das estratégias de projeção regional dos países, a União Económica Eurasiática e a Nova Rota da Seda, em 2015, visando uma “grande parceria euroasiática” (PUTIN CALLED…, 2016; KACZMARSKI, 2017; LUKIN; NOVIKOV, 2021). Ademais, outros dois âmbitos de relevante crescimento foram o comércio energético, especialmente após a eclosão do conflito na Ucrânia e do estabelecimento de sanções econômicas à Rússia (GRIFFIN, 2023; VAKULENKO, 2023), e a esfera militar, com destaque para exercícios militares de cada vez maior complexidade e escopo (WEITZ, 2021; HART et al., 2022).
Em termos metodológicos, o estudo utiliza de um quadro causal formulado com base na Teoria do Realismo Neoclássico, objetivando entender as variáveis que impactam em tal dinâmica cooperativa (Variável Dependente), diferenciando-as em termos de seu nível de análise – sistêmico x unidade – (Variáveis Intervenientes) e problematizando-as de acordo com o impacto causal de uma sob a outra. Nesse sentido, destaca-se como o problema de pesquisa do trabalho a seguinte pergunta: De que forma as lentes teóricas dos níveis de análise do Realismo Neoclássico explicam as tendências contraditórias da aproximação cooperativa sino-russa sob Xi e Putin?
Em síntese, o estudo caracteriza-se como teórico-empírico, baseado na vertente qualitativa de pesquisa e empreendido por meio da análise crítica de dados documentais e bibliográficos. Fontes secundárias serão analisadas para elucidar os argumentos, com ênfase em autores chineses e russos, além de fontes primárias de doutrina militar, notícias e declarações de autoridades governamentais no que concerne à temática abordada.
Vale ressaltar, ademais, que o recorte temporal delimitado para a pesquisa foi de 2012, quando Putin retorna ao poder na Rússia para seu terceiro mandato como presidente, enquanto Xi ascendia à liderança do Partido Comunista da China (PCC) – sendo eleito para o cargo de presidente no início de 2013 -, até o final do ano de 2023, após a eclosão do conflito no Leste europeu entre Rússia e Ucrânia que abalou o Sistema Internacional e impactou de forma importante a relação sino-russa.
Como hipótese, estabeleceu-se uma linha de base estrutural (structural baseline) de comportamento na qual a configuração da balança de poder do Sistema Internacional (system-level factor) impulsiona um alinhamento cooperativo para a relação sino-russa. Após isso, acrescentou-se uma camada crítica de variáveis a nível da unidade (unit-level factors) que se enquadram entre os parâmetros sistêmicos e a política externa real dos estados e modificam o impacto do primeiro sobre o último, fortalecendo ou enfraquecendo a linha de base estrutural (ROSE, 1998; RIPSMAN; TALIAFERRO; LOBELL, 2016; KOROLEV; PORTYAKOV, 2019).
Os resultados parciais de pesquisa inferem que considerações geoeconômicas e geopolíticas decorrentes dos três âmbitos avaliados a nível de unidade (o desequilíbrio material econômico-militar, a competição geopolítica na Ásia Central e a dinâmica de securitização/dessecuritização das relações energéticas) contrabalançam o ímpeto cooperativo proveniente da variável sistêmica e o tornam ambíguo. A dinâmica resultante é a resistência conjunta frente às pressões dos EUA e seus aliados no âmbito sistêmico (i.e. global balancing), ao mesmo tempo em que ocorre a competição (ou estratégias de hedging) em escala regional, em particular na Ásia Central. Porém, utilizando do método do “modelo centrado na agência estatal” (state agency centered model), consegue-se discernir um processo gradativo no qual as três perspectivas dissonantes em nível de unidade vêm sendo compensadas pela crescente afinidade normativa sob a liderança concomitante de Xi e Putin, ocasionando a diminuição de desavenças e o aprofundamento de pautas cooperativas sinérgicas (KOROLEV; PORTYAKOV, 2019; LUKIN; NOVIKOV, 2021; BOBO LO, 2023).
uma análise do compromisso local com a Agenda 2030 no contexto brasileiro
Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais
Autor(es): Edson Arthur do Reis Farias (Universidade Federal de Santa Maria), Joséli Fiorin Gomes (Universidade Federal de Santa Maria (UFSM))
Resumo:
Diante da atual dinâmica internacional, observa-se um espaço contínuo entre as esferas local e internacional, fazendo com que o direito internacional, com frequência, passe a adentrar na esfera interna (JOUANNET, 2013; TORELLY, 2016). Próxima a essa perspectiva, Sanchez (et al, 2006) identifica a política externa sob o viés da política pública, ao constatar que esse processo decisório tem-se dado em um espaço visto como um “continuum”, entre o local e o internacional, além de haver a interação com atores não estatais. Nessa dinâmica, torna-se evidente que as agendas internacionais, aqui entendidas como o reconhecimento de desafios enfrentados em várias localidades que exigem uma abordagem de política pública global, também evoluíram para se tornar cada vez mais internalizadas pelos Estados.
No contexto apresentado, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável se destaca como um exemplo significativo. Lançada pelas Nações Unidas em 2015, caracteriza-se por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Seu objetivo principal é alcançar o desenvolvimento sustentável em três áreas fundamentais: econômica, social e ambiental (UNITED NATIONS, 2015). No âmbito desses objetivos, que apresentam uma interconexão significativa entre si, o ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis – emerge como ponto crucial para o poder local, a medida que destaca seu papel fundamental na implementação das metas propostas pela Agenda 2030. Isso ocorre por meio do processo de localização, no qual as metas e objetivos globais são adaptados e implementados em nível local, reconhecendo assim o papel das autoridades locais na promoção do desenvolvimento sustentável (PARNELL, 2016; KLOPP; PETRETTA, 2017).
Com as cidades tornando-se relevantes para esse processo de implementação, o trabalho busca responder ao seguinte questionamento: qual a natureza do compromisso assumido pelos Municípios Brasileiros para a implementação da Agenda 2030, pela perspectiva do direito internacional. Ainda quais as possibilidades e limites postos pela Constituição brasileira em relação às atividades internacionais dos Municípios?
Nesse sentido, de forma geral, a pesquisa objetiva compreender o grau de responsabilidade das cidades em relação à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Visto isso, por situar-se entre os campos de Relações Internacionais e Direito Internacional, a mesma orienta-se por outros dois objetivos específicos. Primeiro, revisar a literatura do campo de relações internacionais e direito internacional em relação aos compromissos internacionais das cidades, além de abordar sobre a perspectiva do direito constitucional brasileiro. Segundamente, verifica-se se o processo de localização da Agenda 2030 (NARDONE, 2016), serve para gerar compromissos em nível local, a partir do exame dos documentos das Nações Unidas.
Por fim, nota-se que a literatura elementar aborda a relação do direito internacional com o nível local em condição de soft law, isto é, sem capacidade de vinculação ou obrigações (OOMEN; BAUMGÄRTEL, 2018). Contudo, busca-se através da revisão da literatura situar os municípios em um quadro de compromisso legal internacional e nacional, a vista do contexto brasileiro. Nesse sentido, a Agenda pós-2015 servirá como um ponto referencial para avaliar se esse arcabouço projetado ainda está alinhado com a dinâmica das cidades.
Vigiar e punir? Pornografia infantil em conflitos armados
Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
Autor(es): Fernanda da Silva (Universidade Federal de Santa Maria (UFSM))
Resumo:
A produção, distribuição e o consumo de pornografia infantil é um problema internacional. Afinal, devido às revoluções tecnológicas e à globalização, ele ganha um caráter transnacional crescente. A produção pode ocorrer em um Estado A, sua distribuição em B, seu consumo em C e os beneficiados financeiramente pelo produto residirem em D. Por isso, já existe o debate sobre o conceito e sua aplicação em âmbito doméstico e de caráter cooperativo, tanto no que tange ao que deve ser englobado quanto à questões de jurisdição. Ainda assim, trata-se de um crime em que a previsão legal dentro dos Estados e de organismos de cooperação internacional é falho. Sabendo disso, este trabalho recorre aos códigos dos Estados e de organismos internacionais associados à fontes teóricas secundárias para executar uma pesquisa explicativa exploratória. Nela, questiona-se: o que ocorre com vítima e criminoso em cenários de crise de capacidade estatal? O objetivo é analisar se há previsão legal: (a) de agravantes para materiais pornográficos produzidos na ausência do Estado; e (b) da jurisdição em que recai o julgamento do caso. Afinal, o estupro de crianças e adolescentes não é raro durante e após conflitos. Os perpetradores podem ser tanto combatentes quanto agentes de missões de paz, o que adiciona um nível de complexidade ao crime cometido tanto pela extrema vulnerabilidade da vítima, quanto pela possibilidade do autor do crime representar um Estado ou organização internacional interventora. Consequentemente, julgamentos pela justiça comum do Estado em que ocorreu o crime podem nunca ocorrer, pois o tempo para reestabelecimento da capacidade estatal ultrapassou o prazo de prescrição. Também é possível que que o Estado de origem do criminoso, o Estado em que ocorreu o ato e a organização ou Estado representado pelo autor do crime divirjam quanto à jurisdição do caso, gerando atrasos de natureza burocrática. Uma outra possibilidade é que, pela natureza do contexto, a responsabilidade seja transferida para tribunais de Justiça de Transição. Em todos, respostas ineficazes afetam a qualidade de vida das vítimas, pois estas vivem à sombra da violência sexual no momento do crime e de sua eternização em material gráfico, sendo constantemente revitimizadas. Trata-se, portanto, de uma ameaça à segurança humana que deve ser abordada tanto em tempos de guerra, quanto na paz. Como resultado parcial prévio, há a percepção de que os Estados tendem a legislar sobre pornografia infantil com foco nos períodos de paz, havendo pouca previsão para cenários de maior complexidade. Isso ocorre justamente porque exige a adoção de um conceito de pornografia infantil detalhado e bem definido pelo Estado, associado à legislações semelhantes em países aliados.
Zapatismo além-fronteiras: O EZLN e as Relações Internacionais (1994-2024)
Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa
Autor(es): Gabriela Oliveira Elesbão (UFRGS)
Resumo:
A presente pesquisa visa compreender a trajetória política do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) em seus trinta anos de atuação no México (1994 a 2024). Esta análise será conduzida através da contextualização da conjuntura político-econômica da região latino-americana durante a década de 1990. A partir do reconhecimento de que o EZLN é um ator não-estatal de grande destaque na América Latina (DARLING, 2008; DINERSTEIN, 2010; QUIJANO, 2010; ROSS, 2019; ROCHLIN, 2020; WALSH, 2018), e considerando ainda, que emergiu no mesmo período em que o Acordo de Livre Comércio das Américas (NAFTA) foi implementado entre México e Estados Unidos (1994), a pesquisa visa compreender a influência do EZLN na política externa mexicana e sua visibilidade no cenário internacional. A hipótese central é que o Exército Zapatista, como um movimento insurgente e crítico ao neoliberalismo (representado pelo NAFTA), desempenhou um papel significativo na formulação e nas negociações da política externa do México. Além disso, postula-se que a presença e as ações do EZLN no cenário internacional contribuíram para a projeção de sua mensagem política e para a articulação de questões relacionadas à autonomia dos povos indígenas e marginalizados em níveis globais. Dessa forma, a pesquisa busca analisar como o EZLN, por meio de suas atividades e narrativas, influenciou as decisões e as relações diplomáticas do México, ao mesmo tempo, em que se tornou um ator reconhecido no âmbito internacional, contribuindo para os debates sobre justiça social, direitos indígenas e alternativas políticas ao neoliberalismo. Para comprovar a hipótese, a metodologia será conduzida a partir da análise qualitativa para o mapeamento da ideologia do Exército Zapatista, seu contexto histórico, sua construção narrativa e influência internacional, fundamentada em análise bibliográfica e documental dos textos e panfletos lançados pelo EZLN (disponíveis em enlacezapatista.ezln.org.mx). Além disso, de maneira complementar, serão analisados relatórios de instituições mediadoras internacionais e também, reportagens e pareceres da imprensa internacional, tais como BBC, The Guardian e The New York Times e, possivelmente, jornais latino-americanos, a fim de verificar a caracterização do Exército Zapatista por esses meios e instituições.